A mídia realmente é um meio de controle social?

¹Zilmara Regina de Santana Bomfim


O mundo encontra-se em plena era da informação, milhões de mensagens bombardeiam as mentes dos receptores constantemente. O avanço dos meios de informação fez as organizações investirem cada vez mais em divulgação, fortalecendo ainda mais a mídia. A relação entre os meios de informação e os receptores é repleto de polêmicas, pois a quem afirme que a essas formas de informação são direcionadas para manipular os receptores a agir conforme suas determinações, porém se for analisado profundamente o assunto, pode-se notar claramente que cada vez mais as informações estão tomando proporções que saem do controle das organizações, admitindo um caráter independe e democrático.
O estímulo ao consumo é evidente na mídia, pois a sua própria existência se deve ao financiamento dos anunciantes. Estes por sua vez ocupam grande parte do tempo de programação, sendo que em alguns canais televisivos são exibidos em tempo integral. Este exagero de anunciantes e o estímulo claro ao consumo atraem para os meios de comunicação, especialmente a televisão, muitas criticas no que diz respeito à qualidade do que é transmitido aos telespectadores.
A televisão é ela mesma um produto do capitalismo avançado e, como tal, tem de ser vista no contexto de uma cultura do consumismo. Isso dirige a nossa atenção para a produção de necessidades e desejos, para a mobilização do desejo e da fantasia, para a política de distração como parte do impulso para manter nos mercados de consumo uma demanda capaz de conservar a lucratividade da produção capitalista (HARVEY apud MAGALHÂES, 2005, p. 233)
Nesta mesma linha de pensamento, Kirkpatrik (apud SCHWERINER, 2006) também acusa a mídia de, por meio da propaganda manipular os receptores, ao afirmar que a força de manipulação da propaganda reside na sua capacidade de fazer que os consumidores adquiram bens de que não precisam ou não querem, coagindo-os a corresponder à vontade dos produtores.
Partindo desse pressuposto, expresso por Harvey e Kirkpatrik, estar-se-ia a proclamar o indivíduo como um ser irracional, que não possui autonomia sobre suas decisões, e a atribuir poderes à propaganda que de fato ela não tem, como o de criar necessidades nos indivíduos.
A respeito desta discussão, muitos estudiosos de diversas áreas procuram entender o comportamento do consumidor, ou seja, o comportamento do individuo no processo de consumo como um todo, desde a propaganda até o período pós-compra. As teorias formuladas sobre este assunto permitem compreender melhor até que ponto a mídia influencia no processo de compra, e se a mesma pode de fato manipular a sociedade a responderem a seus estímulos. Limeira expõe em seu livro "Comportamento do consumidor brasileiro" várias aspectos do comportamento do consumidor, dentre eles destaca-se à visão econômica sobre este processo decisório.
A ciência econômica formulou a teoria econômica do consumidor, que objetiva explicar e prever como os consumidores tomam as decisões de compra. Sob a ótica desta teoria o consumidor toma suas decisões baseados nos princípios da racionalidade e da utilidade. Segundo Limeira (2008), o principio da racionalidade dá origem ao conceito do ?homem econômico racional?, que toma decisões com base na análise de custos e benefícios de cada alternativa, e o principio da utilidade que é a capacidade de um objeto ou sistema produzir aquilo para o qual foi concebido. Para a economia "O consumidor é uma pessoa racional, ou seja, decide e age racionalmente, fazendo escolhas com base na análise de custos benefícios".(LIMEIRA, 2008, p. 89)
A teoria econômica do consumidor tem em suas ideologias itens extremante contrários ao que é expresso nas afirmações de Kirkpatrik e Harvey, pois ao encarar o homem como um ser racional nas suas decisões eliminaria o caráter manipulador da propaganda. E a respeito do poder da propaganda na criação de necessidades, defendido também pelos autores supracitados, há ainda mais divergências ao comparar essas afirmações à afirmações de outros autores, pois se levarmos em conta o caráter intrínseco das necessidades, se tornaria inviável que algum meio externo possa criá-las.
Philip Kotler considerado o papa do marketing no mundo, define marketing como sendo "o processo social e gerencial por intermédio do qual indivíduos e grupos obtém aquilo que desejam e necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com os outros" (KOTLER apud RANGEL et all 2004, p. 32). Nesta definição Kotler deixa claro que as pessoas obtêm, por intermédio do marketing, aquilo que desejam e necessitam, portanto essa necessidade já estava presente nos indivíduos, fora apenas estimulada.
José Carlos Sobral* em entrevista à revista Eclética, também afirma que a hipótese de que a propaganda cria necessidades é errônea. Segundo Sobral o marketing " cria desejos e desperta as pessoas para as necessidades que já estão dentro delas. Ou seja, o marketing cria vontades para preencher lacunas abertas pela sociedade no interior de cada individuo." (RANGEL et all, 2004, p. 32)
Essas lacunas existentes no interior dos indivíduos são segundo muitos autores, um dos principais motivos para o consumo exagerado, pois a frustração devido a alguma necessidade insaciada, gera no individuo a super valorização de outras necessidades, como a de auto-estima, status, relacionamento. E esta supervalorização é que leva ao exagero e não propriamente o marketing. Como afirma Schweriner :
A conduta materialista pode operar como escudo para compensar ou encobrir insegurança, além de ser incentivada e chancelada pela socialização. A insegurança emerge quando o sujeito não consegue satisfazer algumas necessidades psicológicas básicas como segurança, autonomia,, competência e relacionamento, que então são compensadas pelas condutas materialistas. (SCHWERINER, 2006, p. 159)
Porém, não raro, encontram-se opiniões que tratam o consumismo como sendo fruto do forte apelo ao consumo feito pela mídia, como afirma Gava (apud RIBEIRO, PROCÓPIO, p.1):
O apelo ao consumo invade a consciência e passa a ser elemento decisivo nas relações sociais. Agindo como um intermediário, a posse dos bens acaba por identificar as pessoas e definir seu estilo de vida e posição social, mesmo que sejam conformações apenas aparentes.
É fato que as afirmações de Gava são verídicas, mas deve-se levar em conta que o apego aos produtos e aos bens não é novidade, nem tampouco um fruto da mídia. Essa relação antiga dos indivíduos com os produtos nos leva a crer que essa ostentação de riqueza é uma conseqüência da própria natureza humana, que possui necessidades de proeminência como parte de sua essência. Neste contexto, cabe citar Schweriner, que afirma:
Sabe-se que a identificação dos seres humanos com produtos que lhe conferem status, prestigio e glamour não é recente. A História está pontilhada por roupas, veículos de transporte, armamentos, jóias, como tantos outros utensílios domésticos que emprestavam notoriedade a quem possuísse. (...) Em todo reino animal (do qual o ser humano obviamente faz parte) existem distinções baseadas no poder, no domínio e no status dos animais mais proeminentes. Portanto, a busca por proeminência/status é parte integrante das necessidades do ser humano, que alguns mais, outros menos, perseguem ao longo de sua existência. (SCHWERINER, 2006, p.165-166)

