RESUMO

Este trabalho busca abordar a responsabilidade do Município em decorrência do Poder de Polícia, abrangendo um breve estudo sobre o Poder de Polícia, a evolução histórica da responsabilidade do Estado por atos ou omissões de seus agentes, enfatizando a questão sob o prisma do direito brasileiro. O estudo da responsabilidade municipal por atos de polícia restringe-se à análise de problemas envolvendo as licenças, as edificações e os logradouros públicos.

Palavras-chaves:
Responsabilidade do Município - Responsabilidade do Estado - Poder de Polícia






































SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 O PODER DE POLÍCIA
1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO
1.2 CONCEITO
1.3 ATRIBUTOS
1.4 LIMITES
1.5 MEIOS DE ATUAÇÃO
2 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO
2.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE
2.2 TEORIAS SUBJETIVAS
2.3 TEORIAS OBJETIVAS
3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO BRASIL
4 RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO EM RAZÃO DO PODER DE POLÍCIA
4.1 RESPONSABILIDADE PELOS LICENCIAMENTOS
4.2 RESPONSABILIDADE PELA POLÍCIA DAS EDIFICAÇÕES
4.3 RESPONSABILIDADE PELA POLÍCIA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS
CONCLUSÃO




















INTRODUÇÃO

O Estado, em nome da supremacia do interesse público sobre o particular, em especial o Município ao exercer o seu Poder de Polícia estabelece com os cidadãos várias e permanentes relações, sendo que deste relacionamento muitas conseqüências poderão surgir, inclusive prejuízos patrimoniais aos seus municíipes.
Primeiramente, procederemos a um sucinto estudo sobre o Poder de Polícia, com o objetivo de analisar sua evolução histórica e conceituá-lo, bem como esclarecer seus fins, limites, atributos e meios de atuação, vinculando-o com o tema da responsabilidade civil do Estado.
Contudo, antes de adentrar ao assunto da responsabilidade decorrente do Poder de Polícia, trataremos de analisar a história do instituto, bem como as mais significativas teorias que envolvem responsabilização estatal ao longo do tempo, as quais servem como um referencial teórico para este estudo.
Tendo-se em foco a Constituição da República de 1988, examinaremos a responsabilidade objetiva do Estado, fundada na Teoria do Risco Administrativo, pesquisando os seus pressupostos e suas excludentes, a fim de tratarmos sobre a responsabilização municipal em função do Poder de Polícia.
Neste sentido, o presente trabalho abordará o tema sobre os licenciamentos e atividades fiscalizatórias do Município, potencialmente, capazes de causar danos aos administrados e propiciar demandas indenizatórias. Especialmente, são focalizadas as questões envolvendo licenças, polícia das edificações e dos logradouros públicos, uma vez que estas atividades estão ligadas ao Poder de Polícia municipal.


1 O PODER DE POLÍCIA

Dentre os poderes administrativos que o Estado possui, se sobressai o Poder de Polícia Administrativa, que possui competências exclusivas e concorrentes da União, dos Estados da Federação e dos Municípios, em razão da descentralização político-administrativa do sistema constitucional, além do mais, este poder é inerente e se propaga por toda a Administração Pública se distinguindo da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública que são privativas de determinados órgãos ou corporações.
Em principio, os cidadãos dentro das fronteiras do Município estruturam suas vidas e estabelecem relações, tanto com os seus pares quanto com a cidade em si, sob normas e regras provindas da Administração Pública que limitam e restringem os exercícios de seus direitos, assegurando a coexistência entre os cidadãos.
Assim, como os direitos constitucionais a cidadania, a dignidade da pessoa humana (art. 1º., incisos II e III, da Constituição da República), e as garantias individuais (art. 5º., da Constituição da República) devem ter sua interpretação de forma relativa, o exercício do Poder de Polícia por parte da Administração não pode e nem deve ser absoluto e toda a vez que causar prejuízos inaceitáveis aos particulares, ensejará sua responsabilidade. Esta responsabilização é, em suma, o objeto deste estudo. Contudo, antes, vamos fazer algumas reflexões sobre o Poder de Polícia.

