1 Introdução

 

A necessidade de uma maior intervenção estatal no domínio econômico surgiu, principalmente, com as modificações sociais e econômicas que ocorreram no século passado, pois o que se tinha até então era um Estado liberal não intervencionista.

O Estado brasileiro, seguindo este ideal intervencionista, adotou uma posição reguladora da atividade econômica, consagrando-se, no artigo 170 Constituição da República de 1988, os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor como princípios da ordem econômica.

Portanto, a Constituição brasileira protege, igualmente, a livre concorrência e a defesa do consumidor, de forma que a liberdade concorrencial entre as empresas de um determinado mercado deverá respeitar a defesa garantida aos consumidores, ao mesmo tempo em que tal defesa não poderá constituir um empecilho àquela liberdade.

Através deste trabalho, estudaremos os objetivos do direito econômico e a função reguladora do Estado para assegurar tais objetivos. Estudaremos, ainda, os princípios do direito econômico, aprofundando-se à análise acerca da relação existente entre os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, como princípios da ordem econômica, verificando-se a relação existente entre ambos.

 

2 O Direito Econômico

 

O Direito Econômico é um ramo autônomo do Direito, com regras e princípios próprios, que, segundo Washington Peluso Albino de Souza (apud PETTER), tem por objeto a juridicização da política econômica. Num sentido amplo, pode ser definido "como um sistema de leis ou de medidas adotadas com vistas à promoção, limitação e direção das atividades lucrativas" (PETTER, 2011, p. 25).

O Direito Econômico materializa-se em normas jurídicas e tem por finalidade a regulamentação da atividade econômica do mercado, conduzindo a economia à realização de objetivos constitucionalmente previstos e disciplinando a interferência do Estado no processo de geração de rendas e riquezas da Nação.

Como ramo autônomo do Direito, o Direito Econômico possui, além de objeto e normas próprias, sujeito próprio, ou seja, os agentes que participam da política econômica. Destacam-se como sujeitos do Direito Econômico os indivíduos (enquanto produtores e consumidores de bens e serviços), o Estado, as empresas (produtoras de bens e serviços e, também, consumidoras) e os órgãos internacionais e comunitários, bem como a coletividade, representada pelos sujeitos indetermináveis, titulares de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Conforme o art. 174 da Constituição Federal, cabe ao Estado as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Desta forma, o Estado tem como prerrogativa a intervenção no domínio econômico, sendo ele, enquanto sujeito econômico, responsável pela edição de normas que materializam a política econômica (PETTER, 2011, p. 27). A respeito da interferência do estado no domínio econômico, falaremos com mais detalhes adiante.

 

3 Objetivo - a defesa dos interesses individuais e coletivos

 

Conforme lição de Washington Peluso Albino de Souza (apud PETTER, 2011, p. 25), o Direito Econômico é “o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica”.

Leciona Alexandre de Moraes o seguinte:

 

“A ordem econômica constitucional (CF, arts. 170 a 181), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos expressamente previstos em lei, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios previstos no art. 170” (MORAES, 2007, p. 785).

 

Embora a Constituição declare que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos existência digna, esta não é uma tarefa fácil num sistema de base capitalista, essencialmente individualista. Os princípios informadores desta ordem não garantem a efetividade de uma existência digna, uma vez que a justiça social só se realiza mediante a distribuição de riquezas de forma justa, equitativa.

Tendo isto em vista, a Constituição Federal estabeleceu, em seu texto, direitos sociais com o objetivo de amenizar tais problemas. Sobre o assunto, nos ensina José Afonso da Silva o seguinte:

 

"Algumas providências constitucionais formam agora um conjunto de direitos sociais com mecanismos de concreção que devidamente utilizados podem tornar menos abstrata a promessa de justiça social. Esta é realmente uma determinante essencial que impõe e obriga que todas as demais regras da constituição econômica sejam entendidas e operadas em função dela" (SILVA, 2012, p. 791).

 

Portanto, que Direito Econômico, como ramo autônomo do Direito, tem por sujeito todos aqueles que participam da política econômica e por objeto a regulamentação desta. Constitui-se, ainda, por um conjunto de normas de conteúdo econômico, assegurando-se a defesa e a consonância dos interesses individuais e coletivos.

