A PRATICA DO SERVIÇO SOCIAL

Resumo: Este artigo tem por finalidade apresentar uma reflexão sobre a prática profissional do Assistente Social, reconhecendo suas dimensões, com o objetivo de situar a instrumentalidade do Serviço Social bem como seu arsenal técnico-operativo. Em seguida, serão apresentados, de forma sucinta, alguns dos principais instrumentos de trabalho utilizados pelos Assistentes Sociais no exercício da prática profissional.


1. O serviço social como profissão
Na trajetória histórica do Serviço Social, podemos identificar várias correntes que discutem a questão da sua instrumentalidade, que trazem consigo um corpo conceitual específico que dá a esse tema um determinado significado. Entendemos por instrumentalidade a concepção desenvolvida por Guerra (2000) que, a partir de uma leitura lukacsiana da obra de Marx, constrói o debate sobre a instrumentalidade do Serviço Social, compreendendo-a em três níveis: no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto reformista da burguesia; no que se refere à sua peculiaridade operatória (aspecto instrumental-operativo); e como uma mediação que permite a passagem das análises universais às singularidades da intervenção profissional.
Desde o período em que o Serviço Social ainda fundava sua base de legitimidade na esfera religiosa, passando pela sua profissionalização e os momentos históricos que a constituiu, a dimensão técnica-instrumental sempre teve um lugar de destaque, seja do ponto de vista do afirmar deliberadamente a necessidade de consolidação de um instrumental técnico-operativo "específico" do Serviço Social (falamos aqui em especial da tradição norte-americana, que teve forte influência sobre o Serviço Social brasileiro, sobretudo entre os anos 40 e 60), seja no sentido de afirmar o Serviço Social como um conjunto de técnicas e instrumentais em outras palavras, uma tecnologia social.
Em outros momentos, no sentido de atribuir à instrumentalidade do Serviço Social um estatuto de subalternidade diante das demais dimensões que compõem a dimensão histórica da profissão. As profissões se criam como especializações do trabalho coletivo para atender necessidade, portanto, o Serviço Social surge num contexto de administração de carências materiais, sendo legitimado pelo capital na qualidade de principal requisitante institucional.
Na empresa a prática do Serviço Social não escapa a essa generalização. Nela, a despeito de algumas singularidades, o Serviço Social também é assumido como um instrumento de intervenção nos "problemas sociais", entendidos como situações de carências do trabalhador que interferem na produtividade da força de trabalho. Assumindo assim, a função técnica específica no interior das empresas ? mediar soluções de carências e conflitos dos trabalhadores.
Por esta razão, aspectos políticos e técnicos, intimamente relacionados, estarão presentes tanto no conjunto das ações do assistente social como na elaboração de suas referências teóricas-práticas, emergentes do próprio desenvolvimento da prática profissional na empresa, cujo destino não é apolítico nem histórico.
Esta identidade aponta, portanto, para a existência de um projeto social, dentro do qual se inscreve a requisição da profissão, e exige que, diante dos diversos fenômenos que a empresa elege como passíveis de intervenção. Nesta ótica, pode-se, então, inferir que a ação do Serviço social nas empresas é polarizada entre a convivência objetiva com as condições de vida e trabalho do empregado e as prerrogativas da entidade.
A justificativa da inserção do Serviço Social é discutida pelos profissionais a partir das funções da empresa capitalista e da significação dos problemas sociais do trabalhador na obstaculização/facilitação da produção. Essa relação se apresenta, como de natureza complementar, representada do empregador e dos empregados em função do que cada um necessita para satisfazer suas necessidades. Tais necessidades são, em tese, a compra da força de trabalho e o salário.
