UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH – CAMPUS VI

COLEGIADO DE LETRAS

 

 

 

 

Genilson Dias Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

A REPRESENTAÇÃO DA VARIANTE LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAETITÉ

2013



Genilson Dias Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A REPRESENTAÇÃO DA VARIANTE LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL

 

 

 

 

Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas – Campus VI, como requisito de obtenção de grau no curso de Licenciatura em Letras Vernáculas sob orientação do professor Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAETITÉ

2013



FOLHA DE APROVAÇÃO

 

 

 

 

Genilson Dias Silva

 

 

A REPRESENTAÇÃO DA VARIANTE LINGUÍSTICA NORDESTINA NA LITERATURA DE CORDEL

 

 

Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas – Campus VI, como requisito de obtenção de grau no curso de Licenciatura em Letras Vernáculas.

 

 

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos - Orientador

Conceito:        ______________                               _______________________

                                                                                                          rubrica

Prof.ª Dr.ª Patrícia Kátia da Costa Pina - Examinador

Conceito:        ______________                               _______________________

                                                                                                          rubrica

Prof. Msc. Edmilson de Sena Morais - Examindaor

Conceito:        ______________                               _______________________

                                                                                                          rubrica

 

 

 

 

 

CAETITÉ

2013

 

DEDICATÓRIA

 

Dedico aos meus familiares, que me apoiaram ao longo desse processo de formação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SILVA, Genilson Dias (2013). A representação da variante linguística nordestina na literatura de cordel. TCC – Licenciatura em Letras. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos. Caetité: UNEB/ DCH – Campus VI, 45p.

 

RESUMO

 

Este trabalho analisa em que medida a literatura de cordel representa, em seus textos, o português falado no Nordeste brasileiro, verificando os (des)usos da variante linguística por parte dos criadores desta literatura. Para a compreensão da literatura de cordel e do universo da literatura popular, utilizaram-se os estudos de Luyten (2005), Haurélio (2010) e Ribeiro (1987). As reflexões acerca da variação linguística do português brasileiro foram embasadas em Leite; Callou (2002), e Bagno (2007); as que tratam especificamente do falar nordestino, não só neles, mas também em Marroquim (1996 [1934]). A partir dessa base teórica, foi possível analisar os documentos textuais integrantes a Antologia do Cordel Brasileiro, organizada por Haurélio (2010) e encontrar respostas às indagações iniciais, atingindo-se, assim, os objetivos propostos pela pesquisa.

Palavras-chave: Literatura de Cordel. Poesia popular. Falar nordestino.

SILVA, Genilson Dias (2013). Representation of Northeastern Brazilian Portuguese dialect on pamphlet literature. Final Composition – Undergraduation Teacher Course on Letters. Conductdor: Prof. Dr. Ricardo Tupiniquim Ramos. Caetite: UNEB/ DCH – Campis VI, 45p.

ABSTRACT

This paper examines how texts belonged to pamphlet literature represent the Northeastern Brazilian Portuguese dialects, checking the (un)uses of this linguistic variant by the creators of this literature. To understand the pamphlet literature and the world of popular literature, we used the studies Luyten (2005), Haurélio (2010) and Ribeiro (1987). Reflections on the Brazilian Portuguese language variation were based on Leite; Callou (2002) and Bagno (2007); those specifically about the Northeastern spoken, not only on them, but also on Marroquim (1996 [1934]). From this theoretical basis, it was possible to analyze the textual documents members of the Antologia do Cordel Brasileiro (Anthology of Brazilian Pamphlet Literature), organized by Haurélio (2010) and answer initial questions, reaching up, so, the objectives proposed by the research.

Keywords: Pamphlet Literature. Popular poetry. Northeastern Brazilian Portuguese dialect.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

1 Introdução ..............................................................................................................8

 

2 Revisão de Literatura ...........................................................................................10

 

3 Descrição e Análise de Dados .............................................................................30

 

4 Considerações Finais ...........................................................................................42

 

Referências ...............................................................................................................44

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Este trabalho pretende analisar em que medida a literatura de cordel representa, em seus textos, o português falado no Nordeste brasileiro, buscando as variantes linguísticas nordestinas nos cordéis selecionados. Dessa forma, será preciso caracterizar o cordel como um gênero da literatura popular, distinguindo-o de outras manifestações irmãs. Também vai ser necessária a identificação dos traços da variante nordestina na literatura especializada para, a par disso, identificarmos os usos e desusos desses traços nos textos de cordel selecionados.

A obra a ser analisada é Antologia do Cordel Brasileiro, que reúne quinze histórias de cordel, selecionadas e apresentadas pelo poeta e pesquisador baiano Marco Haurélio. Esta coletânea lançada em 2012 pela editora Global de São Paulo, conta com as xilogravuras de Erivaldo Ferreira da Silva, reunindo textos célebres do cordel nordestino desde Leandro Gomes de Barros (o grande precursor), passando por nomes importantes desde literatura como Manoel D’Almeida Filho, Francisco Sales Arêda, até chegar à novíssima geração de cordelistas como Klévisson Viana e Marco Haurélio.

Quanto à teoria adotada, são trazidas à baila as ideias de Joseph Maria Luyten, Marco Haurélio e Lêda Ribeiro, estes estudiosos do universo da literatura popular e da literatura de cordel; Yonne Leite & Dinah Callou, Mário Marroquim e Marcos Bagno que são estudiosos da linguagem em seus mais variados aspectos.

O percurso investigativo acontece através de pesquisa bibliográfica em livros especializados, capítulos e artigos publicados.

Primeiramente revisa-se a bibliografia acerca da literatura de cordel e que a caracterize como um dos gêneros da literatura popular. Para o primeiro intuito as concepções de Joseph Luyten e Marco Haurélio são bem pertinentes, já Lêda Ribeiro contribui com as ideias apresentadas sobre literatura popular.

Em um segundo momento, torna-se necessário uma revisão bibliográfica que traga concepções linguísticas relacionadas à linguagem, destacando características da língua nordestina. Yonne Leite & Dinah Callou e Marcos Bagno contribuem com conceitos fundamentais para entendermos as variantes linguísticas e Mário Marroquim faz um estudo interessante sobre o português falado no Nordeste no dia-a-dia deste povo.

Após isso, adentra-se na análise da Antologia organizada por Marco Haurélio com a intensão de encontrar respostas para o problema investigado. A escolha do corpus é pelo fato de entender que este representa bem a literatura de cordel em seus mais variados rumos, sendo possível averiguar em que medida esse gênero literário se apropria de elementos da variante nordestina.

               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 REVISÃO DE LITERATURA

 

 

2.1 Literatura de cordel, gênero da literatura popular

 

A literatura de cordel é assim chamada devido à forma como eram expostos e vendidos os versos dessa poesia em Portugal, sendo registrados à mão (antes da imprensa de Gutemberg), distribuídos em folhas soltas e penduradas numa espécie de corda, como se coloca roupas no varal, ou seja, a palavra cordel vem de corda. Hoje se sabe que esta forma de propagar o cordel não foi algo tão representativo, o mais comum sempre foi a comercialização em barracas e estandes, em feiras e outros pontos movimentados.

Existem muitas polêmicas em relação à definição do que é ou não cordel, pois, sendo um estilo literário advindo da oralidade e do universo popular, muitas vezes se confunde o cordel com outras manifestações populares irmãs como o repente e a embolada. Sendo que o cordel é literatura popular em versos, portanto, para ser lida ou declamada, enquanto aqueles são poesia popular cantada, é também música. Uma definição cabível sobre o cordel e sua propagação é dada pelo cordelista e pesquisador Marco Haurélio:

a literatura de cordel é a poesia popular, herdada do romanceiro tradicional, e, em linhas gerais, da literatura oral (em especial dos contos populares), desenvolvida no Nordeste e espalhada por todo o Brasil pelas muitas diásporas sertanejas. (HAURÉLIO, 2010, p.16).

Quanto ao seu aspecto formal, a literatura de cordel tem peculiaridades que a separa de suas raízes mais próximas, apesar de haver semelhanças formais. O repente, por exemplo, utiliza, em muitas de suas criações, o estilo de rima e de entonação peculiar ao cordel, o que, segundo a pesquisadora Lêda Tâmega Ribeiro, se deve ao fato de ambas as modalidades advirem da poesia popular e seus autores serem inspirados nos antigos menestréis. (RIBEIRO, 1987).

Dessa forma, é muito comum no cordel o uso de estrofes que utilizam seis versos com sete sílabas cada uma, as chamadas sextilhas (que representam 80% do cordel impresso), mas também há uma variedade enorme de formas poéticas adotadas pelos cordelistas como a setessilábica, a quadra e as estrofes de dez versos e dez sílabas, estas chamadas de “martelo agalopado”.

A seguir um exemplo de sextilha de autoria do poeta José Francisco de Souza:

O Cantador Repentista

Canta por convicção

Tem presença de espírito

Para qualquer narração

Representa muito bem

As belezas do sertão.

(SOUZA apud LUYTEN, 2005, p.54).

Em relação aos temas e aos gêneros, o cordel apresenta as pelejas, as aventuras, os romances históricos, as histórias de amor e as narrações de acontecimentos da atualidade. O romance nessa literatura corresponde ao número de páginas, esses possuem 24, 32, 48 ou 64; o chamado folheto possui 4, 8 ou 16 páginas e há ainda a chamada folha volante ou folha solta, não existindo uma organização rigorosa.