A propaganda portanto não pode ser culpada por essas muitas acusações que lhe apregoam, o seu intuito não é o de criar necessidades e nem de fazer as pessoas sentirem-se imperfeitas para que possam buscar o produto. Seu papel é de cativar o consumidor por meio do discurso persuasivo, utilizando símbolos e emoção como argumentos de convencimento, nunca de manipulação. Mas há quem discorde, como a afirmação dada pelo Inmetro na Cartilha educativa "Publicidade e Consumo":
A publicidade, portanto, cria necessidades inexistentes ao mesmo tempo que faz as pessoas se sentirem imperfeitas, insatisfeitas. Subliminarmente, ela está incutindo a idéia de que a solução para ?o mal da civilização? está no consumo, isto é, em função das coisas que o consumidor pode comprar. (Publicidade e Consumo, p. 12-13)

Esta afirmação desconsidera o fato da insatisfação humana ser tão intrínseca quanto às necessidades. Estar insatisfeito é resultado da discrepância entre o estado que se está e o estado que se quer estar, e as necessidades supridas não são motivadoras, então o individuo sempre desejará estar em um nível acima do que está, havendo assim uma discrepância praticamente continua durante a vida
E de fato, a propaganda utiliza o jogo de palavras como ferramenta para convencer o receptor. Mas será que esta é uma ferramenta exclusiva da propaganda? A resposta é não, pois todos os seres ao se expressarem estão direta ou indiretamente tentando convencer o receptor exprimindo sua intenção por meio do discurso. Essa ligação do ser humano com o discurso é tão íntima que se pode dizer que temos até uma necessidade de utilizar o discurso persuasivo, como é exposto por Citelli em seu livro "Linguagem e persuasão":
A maior parte dos discursos que fazemos nas relações com nossos semelhantes são discursos de persuasão. Temos necessidade de persuadir e ser persuadido. O discurso persuasivo, em si mesmo, não é um mal; só o é quando se torna o único trâmite da cultura, quando prevarica, quando se torna o único discurso possível, quando não é integrado por discursos abertos e criativos. (CITELLI, 2001, p. 69)
Além de exprimir a relação do homem com a persuasão a autora ressalta que o discurso persuasivo, em suma, não é um mal, exceto em situações em que este é o único discurso possível, e com a expansão impressionante da internet - meio de comunicação "livre" de controle institucionais e com alcance gigantesco ? torna-se muito difícil falar em controle de informação, já que na grande rede há manifestações de todos os tipos, permitindo livre acesso a informação e expressão. Porém, a quem discorde que os meios de informação estão mais descentralizados com a globalização, como cita Chiavenato:
O Brasil é um exemplo claro dessa concentração do poder da informação em mãos de uns poucos, que formam a opinião pública. Um estudo do professor Erasmo de Freitas Nuzzi, controle e manipulação da mídia, constata que quinze grupos familiares detêm 90% da propriedade absoluta dos meios de comunicação no Brasil (emissoras de televisão, jornais e revistas)(...) Um dos resultados é ser impossível disseminar idéias contrárias à grande mídia. Os poderosos grupos familiares impõem-se pela alta qualidade industrial da manipulação da noticia, sem se levar em conta os aspectos subliminares do "tratamento dos temas noticiados" (CHIAVENATO, 2004 ,p.26)
Essa colocação de Chiavenato aplicasse apenas aos meios convencionais de comunicação, ignora a presença da internet, que vem ganhando mais força a cada dia, e que não compartilha dos mesmos mecanismos de controle dos outros meios. A sua própria definição já exprime o caráter independente da mesma:
A melhor forma de entender a Internet é pensar nela não como uma rede de computadores, mas como uma Rede de redes. Sendo assim, a Internet não tem dono ou uma empresa encarregada de administrá-la. Cada rede individual conectada à internet pode ser assim administrada por uma entidade governamental, uma empresa ou uma instituição educacional. Mas a internet, como um todo, não tem um poder central. (Como funciona a internet, p.1)
A internet vêm como um meio aberto de informação, pois não é controlado por uma organização e também permite livre expressão de idéias, fato que não acontece em outros meios de comunicação, como a televisão. Mas mesmo que a televisão não contemple todos os atributos necessários para que se constitua como um meio de comunicação democrático, a existência de um meio de informação abrangente como esse, em si, já é um aspecto positivo na sociedade, pois mesmo uma informação de "baixa qualidade" pode ser considerada melhor do que a ausência de informação.
O s benefícios que a informação trouxe para a sociedade superam os prejuízos, que são mínimos perto das vantagens. Pois a informação mesmo que de baixa qualidade cultural é infinitamente mais útil do que a ausência dela . Isso é confirmado ao se comparar as ondas expressas por Toffler (2007) em "A terceira onda"; na primeira onda a informação tinha um caráter local, com alcance mínimo, quando não inexistente. Na segunda onda, iniciada com a revolução industrial, a situação já não era a mesma, a informação tornou-se mais abrangente e mais rápida. Na terceira onda, que estamos presenciando, a informação chega ao extremo de ser a base da sociedade. O fato que chama atenção nestas ondas é que, se comparar o nível de informação presente em cada uma pode-se perceber que nas sociedades antigas, em que a informação era precária havia um controle social evidente, na qual as pessoas eram facilmente manipuladas e privadas de informações importantes. Já nas sociedades mais atuais, que possuem sistemas de informação mais avançados as pessoas são informadas sobre assuntos importantes, podendo assim reagir contra, por exemplo, à uma ação do governo.
E mesmo a mídia convencional que pode sofrer influência das organizações e utiliza um discurso predominantemente persuasivo, pode ser encarado como algo positivo para a sociedade, pois a própria presença dos discursos persuasivos na mídia revela a existência de uma sociedade democrática, pois se não existisse uma autonomia do individuo, em decidir sua aquisições e sua opinião política, não seria necessário a persuasão, já que não haveria motivos para convencimento, como expressa Citelli:
Um ditador, um tirano, não tem necessidade de discursos para persuadir. Basta-lhe um bastão ou um chicote. Não foi por acaso que a técnica do discurso persuasivo nasceu numa sociedade democrática, como a grega. Tenho necessidade de discursos persuasivos somente quando preciso convencer pessoas a quem peço o livre consentimento. (CITELLI, 2001, p. 69)
A mídia não pode ser culpada pelas mazelas da sociedade, pois não se pode delegar a ela a função de criar consciência nos receptores, cabe a eles decidir o que fazer com sua renda, seu tempo, seu voto. As informações estão expostas a todos, isso é papel da mídia, mas o que fazer com essas informações é uma tarefa do receptor, que deve decidir como, quando e por que utilizá-las, e se o vai fazer em seu beneficio ou contra si.
Os meios de informação da contemporaneidade, da forma que se apresentam, não possuem o poder de controlar a sociedade, pois a televisão apesar de ainda ser o meio mais abrangente no Brasil, está sendo cada vez mais influenciado pelo crescimento da internet. As informações não podem mais ser ocultadas, e mesmo que essas informações venham acompanhadas de propagandas, não perdem seu potencial informativo. E a informação, mesmo que não seja da melhor qualidade, é muito mais libertadora do que a ausência de informação, que de fato pode manipular a sociedade.

