A Formação do Território Brasileiro vista sob a relação Sociedade-Espaço

Barbosa, Juliana Pereira

Resumo
O presente artigo propõe uma breve avaliação dos aspectos de formação do território, onde tenta identificar por que Brasil fora colonizado sob o aspecto de exploração. E por que essa exploração desemboca no processo de povoamento forçado, catalisando o milenar trabalho compulsório e em que esses fatores irão contribuir para a formação dos espaços sociais brasileiros. Propõe um recorte também na avaliação do território visto como espaço a ser explorado, quando deveria ser visto como um conjunto de elementos sociais; desde a divisão territorial de trabalho, categoria proposta por Milton Santos, até o espaço-tempo nas metrópoles levantado por Ana Fani.
Palavras-chave: Brasil, Colonização, sociedades, trabalho, territorialização
No processo de exploração territorial advindo do processo expansionista europeu encontra-se uma colonização, balanceada e encerrada no século XVIII. Partindo desse histórico, verifica-se um Brasil constituído nos fundamentos do nacionalismo; povoado em um território semi-deserto, onde organiza-se uma vida humana que segundo Caio Prado Júnior "diverge tanto daquela que havia aqui, dos indígenas e suas nações, como também, embora em menor escala, da dos portugueses que empreenderam a ocupação do território".(PRADO JUNIOR, 1999, p.13). Essa afirmação indica a formação de um povo que revelaria essa particular multietnia, qual tanto é tratada por diversos cientistas humanos. O que tal afirmação não revela é a formação de um Brasil pautado tão pura e simplesmente como um espaço a ser conquistado com base na compleição do projeto de exploração européia.
Ora, se o Brasil foi descoberto acima de todas as possibilidades dos grupos sociais que aqui já habitavam, importante é salientar que fora achado e repovoado dentro de uma perspectiva a ser reproduzida por séculos adiante: encontrado como se encontra um objeto que iria se somar às propriedades dos seus colonizadores; futuramente, das suas elites. A apropriação da terra que já era território do povo nativo, somado à diáspora africana mais transferência da corte de Portugal para cá, são fatores que determinam o substrato da territorialização da nação brasileira. Aqui cabe chamar atenção para os conceitos de território, que se formam a partir da abstração do espaço pelos grupos sociais que nele coabitam. Logo, "esse conceito é impossível de ser formulado sem o recurso de um grupo social que ocupa e explora aquele espaço, o território (...) inexistindo enquanto realidade apenas natural". (Moraes, 2008, p. 45).
Milton Santos (2008) localiza o papel do território nacional como reflexo da economia internacional. Diante dessa afirmação, é possível levantar que um dos fatores, talvez o mais proeminente deles na territorialização brasileira, advenha tanto do processo de colonização, como da internalização desse processo. O mesmo autor adverte para o fato de que, no engessamento da formação científica, onde se torna claro o surgimento dos letrados assumindo o papel dos intelectuais, encontra-se uma investigação pautada na mecânica determinada pelo processo histórico. Qual subverte a análise da formação do território nacional com todo o gradiente de possibilidades que gera a permanente transformação desse espaço.
Nessa direção, Moraes também alerta para o fato de que no campo da investigação: "A documentação colonial local não foi lida na ótica da história do pensamento geográfico brasileiro." (MORAES, 2008, p.15). Tal afirmação é uma proposta para que a Geografia ? bem como as demais ciências humanas ? reforce dentro das diversas perspectivas metodológicas de análise dos objetos, observações sobre a formação de um território brasileiro que se consubstanciou dentro do processo civilizatório legitimado por Europa, qual se orienta a partir da necessidade de expansão, tanto do seu território quanto do seu conjunto de comportamentos materiais e imateriais. Bem como da sua hierarquização dos espaços e das sociedades.
A hierarquização que propõem os países colonizadores ainda estabelece regras de análise dos países colonizados e que, segundo Leila Maria Hernandez "... constrói uma nova consciência planetária constituída por visões de mundo, auto-imagens e estereótipos que compõem um ?olhar imperial? sobre o universo" (HERNANDES, 2005, p. 125). A autora traz a tona o que não deve ser esquecido ? principalmente pelos cientistas sociais ? como reflexo das heranças funcionalistas quais, são dispostas desde o processo de colonização e que até a atualidade, são reproduzidas pela maioria dos Estados capitalistas em todos os seus aparelhos, inclusive até, nos modelos de formação. Usando e abusando do reducionismo ou da supressão cultural, tais modelos propõem o tratamento das questões políticas, econômicas, antropológicas, culturais, sob o recorte de discursos como o que Hernandez recolhe do livro Systema naturae de Charles Linné classificações como a que se segue:
Nele o Homo sapiens foi, em 1778, [...] classificado em cinco variedades, cujas principais delas são sumariadas em seguida:
a) Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo.
b) Americano. Cor de cobre, colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espesso; narinas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se com finas linhas vermelhas. Guia-se por costumes.
c) Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondulado; olhos azuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. Governado por leis.
d) Asiático. Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros; olhos escuros, severo, orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestimentas soltas. Governado por opiniões.
e) Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos; pele acetinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indolente, negligente. Unta-se com gordura. Governado pelo capricho. (HERNANDEZ, 2005, p, 19)

Esse sistema classificatório foi usado também para validar a trajetória do tráfico de escravos. Integrado no pensamento etnocentrista e desde então, reproduzido dentro do comportamento e dentro do sistema de significados como, segundo a autora estereótipos raciais, presentes até a atualidade. Indicando assim que, boa parte das instituições que compõem a estrutura social, tem em seu histórico, estigmas e conceitos que permeiam pelo projeto de colonização, onde o outro deve ser integrado, quando colonizado, quando educado, europeizado. Integrado claro, aos valores e significados do seu colonizador.
O território colonizado representa da mesma forma, sob o ponto de vista de Moraes, a "internalização do agente externo, que passa a atuar como elemento de estruturação interna daquela localidade." (MORAES, 2008, p. 63). E a expansão desse território se dá antes de tudo sob o contexto da centralidade, sob a análise geopolítica; essa centralidade ou euro centralidade se assume logo no conjunto dos mitos que se lhe foram impostos desde o processo colonial; onde o mito dos colonizadores sobrepõe o mito dos autóctones. De certo é que o resultado dessa internalização do agente externo se mostra muito claro no processo da territorialização, concomitante à redução de possibilidades do entendimento dialético desse espaço.
A dificuldade que encontra o geógrafo em tratar do processo de urbanização brasileira, se localiza exatamente no processo de formação histórica, pautado em seu espaço como a um "mito". Sob esse aspecto o entendimento da espacialidade ainda está atrelado à condição de um Brasil de verdes matas, em que se plantando, tudo dá. Os enunciados de Pero Vaz de Caminha traduz a deficiência visual a que foi submetida nosso entendimento geográfico, até que geógrafos modernos emergissem das cortinas instaladas pelas elites dominantes desde o processo de colonização, para desconstruir o que fora impresso no processo de entendimento geográfico e da sua aplicação. (BRITO et al., 2008, p.02)
Esse fato reforça a necessidade de olhar a formação territorial brasileira, partindo dos seus núcleos sociais. Quais não foram observados nem pelas propostas de expansão territorial e nem pelas elites brasileiras que fizeram parte da formação desse território ? tendo o espaço brasileiro tão somente como espaço a ser explorado. Como herança, o que se sucede são vilas, cidades, unidades federativas, regiões em processo de formação capitaneadas a princípio pela exploração dos seus recursos, que diferentemente dos autóctones que coabitavam no e com o espaço (mesmo observando-os sob o aspecto do domínio de meios técnicos lentos), explorava observando as necessidades comerciais da matriz colonizadora.
Considerando que o Brasil fora colonizado com a face de exploração e não de povoamento, apresenta então traços mais próximos. Nota-se claramente um território construído sob a expansão territorial e a extensão do comércio europeu, caracterizando assim, as bases capitalistas do projeto hegemônico, que forçaria como manutenção deste a realização de ações de povoamento; esse fator antagônico de mudança na caracterização de exploração para povoamento coaduna com a análise que Santos faz da história do território brasileiro: "... é, a um só tempo, una e diversa, pois é a soma e a síntese das histórias de suas regiões." (SANTOS, 2008, p. 23). Os nexos horizontais e verticais aos quais Santos chama atenção vêm de fatores como o que ele trata como superposições de divisões de trabalho ? sociais e territoriais.
Andrade (1995) apud Santos (2008), com referência aos ciclos: pau-brasil, açúcar, ouro e diamantes, algodão, borracha, algodão etc, propõe um diálogo que adverte para a interpretação baseada no esquema dos modos de produção e conclama uma análise pautada nos conceitos ligados à formação econômica social. Chamando a atenção para a análise do território brasileiro, partindo de três grandes momentos, mesmo que grosso modo: "Os meios ?naturais?, os meios técnicos e o meio técnico-científico-informacional. Por intermédio de suas técnicas diversas no tempo e nos lugares, a sociedade foi construindo uma história dos usos d aqui também para o fato de que, quem construiu ou quem territorializou, naturalmente ou tecnicamente, foram os conjuntos sociais que aqui se formaram e não somente as projeções de valor, uso ou de propriedade do espaço geográfico, protagonizadas pelo projeto de expansão econômica européia.