Essas características não representa algo homogêneo, mas, grosso modo, diz o que é e o que não é cordel. Mas, para entender este fazer poético de hoje, é preciso verificar de onde e como veio esta expressão literária.

De acordo com Luyten (2005) a literatura popular aparece no mundo ocidental no século XII, como manifestação leiga independente do sistema eclesiástico (católico) e consequentemente fora do padrão linguístico da Igreja (latim). Os primeiros registros foram em linguagem regional, uma vez que não se podia sair dos feudos a não ser em guerra e peregrinação. E foi, segundo Luyten (2005), justamente nos grandes pontos de peregrinação da Idade Média, Roma (Santa Sé), Jerusalém e Santiago de Compostela, que começa a trajetória da literatura popular no Ocidente. Nestas três cidades ocorriam os encontros dos poetas nômades (menestréis, trovadores e jograis) ou poetas andarilhos.

Com isso, é quase consenso entre os pesquisadores que foi esta a gênese histórica de nossa poesia popular nordestina, mas tem aqueles que vão além e arriscam a precisar que

A literatura de cordel é, sem dúvida, herdeira da tradição medieval, mas não daquela que se criou e desenvolveu no sul da França pela arte dos ‘troubadours’. Não, suas raízes devem ser procuradas mais ao norte, na Normandia, na Flandres, na Picardia, melhor dizendo, nos cantões de ‘langue d’oil’, com os ‘trouvères’ criadores das ‘chansons de geste’. (RIBEIRO, 1987, p.80).

A canção de gesta e o romance de cavalaria são os parentes europeus mais próximos da literatura popular latino-americana e, consequentemente da literatura de cordel. Há registros, conforme diz Haurélio (2010), que provam que o cordel, ou o seu substrato, chegou ao Brasil a bordo das primeiras caravelas lusitanas. Contudo, foi somente no final do século XIX que, de fato, “surgiu” a Literatura de Cordel Brasileira, “fruto da confluência para a cidade do Recife, de quatro poetas nascidos na Paraíba. Silvino Pirauá de Lima, Leandro Gomes de Barros, Francisco das Chagas Batista e João Martins de Athayde”. (HAURÉLIO, 2010, p.13). O segundo desta lista é considerado o pai do Cordel brasileiro e o Dia do cordelista, 19 de novembro, marca a data de seu nascimento, em sua homenagem.

Apesar do século XIX ter sido o período do florescimento, do ressurgimento ou até do surgimento, como prefere o citado autor, é inegável a influência daqueles primeiros versos trazidos nas caravelas, com seus jograis de gesta e com a epopeia carolíngia. Por falar na epopeia carolíngia, esta história foi a mais conhecida no sertão nordestino e “raríssima no sertão seria a casa sem a História de Carlos Magno, nas velhas edições portuguesas”. (CASCUDO apud RIBEIRO, 1987, p.86). A História de Carlos Magno e os Dozes Pares de França era transmitida pelas poucas pessoas que sabiam ler, numa época sem nenhum outro meio de comunicação. Assim, se espalhou e tornou-se tema recorrente na literatura de cordel.

Essa literatura encontrou no Nordeste (um Nordeste com ares Ibérico e Medieval) um ambiente ideal devido às condições étnicas e ao ambiente social. Essas condições favoreceram, pois, os poetas e trovadores, uma vez que “os povos transplantados, cuja identidade étnica já veio perfeitamente definida da Europa, encontram em sua própria configuração facilidades de incorporar-se a uma nova civilização surgida no seio de suas matrizes”. (RIBEIRO, 1995, p.126). Somado a isso, fatores como a organização da sociedade patriarcal, as manifestações messiânicas, as secas, o aparecimento dos bandos de cangaceiros contribuíram para que os grupos de cantadores empregassem a poesia popular como instrumento do pensamento coletivo e das manifestações da memória popular.

Símbolo da cultura nordestina, a poesia de cordel, hoje, não se restringe apenas a esta região, mas está presente em muitos cantos do Brasil. Um ponto forte do cordel fora do Nordeste é São Paulo, metrópole que recebeu muito da influência nordestina ao longo de sua história e que representa local de encontro de cordelistas, cantadores e pesquisadores, sem contar que é sede de editoras importantes de cordel como a Luzeiro, além de haver a representatividade da Caravana do Cordel, que faz a divulgação em escolas e praças públicas. No Rio de Janeiro não é muito diferente, pois é lá a sede da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) e também há a tradicional Feira de São Cristovão, que é o ponto de encontro de pessoas ligadas ao Nordeste.

Assim, “temos a literatura de cordel, hoje símbolo, no mundo todo, da cultura popular do povo brasileiro. [...] tornou-se a maior expressão poética de toda a nossa história”. (LUYTEN, 2005, p.17).

2.1.1 De Leandro Gomes de Barros aos dias atuais

 

O paraibano Leandro Gomes de Barros, nascido no ano de 1865 na cidade de Pombal, é considerado o pai da literatura de cordel, por ser o grande precursor desta forma literária, além de ser o maior vendedor de folhetos da história do cordel. Ao lado de outros três importantes nomes do cordel – João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista e Silvino Pirauá de Lima – forma a chamada Geração Princesa, reunindo-se na cidade do Recife. Estes começaram a fazer uso das máquinas de tipografia e então deram o pontapé inicial na impressão cordelista e consequentemente na sua comercialização. (Haurélio, 2010). Leandro, inclusive, foi um poeta que conseguiu viver exclusivamente dessa prática.

Sabe-se que a produção leandrina ultrapassou a marca de mil cordéis de sua autoria (“O cachorro dos mortos”, “História da donzela Teodora”, “O boi misterioso” etc.), porém, parte significativa de sua produção ainda é desconhecida ou é duvidosa, uma vez que existia toda uma polêmica acerca da questão autoral na literatura de cordel. Era prática comum um determinado editor de cordel se apropriar da obra de outro artista e coloca-la em seu nome. O caso mais conhecido dessa prática aconteceu quando o também poeta e editor Athayde comprou parte da criação poética de Leandro Gomes de Barros, quando este faleceu e, então, passou muitos cordéis de Leandro para o seu nome.

Se este ato parece a primeira vista repudiável, tornando o trabalho de identificar a autoria algo complexo, por outro lado foi benéfico de acordo com Haurélio (2010), pois possibilitou a profissionalização da distribuição dos folhetos, gerando empregos como de revendedores e agentes que passaram a propagar o cordel em pontos estratégicos, como feiras, mercados, portas de igreja e estações de trem. Além do mais, por esse precioso trabalho de divulgação, Athayde ainda é o mais importante editor de literatura de cordel de todos os tempos, ninguém na história contribuiu tanto para a proliferação do cordel pelos quatro cantos do Nordeste, quiçá do Brasil, quanto ele. “Era uma das pessoas mais conhecidas do povo nordestino. Com sua doença e falecimento, a literatura popular perdeu um de seus maiores esteios”. (HAURÉLIO, 2010, p.61).

Muitos outros nomes merecem destaque na história do cordel brasileiro. Joseph Luyten em seu livro O que é literatura de cordel destaca além dos dois já mencionados, Cuíca de Santo Amaro, Rodolfo Coelho Cavalcante, Patativa do Assaré e Antônio Klévisson Viana Lima.

Este último é o único entre os citados ainda vivo, representa o cordel do século XXI, inovador e rejuvenescido. Essa resistência do cordel nordestino desde o final do século XIX até os dias de hoje é pauta para inúmeras discussões, afinal, “a literatura de cordel, em mais de cem anos de existência, conheceu cumes e abismo”. (Haurélio, 2010, p.11) e previsões pessimistas sempre o acompanharam. Segundo Luyten (2005) o cordel, em princípios de vida aqui no Brasil, já era apontado como algo condenado à morte pelo folclorista Sílvio Romero. Num primeiro momento a causa da morte do cordel seria devido à distribuição de jornais pelo interior do país (isso no final do século XIX); depois, nos anos 30, outros estudiosos diziam a mesma coisa, culpando o rádio, e na década de 1960, a culpa cairia sobre a televisão.

Crises e pessimismos à parte, estamos no século XXI – era da sociedade da informação e da Internet – e podemos afirmar que a literatura de cordel está longe de desaparecer. E na atualidade, de acordo com Luyten,

muita gente fica boquiaberta quando recebe a informação de que o Brasil é o maior produtor de poesia popular do mundo e em todos os tempos. É que as elites nacionais, de tanto imitar modelos de fora, não lembraram que o povo propriamente dito elaborou, ao longo dos anos, uma série de estruturas poéticas, por meio das quais comunicava a sua cultura. (LUYTEN, 2005, p.39).

Literatura surgida e espalhada pelas camadas populares da população, por isso, também, sempre foi vítima de preconceitos e estereótipos por parte da população dita culta, vem, no entanto, nos últimos anos, sendo consumida por um público simpatizante da classe média, além de universitários e pesquisadores de várias áreas do conhecimento. Essa mudança de paradigma nos leva a fazer alguns questionamentos: O que é o cordel, tradicionalmente falando? Como anda a literatura de cordel hoje? Qual é a essência do cordel?

