Artigo Original

A incidência do teste positivo do sulco subacromial e a sua relação com a frouxidão ligamentar generalizada

Renato Drago, Michele Saccol



RESUMO

Objetivo: Investigar a incidência do teste do sulco subacromial e a presença de frouxidão ligamentar generalizada em indivíduos saudáveis. Materiais e métodos: Utilizou-se o teste do sulco subacromial para avaliar o grau de translação inferior da cabeça do úmero em relação à glenóide e os critérios de Wynne-Davies para determinar a frouxidão ligamentar generalizada. Os indivíduos foram divididos em 4 grupos: atletas e não atletas, masculinos e femininos. Resultados:O sulco subacromial bilateral foi positivo em 65 e negativo em 37 indivíduos. A frouxidão ligamentar generalizada foi observada em 24 indivíduos. Conclusão:Na amostra observada, a presença do sulco subacromial não teve relação com a fouxidão ligamentar generalizada, a presença do sulco subacromial não apresentou predisposição para o membro dominante e as mulheres que não realizam atividade física regular apresentaram predisposição para frouxidão ligamentar de ombro.

Introdução

A instabilidade da articulação do ombro já era conhecida em 460a.C., por Hipócrates, que descreveu a anatomia do ombro, os tipos de luxação e a primeira técnica cirúrgica para seu tratamento.

A instabilidade glenoumeral é uma afecção extremamente freqüente, pois essa articulação possui poucos estabilizadores estáticos, já que realiza a maior mobilidade dentre todas as articulações do sistema músculo-esquelético. A estabilidade de sua estrutura óssea depende basicamente de partes moles que constituem o envelope biomecânico do ombro.

Testes como o do sulco subacromial são utilizados para avaliar o grau de translação inferior da cabeça do úmero, sendo um importante sinal para uma possível lassidão do ligamento glenoumeral inferior ou ainda um aumento do recesso axilar. Essas alterações permitem o aumento da mobilidade articular.A frouxidão ligamentar generalizada define-se em um aumento da elasticidade do tecido colágeno na cápsula e ligamentos, gerando aumento nos movimentos de translação das articulações.

Matsen (1983) descreve a frouxidão ligamentar de ombro como a capacidade da cabeça do úmero de sofrer translado passivo dentro da fossa glenóide.

Analisando o critério de Wynne-Davies para frouxidão ligamentar generalizada observou-se que não há uma avaliação para a articulação glenoumeral. Sabemos que o teste do sulco é utilizado para avaliar o grau de translação inferior da cabeça do úmero. Haveria então relação entre a presença do sulco subacromial e a frouxidão ligamentar generalizada?

Neste estudo, observou-se a incidência do teste do sulco subacromial positivo em indivíduos sem história pregressa de lesão do ombro. Avaliou-se também, a presença dos sinais de frouxidão ligamentar generalizada.

Material e Métodos

Casuística: Foram avaliados 114 indivíduos de ambos os sexos, com idade entre 18 e 25 anos que realizavam ou não atividade esportiva. Indivíduos com história de lesão ou cirurgia prévia na articulação do ombro, gestação prévia ou no momento da avaliação foram excluídos. Assim, a amostra constou de 102 indivíduos com idade média de 22,7 anos sendo 39 homens dos quais 20 são atletas e 63 mulheres, destas, 10 atletas.

Metodologia:Para avaliar os indivíduos, foi realizada uma entrevista para obter informações referentes à idade, lesões prévias e prática esportiva. Em seguida realizou-se a anamnese para identificar os indivíduos que apresentavam frouxidão ligamentar de ombro, pelo teste do sulco e frouxidão ligamentar generalizada, critério de Wynne-Davies.O teste do sulco é realizado com o paciente sentado em uma cadeira em posição relaxada, com os braços ao lado do tronco e descansando sobre as coxas em posição supina. Em seguida o examinador aplica uma força de tração para baixo. O examinador palpa então o espaço sob o acrômio para ter uma idéia do grau de translação da cabeça do úmero.O critério de Wynne-Davies consiste em cinco itens relacionados com a movimentação articular: 1) Extensão de cotovelo >180º, com indivíduo sentado na cadeira; 2) Polegar alcança o antebraço com o punho fletido, com o indivíduo sentado na cadeira; 3) Dedos das mãos ficam paralelos ao antebraço à extensão máxima de punho e metacarpo-falangeanas, com o indivíduo sentado na cadeira; 4) Dorsiflexão do tornozelo >45º, com o indivíduo sentado na cadeira; 5) Extensão de joelho >180º, com o indivíduo em bipedestação. Todos os movimentos são ativos, quando três pares quaisquer dessas articulações acima apresentam estas características, considera-se frouxidão ligamentar generalizada.

A distribuição de freqüência dos dados coletados foi realizada.



Resultados

Tabela 1- Distribuição do número e percentual dos avaliados em relação à presença ou não do sinal positivo do sulco e frouxidão ligamentar generalizada.

 

Com frouxidão ligamentar

N°%

Sem frouxidão ligamentar

N°%

Total

N °%

Sulco positivo

1918,6

4645,1

6563,7

Sulco negativo

54,9

3231,4

3736,3

Total

2423,5

7876,5

102100




No grupo de atletas do sexo masculino, observou-se o teste do sulco bilateral em 11 indivíduos. Não foram detectados sinais de frouxidão ligamentar generalizada em nenhum dos indivíduos avaliados.