 

4  A intervenção do Estado no domínio econômico

 

A Constituição brasileira de 1988 adotou o modelo econômico de feição capitalista ao definir a livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput), a garantia da propriedade privada dos meios de produção como direito individual fundamental, o estabelecimento da livre concorrência como princípio da ordem econômica (art. 170, IV) e, finalmente, a liberdade de atuação como base da economia nacional (art. 170, §único).

No entanto, a livre atuação dos agentes econômicos pode ensejar comportamentos conflitantes com outros princípios da ordem econômica, como a proteção ao consumidor (PETTER, 2011, p. 43). Assim, ao mesmo tempo em que o texto constitucional adota esse sistema econômico capitalista e neoliberal, nele encontram-se previstos limites ao exercício da ampla liberdade econômica.

O Estado atua, neste contexto, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, essenciais para o setor público e indicativos para o setor privado. Tal intervenção estatal somente se legitima na realização do interesse público, garantindo-se a persecução do bem-estar social. Desta forma, a interferência do Poder Público na vida econômica é concretizada respeitando-se os princípios que regem a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Permite-se ao Estado, portanto, a atuação no cenário econômico a fim de garantir que os agentes atuantes no mercado cumpram os elementos sociais e ideológicos abarcados na própria Constituição, evitando, assim, que tais agentes, abusando das suas prerrogativas, possam violar os fundamentos e princípios nela inseridos (ABREU, 2008, p. 75). Segundo Petter, "atualmente a ação estatal é finalística, voltada para a consecução de metas, como o desenvolvimento econômico sustentável" (PETTER, 2011, p. 43).

 

5 Princípios do Direito Econômico

 

Os artigos 170 a 192 da Constituição Federal de 1988 trazem os fundamentos da ordem econômica. Estes artigos constitucionais são o suporte do sistema econômico brasileiro, os fundamentos informadores de toda a atividade econômica. Conforme salienta Rogério Roberto Gonçalves de Abreu:

 

"A Constituição brasileira de 1988 consagra seu Título VII (arts. 170 a 192) à disciplina da Ordem Econômica e Financeira, trazendo o Capítulo I princípios gerais da atividade econômica. Muitos dos fundamentos e princípios ali contidos encontram reflexo em outros setores da Constituição, a exemplo da soberania nacional e da livre iniciativa (fundamentos da República - art. 1º, I e IV), redução das desigualdades sociais e regionais (objetivo fundamental da República - art. 3º, III), função social da propriedade e defesa do consumidor (direitos e garantias individuais e coletivos - art. 5º, XXIII e XXXII), além de outros" (ABREU, 2008, p. 73).

 

A Constituição Federal, ao estabelecer a ordem econômica,  relacionou os princípios desta ordem em seu art. 170. Estes princípios gerais da atividade econômica, “além de constituírem normas-síntese informadoras do sistema econômico do Estado, equivalem aos fundamentos sobre os quais devemos interpretá-lo” (BULOS, 2011, p. 1492). São eles: soberania nacional (inciso I), propriedade privada (inciso II), função social da propriedade (inciso III), livre concorrência (inciso IV), defesa do consumidor (inciso V), defesa do meio ambiente (inciso VI), redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII), busca do pleno emprego (inciso VIII) e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (inciso IX).

Embora alguns desses princípios se revelem mais como objetivos da ordem econômica, "[...] todos podem ser considerados princípios na medida em que constituem preceitos condicionadores da atividade econômica" (SILVA, 2012, p. 794). Eles têm por fim a promoção da justiça social, a preservação da dignidade humana e do bem-estar social.

Tem-se, portanto, que a Constituição Federal, em seu artigo 170, consagra tanto a livre concorrência quanto a defesa do consumidor como princípios gerais da atividade econômica.

A livre concorrência decorre da livre iniciativa, uma vez que a concorrência pressupõe a coexistência de diversos agentes econômicos em um determinado mercado, enquanto que a livre iniciativa é o fundamento responsável pela viabilização do surgimento de cada um desses atores (ABREU, 2008, p. 80). Desta forma, antes de analisarmos o princípio da livre concorrência, faz-se necessário, primeiramente, entendermos a livre iniciativa.

 

6 A livre iniciativa como fundamento da ordem econômica

 

A livre iniciativa é o princípio básico do liberalismo econômico. A Constituição da República de 1988 proclama este princípio, em seu art. 1º, IV, como fundamento da República Federativa do Brasil e, no art. 170, caput, como um dos fundamentos da ordem econômica, assim dispondo, respectivamente:

 

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...] (BRASIL, 1988)

 

Portanto, a liberdade de iniciativa não deve ser vista apenas como a simples liberdade de iniciativa econômica, mas deve ser entendida como algo mais amplo que a simples liberdade de empreendimento (ABREU, 2008, p. 75).