Ao mostrar que o cordel é herdeira das canções de gesta, Ribeiro aborda uma questão importante para entendermos o fazer poético do cordel, falando que em quase sua totalidade o cordel se configura como uma poesia narrativa. “Uma narrativa direta e objetiva, em que o eu do poeta é totalmente anulado, em que os fatos são contados de forma linear, sem flashback e sem antecipações”. (RIBEIRO, 1987, p.76).

Por isso, segundo Gonçalves, existe uma estrutura peculiar ao cordel, mesmo com as mudanças durante sua história; e este fato apontado pela Lêda Ribeiro nos mostra que apesar, por exemplo, de também haver lirismo, de nem sempre ser tão objetiva e linear, o que importa para entendermos o fazer poético do cordel é sua essência, que significa sua estrutura.

É isso que é abordado pelo citado autor mostrando que

quando poetas enfatizam que o ‘ser do cordel’ é sua rima, sua métrica, o cuidado na versificação, querem sublinhar que o comum à variedade dos temas, à heterogeneidade dos conteúdos e às infinitas possibilidades de se construir interpretações e pontos de vista é a ‘forma’ que se traduz mesmo em essência de um ‘saber fazer cordel’ que independe do tema abordado. (GONÇALVES, 2007, p.02).

           

Luyten (2005), por sua vez, não associa a essência do cordel à sua estrutura, para ele a estrutura (rima, narração, versificação) não sofreu nenhuma mudança significativa durante os mais de 100 anos aqui no Brasil, mas a sua essência (temas, objetivos, ideologia) sim se transformou durante o percurso histórico.

Polêmicas à parte, a literatura de cordel preserva a sua estrutura poética, todavia, alguns aspectos (ou a essência como quer Luyten) foram inegavelmente transformados devido às vicissitudes temporais e culturais. Tradicionalmente os assuntos diziam respeito às vivências do homem pobre sertanejo e o poeta tratava “dos assuntos todos sob o ponto de vista comum ao seu meio”. (LUYTEN, 2005, p.46), ou seja, buscava mostrar a visão de mundo da gente do povo.

Ainda neste prisma e comparando o público do passado e do presente Gonçalves (2007) diz que “hoje trata-se de um público letrado, que lê o cordel, e que contrasta com o público do passado, considerado analfabeto”. (p.2). Com isso, não dá mais para encarar o cordel por uma única perspectiva, nem com o olhar estereotipado, “a literatura de cordel não pode ser vista como monolítica, ‘conservadora’, alienada ou revolucionária; ela é, na verdade, multifacetada”. (KUNZ apud GONÇALVES, 2007, p.12).

Outro aspecto que chama a atenção é o processo de produção do folheto, principalmente sua capa, quase sempre ela apresenta uma gravura que condiz com o tema a ser abordado. Tradicionalmente a matriz dessas gravuras é a madeira, por isso o produto se chama “xilogravura”. Com o tempo, os xilogravuristas passaram a utilizar os clichês como cartões postais e fotos de celebridades estadunidenses. Hoje, com a facilidade possibilitada pela tecnologia da informática, muitos cordéis são produzidos na tela do computador, isso quando o cordelista está aberto às novas idéias para com o cordel, porque quando ele é do lado tradicionalista o processo ainda é o mesmo da tradição cordelista.

Pensando dentro desse aspecto de tradição e ruptura, não dá para não falar da inter-relação do cordel com a literatura dita nobre ou culta. Grandes obras da literatura brasileira e universal foram “cordelizadas”, ganhando um novo brilho, como Romeu e Julieta, de Willian Shakespeare; O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas; Os miseráveis, de Victor Hugo; Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado; Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco; etc.

Por outro lado, alguns grandes mestres de nossa literatura ou foram influenciados pelo cordel ou eram admiradores do mesmo. Aqui vale citar Ariano Suassuna, que bebeu diretamente na fonte do cordel para compor suas obras, merecendo destaque o Auto da Compadecida (obra que foi criada com inspiração em três cordéis, sendo dois de Leandro Gomes de Barros) e o romance Pedra do Reino. Também temos João Cabral de Mello Neto, que era entusiasta confesso dos cantadores populares, Jorge Amado (admirador da literatura popular, tendo até cordelista como personagem em Gabriela, Cravo e Canela), Gregório de Matos (primeiro poeta brasileiro a compor sátiras tão espontâneas quanto o cordel), José Lins do Rêgo, Guimarães Rosa e Mário de Andrade.

Dentro do cenário cultural, houve também influência da literatura de cordel no cinema, aí é só lembrarmos os filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol e O dragão da maldade contra o santo guerreiro do grande cineasta baiano Glauber Rocha. O oposto também ocorreu e grandes sucessos do cinema foram transformados em versos de cordel. Tivemos, ainda, telenovelas inspiradas no cordel (“Cordel do fogo encantado”) e cordéis cujo tema foi telenovelas de sucesso (“O Pavão misterioso”).

Sobre essa grande confluência que envolve o cordel, Gonçalves (2007) nos fala que “essa parece ser mesmo uma espécie de ‘essência’ do cordel, isto é, sua capacidade de adequar, de transformar, de submeter qualquer assunto e tema a sua forma poética” (p.15). Nisso o popular, o erudito e o fenômeno de massa se interpenetram no cordel. Lêda Ribeiro, amparada em Mark Curran, vai além e diz que “a literatura de cordel é absolutamente necessária para entender o espírito e aspiração de boa parte da literatura ‘grande’ no Brasil. Em particular da literatura nordestina”. (CURRAN apud RIBEIRO, 1987, p.73). E isso fica nítido quando lemos algumas obras ou pesquisas e entrevistas dos citados autores acima.

Assim, o cordel nordestino é um fenômeno centenário que segue sua vida, entre quedas e sucessos. Houve o tempo das “princesas e cavaleiros andantes, o tempo dos bichos que falavam e de cangaceiros arrependidos”. (LUYTEN, 2005, p.70) e esse tempo faz parte da belíssima história da poesia popular brasileira, isso é literatura de cordel. Hoje a participação é direta, pois o mundo é outro, isso também é cordel. Portanto, “sem esquecer a tradição, mas sem desprezar a contemporaneidade, o Cordel chega vivo e com fôlego ao século XXI”. (HAURÉLIO, 2010, p.106).

2.1.2 A poesia popular: contato com o erudito e aspectos em sua linguagem

 

O primeiro aspecto que surge quando se fala em poesia popular é da oposição entre literatura culta e literatura popular. Karl Vossler, citado por Ribeiro (1987), diz que esta aversão contra a literatura de cunho popular vem desde sempre permeando a história da literatura no mundo. Durante o período do declínio do Império Romano e consequentemente do latim como língua supra majoritária, a capacidade poética da língua do povo já era questionada e homens como Dante, Petrarca e Boccacio indagavam como é que o latim vulgar poderia adequar-se à poesia? 

Conforme Benedetto Croce, citado por Ribeiro (1987), a dificuldade não se encontra em identificar uma obra de literatura popular, mas difícil é defini-la de forma apropriada, por isso, há a tendência dos críticos em conceituar a poesia popular contrapondo-a a poesia dita culta ou “poesia d’arte”. Dessa maneira, é comum ser atribuídos rótulos para a poesia popular, tais como: origem inferior, improvisação, caráter impessoal, sem técnica, sem unidade temática e até não poesia. Croce acredita que devido ao processo de transmissão oral (muito comum nas primeiras décadas do cordel nordestino), a poesia popular está em constante transformação, mas refuta alguns rótulos dados a ela. Outro aspecto defendido por Croce é que existe poesia de má qualidade em qualquer segmento poético, não só na advinda do povo, assim, a poesia popular de má qualidade não pode ser confundida com a poesia popular em sua totalidade.

Desse modo, “não são as formas que distinguem o que é popular do que é erudito, mas as atitudes anímicas fundamentais subjacentes a cada caso”. (RIBEIRO, 1987, p.57). Entende-se assim que a literatura de tradição oral (com a alma popular) não deve ser considerada inferior a dita literatura culta, “as duas formas têm as suas excelências, e, sendo assim, a crítica não há de aplicar os mesmo critérios para valorar uma e outra”. (RIBEIRO, 1987, p.58). A atitude de não usar os mesmos critérios, possivelmente, contribuiria para que se deixem de lado inúmeros preconceitos que cerca a poética oriunda do popular.

Como já mencionado, a não aceitação da literatura do povo vem acompanhando a trajetória da literatura universal. Foi somente a partir do Romantismo que começou-se a valorizar a poesia popular enquanto criação literária, mas os românticos e seus seguidores encaravam esta poesia como algo gerado pela inspiração coletiva, sem a intervenção do poeta criador, ou seja, era vista como algo essencialmente de tradição oral.

Este paradigma só foi rompido no século XX, quando o criador individual passou a ser reconhecido e também os próprios poetas passaram a preservar a sua individualidade, basta lembrarmos a polêmica questão da autoria no cordel. Quem nos lembra disso é o escritor/teatrólogo Ariano Suassuna, o autor de Auto da Compadecida nos diz que “em nossa literatura popular, o conceito de autoria individual era inexistente, quase inexistente, ou, pelo menos, muito diferente daquele que se tornou normal com o aparecimento do individualismo moderno”. (SUASSUNA apud RIBEIRO, 1987, p.61). Nesta perspectiva, hoje só é possível falar de poesia coletiva, falando de obra voltada para a coletividade.