No grupo de não atletas do sexo masculino, observou-se o teste do sulco bilateral em 09 indivíduos, dentre os quais foram detectados sinais de frouxidão ligamentar generalizada em 02 indivíduos.

No grupo de atletas do sexo feminino, observou-se o teste do sulco bilateral em 05 indivíduos, nestes não foram detectados sinais de frouxidão ligamentar generalizada.

No grupo de não atletas do sexo feminino, observou-se o teste do sulco em 39 indivíduos, dentre os quais foram detectados sinais de frouxidão ligamentar generalizada em 18 indivíduos.

Discussão

Schenk (1998) afirma que o teste do sulco auxilia na identificação da frouxidão ligamentar do ombro com o deslocamento inferior e subluxação ântero-posterior do úmero e que os critérios de Wynne-Davies para frouxidão ligamentar generalizada nem sempre estão associados à frouxidão ligamentar do ombro.

Nicoletti et al. (1996) em seu estudo da prevalência de dor no ombro associada à frouxidão ligamentar em pacientes atendidos em um hospital geral, conclui que as pessoas com frouxidão ligamentar podem apresentar dor no ombro atribuível à síndrome do pinçamento associada à instabilidade glenoumeral, entretanto a frouxidão ligamentar generalizada não produz, obrigatoriamente, sinais de instabilidade glenoumeral.

Segundo Neer (1985), o achado fisiopatológico mais importante encontrado na Instabilidade Multidirecional é um grande recesso capsular inferior, que se estende tanto anteriormente quanto posteriormente, nos mais diferentes graus, criando um aumento global do volume capsular, devido a um estiramento capsular progressivo. Todavia, isso não coincidiu com a amostra estudada já que não foi encontrado sulco positivo unilateral nem mesmo nos atletas arremessadores. Contudo, Misamore (1996) e Williams (1997) defendem a idéia de que esse aumento ocorra devido a uma alteração das propriedades do colágeno.

Dubs e Gschwend (1988) concluíram que a frouxidão ligamentar diminui com a idade, e é mais acentuada essa diminuição entre homens.

Beighton (1973) Concluiu que mulheres tem maior mobilidade articular que os homens em qualquer idade, fato que coincidiu com a amostra avaliada neste estudo já que no grupo de não atletas do sexo feminino (n=53) encontramos 39 (73,6%) com teste positivo para sulco subacromial. Entretanto, Emery e Mullaji (1991) não encontraram diferenças entre homens e mulheres em no que diz respeito à frouxidão ligamentar do ombro.

Conclusões

Através da análise dos resultados das avaliações realizadas em 102 indivíduos, concluímos que:

1.Na amostra observada, a presença do sulco subacromial não teve relação com a frouxidão ligamentar generalizada.

2.Na amostra observada, a presença do sulco subacromial não apresentou predisposição para o membro dominante.

3.Na amostra observada, as mulheres que não realizam atividade física regular apresentaram predisposição para frouxidão ligamentar de ombro.

Referências

1. Dubs, L. & Gschwend, N – General joint faxity. Quantification and clinical relevance. Arch Orthop Trauma Surg 107:65 – 72, 1988

2. Matsen F.A., Lippitt S.B., Sidles J.A.: Practical Evolution and Management of Shoulder. Philadelphia, WB Saunders, p.p. 80-84, 1994

3.Matsen III, F.A., Thomas, S.C. & Rockwood Jr., C.A.A. "Glenohumeral instability", in Rockwood Jr., & Matsen, III, F.A. (eds.): The shoulder, Philadelphia, W.B. Saunders, 1990. P.526

4. Neer C.S.: Involuntary inferior and multidirecional instability of the shoulder. Etiology, recognition and treatment. Intr Course Lect 34: 232-238, 1985

5.Neer II, C.S. & Foster, C.R. Inferior capsular shift for involuntary inferior and multirecional instability of the shoulder – A preliminary report J Bone Joint Surg 62 – A(6), 1980

6. Schenk T.j., Brems J.: Multidirectional instability of the shoulder; pathophysiology, diagnosis and management. J Am Acad Orthop Surg 6: 65-72, 1998.

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8. Kendall HO, Kendall FP, Wadsworth GE, eds. Músculos – Provas e Funções. São Paulo: Editora Manole LTDA, 1980:296p.

9. Nicoletti, Sergio; Ejnisman, Benno; Kanji, Paulo O. Estudo da prevalência de dor no ombro associada à lassidão ligamentar, em pacientes atendidos em um hospital geral. Rev.bras.ortop;31(9):697-701, set. 1996. ilus, tab.

10. Schenk TJ, Brems J.J. Multidirecional instability of the shoulder: Pathophysiology, diagnosis, and management. J Am Acad Orthop Surg 1998;6 (1): 65-72

11. Beighton PH and Horan FT Dominant inheritance in familial generalised articular hypermobility. JBJS 1970; 52B: 145-147

12. Emery R and Mullaji A Glenohumeral joint instability in normal adolescents. J Bone and Joint Surg 1991; 73B: 406-408.