1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO

Antes do século XIX, já nas antigas cidades gregas (polis), a vigilância pública fazia-se mister, sendo que este poder de vigilância estendeu-se até a urbe romana. Daí afirmar-se que o vocábulo "polícia" tem origem tanto no latim (politia) como no grego (politeia), contudo a palavra "Poder de Policia", para alguns doutrinadores teria surgido primeiramente no direito Americano, referindo-se a um conjunto de regulamentos internos com o intuito de preservar a ordem e garantir as pessoas à satisfação constante do próprio direito.
Na Idade Média, no âmbito das comunas européias, a polícia administrativa era muito semelhante àquela que atualmente temos: havia licenças para construção, regras quanto ao alinhamento das edificações e polícia sanitária. Após a Revolução Francesa, o Poder de Polícia passou a ser encarada como parte da Administração Pública que restringia o exercício dos direitos individuais tendo como fins a manutenção da ordem, da tranqüilidade e da salubridade públicas.
Atualmente, com o crescimento das cidades e da população, as atividades humanas aumentaram, afluindo os conflitos entre os direitos individuais e as exigências de cunho social e coletivo. O direito brasileiro passa a entender o Poder de Polícia como a "atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em beneficio do interesse público" (DI PIETRO, M. S. Z. 2007, p.105).
No âmbito municipal, este poder administrativo preventivo e repressivo marca sua presença em todos os assuntos de interesse local, normalmente sobre aqueles que afetam a vida da cidade e o bem-estar de seus habitantes. Fazendo-se de grande importância a coexistência equilibrada entre os direitos dos particulares e os direitos coletivos.

1.2 CONCEITO

Como se viu, o direito brasileiro passou a entender o Poder de Polícia como um poder da Administração de limitar, de modo direto, com base legal, liberdades fundamentais, em prol do bem comum (MEDAUAR, Odete. 2006, p.333), percebe-se que dessa expressão o Poder de Polícia nos transmite a idéia de vigilância, no sentido de regular e tornar viável a vida nas cidades.
No que diz respeito ao Professor Juarez Freitas, este caracteriza o Poder de Polícia como
O exercício de um poder-dever subordinado aos princípios superiores regentes da Administração Pública, que consiste em registrar ou limitar, de modo gratuito e sobretudo preventivo, a liberdade e a propriedade, de maneira a obter, mais positiva do que negativamente, uma ordem pública capaz de viabilizar e de universalizar a coexistência das liberdades ( FREITAS, J. 1995, p.61).

1.3 ATRIBUTOS

O Poder de Polícia, como já mencionamos, tem por finalidade preservar a ordem pública, bem como estabelecer para os cidadãos regras que se supõe necessárias para evitar conflito de direitos e preservar o gozo continuo de seus direitos até onde for compatível com os direitos dos demais. Nesta função conciliatória, que visa o bem-comum, costuma-se apontar a discricionariedade como característica. Com base nela, a Administração, segundo oportunidade, conveniência e dentro dos seus limites, pode impor aos particulares determinações, restrições, limitações e mesmo aplicar sanções, a fim de preservar ou garantir o interesse público.
Porém, nem sempre o Poder de Polícia será discricionário, há hipóteses em que a lei impõe determinados requisitos a Administração Pública, a qual terá que se subordinar sem qualquer possibilidade de escolha. Exemplo de Poder de Polícia Vinculado é o da licença para o exercício de atividades, uma vez que a lei prevê as condições as quais a Administração é obrigada a conceder o alvará.
Outro atributo do Poder de Polícia é a auto-executoriedade. Por ela, a Administração pode decidir e com seus próprios meios executar as suas decisões, sem a intervenção do judiciário, já que, muitas vezes, a contenção de uma atividade anti-social, perniciosa ao interesse social, exige uma imediata e eficaz atuação, não podendo aguardar a morosidade de um processo judicial. Neste contexto, principalmente o Município, que através da Administração pode expedir e cassar licenças, impor limitações e restrições, fiscalizar, ordenar e disciplinar comportamentos e atividades, fazendo executar suas determinações, independentemente, de autorização judicial, podendo, inclusive, se necessário for, requisitar a força policial, desde que a sua atuação seja movida pela preservação do interesse público.
Além de discricionários e auto-executórios, os atos decorrentes do Poder de Polícia precisam ser obrigatórios para os destinatários: aqui temos então o terceiro atributo, a coercibilidade. Por ela é que se justifica o emprego da força pública em face de alguma oposição do administrado, mas não ficam autorizados os excessos, já que estes, se ocasionarem prejuízos inaceitáveis, propiciam ao prejudicado direito à indenização.