Sendo este, quase um consenso entre os pesquisadores, ou seja, a preocupação do poeta popular (da mente criadora) com o seu público. Esta relação do poeta com seu público resulta na “tensão poética” de acordo com Menéndez Pidal, citado por Lêda Ribeiro. Assim

o poeta fala a seus ouvintes e ao mesmo tempo torna-se sensível aos seus gostos e preferências, ajustando o seu próprio gosto ao tom daqueles que o ouvem. Isso vai leva-lo a remanejar as suas composições, podando aqui, acrescentando ali, mudando o que for preciso mudar. Daí porque, se a individualidade do poeta popular está por trás da criação da obra, não se pode deixar de levar em conta, ao estudar a literatura popular, tanto o artista consciente de sua arte – aquele cuja ‘lira poética sempre vive afinada’ – quantos os poetas refundidores – os que ‘bien trobar sopieron’ – como ainda o público ao qual o seu cantar se destina. (RIBEIRO, 1987, p.68).

           

É neste aspecto, também, que alguns críticos separam a poesia culta da popular, pois, se o poeta popular se preocupa com seu público e é influenciado por ele, na poesia erudita, para muitos, o poeta cria isoladamente, não se preocupando com a coletividade e nem se deixa influenciar por ela. Separação à parte, o fato é, porém, que é possível sim estudar a literatura popular associada com erudita, desde que respeite suas peculiaridades como defende Ribeiro (1987), isso pelo simples fato de ter havido e continuar havendo uma constante interação entre estas formas literárias, como já foi exposto anteriormente.

Então, o cordel deve ser compreendido como um dos galhos da árvore da poesia popular, como diretamente o repente também o é, como é a embolada, a música caipira e até mesmo o samba. Isso entendido, torna-se necessário, segundo Ribeiro (1987, p.59), “que não se coloque mais em dúvida a importância do estudo da poesia popular para a ciência da literatura”.

A poesia do cordel, que nos interessa aqui, conserva, em sua grande maioria, um caráter popular, por isso, ela é manifestada fazendo uso de uma linguagem oral ou o mais próximo da oralidade. Conforme Luyten (2005, p.24) “a comunicação em nível popular, na realidade, significa troca de informações, experiências e fantasias de analfabetos ou semiletrados com seus semelhantes” e esclarece que analfabeto e iletrado não significa ignorante, lembra que grandes civilizações como a inca e a asteca foram erguidas sem o uso da escrita.

Esta afirmação de Joseph Luyten não é consenso entre estudiosos da área e parece que ele se refere apenas a uma parte da literatura popular. Para Marlyse Meyer, trazida à baila por Haurélio, os poetas não são semiletrados, mas são pessoas que procuram se informar sobre tudo e leem o que podem e diz que é

característica do poeta popular uma verdadeira obsessão pelo aprimoramento da linguagem. Justamente por isto, não podem ser confundidos com os chamados poetas matutos, os quais deformam de propósito o idioma, com o intuito de recriar a linguagem do homem do campo, que acreditam errada. (MEYER apud HAURÉLIO, 2010, p.19).

Por outro lado, – e reconhecendo que a poesia popular (em especial o cordel) não é algo simplório, mas digno de ser apreciada como uma poética rica – como produto linguístico e símbolo de uma região (Nordeste) é inegável que ela (a literatura de cordel) traga em seus versos traços da linguagem nordestina e quiçá de suas variantes. Até porque, se concordarmos com o fato de haver interinfluências entre cordelista e público, inegavelmente, haverá também preocupação daquele quanto à linguagem que vai ser empregada nos folhetos.

Portanto, muito se tem falado a respeito da literatura de cordel brasileira e como consequência disso, há muitos equívocos, desvios e estereótipos cercando esta rica manifestação popular. Claro que existe uma enorme variedade de formas de se conceber o cordel desde o mais tradicional até o chamado novo cordel, mas, sem dúvida, é preciso conhecer mais e pesquisar mais para irmos quebrando com os preconceitos e diminuirmos as ideias equivocadas.

No presente estudo, a ênfase será dada ao cordel nordestino concebido como tradicional, uma vez que atenderá à demanda proposta, que é a de reconhecer ou buscar verificar os (des) usos dos traços do dialeto ou da variante do nordeste nesta literatura. Para isso, após discorrer sobre a literatura de cordel, passo ao estudo do português falado no Nordeste e seus traços mais relevantes.

2.2 O português falado no Nordeste: traços principais

 

Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. (Guimarães Rosa, 1994, p.24).

 

A linguagem humana é a expressão do pensamento por palavras, ela desempenha papel fundamental em todas as manifestações de nossa vida e é através dela que as experiências humanas são transmitidas. O sistema linguístico do homem é amplo, complexo e extenso, por isso, a língua como um dos recursos da linguagem, não é algo estanque das questões sociais, nem é algo homogêneo. Além do seu reconhecido caráter heterogêneo, existe o consenso – entre os linguistas atuais – (BAGNO, 2007) de que é impossível estudar o universo linguístico dissociado da sociedade, assim, ao estudarmos a língua falada no Nordeste brasileiro, devemos considerá-la como um fator de identidade daquele povo e como algo que distancia ou aproxima, linguisticamente, esta região de outras no país.

Podemos pensar ainda que existam dois grandes polos na realidade linguística: a norma-padrão e a variação linguística (BAGNO, 2007). A primeira foi criada para tentar neutralizar o efeito da segunda e é um produto cultural, artificial e padronizado, enfim, dita o que é certo e errado nos comportamentos linguísticos; a variação linguística, por sua vez, é a língua em seu estado de permanente transformação e de instabilidade. Assim sendo, a norma-padrão não representa a língua em si, mas é um polo convencionado socialmente e que, portanto, não existe língua boa ou ruim, rica ou pobre, mas, “o que ocorre é uma variabilidade na produção, muitas vezes determinada por fatores sociais, que não é exclusiva de uma língua, é universal e inerente a todas”. (LEITE; CALLOU, 2002, p.8).

Outro fator preponderante a ser levado em conta quando se fala em língua ou linguagem é a diferença entre língua escrita e fala (BAGNO, 2007). Na língua escrita há um maior monitoramento, ou seja, o sujeito quando escreve procura seguir a norma de escrita convencionada socialmente e tenta evitar os “erros”. Na fala o nível de monitoramento é menor, a depender da ocasião de fala, e ficam mais evidentes as variações linguísticas. É, por isso, que a linguagem pode ser um parâmetro que permite classificar uma pessoa de acordo com sua naturalidade, sua condição econômica ou social e até seu grau de instrução. Parâmetro que, muitas vezes, é usado negativamente para discriminar e estigmatizar o falante de origens sociais e regionais desprestigiadas.

Isso, grosso modo, pois, como diz Leite; Callou (2002, p.22), a tarefa de identificar um falante “como membro de uma determinada comunidade é complexa, pois somos surpreendidos, por vezes, por uma semelhança de pronúncia entre regiões que foge às nossas expectativas”.

Mesmo com toda esta heterogeneidade linguística, no Brasil, conforme traz Leite; Callou (2002, p.16)

persiste a idealização de um país monolíngue e de uma gramática pura, imutável, o mais próximo possível do português falado no outro lado do Atlântico. O preconceito linguístico por parte da sociedade é difícil de ser vencido, uma vez que a pressão social é contínua e os meios de comunicação de massa atuam a seu favor.

Este preconceito, o linguístico, tem origem em fatores sociais, uma vez que em muitas situações não é o que o indivíduo fala que é ridicularizado, mas a sua origem social; por outro lado, o preconceito vem do desconhecimento da realidade linguística por parte da sociedade, sendo essa ignorância reforçada pela mídia. Ainda, dentro desse quadro, outros fatores colaboram para a manutenção do estado preconceituoso que envolve a língua. É o que atesta Marroquim (1996 [1934], p.38) quando alega que “o poder conservador da literatura e da gramática contém e limita a tendência evolutiva das línguas, embora não a possa anular”.

Este mesmo autor, ao analisar o dialeto nordestino, reafirma que o dialeto

é um fenômeno cuja espontaneidade não podemos deter nem governar, é uma força viva que surge das massas populares ao impulso de tendências lógicas e naturais e cuja expansão devemos estudar e observar, mas que não está em nós orientar, porque ela se dirige de acordo com leis glóticas certas e imutáveis. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.10).

O que Marroquim chama de dialeto, ou seja, o modo característico de uso da língua num determinado lugar, província ou região, pode ser compreendido, dentro da perspectiva da Sociolinguística, como variedade. Uma variedade é um dos “modos de falar” uma língua e estes “modos de falar” se correlacionam com fatores sociais como idade, sexo, lugar de origem, classe social, grau de instrução etc.

Conforme Marroquim (1996 [1934]) o estudo do dialeto no Brasil ainda não está feito, pois, a imensa extensão territorial em que o português é falado dá a cada região peculiaridades linguísticas que são desconhecidas nas outras e exige, antes do estudo integral do português que defina a diferenciação dialetal, trabalhos parcelados sobre cada região do país. Isso porque “temos no Brasil não um somente, mas vários dialetos ou subdialetos, através da imensa extensão do nosso território”. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.11).