Pensar o Serviço social enquanto processo de trabalho é um tema bastante discutido na categoria sendo motivo de divergência entre os vários autores que o discutem. Nesse sentido serão abordados pensamentos de autores que fazem discussões em torno desse tema, como Iamamoto (2007), Granemann (1999) e Lessa (2001). De acordo com esse último, o Serviço Social não se configura como um trabalho, pois não atua diretamente com a transformação dos recursos da natureza necessários para a reprodução social
Ele afirma que o Serviço Social se configura como um complexo social, responsável pela organização dos indivíduos para o trabalho. Entretanto, Iamamoto (2007) e Granemann (1999) afirmam que, o Serviço Social se materializa como processo de trabalho partindo da premissa de que possui um objeto no qual intervêm, sendo este, a questão social e suas refrações. Possui, também, instrumentos de intervenção firmados nas bases teórico-metodológicas, apreendidas enquanto profissão regulamentada, materializando-se em entrevistas sociais, reuniões, encaminhamentos, pareceres sociais, etc.
Um terceiro elemento que as autoras utilizam para compreender a profissão como processo de trabalho são os "produtos", ou seja, os resultados desse trabalho. O Serviço Social intervém nas relações sociais, e, a partir da execução de seu trabalho pode contribuir para a construção de uma outra sociedade onde haja a superação da contradição capital e trabalho que potencializa a questão social.
Nesse sentido, o produto da intervenção profissional pode se configurar de forma diferenciada de acordo com o local no qual os assistentes sociais estão inseridos. Nessa perspectiva o serviço social não atua de forma isolada de outros profissionais, por estar inserido em um processo coletivo de trabalho para atender as demandas postas pelo sistema capitalista. Com a reestruturação do capitalismo, surgem novos desafios para todas as profissões, e o Serviço Social precisa interagir com as mesmas para atender às necessidades decorrentes da nova conjuntura e implementar estratégias de enfrentamento ao agravamento da questão social.
Dessa forma, objetivamos evidenciar o Serviço Social enquanto processo de trabalho e sua inserção em um processo coletivo. A partir dos pontos elencados anteriormente, neste contexto capitalista, neoliberal, demarcado pela desigualdade sócio-econômica entre ricos e pobres, onde estes últimos sofrem com a discriminação, com a pobreza, com a focalização de políticas sociais, e em linhas gerais, com a má distribuição de renda socialmente produzida, o Serviço Social configura-se como processo de trabalho atuando no enfrentamento as seqüelas da Questão social,com profissionais embasados em referenciais teórico-metodológicos e comprometidos com o projeto ético-político da profissão, na defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora, mediando esses conflitos, e estando ao lado de outros profissionais para garantir a efetivação de políticas públicas.
Nessa ótica, pode-se concluir que a problematização e intervenção do assistente social são pautadas nos limites dos objetivos da empresa, excluindo a possibilidade de tais manifestações serem expressão da negação do trabalhador.
Ao assumir as representações dos fenômenos como evidências, nada mais coerente que ter nos entraves à produtividade seu objeto de conhecimento e intervenção. Razão pela qual a ação do assistente social na empresa privilegia a relação empregadora e empregada. Logo, seu âmbito de ação é limitado ao contexto da compra e venda da força de trabalho, construindo um referencial que ressalta as condições de vida de quem vende a força de trabalho e a necessária ação humanista da empresa, desconhecendo, pois a prática de resistência do trabalhador ao processo de exploração capitalista.