Para José Afonso da Silva (2012, p. 795), tal princípio “envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato”. Lafayete Josué Petter (2011, p. 55) diz que a livre iniciativa “compreende o direito que todos possuem de se lançarem no mercado de trabalho por sua conta e risco, liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar restrições do Estado”.

No contexto do Estado Liberal, tinha-se uma liberdade de iniciativa absoluta, que encontrava limites apenas no que dizia respeito à condição imposta quanto à satisfação das exigências dos atos lícitos. No entanto, a evolução das relações de produção e a necessidade de propiciar melhores condições de vida aos trabalhadores fizeram surgir mecanismos de subordinação da iniciativa privada em busca da realização da justiça social e do bem estar coletivo.

A livre iniciativa, na circunstância da atual Constituição brasileira, não se constitui como liberdade plena, uma vez que o Estado não pode, e nem deve, se abster totalmente de regular o desempenho da atividade econômica. O texto constitucional, tendo por base o princípio da legalidade, impõe limites à liberdade de iniciativa. Conforme bem expressa Rogério Roberto Gonçalves de Abreu:

 

"A liberdade de iniciativa não é colocada na Constituição como uma verdade, como algo retirado do mundo do ser. Ao contrário, traduz um compromisso do Estado com a sociedade, de modo que deve adotar os comportamentos necessários para tornar a livre iniciativa uma realidade permanente. Desse modo, a atuação do Estado deverá ser, por vezes, de total abstenção. Outras vezes, deverá se mostrar completa e permanente, como na adoção de políticas públicas para promover o desenvolvimento da economia" (ABREU, 2008, p. 78).

 

Desta forma, percebe-se que a liberdade de desenvolvimento econômico de uma empresa encontra limitações postas pelo poder público, sendo ela legítima enquanto exercida no interesse da justiça social e, por outro lado, ilegítima quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário (SILVA, 2012, p. 196).

 

7 A livre concorrência como princípio constitucional econômico

 

A concorrência é a disputa na qual um grande número de competidores atuam livremente no mercado de um mesmo produto, “fazendo com que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou duradouro, no preço dos bens e serviços” (PETTER, 2011, p. 79).

A livre concorrência é definida pela competitividade entre as empresas, sendo ela a possibilidade de os agentes econômicos atuarem livremente em um dado mercado, sem que haja, para tanto, bloqueios jurídicos. Este princípio tem por finalidade garantir a livre produção, circulação e consumo de bens e serviços. Conforme nos ensina Lafayete Josué Petter:

 

 “Um ambiente concorrencial é tão vital que não seria desarrazoado aferir a legitimidade da economia, e os bons frutos que tal ambiente potencialmente pode produzir, pela dimensão que a concorrência efetiva, leal e concreta, toma nos setores específicos: quanto mais concorrência, mais benefícios, não só para os consumidores, mas para estes de um modo especial” (PETTER, 2011, p. 79)

 

Portanto, tem-se que a atuação das empresas, de um lado, e, do outro lado, dos consumidores, garantidas a competição entre aquelas e a liberdade de escolha destes, força aqueles agentes econômicos a aprimorarem sua tecnologia e sua produção, bem como a reduzir seus preços, criando-se condições favoráveis para o consumidor.

Levando-se em consideração que o caminho natural a ser percorrido pelos agentes econômicos os levam ao cometimento de abusos no desempenho de suas atividades, o princípo da livre concorrência não pode significar a total abstenção do Estado de interferir no natural andamento do mercado. Pelo contrário, para que se tenha um mercado que funcione de forma adequada, faz-se necessária a intervenção estatal para combater o abuso do poder econômico, evitando-se que uma só empresa obtenha o total domínio do mercado (monopólio e oligopólio), eliminando-se a concorrência, bem como a formação de trustes e cartéis.