Foi pensando nessa multiplicidade que Antenor Nascentes, citado por Leite; Callou (2002), dividiu o nosso país em grandes áreas linguísticas: falar amazônico, nordestino, baiano, mineiro, fluminense, sulista e território incaracterístico. Estas áreas linguísticas não seguem a divisão política do país. O “falar baiano”, por exemplo, compreende o estado da Bahia, Sergipe e parte de Goiás e de Minas Gerais, sendo intermediário entre o Norte e o Sul.

Para alguns estudiosos, no entanto, a exemplo de Yonne Leite e Dinah Callou, esta divisão é complexa, pois as divisões dialetais e seus atlas linguísticos, muitas vezes, leva em conta apenas os aspectos geográficos e desconsideram as idiossincrasias socioculturais. De acordo com Leite; Callou (2002, p.17-18) “as diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto do que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural, originários de regiões distantes uma da outra”.

A citada divisão, contudo, realizada em 1953, ainda serve de parâmetros, grosso modo, da realidade linguística brasileira quanto às áreas geolinguísticas, pois segundo a estudiosa Suzana Alice Marcelino Cardoso, a realização de um Atlas Linguístico Brasileiro, que foi aprovado por lei, nunca saiu do papel (CARDOSO, 1999). O que se têm atualmente são atlas regionais que visam caracterizar os falares específicos das regiões estudadas, então, apesar de críticas, a divisão de Antenor Nascentes continua com pertinência.

Pertinência que nos autoriza a traçar um quadro dos diversos falares de nosso país, com suas características próprias, suas semelhanças e diferenças em relação a um ou outro falar regional. Dessa forma, o português falado no Nordeste brasileiro carrega consigo marcas que o distingue de outros dialetos ou de outras variantes.

2.2.1 O português nordestino: alguns traços

A linguagem nordestina e consequentemente o “falar nordestino” podem ser usados como fenômenos de identidade regional, caracterizando os espaços ocupados e expressando a visão de mundo desse povo. Quando discorro sobre o “falar nordestino”, estou abordando-o numa perspectiva ampla, ou seja, reconheço as variações existentes dentro do próprio contexto nordestino, seus aspectos particularíssimos e locais, mas o estudo aqui é dentro do conjunto regional.

Entre todos os falares dos brasileiros, segundo Marroquim (1996 [1934], p.21), “a pronúncia do nordestino é a que caracteriza em geral o falar brasileiro: é demorada, igual, digamos mesmo arrastada, em contraste com a prosódia lusitana, áspera e enérgica”. Essa diferença linguística entre Brasil e Portugal está diretamente ligada ao processo colonial e suas divergentes formas de evolução linguística, pois, os dois países caminharam em sentidos diferentes.

Portugal recebia a influência do Renascimento e havia uma reforma da língua portuguesa, o povo português, porém, falava ainda a língua que a literatura do século XV documentava. Por aqui, o elemento português dominou e venceu o indígena e impôs sua língua. Língua que não foi, portanto, a enriquecida pela Renascença, pois os portugueses que povoaram a nova terra falava a rude língua portuguesa arcaica, recheada de indecisões.

A língua portuguesa modificada pelo culteranismo (movimento de reforma em Portugal) só alcançou as camadas profundas do povo no século seguinte, fixando e definindo as diretrizes evolutivas da língua. Dessa forma, o litoral brasileiro foi acompanhando a evolução linguística que se processava na metrópole, já os colonos que viviam isolados nos engenhos e fazendas conservavam a linguagem da primeira colonização. Como consequência, devido também às dificuldades de transporte e outros fatores, o matuto (o homem da roça) permaneceu por séculos isolado do contato civilizatório (da influência lusitana). Realidade que só recentemente, devido à difusão de escolas, das estradas, da luz elétrica e do automóvel estão destruindo as barreiras que prendiam o matuto, aproximando-o da civilização.

Assim, a variedade dialetal nordestina tem tríplice origem (MARROQUIM, 1996 [1934]): o português arcaico, a derivação e a composição dialetais (intrínseco ao próprio dialeto) e a contribuição estrangeira (língua tupi e línguas africanas). O português arcaico, introduzida no século XVI, exerceu uma grande contribuição no falar do povo e inúmeras palavras e expressões permaneceram em uso no cotidiano popular. A derivação e a composição dialetais foram herdadas do português e representam um fenômeno genial de enriquecimento linguístico, gerando a cada dia novas palavras e novos recursos expressivos. Já a influência do tupi e das línguas africanas se dá na enorme quantidade de termos que nomeiam fenômenos geográficos, da fauna, da flora e também costumes e usos advindos destas culturas.

2.2.1.1 Traços da fonologia nordestina

 

Como já comentado, a pronúncia nordestina é, conforme Marroquim (1996 [1934]), a que melhor caracteriza o falar brasileiro. As vogais no falar nordestino são todas pronunciadas, tanto tônicas quanto átonas, seja mediais ou finais, assim, não dizemos tel’fone e pared’ como em Portugal, mas sim telefôni e parêdi. Contrariamente à fala lusitana, a nossa frase tem um ritmo diferente e “em confronto com a prosódia do Sul do Brasil, o falar do nordestino goza a fama particular de ser cantado”. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.23).

Esta fama se deve ao fato de as vogais serem marcadas e abertas e suas sílabas serem pronunciadas mais vagarosamente. Dessa forma, os sons são mais simplificados, não existindo vogais longas nem vogais breves o que ocasiona a pronúncia vogal com a mesma duração. Os timbres das vogais são orais, nasais, abertas e fechadas, sendo que a, i e u são sempre abertas. Mas também, com isso, “as vogais pretônicas, grafadas e e o, estabelecem a linha divisória entre  os falares do Norte, que optam pela realização aberta, e os falares do Sul, que optam pela realização fechada”. (LEITE; CALLOU, 2002, p.40).

Outro traço geral na linguagem popular é a troca do l pelo r: carçada, fôrgo, sordado, por calçada, fôlego e soldado. Na linguagem do matuto, quando o l é medial, ele se transforma em r (alvura vira arvura) e quando é final cai (canavial se torna canaviá). Este fenômeno se deve, segundo Marroquim (1996), à influência do português arcaico e é algo que remete a própria formação do português enquanto língua autônoma. Também há o alargamento silábico, quando o l é lingual-palatal, ficando dificulidade e fulô por dificuldade e flor.

O s por aqui apresenta três sons: s = ç quando inicial de sílaba (cedo, saber, situação); quando é medial, tem valor de palatal surda, vale x, antes de consoante surda (cexto, caxca, extar); e é palatal sonora, vale j, quando está antes de consoante sonora (majmorra, mujgo, rajgar).

Estes exemplos, entre outros, se enquadram dentro da influência do português arcaico e dentro da lei do menor esforço (a tendência, na evolução linguística, de abandonar certas pronúncias difíceis de ser executada). Já o tupi não influenciou tanto quanto alega alguns estudiosos, isso quem diz é Marroquim (1996 [1934]) e acrescenta que “o aborígene contribuiu, de certo, para a nossa formação étnica. É natural que o índio tenha deixado traços vivos na prosódia da região. Não pode, porém, essa marca passar além de certos limites” (p.32).

2.2.1.2 Alguns traços sintáticos

 

No processo de evolução da língua existe uma luta travada entre a língua culta e o dialeto e essa batalha se processa no campo da sintaxe. A língua culta recebe o léxico variadíssimo de uso popular, que pode funcionar como um enriquecimento vocabular aproveitável. “É intransigente, porém, quanto à sintaxe, pois é ela a estrutura viva da língua; é na sua articulação que reside a alma e o caráter do idioma”. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.122).

Quem vencerá esta luta ainda não sabemos, o fato é que, por um lado temos a força conservadora da literatura e da instrução, bem como vários outros mecanismos inflexíveis perante as coisas da língua; do outro temos a vivacidade linguística do dia-a-dia que é dinâmica e flexível e já algumas formas sintáticas dialetais que se firmaram na linguagem de todas as classes e aos poucos vão adentrando na literatura. A realidade é que o homem brasileiro habita um ambiente essencialmente brasileiro, o que lhe dá um “caráter” próprio, e por isso tem necessidade de expressões e de linguagem que estejam de acordo com esse “caráter”.

Sendo a sintaxe o campo em que ocorrem essas modificações íntimas, nela, muito mais que no léxico (MARROQUIM, 1996 [1934]), o homem deixa a suas marcas, traçando o sulco de sua personalidade. Nessa ótica, a sociedade arma a sua estrutura linguística autônoma e traça rumos gramaticais conforme o seu feitio e cria a sua língua. Essa é a imagem da história linguística entre Portugal e Brasil.

Assim, falando da sintaxe, em especial a “matuta”, Leite de Vasconcelos, citado por Marroquim (1996 [1934], p.128) nos diz que “sendo a sintaxe, na essência, um produto do espírito, da razão, é por isso fundamentalmente lógica. Porém, nela influem outras faculdades, outros fatores psíquicos como a sensibilidade, a imaginação, a associação de idéias etc”. Havendo, então, uma sintaxe “lógica” e outra “emocional”, fica possível explicar concordâncias pouco rigorosas, como: a gente vamos e nóis foi.

Outras formas sintáticas se impõem no dialeto do Nordeste. Assim, por exemplo, nunca se emprega o sujeito sem o artigo, mesmo quando é indeterminado, ficando, por exemplo, “O patão hoje não trabaia não” e não “patão não trabaia hoje”. O uso de alguns pronomes oblíquos desapareceram completamente, como o, a, os, as; já outros permanecem em uso, como mim, me, te, nos, vos e lhe, este último sendo usado para indicar a 2ª pessoa (Eu lhe vi) e o me pode iniciar um período (Me mande o dinheiro).