1.4 LIMITES

Comumente, hoje em dia nos deparamos com uma imensa abrangência do Poder de Polícia abrangendo cada vez mais direitos e atividades da sociedade, destacando-se as polícias das edificações, dos logradouros públicos, do ambiente, sanitária, de trânsito, etc. Todas estas polícias decorrem da existência de interesse social, buscando o equilíbrio entre os direitos individuais, que possui por fundamento o principio da supremacia do interesse público sobre o particular.
Outro limite a restringir as atividades inerentes ao Poder de Polícia é o principio da legalidade, pois os atos da Administração são exercidos nos termos e limites da lei. Desta forma, a utilização de meios coativos por parte da Administração deve ser exercida com extrema cautela, jamais impondo aos particulares restrições mais enérgicas do que as previstas na legislação.

1.5 MEIOS DE ATUAÇÃO

Para conferir efetividade ao Poder de Polícia a Administração dispõe de meios capazes de comprimir, minimizar ou mesmo excluir interesses individuais em prol de interesses coletivos, harmonizando a utilização da liberdade e da propriedade com os anseios maiores da sociedade. Estes meios de atuação abrangem tanto atos normativos quanto os administrativos.
Através do ato normativo de alcance geral, ou seja, a lei, o Estado, disciplina as vontades individuais por meio de restrições e limitações, objetivando manter o equilíbrio entre a fruição dos direitos de cada cidadão com o interesse da coletividade, e para efetivar esta atuação disciplinadora, Poder Executivo poderá expedir decretos, resoluções, portarias e instruções.
Outro meio de atuação do Poder de Polícia é o ato administrativo, sendo que este deve observar princípio da legalidade, bem como os demais princípios regentes da Administração Pública e da atual Constituição da República, abrangendo medidas de natureza preventiva e repressiva que podem ensejar exageros e desvios de finalidades capazes de ocasionar prejuízos aos particulares.


2 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Da total irresponsabilidade do Estado, existente outrora, evoluiu-se para a responsabilidade objetiva, isto é, a responsabilidade independente de culpa, como bem se poderá ver na análise das diversas teorias que buscaram tratar a questão.

2.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE

Sob o domínio da soberania estatal e considerando-se que o Estado atuava em prol do bem-estar social, argumentava-se que de sua atividade não poderia surgir prejuízo aos particulares, pois a mesma estava voltada para o interesse coletivo. Tratava-se do período do absolutismo, onde a noção de responsabilidade estatal era inexistente.
Ora, o Estado, no exercício da tutela do direito, ostentava posição soberana e visava ao bem-comum, não podendo, desta forma, ser responsabilizado por eventuais danos causados aos particulares. Naquela época, em especial a partir do século XVI, imperavam os regimes autocratas, o que tolhia qualquer pretensão de responsabilizar o Estado por alguma atividade danosa em relação aos administrados, que nada podiam fazer a não ser curvar-se diante da vontade soberana do monarca, que, sendo o próprio Estado, era irresponsável e irresponsabilizável.
Entretanto, esta forma de encarar este intrincado problema foi superado ao longo do tempo por causa de sua nítida injustiça, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao afirmar que o Estado como pessoa jurídica titular de direitos e obrigações não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros.
Os últimos países a utilizar teoria da irresponsabilidade foram os Estados Unidos da América do Norte, em 1946 por meio do Federal Tort Claim Act, e na Inglaterra em 1947 pela Crown Proceeding Act.
Com a superação da tese da irresponsabilidade estatal, vieram a lume as teorias civilistas, que representaram um progresso no exame da responsabilidade do Estado.

2.2 TEORIAS SUBJETIVAS

No decorrer do século XIX restou superada a tese da irresponsabilidade estatal e passou-se a fundamentar a responsabilização do Estado na noção de culpa, conceito tomado emprestado do direito civil..
Inicialmente, dentre os atos da administração, estremavam-se os atos de império dos atos de gestão, para fins de exame da responsabilidade estatal e o conseqüente dever de indenizar.
Os atos de império enfeixavam os privilégios e as prerrogativas do Estado que, atuando no sentido do bem-comum, amparado num direito especial, gerador de regras de imposição unilateral e coercitiva, era totalmente irresponsável. Estes atos o particular não poderia praticar.
Nesta visada, distinguia-se a pessoa do rei da pessoa do Estado: aquele era insuscetível a erro (The King can do no wrong), e, praticando atos de império, o monarca era considerado irresponsável, o que acabava inibindo qualquer pretensão ressarcitória do administrado que tivesse algum direito lesado por atos de tal monta.
De outra banda, os atos de gestão eram aqueles inerentes à função administrativa, tais como, conservação e desenvolvimento do patrimônio, serviços e obras públicas, atividades fiscalizatórias decorrentes do Poder de Polícia, entre outras, praticados diretamente pela administração ou através de prepostos. Na prática destes atos, o Estado não ostentava privilégios e era equiparado aos particulares, ou seja, se de sua atuação adviesse prejuízo a alguém, era-lhe imposta responsabilidade.
Mas, diante da grande dificuldade em identificar o que era ato de império e o que era ato de gestão, paulatinamente abandonou-se este pensar e passou-se a admitir a responsabilização do Estado desde que ficasse demonstrada a sua culpa. Entretanto, esta demonstração de culpa era árdua e muito difícil para o cidadão, que postulava o seu direito frente a um Estado poderoso, repleto de privilégios, havendo uma desigualdade entre as partes envolvidas.
Logicamente, é de se concluir que a simples transposição de um conceito do direito privado, qual seja a culpa civil, para o direito público, embora tenha sido um avanço no estudo da responsabilidade do Estado, não trouxe uma solução satisfatória para o problema sob exame.

