Joselita Marques Santos

Resumo: Este artigo pretende apresentar as estreitas relações que há entre história e história da educação. Tomando como base a própria historicidade da história, ele abordará as contribuições desta ciência na concepção moderna de história da educação, a partir de três referenciais: o sujeito, as fontes e os conceitos.

Palavras-chave: nova história cultural; história da educação; fontes teóricas; documento; personagem histórico

Pensar história da educação é pensar a própria história; suas vertentes teóricas e, conseqüentemente, seu papel enquanto ciência "representativa"[1] de um passado histórico.

Através da lente da história, observa-se o desenvolvimento do pensamento humano e vê-se o aprimoramento (ou até mesmo a ruptura) de conceitos que dão lugar a novos paradigmas, novas vertentes interpretativas.

Uma dessas vertentes – a nova história cultural – surge num momento de grande transformação de ordem social e política: o século XIX. É na passagem deste século, que se pode perceber o impacto dessas mudanças no pensamento humano. Clarice Nunes e Marta Maria Chagas de Carvalho comentam que "Por motivo de ordem política e social, esteséculo prestou uma atenção mais acurada à história da humana e ao próprio papel da educação".[2] O que houve na verdade?

"a história oscilou entre os limites temporais que definiam as formas particulares do trabalho, da vida e da linguagem do homem, e a suapositividade histórica".[3]

Segundo Nunes e Carvalho, houve uma "fragmentação da história" e alguns campos do saber foram por ela melhor observados. A história da educação foi desses campos. Fruto da modernidade, "ela buscou compreender o pensamento pedagógico na sua unidade, remetendo-o a uma origem indefinida".[4]

Torna-se necessário lembrar (ainda que pareça óbvio) que as 'grandes transformações' ocorridas no pensamento humano e, por conseguinte, na história, tenham partido da Europa. França, Alemanha, entre outros, foram países difusores das grandes discussões em torno da cientificidade da história da educação, enquanto vertente da história moderna.

No Brasil, ao que parece, esse embate está apenas no início. Bastante trabalhada nos cursos das escolas normais, a história da educação, como disciplina obrigatória, é pouco difundida nas licenciaturas. Esse 'status' de disciplina formadora, ainda não conferido à história da educação, tem causado um certo incômodo entre os historiadores, pois ocorre num momento de maior reflexão e convergência de saberes.

Mas o diálogo interdisciplinar entre a história da educação e outros campos do conhecimento é assunto que pode ser discutido em outro artigo. No momento, nos deteremos no dialogismodesta disciplina com a própria história.

Uma vez reconhecida como vertente histórica, é preciso examinar três importantes peculiaridades da história da educação – seus personagens, seus documentos e seus conceitos - as quais lhe conferem um caráter científico.

Tomemos como ponto de partida o principal personagem da história (o homem) e seus mecanismos de fazer história (documentos ou até vestígios, quando não há documentos)[5] , vejamos essa sutil e intríseca relação: história e história da educação.

A idéia de se produzir história somente de personagens notórios e figuras ilustres, que já não é mais defendida pelo historiador moderno, resultou numa maior aproximação entre as duas ciências, pois à nova história cultural interessam os feitos de todos os homens, assim como também interessam à história da educação.

Jacques Le Goff comenta essa nova postura quando diz:

"O interesse da memória colectiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens, os acontecimentos, a história que avança depressa, a história política, diplomática, militar. Interessa-se por todos os homens, suscita uma nova hierarquia [...] o registro paroquial, em que são assinalados, por paróquia, os nascimentos, os matrimônios e as mortes, marca a entrada das <<massas dormentes>> e inaugura a era da documentação de massa." [6]

Já os documentos, que dão suporte a história da educação (tão significativos quanto os que embasam à psicologia e a sociologia por exemplo), são os mesmos"apropriados" [7] pela história nova. Clarice Nunes e Marta Maria Chagas esclarecem que isso deveu-se à nova "concepção" histórica de "documento"[8] a qual foi ampliada e enriquecida com o advento de novas concepções teóricas.

Ora, vendo-se por este prisma, uma simples ata escolar ou o diário pessoal de D. Pedro II têm a mesma relevância enquanto fonte histórica, ante o olhar crítico do historiador. Este, no seu empirismo, entende que o documento vai além da sua imagem aparente. Ainda citando Jacques Le Goff, o documento,

"É antes de mais o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmitificando-lhe o seu significado aparente".[9]

Por fim, se a nova história trabalha com "problemas, temas e objetos considerados até muito tempo exclusivos da história da educação",[10] são nas matrizes interpretativas daquela ciência que a história da educação vai ganhar respaldo teórico. O cuidado teórico-metodológico que a história contemporânea desprende para com as suas fontes serve de modelo à pesquisa pedagógica. E é este "manuseio crítico das fontes" que torna um pedagogo um "historiador".[11]

Referências bibliográficas:

BORGES, Vavy Pacheco. O historiador e seu personagem: algumas reflexões em torno da biografia. In: Revista Horizontes.V. 19. Bragança Paulista: jan/dez. .2001. p.01-10.

LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: Enciclopédias Einaudi. Vol. 1. Memória-História. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1984. p. 95-106

NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e Fontes. In: CADERNOS ANPED, n5. Caxambu: ANPED, setembro, 1993. p. 7-64



[1]BORGES, Vavy Pacheco. O historiador e seu personagem: algumas reflexões em torno da biografia. In: Revista Horizontes.V. 19. Bragança Paulista: jan/dez..2001, p.6.

[2] NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e Fontes. In: CADERNOS ANPED, n5. Caxambu: ANPED, setembro, 1993. p. 14-15.

[3] NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e Fontes. In: CADERNOS ANPED, n5. Caxambu: ANPED, setembro, 1993. p.15

[4] NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. op.Cit., P.16.

[5] LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: Enciclopédias Einaudi. Vol. 1. Memória-História. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1984. p.98.

[6] LE GOFF, Jacques. op.cit., p.99

[7] Chartier, apud Nunes e Carvalho,1993.p.53.

[8] ibidem. 1993. p.32.

[9]LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. In: Enciclopédias Einaudi. Vol. 1. Memória-História. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1984. p.103.

[10] NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Historiografia da Educação e Fontes. In: CADERNOS ANPED, n5. Caxambu: ANPED, setembro, 1993. p.10.

[11]NUNES, Clarice; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Op.Cit., P.23.