No dialeto o comparativo é, quase sempre, analítico (mais grande, mais ruim, mais pequeno), podendo haver a combinação entre a forma sintética e analítica (mais mió, mas maió) e também outras formas como dizer que fulano “está mais melhorzinho”. As expressões de negação vêm sempre duplicadas, dessa forma, não se diz “não quero” e “não sei”, mas “não quero não” e “não sei não”. O verbo ter substituiu o verbo haver, mesmo entre pessoas escolarizadas (“na bica não há água” deu lugar a “na bica não tem água”). Funcionam como preposições as palavras dereito, feito e quinem, que significam “à semelhança de”. A palavra “agora” vale por uma conjunção conclusiva, equivalendo a “pois” ou “então”, além de introduzir orações de sentido adversativo: “Você está chorando, agora não lhe dou o brinquedo”, “Eu penso assim, agora você pode ter outra opinião” (MARROQUIM, 1996 [1934], p.167). Finalmente, para citar mais um exemplo, não se usa no vocabulário matuto a palavra próximo, ela é substituída pela locução qui vem (Maria chega semana qui vem).

Portanto, além desses exemplos, há uma quase infinidade que poderiam ser arrolados aqui, porém, por hora, esses são suficientes, no tocante ao aspecto sintático, para mostrar a poderosa força criadora da língua popular, do dialeto nordestino.

2.2.1.3 Traços diversos do português falado no Nordeste

 

Causa de diversas transformações linguísticas, a lei do menor esforço – como já foi mencionado neste estudo – foi um dos fatores que mais contribuiu para a transformação do falar nordestino. É ela, conforme Marroquim (1996 [1934]), que leva hoje o homem sertanejo inculto a cortar as sílabas átonas postas logo após as tônicas (víbora = briba, estômago = istambo, música = musga).

Outro fato marcante se dá no consonantismo, como atesta Marroquim (1996 [1934], p.60), ao dizer que “como na formação do português, também na variação dialetal, é a posição da consoante que regula a sua permanência. É forte, se inicial; fraca, se medial; fraquíssima, se final”. Assim, em consoantes iniciais “ligeiro” se torna “digêro” e “neblina” se torna “librina”; em relação as consoantes mediais temos como um bom exemplo a passagem de “ó gentes” para “ó xente”; e nas consoantes finais há a queda das consoantes (lugar = lugá, correr = corrê, papel = papé), o que levou alguns estudiosos a dizer que na língua do povo todas as palavras terminam em vogal.

Algo que é geral na dialetação popular é o desdobramento de grupos consonantais, acrescentando uma vogal entre as duas consoantes, o que de acordo com Marroquim (1996 [1934], p.66) se explica “pela dificuldade de pronúncia”, pois, “realmente é mais fácil ao povo alargar a palavra acrescentando-lhe uma sílaba, do que pronunciar duas consoantes juntas”. Como exemplos: irmão = irimão, óbvio = óbivio, aptidão = apitidão.

Quanto às marcas de pluralidade, o s do plural desaparece completamente no final das palavras (os home, os pão, os patrão), mesmo havendo o uso do s no singular (lápis = lape, pires = pire). É comum o uso de “mais eu” e “mais você” substituindo comigo e contigo respectivamente. Em relação ao uso verbal, existe uma simplificação que atinge a pessoas e tempos, principalmente a pessoas, deixando aos pronomes o papel de determiná-las (Eu lóvo, Tu lóva, Ele lóva, Nós lóva...).

Com isso, percebe-se que o povo nordestino tem uma maneira particular de construção de frase e uma concordância própria, profundamente diferente da portuguesa e, em muitas situações, diversa do restante do país. Há, no entanto,

um rumo lógico dentro da modificação dialetal. A mentalidade primitiva do povo iletrado exige um vocabulário reduzido, em harmonia com seu horizonte limitadíssimo. Ele joga com os seus poucos elementos linguísticos no sentido de simplificar e atenuar o esforço da memória. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.77).

Esta modificação dialetal encontrou, além de diversos fatores ao longo de séculos, dentro da própria língua elementos para se enriquecer, multiplicando o seu léxico através da derivação e da composição. Assim, hoje, “na linguagem usual de todas as classes, essas palavras novas, esses recursos léxicos do dialeto, expressivos e cheios de vida, dão um aspecto colorido e original à conversação”. (MARROQUIM, 1996 [1934], p.112). Tornando o nosso dialeto ou nossa variação algo que marca nossa identidade cultural perante os outros cantos do país.

Com tudo isso, a variante nordestina ou o dialeto nordestino, como prefere Marroquim, faz parte de nossa identidade e está inserido em nossas expressões culturais. Uma delas é a literatura, e dentro desta, a literatura de cordel, por isso, as marcas linguísticas próprias desta região transparecem nas obras cordelísticas, uma vez que o cordel é essencialmente uma manifestação do povo do Nordeste.


3 ANÁLISE DOS DADOS

 

 

No presente trabalho, analisarei os usos ou desusos das variantes linguísticas nordestinas na literatura de cordel a partir dos 15 textos integrantes da Antologia do Cordel Brasileiro, organizada pelo cordelista e pesquisador Marco Haurélio e lançada em 2012, contando com as xilogravuras de Erivaldo Ferreira da Silva.

Esta antologia apresenta alguns dos cordéis mais famosos e bem elaborados da história desta literatura, trazendo a arte produzida por significativos poetas do século XIX à atualidade. A lista com seus respectivos autores é a seguinte:

(1) O soldado jogador, de Leandro Gomes de Barros;

(2) História do caçador que foi ao inferno, de José Pacheco;

(3) A guerra dos passarinhos, de Manoel D’Almeida Filho;

(4) A sereia do mar negro, de Antônio Teodoro dos Santos;

(5) Os três irmãos caçadores e o macaco da montanha, de Francisco Sales Arêda;

(6) No tempo em que os bichos falavam, de Manoel Pereira Sobrinho;

(7) O valente Felisberto e o Reino dos Encantos, de Severino Borges Silva;

(8) O feiticeiro do Reino do Monte Branco, de Minelvino Francisco Silva;

(9) João Sem Destino no Reino dos Enforcados, de Antônio Alves da Silva;

(10) João Grilo, um presepeiro no palácio, de Pedro Monteiro;

(11) O Reino da Torre de Ouro, de Rouxinol do Rinaré;

(12) O rico preguiçoso e o pobre abestalhado, de Arievaldo Viana;

(13) O conde mendigo e a princesa orgulhosa, de Evaristo Geraldo da Silva;

(14) Pedro Malasartes e o urubu adivinhão, de Klévisson Viana; e

(15) As três folhas da serpente, de Marco Haurélio.

             

De acordo com o autor do último cordel e também organizador da referida antologia, o motivo principal da escolha desses quinze cordelistas, representando a primeira e a última geração do cordel brasileiro, se deve ao fato desses romances e folhetos trazerem a marca da atemporalidade (HAURÉLIO, 2012).

Além desta antologia, será necessário o uso de outros textos como Paródia de As flô de Gerematáia, do poeta Zé da Luz e O poeta da roça, de Patativa do Assaré, estes para diferenciarmos a poesia matuta da literatura de cordel. Dessa forma, cumpriremos o intuito de demonstrar em que medida há a presença da variante nordestina na arte poética do cordel e verificar os usos e desusos dela (a variante) em cordéis produzidos por grandes nomes e de diferentes períodos desta literatura.

Dessa forma, ao lermos os textos de cordel produzidos por grandes cordelistas, verificamos que esta arte poética nada tem de simplório ou que se encaixe na chamada poesia matuta, até porque, a grande maioria dos cordelistas são sujeitos citadinos. Assim, se quisermos encontrar a língua matuta (MARROQUIM, 1996 [1934]), a língua do homem da roça na literatura popular, temos que deixar de lado a literatura de cordel, em quase sua totalidade, pois ela não busca retratar a língua do matuto nordestino. Quem faz isso é a poesia matuta, que também faz parte do universo da poesia popular (entendendo popular como aquilo produzido pelo povo e que não contém o erudito), mas que não se enquadra no escopo da literatura de cordel.

O poeta matuto tenta recriar o falar do homem da roça em seus poemas, fazendo uma transformação radical da língua em todos os aspectos. Vejamos um exemplo de poesia matuta:

Três muié ou três irmã,

três cachôrra da mulesta,

eu vi num dia de festa,

no lugar Puxinanã.

A mais véia, a mais ribusta

era mermo uma tentação!

mimosa flô do sertão

que o povo chamava Ogusta.

A segunda, a Guléimina,

tinha uns ói qui ô! mardição!

Matava quarqué cristão

os oiá déssa minina. [...]

(LUZ, s/d).

Percebe-se com isso que o poeta tenta recriar a fala do matuto ou o que ele considera como a forma de falar deste. Dessa forma, há a deformação da língua em vários aspectos. No aspecto fonológico as palavras aparecem da forma como supostamente são faladas (flô, minina), morfologicamente a transformação ocorre tanto em substantivos próprios (Ogusta por Augusta e Guléimina por Guilhermina) como em comuns, além de locuções verbais, etc e sintaticamente também não há obediência às regras normativas (os oiá dessa minina).