2.3 TEORIAS OBJETIVAS

Com o advento das teorias objetivas, houve a desvinculação da responsabilidade do Estado da idéia de culpa do funcionário, evoluindo-se para a responsabilidade objetiva.


3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO BRASIL

No Brasil a Constituição da República de 1988, em seu art. 37, § 6º., a chamada "Constituição Cidadã", de Ulysses Guimarães, optou pela responsabilidade objetiva do Estado no que tange aos danos causados a terceiros, porém sob a forma de risco administrativo, sendo que a responsabilização estatal poderá ser afastada ou mitigada dependendo das circunstâncias.
Também discorrendo sobre o tema, José Afonso da Silva, chega a qualificar a responsabilidade como um dos princípios constitucionais da Administração Pública, pois, segundo ele, este pensar é o que mais se amolda aos ditames do Estado de Direito .
É de salientar-se que o mandamento constitucional estendeu a responsabilidade objetiva às pessoas de direito privado que prestam serviço público por delegação de competência do estado (concessionárias, permissionárias e demais entidades de administração indireta por delegação legal).
Dessa forma, quando o cidadão vê-se em prejuízo decorrente da ação ou omissão de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público, não se cogita da existência de culpa, bastando a configuração do nexo entre o atuar da Administração e o dano sofrido, para que fique consubstanciada a obrigar de indenizar.

4 RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO EM FUNÇÃO DO PODER DE POLÍCIA

Como demonstrado nos capítulos anteriores, o Poder de Polícia é o meio que a Administração utiliza, impõe limites ao exercício de direitos e liberdades para alcançar os interesses coletivos.
O Poder de Polícia é relativo, tendo em vista que sua atuação encontra limites, pois lhe é defeso impor sacrifícios desproporcionais aos cidadãos. Esta delimitação não permite que a Administração ao atuar cometa abusos ou que aja omissivamente ou negligentemente, portanto, se houver dano atípico e excepcional ou sacrifícios intoleráveis aos particulares, o Poder Público deverá ser obrigado a reparar os prejuízos advindos de sua ação ou omissão.
A responsabilidade, elencada no art. 37, § 6º, da Constituição da República, é objetiva, baseada na Teoria do Risco Administrativo, sendo bastante que o lesado demonstre a ocorrência do dano, a ação ou omissão administrativa, a existência de nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão administrativa e a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal, para ver-se indenizado. Basicamente, neste capítulo, analisaremos a responsabilidade municipal decorrente dos licenciamentos e das polícias das edificações e dos logradouros públicos, temas estes que guardam estreita relação com o Poder de Polícia.