Um agente econômico, quando obtém o domínio do mercado, poderá estabelecer os preços, a produção e a oferta dos seus produtos, enfim, poderá impor a sua própria vontade ao mercado e, de forma unilateral, alterar todas as suas variáveis, o que num mercado de concorrência, não seria possível. A este respeito, nos dizeres de Lafayete Josué Petter:

 

“O mercado é um bem coletivo juridicamente protegido pois a todos afeta. Logo, quanto melhor ele funcionar mais benefícios trará para todos. Objetiva-se assegurar uma estrutura e um comportamento dos agentes econômicos de modo que a competição, ao selecionar os mais capazes, faça com que fique potencializada a satisfação das necessidades dos consumidores, com uma eficiente afetação de recursos, estes sempre escassos. Parecem assim bem nítidas as vantagens de um efetivo sistema concorrencial” (PETTER, 2011, p. 80)

 

Segundo Rogério Roberto Gonçalves de Abreu, "a livre concorrência, como princípio constitucional, deve ser vista como um poder-dever atribuído ao Estado para manter as condições que viabilizem uma concorrência sadia entre os agentes econômicos, tudo em prol do desenvolvimento nacional e do interesse público" (p. 81). Afirma, ainda, o seguinte:

 

"[...] o art. 170, IV, da CF/88, traduz um objetivo constitucional, um compromisso estatal a ser mantido e garantido permanentemente, devendo o Estado agir para restabelecer a livre concorrência sempre que houver condutas abusivas da parte dos agentes econômicos" (ABREU, p. 81).

 

Neste sentido, também Petter:

 

“A partir da adoção de um regime de economia de mercado o princípio da livre concorrência visa a garantir aos agentes econômicos a oportunidade de competirem no mercado de forma justa, isto é, a ideia de conquista de mercado e de lucratividade deverá estar ancorada em motivos jurídico-econômicos lícitos (v.g., inovação, oportunidade, eficiência) e não serem decorrentes de hipóteses de abuso do poder econômico (v.g., adoção de práticas anticompetitivas ou anticoncorrenciais, entre outras). Nesse quadro, assume o Estado a tarefa de estabelecer um conjunto de regras com vistas a garantir a competição entre as empresas, evitando práticas abusivas” (PETTER, 2011, p. 79)

 

A Constituição, contudo, não considera a formação de monopólios e oligopólios como atividade ilícita em todo e qualquer caso, admitindo-se a formação de monopólios em casos como a concessão de privilégios a operadores privados que exerçam atividades econômicas em regime de monopólio estatal. O que a Constituição proíbe é "a utilização abusiva do poder econômico (meio) para o afastamento artificial da concorrência (fim acessório) e a completa eliminação da liberdade (fim principal)” (ABREU, p. 82).

Portanto, a concorrência, para Lafayete Josué Petter (2011), não deve ser perseguida como um fim em si mesma, podendo ela ser sacrificada para que se garanta uma vida digna às pessoas, conforme os ditames da justiça social. Assim, determinada prática poderá ser autorizada, mesmo que se mostre prejudicial à livre concorrência, tendo-se em vista os benefícios por ela trazidos.

Contudo, como bem expressa este autor:

 

“Idealmente falando, a livre concorrência é difícil de ser atingida na sua plenitude. Uma concorrência perfeita significaria homogeneidade dos produtos, mercado atomizado, informações disponíveis para todos, mobilidade dos fatores de produção, etc. Na imensa maioria dos casos esses fatores não se fazem simultaneamente presentes, podendo ocasionar práticas distorcidas” (PETTTER, 2011, p. 80).

 

Percebe-se, deste modo, que embora seja difícil alcançar uma concorrência plena, a atividade econômica, a fim de evitar concentração de poder ou abusos, deverá obedecer aos limites estabelecidos no ordenamento jurídico, para que não se prejudique o consumidor, sendo que o Estado atuará no sentido de evitar tais abusos.

 

8 A Defesa do Consumidor em Direito Econômico

 

A Constituição brasileira de 1988, ao inserir a defesa do consumidor em seu artigo 5º, XXXII, tratou desta matéria como direito fundamental, constituindo-se, ainda, um princípio da ordem econômica, conforme estabelece o artigo 170, V, da Carta Magna.