Outro poeta que também faz o mesmo é Patativa do Assaré, que muitos estudiosos não o consideram como cordelista, apesar de seu nome aparecer citado como um poeta de cordel em livros e textos. Patativa como homem vivente do meio rural cearense busca recriar a linguagem do homem da roça. Vejamos:

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,

Trabaio na roça, de inverno e de estio

A minha chupana é tapada de barro

Só fumo cigarro de paia de mio.

(ASSARÉ, s/d).

            Igual ao poema citado anteriormente, aqui percebemos várias palavras reproduzidas da forma como se falaria no meio rural: “fio”, “cantô”, “trabaio” etc, em vez de filho, cantor e trabalho.

            Com isso, dá para perceber que o esforço destes poetas não é o de aventurar-se em escrever versos que se aproximem da norma padrão, mas tentar reproduzir de forma escrita o jeito de falar do homem do campo. Assim, o que a poesia matuta faz como arte e por ser arte não ter compromisso com o real, acaba reforçando alguns estereótipos sociais e linguísticos sobre o homem da região, uma vez que este versejador ao tentar reproduzir o jeito de falar do homem da roça, o faz sem nenhum critério científico, mas apenas pelo que ouve e que acredita.

Já a literatura de cordel (em sua grande maioria) é arte feita por sujeitos que nasceram na zona rural, mudaram para a cidade, aprenderam a ler com parentes e conhecidos e que tiveram contato com alguns conteúdos da tradição letrada, como a Bíblia, a história de Carlos Magno, alguns romances eruditos da literatura nacional e mundial etc. Estes buscam trazer em seus cordéis a língua mais próxima possível da norma padrão, conforme seu repertório linguístico e sempre obedecendo aos preceitos poéticos do cordel. Alguns versos do precursor Leandro Gomes de Barros:

Era um soldado francês

Que se chamava Ricarte,

Jogador de profissão

E nunca foi numa parte

Que não trouxesse no bolso

O resultado da arte.

Os franceses nesse tempo

Tinham por obrigação,

O militar ou civil,

Seguir a religião.

O Papa deitava a lei,

Botava em circulação.

(BARROS apud HAURÈLIO, 2012, p.23).

Essas duas estrofes são as primeiras de um cordel leandrino intitulado “O soldado jogador”. Fica perceptível a qualidade poética do autor, a sua capacidade em organizar as rimas e as métricas e o seu acervo linguístico, que consegue ser popular (deitava a lei, botava), de fácil apreensão, mas sem deformar linguisticamente o idioma.      

Então, o que há, inegavelmente, quanto à linguagem do cordel, é o uso de uma linguagem própria dessa poesia, próxima à oralidade, com uma sintaxe coloquial, de caráter popular (sem a necessidade de rebuscamentos) e que ora ou outra utiliza expressões e palavras que fazem parte do linguajar nordestino ou que se enquadra como uma variante desta região.

Por isso, destacarei as expressões que fazem parte do popular e do coloquial, mas que representa um fenômeno geral da língua portuguesa no Brasil e aquelas que são próprias da região Nordeste, tudo isso tendo como base os quinze cordéis presentes na Antologia do Cordel Brasileiro.

3.1 Expressões coloquiais na Antologia

Na referida antologia, em alguns cordéis praticamente não há ocorrências de traços da linguagem tida como coloquial. É o caso, por exemplo, de A guerra dos pássaros, de Manoel D’Almeida Filho, O Reino da Torre de Ouro, de Rouxinol do Rinaré e As três folhas da serpente, de Marco Haurélio. Outros, no entanto, utilizam em sua escrita expressões que são próprias da coloquialidade:

O papa deitava a lei,

Botava em circulação.

(BARROS apud HAURÉLIO, 2012, p.23).

Aqui, no cordel O soldado jogador, de Leandro Gomes de Barros, temos o uso da expressão verbal “deitava” não no sentido de deitar/dormir, mas no sentido de ordenar, mandar ou ditar, própria da linguagem coloquial. Mais a frente o poeta utiliza “num”, contração comum na fala cotidiana, em substituição a “em um”, forma da norma padrão. Este fenômeno é comumente utilizado em todos os cordéis da antologia, representando, portanto, o uso constante da coloquialidade e devido ao fato da necessidade de adequação à métrica poética.

Por isso compro um baralho

E rezo nele constante.

- Que reza há num baralho?

Perguntou o comandante,

- Há tudo da escritura

Velha, nova, assim por diante...

(BARROS apud HAURÉLIO, 2012, p.25).

Além desse, há outros casos como o “pra” (para), o “dum” (de um) etc em outros cordéis. Vejamos:

Nuns esqueletos de ossos

Mandou ele se assentar.

(PACHECO apud HAURÉLIO, 2012, p.36).

Disse o rei: - Pra não morrer,

Faça este mandado meu:

(SANTOS apud HAURÉLIO, 2012, p. 61).

Outro fenômeno presente no cordel em questão e também comum nos outros é a inversão da ordem da frase, ou seja, o poeta para melhor compor seus versos, conforme a rima e a métrica, não segue rigidamente a ordem sujeito + verbo + objetos. Em O soldado jogador temos:

Quando eu pego no 2,

Ali premedito eu

(BARROS apud HAURÉLIO, 2012, p.26).

Dessa forma, Leandro Gomes de Barros construiu a frase de forma indireta para adequar à rima, ficando

Ali premedito eu

Que em duas tábuas de pedra

O Criador escreveu

(BARROS apud HAURÉLIO, 2012, p.26).

Em outra estrofe:

Tem traços deste sargento.

Que denunciou de mim.

(BARROS apud HAURÉLIO, 2012, p.26).

No cordel Os três irmãos caçadores e o macaco da montanha, de Francisco Sebastião Arêda encontramos mais um verso, entre tantos, que utiliza uma ordem de frase mais coloquialista:

O gigante levou ele

Em procura de um rochedo –

(ARÊDA apud HAURÉLIO, 2012, p.78).

Neste caso notamos a sequencia “levou ele” (de uso comumente oral) em detrimento à “o levou” (norma padrão).

Em João Sem Destino no Reino dos Enforcados, de Antônio Alves da Silva há o uso do léxico “zoio” para designar os olhos. Expressão popular que também está presente na fala cotidiana de brasileiros das várias regiões do país.

Na hora eu tapei o zoio

Cochilei e... nada vi.

(SILVA apud HAURÉLIO, 2012, p.159).

No cordel Pedro Malasartes e o Urubu Adivinhão, de Klévisson Viana observamos a utilização do verbo pretérito “estava” sendo reduzido à “tava” e do verbo presente “está” à “tá”. Isso acontece também em praticamente todos os outros cordéis da Antologia e representa, além de um recurso estilístico, a força da coloquialidade. Vejamos:

Se a porteira tá fechada,

Venha mostrar o caminho!

[...]

Pois tava do lado e viu

Pedro, de olho virado;

Malasartes, com o ato,

Fingiu que era beato,

Pensando em comer folgado...

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.224).

Além dessas e outras expressões lexicais e sintáticas próprias da linguagem cotidiana, falada, nos cordéis analisados foi detectado o uso de algumas palavras que não representam uma variante da região Nordeste e que ao mesmo tempo não se encaixam na modalidade coloquial da língua. Na História do caçador que foi ao inferno, de José Pacheco:

Porém a época nos trouxe

Grande corrução fatal:

(PACHECO apud HAURÉLIO, 2012, p.31).

Aqui a palavra “corrução” foi usada em substituição a “corrupção” e a primeira, segundo o Minidicionário livre da língua portuguesa (SANTIAGO-ALMEIDA, 2011), representa uma variante para a segunda.

Temos o uso de “inda” no lugar de “ainda” em vários dos cordéis analisados, representando uma variante desta. Vejamos um exemplo:

Será o peste do rei

Que inda quer aperreá-lo?

(D’ALMEIDA apud HAURÉLIO, 2012, p. 61).

Usou-se a palavra “feme” para significar “fêmea” na estória Pedro Malasartes e o Urubu Adivinhão, de Klévisson Viana

Muita feme inda pariu

Com a bendita oração...

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.225).

A palavra “intransitante” aparece no cordel Os três irmãos caçadores e o macaco da montanha, podendo, dentro do contexto, representar uma espécie de neologismo para “intransponível” ou “intransitável”:

E Gaudêncio se perdeu

Numa mata intransitante.

(ARÊDA apud HAURÉLIO, 2012, p.78).

No caso destas últimas palavras fica difícil sabermos se a utilização das mesmas foi algo intencional (para estropiar a língua) ou algo acidental. A segunda opção parece a mais aceitável.

3.2 Presença de variantes nordestinas nos cordéis em estudo

 

Com relação à presença das variantes linguísticas nordestinas nos cordéis estudados, também não são todos que trazem em seus textos as marcas da linguagem concebida como nordestina (MARROQUIM 1996 [1934]). Alguns, escritos com mais de cinquenta estrofes (sextilhas), não apresentam os traços da variante do Nordeste brasileiro e outros trazem de forma isolada. É a partir desses traços encontráveis que será discorrido esta parte da análise.