2. O potencial negador do trabalhador

Ao enfocar a participação do trabalhador como requisitante potencial do Serviço Social nas empresas, afirmamos a sua participação na construção da prática da profissão. Por outro lado, a presença das necessidades no cotidiano do trabalhador é problematizada na medida em que estas são expressas na consciência social, através do discurso da classe trabalhadora. Admitindo tais pressupostos, é possível concluir que as políticas sócio-assistenciais geridas pelas empresas não excluem a participação do trabalhador, na sua formulação, inclusive como estratégia de atendimento a interesses tanto do capital como do trabalho.
Da mesma forma, na medida que o assistente social é requisitado pela instituição, para atuar na administração e execução dos serviços assistenciais, sua ação atende a prioritariamente ao capital sem, contudo, excluir o atendimento ao trabalhador, nos limites dados pelas condições objetivas existentes. Na verdade, a exploração de uma classe sobre a outra é condição para a acumulação e reprodução do capital, de um lado, e da reprodução da força de trabalho, por outro lado. Entretanto, as relações de produção capitalista têm uma natureza dialética e, por isso mesmo, somente podemos compreendê-las numa perspectiva global, a partir do próprio conceito de modo de produção.
Temos de esclarecer que as idéias do trabalhador não se construiriam numa simples ratificação da ideologia dominante. Antes, são formas de manifestação que, por resultarem de uma relação dialética, podem permitir o surgimento, dentro de um projeto político de classe, de uma outra ideologia, de natureza contestadora.
Embora se esteja falando de um potencial negador, não se quer dizer que este potencial se transforme espontaneamente numa organização política de classe. Ao contrário, entendemos que tal superação somente poderia ocorrer a partir da emergência de situações sociais críticas agentes, em um determinado momento histórico objetivo; ou ainda, pela via da organicidade política com os intelectuais.
Não se trata, pois, de reduzir a consciência social de uma classe a características internas. Trata-se de admitir uma categoria de trabalhadores enquanto possibilidade de virem a se transformar em força social, em havendo condições propícia ao desenvolvimento da práxis transformadora no meio incluso. O discurso dos trabalhadores, aqui utilizado, expressa o nível da consciência real da sua participação nas políticas sociais das empresas, enquanto suprimento de suas necessidades e quanto empregado de uma empresa capitalista.
Ora, na medida em que o Serviço Social é requisitado tanto pelo capital como pelo trabalhador, a sua prática será necessariamente determinada e guiada pela opção ideológica dos seus agentes ao projeto de uma classe ou de outra.
Dentro do contexto empresarial, o trabalhador é considerado como usuário dos serviços prestados pelo assistente social. Desse modo, a consideração do potencial negador da classe trabalhadora, inerente à problematização da realidade e presente na requisição potencial dos serviços do assistente social, constituiu o elemento básico para a construção de uma nova prática do Serviço Social na empresa capitalista. Dessa forma, é preciso penetrar no discurso dos trabalhadores, seguindo, inclusive, a sua própria maneira de ordenar seu universo de vida e trabalho, cuja hierarquia, em geral, principia sempre pela instituição empresa.
Os trabalhadores identificam a empresa como seu empregador, especificamente no que se refere a pagamento de salário. Desse modo, o trabalhador aceita o objetivo e a posição da empresa, como uma condição para assegurar salário. Entretanto, ele reconhece as peculiaridades presentes na privatização do lucro. Todavia a relação entre capital e trabalho supõe alternativa de entendimento pelo trabalhador. São posições que se completam para haver produção, e não posições que se contrapõem.
Ao reconhecer e identificar o controle e poder da empresa o trabalhador os transforma numa norma não apenas de trabalho, mas de vida, a partir do quê, numa dialética de afirmação e negação de práxis, parece emergir uma ideologia do desânimo e da fatalidade.
Porém, por serem os serviços sociais situados na empresa e dirigidos para empregados assalariados, é possível também ver a questão a partir da existência de uma estratégia política da empresa para obscurecer o problema dos salários. neste sentido, seria admitido e, inclusive, institucionalizado o fato de os salários serem insuficientes para suprir as necessidades pela via do questionamento acerca do próprio "valor do trabalho", fato reforçado pela própria relação que o trabalhador estabelece entre serviços prestados e desgaste do trabalho.
Por outro lado, a presença do assistente social na empresa é justificado pelo trabalhador com base na experiência vivenciada como "cliente" ou na transmissão de informações de pessoas que utilizaram os serviços. O Serviço Social na empresa passa também pela questão da produção, o trabalhador, na verdade, retifica o conceito sobre aquela função.
Servindo-se de reais necessidades do trabalhador, o Serviço Social subordina-se, na realidade, aos interesses da empresa, constituindo pela ajuda, isto é, a promoção do homem, um mecanismo de dominação ideológica do capital sobre o trabalho.
Ao caracterizar o assistente social como um agente subalterno, o trabalhador decifra a lógica da fidelidade do assistente social ao empresariado.reconhecendo limitações, mas distinguindo intenções, o trabalhador coloca as necessidades e o trabalho do assistente social como circunstâncias que fazem parte de uma situação. Embora não possamos falar de um projeto, é possível observar o potencial negador do trabalhador na sua prática cotidiana. Por outro lado, ao perceber o jogo da empresa, e do Serviço Social tradicional, o trabalhador, ao mesmo tempo em que requisita e se beneficia da "ajuda", constrói e afirma o seu "potencial negador", apontando, inclusive, para uma nova prática do Serviço Social.


Referências
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