A defesa do consumidor é tratada de forma mais específica pela Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que o reconhece como a parte mais vulnerável nas relações de consumo. É vulnerável por desconhecer as características técnicas do produto, pela falta de conhecimentos jurídicos, econômicos e contábeis e por ser a parte economicamente mais fraca destas relações. Em razão desta maior vulnerabilidade é que se exige a interferência do Estado nas relações privadas de consumo, garantindo-se maior proteção aos direitos e interesses dos consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º, conceitua o consumidor como a “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Desta forma, o consumidor, no direito brasileiro, é a pessoa física ou jurídica que retira o produto ou serviço do mercado como seu destinatário final. Conforme definição de Uadi Lammêgo Bulos (2011, p.1493), o consumidor “é o usuário ou adquirente de produtos, serviços e bens, fornecidos por comerciantes ou qualquer pessoa física ou jurídica, para seu próprio uso, de sua família e daqueles que se lhe subordinam por uma ligação doméstica ou protetiva”.

O consumidor é o destinatário econômico final das normas concorrenciais, e o seu bem estar é o objetivo último a ser alcançado pela legislação antitruste. O bem estar aqui é tomado não somente no sentido de eficiência econômica, mas no sentido de liberdade de escolha, capaz de assegurar a repartição dos ganhos provenientes de uma maior eficiência econômica entre produtores e consumidores (MARTINEZ, 2004).

Contudo, embora o mercado seja destinado aos consumidores, ele nem sempre resguarda os interesses destes, razão pela qual se faz necessária a adoção de políticas destinadas à proteção da concorrência, que garantirá a proteção da liberdade de escolha. Conforme lição de Lafayete Josué Petter:

 

“A ideia de que os mecanismos naturais de mercado, com sua incessante busca por eficiências de toda ordem, voltados, direta ou dissimuladamente, para a obtenção do lucro, resguardariam os interesses dos consumidores – pois o mercado é a eles destinado – cai por terra quando examinada a realidade que se nos apresenta, farta na exemplificação de abusos de poder econômico de toda ordem, seja na formação de cartéis e na constatação de monopólios e oligopólios, seja pelo comportamento imposto ao consumidor pelas agressivas políticas de marketing que a todo instante geram novas necessidades para eles. Ou seja, é contestável a chamada soberania do consumidor” (Petter, 2011, p. 81)

 

Segundo Ana Paula Martinez (2004, p. 12), “A soberania do consumidor existirá quando estiverem presentes os seguintes elementos: (i) existência de opções efetivas de escolha proporcionada pela concorrência; e (ii) possibilidade dos consumidores escolherem livremente entre essas opções”. O que se busca aqui não é somente um maior número de opções, mas um “equilíbrio entre a busca de eficiência econômica e a manutenção de uma série de opções efetivas para o consumidor” (MARTINEZ, 2004, p. 12).

Neste sentido aponta Lafayete Josué Petter:

 

“Se a livre concorrência constitui caro princípio da atividade econômica, propiciando competição entre os agentes econômicos atuantes em um determinado mercado, certo é que esta competição pode gerar inegáveis benefícios aos consumidores” (PETTER, 2011, p. 80 e 81)

 

E ainda conforme Ana Paula Martinez:

 

“Protegendo o consumidor, a norma concorrencial visa a estabelecer o equilíbrio das relações no mercado, buscando a equidade e a boa condução dessas relações. O direito concorrencial também tem interesse em buscar a satisfação do consumidor. Tudo quanto produzido só faz sentido porque será consumido pelo consumidor, sendo a satisfação dessas necessidades um incentivo à produção”. (MARTINEZ, 2004, p. 13).

 

A livre concorrência, ao possibilitar a venda de produtos a preços mais competitivos, ou seja, mais baixos, além de garantir a possibilidade de escolha e a constante inovação aos produtos, colocam o consumidor como beneficiário das normas concorrenciais.

Portanto, tendo-se em vista que “a concorrência é indispensável para a dinâmica do mercado e o mercado tem por destinatário final o consumidor”, a tutela dos interesses destes se dá de forma mediata, e ocorre “por meio da proteção da ‘instituição’ concorrência” (MARTINEZ, 2004, p. 14). Para melhor entender esta questão, tomemos o exemplo dado por Ana Paula Martinez, segundo a qual um produtor (denominado produtor-predador) institui, num mercado concorrencial, preços mais baixos, com o objetivo de eliminar os concorrentes. Esta prática é, a princípio, favorável aos consumidores, que comprarão os produtos a preços mais baixos. Contudo, a tendência neste mercado é que se instaure um sistema de monopólio, sistema este prejudicial aos consumidores, que ficarão sujeitos aos preços daquele produtor e terá suprimida a sua liberdade de escolha. Por este motivo, a prática daquela conduta deverá ser punida desde o início.

