SÍLVIA ANDRÉA SOARES BESERRA


A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O SEU FATO GERADOR


FORTALEZA / CEARÁ / 2011

SÍLVIA ANDRÉA SOARES BESERRA







A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O SEU FATO GERADOR







Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de bacharel em Direito, em formato de Artigo Científico sob orientação da professora Ms. Raquel Cavalcanti Ramos Machado, conforme a linha de pesquisa Direito Aplicado à Área da Ciência Política.

FORTALEZA / CEARÁ / 2011
A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O SEU FATO GERADOR



Sílvia Andréa Soares Beserra é Auditora-Fiscal da Receita Estadual da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, tendo se graduado em Ciências Contábeis pela Universidade de Fortaleza. E-mail para contato: [email protected].



RESUMO

Através das obrigações tributárias o Estado cria uma relação jurídica com o contribuinte de fazer ou não fazer algo no interesse da arrecadação e da fiscalização dos tributos. A definição de obrigação tributária é um ponto importante do nosso trabalho, pois esclarece o vínculo entre o Estado e o indivíduo na relação tributária. O Código Tributário Nacional divide as obrigações tributárias em principal ou acessória, a primeira objetivando o pagamento do tributo ou penalidades pecuniárias, de cunho patrimonial e a segunda as prestações outras, de fazer ou não fazer, de cunho não patrimonial. Esses deveres, inicialmente, podem ser criados por lei, entendidos aqui esta palavra na sua acepção lata (incluindo, portanto, as leis delegadas e as medidas provisórias). A questão maior ocorre em relação à possibilidade do Poder Executivo criar esses deveres, para serem cumpridos através de atos administrativos, chamados de atos infralegais, tais como: as portarias, decreto, instruções normativas, etc. Trazendo para o contribuinte certa insegurança na aplicação da exigência das obrigações acessórias.




Palavras-chave: Arrecadação. Fiscalização. Obrigação tributária.

INTRODUÇÃO

Relatamos sobre o gênero que é a obrigação tributária, para comentar das suas espécies que são as obrigações principal e acessória, com suas definições, para um bom entendimento das diferenças, apesar do CTN ser bastante claro em relação a isso. Achou-se importante citar sobre o vínculo jurídico, a relação entre Estado e o contribuinte, chegando com isso ao seu fato gerador, que deve atender ao princípio da tipicidade, contendo todos os elementos hábeis a sua correta identificação, apontando o fato gerador da obrigação principal que é posto no art. 97, III, do CTN, sendo através de lei estrita, enquanto o fato gerador da obrigação acessória é posto nos art.96 e 100 do CTN, não somente através de lei em sentido estrito, mas, também por atos normativos.

1. A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O SEU FATO GERADOR

O Código Tributário Nacional divide as obrigações tributárias em principal ou acessória. A primeira objetivando o pagamento do tributo ou penalidades pecuniárias, de cunho patrimonial e a segunda as prestações outras, de fazer ou não fazer, de cunho não patrimonial.
Dispõe o art. 113 do CTN:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º - A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º - A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º - A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
A definição de obrigação tributária é um ponto importante do trabalho, pois esclarece o vínculo entre o Estado e o indivíduo na relação tributária. E com elenco algumas acepções de renomados autores, dos quais:
Denari (2002, p. 187): "O vínculo jurídico em virtude do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito passivo) uma prestação pecuniária (objeto), nas condições previstas em lei (causa)."
Sabbag (2010, p. 666): "[...] equivale à prestação a que se submete o sujeito passivo diante do fato imponível deflagrador da obrigação tributária.Pode se materializar em uma prestação dotada de materialidade ou de instrumentalidade."
Harada (2006, p. 482):
Obrigação jurídica in genere nada mais é do que o vínculo jurídico pelo qual uma pessoa( credora) pode exigir de outra (devedora) uma prestação consistente em entregar alguma coisa (dar), ou em praticar certo ato (fazer), ou, ainda, em abster-se de certo ato ou fato (não fazer) sob pena de sanção. A obrigação tributária é espécie do gênero obrigação jurídica, que se pode definir a obrigação tributária como uma relação jurídica que decorre da lei descritiva do fato pela qual o sujeito ativo (União, Estados, DF e Município) impõe ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário) uma prestação consistente em pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, parágrafo 1º, do CTN), ou prática ou abstenção de ato no interesse da arrecadação ou da fiscalização tributária (art. 113, parágrafo 2º, do CTN).
E como bem esclarece a definição de obrigação tributária, Machado (2008, p. 122) diz:
Ela é a relação jurídica em virtude da qual o particular (sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos, e o Estado tem o direito de constituir contra o particular o crédito.
A obrigação principal é uma obrigação de pagar tributos, sempre que ocorrer o fato gerador previsto em lei, já as obrigações acessórias não passam de condutas positivas ou negativas, uma obrigação de fazer ou não fazer com o interesse do Estado, determinadas na legislação tributária.
Pode ocorrer uma determinada situação de fato, que ao mesmo tempo enseje o fato gerador da obrigação tributária principal ou acessória, como por exemplo, um empresário ele promove a saída de mercadoria, fazendo nascer a obrigação de pagar o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) (obrigação principal), e de emitir a nota fiscal (obrigação acessória).
Em relação à obrigação acessória, muitos autores discordam desse termo "acessória", pois como ela não tem caráter patrimonial, não seria de fato uma obrigação e sim um dever administrativo, e também por ser independente da obrigação principal.
Nesse sentido defende esta posição, Carvalho (1993, p. 285-287):

Tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de obrigações acessórias, nome impróprio, uma vez que não apresentam o elemento caracterizador dos laços obrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos pecuniários. [...]. Nossa preferência recai, por isso, na expressão deveres instrumentais ou formais. Deveres, com intuito de mostrar, de pronto, que não tem essência obrigacional, isto é, seu objeto carece de patrimonialidade. E instrumentais ou formais porque, tomados em conjuntos, é o instrumento de que dispõe o Estado-Administração para o acompanhamento e consecução dos seus desígnios tributários [...]. Encarados como providências instrumentais ou como a imposição de formalidades, tais deveres representam o meio de o Poder Público controlar o fiel cumprimento da prestação tributária, finalidade essencial na plataforma da instituição do tributo. (grifo nosso).
E nesse mesmo sentido, Sabbag (2010, p. 667) afirma:
[...] obrigados em relação à obrigação principal, a acessória subsiste. Com efeito, no tocante ao instituto da obrigação tributária, é possível afirmar que as modalidades ?principal? e ?acessória? são independentes entre si, na medida em que são distintos seus objetos. Dessa forma, a modalidade ?acessória? não exige prévia existência da ?principal?, uma vez sendo dela presumivelmente dependente.
Já Machado (2008. p. 123)? concorda com expressão "acessória", pois preconiza em sua doutrina afirmando:
Muitos autores, influenciados pela doutrina civilista, criticam o emprego da expressão obrigação acessória no CTN, sustentando que as impropriamente denominadas obrigações acessórias são simplesmente deveres administrativos, pois toda obrigação tem conteúdo patrimonial. Além disto, não seria acessórias, porque podem existir independentemente da obrigação principal. [...] em Direito Tributário as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido, só existem em função das principais, embora não exista necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação acessória. [...] A obrigação acessória, portanto, tem o objetivo de viabilizar o controle dos fatos relevantes para o surgimento de obrigações principais. Justifica-se, assim, sejam qualificadas como acessórias, posto que somente existem em razão de outras obrigações, ditas principais.
O § 3º afirma que o não cumprimento da obrigação acessória, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária, e discorda Machado (2008, p. 123) da redação do citado parágrafo:
Na verdade o inadimplemento de uma obrigação acessória não a converte em obrigação principal. Ele fez nascer para o fisco o direito de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é precisamente a penalidade pecuniária, vale dizer, a multa correspondente.
E complementando Sacha Calmon (2000, p. 582):
Quando há o cometimento de ilícitos por parte do contribuinte, é-lhe, então, aplicada uma multa (sanção pecuniária). Em não sendo paga a multa, o dinheiro dela decorrente "se integra" ao dinheiro decorrente do tributo.
E em relação à causa da obrigação tributária, preconiza Sabbag (2010, p. 668):
A causa da obrigação tributária é o vínculo jurídico motivador do liame jurídico obrigacional entre sujeito ativo e sujeito passivo. Pode residir na "lei tributária" ou na expressão designativa mais lata que a primeira, a saber, legislação tributária.
Esse vínculo jurídico citado se encontra na leitura dos arts. 114 e 115 do CTN:
Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
Art.115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal.
Os autores conceituam de várias formas a definição de fato gerador, para:
Sabbag (2010, p. 652), afirma: "O fato gerador é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede."
Sacha Calmon (2000, p. 368), diz:
[...] que o fato descrito em lei (legalidade), contendo todos os elementos hábeis à sua perfeita identificação (fato-tipo ou tipicidade), constitui o fato jurígeno da obrigação tributária principal. Uma vez que dito fato venha a ocorrer no mundo fenomênico, instaura-se a obrigação, vez que este é não apenas necessário como suficiente.
Harada (2006, p. 484), alega: "[...] o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária."
Denari (2002, p. 176), declara:
O fato gerador, amplo sensu, é um acontecimento que dá causa ao nascimento de uma relação de direito sui generis, entre o poder público e o particular. Logo, se é um acontecimento que dá causa a uma relação de direito, ele participa da categoria dos fatos jurídicos.
Verifica-se que a legalidade exigida para a imposição da obrigação instrumental não é estrita, ou seja, pode ocorrer de ato normativo que não a lei em sentido formal e material. Todos aqueles instrumentos normativos previstos no art. 96 do CTN, tais como decretos e regulamentos, entre outros contidos no seu art. 100, são aptos a formar vínculo jurídico tributário acessório. Para melhor visualização apresento os artigos citados:
Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
Buscando captar a mensagem no art. 115 do CTN, o distinto tributarista Sacha Calmon (1997, p. 268) pontua:
Vimos que as chamadas obrigações acessórias não possuem ?fato gerador?; decorrem de prescrições legislativas imperativas: ?emita notas fiscais?, ?declare rendas e bens?, etc. A impropriedade redacional é sem par. Diz-se o fato gerador da obrigação acessória é ?qualquer situação? que, na forma da ?legislação aplicável?, impõe a ?prática ou abstenção de ato?. Outra maneira de prescrever deveres de fazer e não fazer por força de lei cabe apenas reafirmar que a legislação a que se refere o artigo somente pode ser coleção de leis em sentido formal e material.
O citado doutrinador afirma haver uma impropriedade terminológica, quando o CTN refere-se à legislação, que possui conceito mais amplo que o de lei quando, na verdade, intenciona apontar a própria lei estrita como único meio idôneo de estabelecer obrigações, inclusive as acessórias, sem que para tanto houvesse a necessidade de determinar um fato gerador.
A previsão do fato gerador pela legislação tributária é autorizada pelo CTN, cujo rol encontra-se relacionado nos acima citados arts. 96 e 100. Contrariamente ao que estabelece para o fato gerador da obrigação principal, necessariamente descrito em lei em sentido formal e material, em conformidade com o art. 97, III, também acima citado, nesse sentido é explanado por Amaro (2001, p. 242):
Parece que, ao dizer serem as obrigações acessórias decorrentes da legislação tributária, o Código quis explicitar que a previsão dessas situações pode não estar em ?lei?, mas em ato de autoridade que se enquadre no largo conceito de ?legislação tributária? dada no art. 96; mesmo, porém, que se ponha em causa o dever de utilizar certo formulário, descrito em ato de autoridade, melhor seria dizer que a obrigação, em situações como essa, decorre da lei, pois nesta é que está o fundamento com base no qual a autoridade pode exigir tal ou qual formulário, cujo formato tenha ficado a sua discrição. E, obviamente, também nessas situações, o nascimento do dever de alguém cumprir tal obrigação instrumental surgirá, concretamente, quando ocorrer o respectivo fato gerador.
O Estado apresenta-se como o provedor das necessidades públicas. Com o surgimento das nações civilizadas e elaboração da teoria do Estado moderno, os anseios particulares foram substituídos por necessidades públicas e o Estado foi alçado à categoria de ente capaz de provê-las.