Uma das características da linguagem nordestina é, segundo Marroquim (1996 [1934]), o uso do verbo “ter” no sentido de “acontecer”, substituindo o “haver” da norma padrão. Isso ocorre em alguns versos da antologia em questão, como no cordel História do caçador que foi ao inferno, do pernambucano José Pacheco:

Também não teve demora,

Foi ver apressadamente –

(PACHECO apud HAURÉLIO, 2012, p.32).

Marcas lexicais próprias aparecem em muitos cordéis. Um exemplo é o verbo transitivo “topar”, que, apesar de apresentar outros significados em outras regiões, no Nordeste ele significa, segundo o Minidicionário livre da língua portuguesa (SANTIAGO-ALMEIDA, 2011), tocar ou chocar-se com algo ou alguém. No cordel referido anteriormente há a presença deste verbo:

O leitor tenha cuidado,

Não tope com ela um dia!

(PACHECO apud HAURÉLIO, 2012, p.36).

Ainda no mesmo cordel verificamos o uso da palavra “espaduado”, que no Nordeste significa algum deslocamento muscular no corpo humano:

Voltou a dita trazendo

Um feio velho de lado,

Mancando como quem estava

De uma perna espaduado.

(PACHECO apud HAURÉLIO, 2012, p.36).

No Nordeste, mosquito ou pernilongo, também é chamado de “muriçoca”, termo este que encontramos no cordel A sereia do Mar Negro, do cordelista baiano Antônio Teodoro dos Santos:

De peso apenas um gramo

E afugentar pernilongos,

Que de muriçocas chamo.

(SANTOS apud HAURÉLIO, 2012, p.57).

As lexias “danado(a)” aparecem em alguns versos. Segundo Santiago-Almeida (2011), significam amaldiçoado ou condenado, porém, no Nordeste diz-se de um sujeito esperto e provocador ou de algo intenso. Este último significado parece representar o que vemos a seguir:

Deu-lhe um murro tão danado,

Que ele entrou de chão adentro.

(SILVA apud HAURÉLIO, 2012, p.118).

Aí a luta cresceu,

Foi uma briga danada.

(SANTOS apud HAURÉLIO, 2012, p.64).

Em Os três irmãos caçadores e o macaco da montanha, do paraibano Francisco Sales Arêda percebe-se o uso de “muganga”, significando, em alguns estados nordestinos, conforme Albuquerque (s/d) o mesmo que “careta feia”:

Sentou-se bem junto dele,

Fazendo gesto e muganga.

(ARÊDA apud HAURÉLIO, 2012, p.81).

No cordel de Manoel Pereira Sobrinho, intitulado No tempo em que os bichos alavam, aparece a palavra “entiriçada”, vocábulo dicionarizado que deve representar um daqueles termos criados pela grande capacidade criadora do povo como defende Mário Marroquim.

O caçador encostou

Na pedra meteu o peito,

Fez força e, com muito jeito,

A grande pedra tirou,

Porque se penalizou

De tão grande sofrimento.

A cobra nesse momento

Se sentiu aliviada,

Saiu toda entiriçada

Daquele grande tormento.

(PEREIRA apud HAURÉLIO, 2012, p.99).

Uma ocorrência léxica muito comum é de “cabra”, que no Nordeste significa qualquer indivíduo e que juntamente com a palavra “peste”, formando “cabra da peste”, representa um indivíduo destemido, valentão. Este último não foi encontrado em nenhum dos cordéis em análise, já o primeiro (“cabra”) foi encontrado na metade das obras, tais como O valente Felisberto e o Reino dos Encantos, de Severino Borges Silva e João Sem Destino no Reino dos Enforcados, de Antônio Alves da Silva:

E gritou, atrás do príncipe:

- Que é isto, cabra safado?

(BORGES apud HAURÉLIO, 2012, p.116).

Felisberto disse: - Cabra,

Meu sangue está esquentando!

(BORGES apud HAURÉLIO, 2012, p.117).

Antes do cabra morrer,

Pode fazer três pedidos

(SILVA apud HAURÉLIO, 2012, p.151).

No mesmo cordel acima citado, encontramos o termo “quizila”, que como palavra dicionarizada quer dizer aversão, repugnância, inimizade etc. No Nordeste, conforme o Dicionário Informal, é um adjetivo usado para xingar uma pessoa. É o que fez o personagem Felisberto:

Felisberto disse logo:

- Chegou mais outra quizila!

(BORGES apud HAURÉLIO, 2012, p.117).

Também muito utilizada na região Nordeste é a palavra “abestalhado”, significando "otário" e “tolo”. Este adjetivo pejorativo aparece em alguns dos cordéis estudados, como em João Sem Destino no Reino dos Enforcados e O rico preguiçoso e o pobre abestalhado, do cearense Arievaldo Viana:

O juiz disse: - Esse bobo

É doido ou abestalhado.

(SILVA apud HAURÉLIO, 2012, p.159).

Compadre de um camponês

Simplório e abestalhado.

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.191).

Outro adjetivo usado para desqualificar alguém e que é muito comum no vocabulário nordestino é “frouxo”, dito no dia-a-dia “frôxo”. Este aparece no dicionário (SANTIAGO-ALMEIDA, 2011) significando algo que não é muito apertado, folgado; por aqui (região Nordeste) significa um sujeito medroso. Vejamos um exemplo do uso deste termo em um cordel:

O rei, lhe ouvindo, disse:

- Ô filho frouxo danado!

(SILVA apud HAURÉLIO, 2012, p.161).

Adiante deparamos com outro termo próprio do Nordeste. Trata-se de “quengo”, que, de acordo com o Dicionário de termos nordestinos (ALBUQUERQUE, s/d) é o mesmo que “cabeça”, “crânio” ou “juízo”:

Então o compadre pobre,

Bicho do quengo lesado,

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.194).

Nestes mesmos versos encontramos o vocábulo “lesado”, que vem de “leso” e não de “lesão” ou algo próximo. “Leso” é, na região, alguém bobo, “abestado”. Portanto, neste contexto, “quengo lesado” está significando um sujeito de cabeça fraca.

Mais uma palavra empregada no cotidiano de várias regiões do país, mas muito utilizada no nordeste é “presepada”, ou seja, palhaçada. Ela aparece no cordel O rico preguiçoso e o presepeiro abestalhado:

Fez a mesma presepada;

Pôs a toalha na mesa,

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.197).

Por fim, um termo próprio da região em estudo encontrado nos cordéis é “atoleimado”, que, segundo o Dicionário Informal, significa alguém bobo, tolo. Este aparece no cordel citado por último:

O ricaço atoleimado

Na própria ‘cuca’ botou.

(VIANA apud HAURÉLIO, 2012, p.197).

Com isso, percebemos que os traços da variante nordestina presentes na Antologia do Cordel Brasileiro são, em sua maioria, de ordem lexical, ou seja, expressões que ganham uma significância diferenciada na língua cotidiana do povo desta região. Muitos destes termos são conhecidos e até empregados em outras regiões, mas que na boca da gente do Nordeste tem um sentido próprio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A literatura de cordel vem nos últimos anos sendo alvo de muitas pesquisas acadêmicas, sob os mais variados ângulos. Estudá-la em seu aspecto linguístico também é algo relevante, uma vez que é uma arte essencialmente da palavra, apesar da gênese oral. O cordel está intrinsicamente ligado a região Nordeste do Brasil, dessa forma, é inegável que o mesmo traga representações culturais deste local em seus textos e que, como consequência, deixe transparecer traços da linguagem própria do dia-a-dia nordestino (mesmo na escrita).

Conforme esse aspecto, a literatura de cordel não almeja representar fielmente o português falado no Nordeste, isso fica a cargo das ciências da linguagem (se possível for), nem objetiva também demonstrar como que o nordestino comum, o homem da roça ou o matuto fala, esta parece ser a tarefa pretendida pela chamada “poesia matuta”. O que esta literatura nos possibilita, em sua grande maioria, é enxergarmos nela elementos linguísticos (principalmente lexicais) que são próprias da sua região de origem.

Pensando assim, foi possível caracterizarmos o cordel como um gênero da literatura popular, apesar das muitas possibilidades teóricas que cerca o conceito de popular em detrimento do erudito, ficou possível também identificarmos na literatura especializada traços relevantes do português falado no Nordeste, sempre entendendo o Nordeste de forma ampla, como um constructo que abarca o todo, apesar das partes e finalmente conseguimos identificar traços da linguagem coloquial, bem como, os usos/desusos de alguns traços do falar nordestino nos cordéis selecionados (na Antologia).

A utilização da Antologia do Cordel Brasileiro foi pelo fato dela ser bastante representativa quanto à esse gênero literário, abarcando alguns dos maiores sucessos, dos mais bem elaborados e representando os grandes nomes do cordel e em diferentes períodos da história. Apesar de ser apenas uma seleção, escolhida por um único sujeito, a Antologia é capaz de representar a literatura de cordel.

Portanto, a realização desta pesquisa pode contribuir para lançar olhares diferentes em direção a literatura de cordel, culturalmente e linguisticamente, e em direção a linguagem nordestina, com suas variantes, sotaques etc. Pode servir ainda para a valorização das expressões literárias de cunho popular e, com isso, podermos diminuirmos os estereótipos e preconceitos que as cercam.

Finalmente, falando de forma mais pessoal, este estudo contribuiu para o meu amadurecimento acadêmico e crescimento como pessoa, além de apontar caminhos novos frente à realidade literária e linguística.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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