 

“[...] o interesse maior dos consumidores é a existência de um mercado competitivo, situação que não restaria no caso de prática de preços predatórios durante período suficiente para a eliminação dos concorrentes. Por isso que o interesse do consumidor – mercado competitivo/liberdade de escolha – é mediado pela proteção dos concorrentes”. (MARTINEZ, 2004, p. 15).

 

Conforme Lafayete Josué Petter:

 

 “Através da livre concorrência, propicia-se a competição entre agentes econômicos que atuam em determinado mercado e criam-se condições favoráveis aos consumidores. Entretanto, ainda que se tutele a livre concorrência, não estará o consumidor, sujeito vulnerável e hipossuficiente, imune aos abusos do poder econômico, de sorte que incumbe ao Estado interferir nessa relação privada” (PETTER, 2011, p. 83).

 

Portanto, o Poder Público tem como função resguardar a concorrência, proporcionando a harmonia nas relações comerciais. A manutenção de um ambiente concorrencial, por meio da adoção de políticas públicas, constitui um importante instrumento para garantir a satisfação dos interesses dos consumidores, garantindo-se a eficiência, preços mais baixos, amplo acesso à informação e maior possibilidade de escolha de produtos e serviços (MARTINEZ, 2004).

 

9. Conclusão

 

Por todo o exposto, pode-se concluir que o Direito Econômico tem os indivíduos e o Estado como sujeitos próprios desta disciplina, e que a ordem econômica tem por finalidade garantir existência digna a todos, embora esta não seja uma tarefa simples em uma sociedade capitalista. Tendo-se isto em vista, a Constituição assegura aos indivíduos direitos sociais, enquanto que o Estado fiscaliza, incentiva e planeja a atividade econômica, visando a evitar que os agentes econômicos atuantes no mercado violem os princípios constitucionais reguladores da atividade econômica.

A Constituição Federal brasileira de 1988 adotou a livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios da ordem econômica, constituindo-se este princípio um limite àquele, e aquele um suporte a este. O Estado, como agente regulador, intervém na ordem econômica para garantir a concorrência, bem como a proteção ao consumidor.

É assim que na livre concorrência, o produtor oferece produtos mais baratos e em maior diversidade, o que constitui vantagem ao consumidor, que terá uma maior variedade de produtos a sua disposição e poderá comprá-los a preços mais baixos. No entanto, tal consumidor, economicamente hipossuficiente, necessita de proteção por parte do Estado, por estar sujeito ao arbítrio daqueles produtores, que detêm as informações sobre os produtos disponíveis no mercado e poderão manipular as informações, prejudicando os compradores destes produtos.

Portanto, os consumidores não poderão sofrer abusos em decorrência da liberdade de mercado, sendo que

 

“Quem não detiver o poder de produzir ou controlar os meios de produção não se sujeita ao arbítrio daqueles que o detêm. Praticar livremente o exercício da atividade empresarial não significa anular direitos de pessoas físicas ou jurídicas, que adquirem ou utilizam produtos ou serviços como destinatários finais. Daí o ordenamento jurídico amparar a parte mais fraca das relações de consumo, tutelando interesses dos hipossuficientes.” (Bulos, 2011, p.1493).

 

O desenvolvimento de um país é caracterizado não somente pela quantidade de bens produzidos pelas empresas, mas pela qualidade da sua distribuição no meio social. A multiplicidade de bens, sem divisão justa ou sem possibilidade razoável de adquiri-los, não é fator de paz social.

O combate à concorrência desleal é uma forma de assegurar a distribuição equitativa dos bens produzidos no meio de consumo. Neste sentido, o Estado deverá intervir na economia, ainda, para proteger a formação de pequenas e médias empresas e para incentivar a concorrência, evitando-se a ocorrência de práticas abusivas neste mercado e a concentração capitalista, impedindo a formação de monopólios.

 

 

Referências

 

ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Livre iniciativa, livre concorrência e intervenção do estado no domínio econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 97, n. 874, p. 70-100, ago. 2008.

 

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011a.

 

MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos consumidores pelas normas concorrenciais. São Paulo: Revista de Direito do Consumidor, v. 13, n. 52, p. 7-36, out.-dez. 2004.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

PETTER, Lafayete Josué. Direito econômico. 5. ed. atual. ampl. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. 461 p. (Série Concursos)

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.