REFERENCIAS:

CHIAVENATO, Julio José. Ética globalizada & Sociedade de consumo. 2. ed. São Paulo; Moderna, 2004.

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo, SP.: Ática, 2001.

Como funciona a internet. Disponível em: http://www.portalgeobrasil.org/info/material/funcionamento.pdf. Acesso em 17 de setembro de 2010.
LIMEIRA, Tania M. Vidigal. Comportamento do consumidor. São Paulo; Saraiva, 2008.

MAGALHÃES, Izabel. Análise do discurso publicitário. 2005. Disponível em :
http://www.abralin.org/revista/RV4N1_2/RV4N1_2_art8.pdf. Acesso em 12 de setembro de 2010.

Publicidade e consumo. 2002. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/infotec/publicacoes/cartilhas/ColEducativa/publicidade.pdf. Acesso em 12 de setembro de 2010.

RANGEL, Bruno. SEVERO, Fabiano. BERRÊDO. José Raphael. Reféns do consumo. Eclética, 2004. Disponível em: http://puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/8%20-%20ref%C3%A9ns%20do%20consumo.pdf. Acesso em 18 de setembro de 2010.

RIBEIRO, Maria Clara Maciel de A. PROCÓPIO, Mariana Ramalho. Cultura de consumo e produção de sentidos no texto publicitário. Disponível em: http://jararaca.ufsm.br/websites/l&c/download/Artigos/07_L&C_1S/L&C1s07_MariaCl.pdf . Acesso em 13 de setembro de 2010.

SCHWERINER, M. E. R.. Comportamento do consumidor : identificando necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006.

TOFFLER, Alvin. A terceira onda: A morte do industrialismo e o nascimento de uma nova civilização. 29ª Ed. Rio de janeiro: Record, 2007.