Para tanto, havia uma demanda de recursos financeiros a ser suprida. Daí, então, passou-se a justificar a invasão pelo Estado no patrimônio privado. Com os recursos obtidos, o Estado suporta as despesas provenientes na consecução de seus objetivos. No dizer do Prof. Ricardo Lobo Torres "A soberania financeira, que é do povo, transfere-se limitadamente ao Estado pelo contrato constitucional, permitindo-lhe tributar e gastar "



CONCLUSÃO

As obrigações acessórias estão diretamente relacionadas com a finalidade de garantir a justa arrecadação de tributos, evitar fraudes e manter as operações comerciais de forma legalmente organizada. Assim, a legislação submete os contribuintes a cumprirem um número elevado de obrigações acessórias, as quais impõem à identificação das operações, em particular, à quantificação do tributo devido, emissão de notas fiscais, escrituração de livros e manutenção dos documentos em perfeita ordem, para exibição ao fisco, quando solicitado.
A doutrina predominante entende que as "obrigações acessórias" são algo de importância diminuta e que, portanto, decretos, portarias ou atos administrativos em geral seriam aptos a torná-las exigíveis. Concorda-se com esse entendimento, pois o fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal (CTN, art.115). Nos termos do Código Tributário Nacional esse fato gerador pode ser definido pela legislação e não apenas pela lei.

REFERÊNCIAS


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CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20. ed. rev. ampl. e atualizada, São Paulo: Malheiros, 2004.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários ao Código Tributário Nacional. Coord. Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro: Forense, 1997.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. rev. atual. e ampliada, São Paulo: Malheiros, 2008.
MACHADO, Schubert de Farias. Burocracia fiscal e multas. Disponível em: <http://www.fenacon.org.br/fenaconserviços/revista101/analise101.asp>. Acesso em: 03 maio 2011.
PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário, à luz da doutrina e da jurisprudência. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.