4.1 RESPONSABILIDADE PELOS LICENCIAMENTOS

A Administração exterioriza o seu Poder de Polícia de diversos modos, entre eles esta a licença, cujo instrumento é o alvará. Exemplos de licenças são: a licença para edificar, a licença para habitar, a licença ambiental, a licença de funcionamento e outras.
A licença é ato administrativo vinculado, resultado obtido pelo interessado que satisfez a todas as exigências legais do Poder Público, não sendo possível ser negado a sua expedição. Se, por motivos adversos àqueles exigidos em lei, for negado a solicitação, a Administração poderá ser responsabilizada pelos prejuízos eventualmente sofridos pelo requerente, tendo em vista que esta responsabilidade é objetiva.
A demora da expedição do alvará de licenciamento, motivado pelo atraso da vistoria, pode determinar a responsabilidade civil da Administração, ao qual precisa ser bastante ágil e diligente ao deferir o alvará, devendo analisar se o pedido contempla as exigências previstas na legislação pertinente, uma vez que o licenciamento mal expedido poderá gerar a responsabilidade do Poder Público. Entretanto, o alvará defeituoso poderá ser anulado pelo próprio setor que a expediu, tendo seus efeitos ex tunc.
O destinatário de má-fé tirou vantagem desta licença ilegal, não poderá exigir qualquer responsabilidade da Administração. Contudo, o terceiro de boa-fé, prejudicado pelo ato administrativo nulo, tem o direito de cobrar a indenização por parte da Administração, tomemos o exemplo a emissão negligente do certificado de propriedade do veículo, que omite a indicação do vínculo de alienação fiduciária, que, sendo posteriormente vendido, acaba sofrendo uma busca e apreensão. Como o automóvel foi indevidamente licenciado para transitar, o Estado foi demandado pelo comprador de boa-fé, obrigando-se a indenizá-lo, diante de sua responsabilidade objetiva.
Por outro lado, a Administração dependendo das circunstâncias poderá revogar ou cassar a licença regularmente expedida.
A revogação ocorre por razões de mérito, isto é, por conveniência e oportunidade, no atendimento do interesse público superveniente e justificado, comportando, no entanto, indenização se dela advier prejuízo ao particular interessado.
No entanto, a cassação não envolve questão de mérito, uma vez que o seu fundamento reside no fato de o interessado não preenche mais as exigências legais relativas ao objeto do licenciamento. Pela cassação, a Administração não pode ser responsabilizada frente o destinatário da licença. Entretanto, se a cassação não ocorre e sobrevenham danos a terceiros, pela omissão ou deficiência do poder fiscalizatório da Administração, esta responde objetivamente.

4.2 RESPONSABILIDADE PELA POLÍCIA DAS EDIFICAÇÕES

Sabemos que o direito de construir é relativo, já que o proprietário tem que seguir as exigências de segurança, higiene e funcionalidade. Sua vontade nesta área é restringida especialmente, pelas normas urbanísticas e edilícias que, em última instância, acabam disciplinando o uso da liberdade e da propriedade com os interesses da cidade.
Com base no poder municipal de controle das edificações, a Administração tem o poder-dever não só de licenciar as construções, mas também fiscalizá-las, tendo por base leal o art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal.
Se a edificação não é precedida do devido licenciamento, é denominada clandestina e em razão do Poder de Polícia, o Município deverá promover a autuação do proprietário, a fim de que este regularize a construção, adequando-a as normas edilícias, ou embargar as obras em andamento, bem como realizar a interdição da edificação se a mesma estiver trazendo riscos potenciais à coletividade.
Se o Município, diante de obra clandestina, mantiver-se omisso, na ocorrência de dano a terceiro, poderá ser responsabilizado objetivamente pelo fato, desde que fique comprovada a existência dos elementos ensejadores da responsabilidade objetiva do Estado.
Outra situação que pode acarretar algum incidente diz respeito à existência de marquises nos prédios. As marquises, localizando-se acima do passeio público, em caso de desabamento, podem causar prejuízos à integridade física dos pedestres, ou mesmos aos automóveis e outros bens materiais que ficam nas adjacências. Por isto, o Município não pode eximir-se do seu dever de fiscalização, chagando ao ponto de ser exigidos laudos de conservação, bem como as providências necessárias para suprir os riscos.

4.3 RESPONSABILIDADE PELA POLÍCIA DOS LOGRADOUROS PÚBLICOS

As obras e serviços, muitas vezes, implicam acúmulo de materiais e aberturas de buracos, capazes de causarem acidentes envolvendo não somente automóveis, mas também pedestres etc. Por essa razão, as autoridades administrativas, no desempenho do Poder de Polícia, precisam manter-se vigilantes, observando se as obras e serviços estão sendo executados em conformidade como o licenciamento, bem como se existe sinalização adequada.
A omissão na cassação de uma licença de obras e serviços em vias públicas, executados em desacordo com o licenciamento, pode acarretar responsabilidade do Poder Público. Poe sua vez, o acúmulo de materiais e a falta de sinalização configuram omissão ou deficiente exercício do Poder de Polícia, e toda vez que houver dano aos particulares, a Administração será compelida a indenizar, desde que reste comprovado os elementos ensejadores da responsabilidade do Estado. Para melhor entendermos essa situação, tomemos por exemplo uma obra pública, devidamente licenciada, mas que pela falta de sinalização acabou gerando um sinistro a terceiro, uma vez que se o Município, tivesse exercido bem o seu poder fiscalizador, determinando as providências que se faziam necessária, ou cassado a licença, teria evitado o evento danoso.
No que se refere ainda à polícia dos logradouros públicos, especialmente quanto aos defeitos nas vias públicas, em face da deficiência na fiscalização e conservação, são freqüentes as condenações das municipalidades, já que as sinalizações de alerta aos usuários nem sempre existem ou se existem são deficientes.
Outro ponto pertinente à responsabilidade municipal em face do Poder de Polícia diz com os passeios públicos. O policiamento dos logradouros públicos também envolve a polícia dos passeios, uma vez que estes, quando deteriorados, podem causar acidentes, em especial a pedestres, ocasionando demandas judiciais contra a Administração.
Embora a manutenção do passeio fronteiro seja obrigação do proprietário, ao Município é vedado escusar-se de seu dever de fiscalização, tendo em vista, que os cidadãos esperam a atuação do Poder Público, fiscalizando, determinando providências ou mesmo agindo diretamente.
Ainda referente à polícia dos logradouros públicos, trataremos do problema das árvores plantadas nas vias públicas, uma vez que poderá causar acidentes com danos a particulares, se o plantio e a conservação das árvores não forem adequadamente efetivados.
A presença de animais nas ruas também é pertinente a polícia dos logradouros públicos e a omissão, falha ou deficiência na fiscalização podem ocasionar uma ação indenizatória contra o Poder Público.
Como demonstrado à polícia dos logradouros públicos é tema pertinente ao Município, que por força do Poder de Polícia disciplina o uso dos espaços públicos, com o objetivo de resguardar os interesses da cidade. Na ocorrência de uma ação ou omissão, falha ou deficiência do policiamento administrativo, podem ocorrer prejuízos a cidadãos, acarretando o dever de indenizar por parte da Administração, sendo a responsabilidade objetiva ou subjetiva dependendo do fato concreto.



CONCLUSÃO

Os cidadãos nos Município estruturam suas vidas e estabelecem relações, tanto com as demais pessoas quanto com a cidade. Esta convivência necessita ser harmoniosa, tendo-se como predominante, o interesse público sobre o particular. Partindo desta premissa, o Poder de Polícia assume grande importância, tendo em vista que o seu objetivo é justamente impor limites ao uso da liberdade e da propriedade diante do interesse de toda a sociedade.
O Poder de Polícia, que é inerente à Administração, possui um caráter relativo, uma vez que precisa agir de forma precisa e dentro dos limites impostos pela lei, pelos princípios regentes da Administração Pública e pelos princípios explícitos e implícitos constantes na Constituição da República. Razão pela qual, em caso de omissão ou extravasamento dos limites, a Administração poderá ser obrigada a indenizar os prejuízos sofridos pelas pessoas.
No entanto, a responsabilidade do Poder Público por atos ou omissões de seus agentes sempre foi controvertida ao logo da história. Primeiramente, tinha-se a total irresponsabilidade, evoluindo-se para as teorias subjetivas, onde se perquiria a culpa. Atualmente o problema é informado pelas teorias objetivas.
A Constituição brasileira de 1988 consagrou a responsabilidade da Administração Pública por atos de seus agentes, sob a modalidade do risco administrativo, conforme demonstrado no art. 37, § 6º. No exercício de seu Poder de Polícia, através de seus agentes, a Administração pratica atos, que podem causar prejuízos aos cidadãos e não podem ficar isentos da responsabilização.
Dessa forma, nas atividades decorrentes do Poder de Polícia, na ocorrência de danos por agente da Administração, o Poder Público, incluindo-se Município, responde objetivamente, sendo bastante ao prejudicado demonstrar o nexo causal entre o evento danoso e a ação do Poder Público. Já nos casos de omissão por parte da Administração a responsabilidade se baseia na culpa na modalidade de negligência ou imprudência sendo inaplicável, no caso a teoria do risco administrativo.
No âmbito Municipal, entre os atos inerentes ao do Poder de Polícia, temos os licenciamentos e as atividades fiscalizatórias propriamente ditas, tais como, as polícias das edificações e dos logradouros públicos, sobre os quais este trabalho trata, concluindo-se que a responsabilidade do Município, na ocorrência de falhas, omissões, com prejuízos aos administrados é subjetiva. Contudo há responsabilidade objetiva, consagrada no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil, para os demais casos.
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