Embora pela ótica do processo colonial esse espaço refletisse uma demanda, um custo para tal processo. E esse empreendimento necessitasse ser tornado viável e gerar um retorno econômico, numa tônica de investimento; ao que Moraes contextualiza:
Enfim, o processo colonial demandava uma retroalimentação, que só podia ser suprida pela apropriação de riquezas entesouradas ou pela exploração dos recursos naturais da terra. A presença ou ausência de tais insumos atuou como outra mediação particulalirazadora dos lugares no mundo extra-europeu. (MORAES, 2008, p.65)
É necessário aqui apontar para a mão-de-obra que seria necessária à extração de tais mercadorias. E ao contrário de um povoamento que fora designado ao espaço colonizado, no caso o espaço brasileiro, a utilização dessa mão-de-obra local para desonerar da necessidade de se realizar um povoamento com sua complexidade (de Estado, por exemplo), qual viria ser possível foco de resistência ao processo colonizador. E mesmo que o uso da mão-de-obra local ou o remanejamento de certos povos ? a princípio, africanos e em seguida, europeus e asiáticos ? pudesse representar um risco ao empreendimento, a presença de reservas minerais valiosas do espaço colonizado ou a ser colonizado representaria iminente lucro. Nas bases de assentamento, que eram necessárias aos colonizadores para explorar ou pilhar as riquezas, que se verifica a origem do território colonial.
Mas, o que chama a atenção no período de colonização brasileira são as ações de povoamento forçado (índios, povos africanos e mesmo de europeus pobres) em paralelo ao trabalho compulsório ? servidão e escravidão a princípio ? por que segundo Prado Júnior, o europeu viria para essas terras tropicais com a seguinte proposta:
A América lhe poria à disposição, em tratos imensos, territórios que só esperavam a iniciativa e o esforço do Homem. É isso que estimulará a ocupação dos trópicos americanos. Mas trazendo esse agudo interesse, o colono europeu não traria com ele a disposição de pôr-lhe a serviço, neste meio tão difícil e estranho, a energia do seu trabalho físico. Viria como dirigente da produção de gêneros de grande valor comercial, como empresário de um negócio rendoso; mas só a contragosto como trabalhador. Outros trabalhariam para ele. (PRADO JUNIOR, 2008, p. 28 a 29)
Tal afirmação indica a predisposição do colonizador, consequentemente das elites brasileiras, à exploração da mão-de-obra, do esforço físico do outro ? leia-se do colonizado e posteriormente das classes que se formam nos periféricos sociais.
Observando que a formação das classes sociais sofre o reflexo dos fatos que aqui se deram, consubstanciados pelas castas dominantes, cabe apontar que eram nobres decadentes na Europa e ricos aqui; e ainda, eram essas camadas que disseminavam, a partir dos seus domínios, os interesses externos.
Os nobres decadentes não tinham posses como os nobres ricos, mas comparados às pessoas que aqui já estavam, podiam ser assim considerados. [...] Os mais ricos eram premiados com lotes mais extensos, localizados na Zona da Mata Nordestina, onde o solo de massapé e o clima tropical úmido favoreciam o cultivo da cana. Também o transporte do produto para a metrópole era favorecido, graças a sua maior proximidade com a metrópole. (MARTINS & VANALLI, 1997, p. 26)
Como indica Martins e Vanalli (1997) dentro da abordagem que levantaram a despeito dos migrantes, tal evento tem incontestável reflexo na configuração do sistema sócio-espacial que aqui se deu (e ainda se dá). Ora, repassando o êxodo rural, encontrar-se-á o cerne dos movimentos internos da população brasileira e das condições sociais que nela foi impressa; movida por princípios básicos de sobrevivência, grupos se deslocam em busca de eldorados, de solos férteis, ou até mesmo de cidades que lhes favoreçam qualquer possibilidade de trabalho, ainda que sob todas as condições sub humanas que se verifica nos projetos de construção das grandes cidades, como Brasília ou São Paulo.
Analisando os órgãos que o Estado cria no Brasil para diagnosticar e atender os problemas de subdesenvolvimento das macro-regiões, encontra-se a SUDENE - Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste - como um dos órgãos catalisadores de mais problemas invés de recuperação; considerando que esse órgão:
Acabou fazendo exatamente o contrário, quando permitiu que entrassem outras indústrias (nacionais e até estrangeiras) naquela região. Este fato provocou concorrência com as indústrias regionais, prejudicando-as ainda mais. Na realidade, quem ganhou com isso foram os industriais do Sul, que ao implantarem ali suas indústrias, beneficiaram-se da presença de uma mão-de-obra barata. (Martins & Vanalli, 1997, p. 92)
Pois, desde o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - até a SUDENE está localizada a forma de como o Estado gere a organização sócio-espacial do território brasileiro: sob o viés do capital das elites locais e do capital estrangeiro; este por sua vez consolida a "fase monopolista do capitalismo brasileiro, já no final da década de 1960." (Martins & Vanalli 1997, p. 86). Então o que emerge das políticas gestoras do território brasileiro, é que governo e elites investem sempre mais dinheiro em regiões que aparentam certo desenvolvimento; deixando regiões ? sobretudo o Nordeste ? no esquecimento promovendo o subdesenvolvimento daquelas regiões e provocando em paralelo, processos migratórios que caracterizam a desumanização que o capital preconiza. Esse fato reflete a interferência de fatores que desembocam na fragmentação do espaço geográfico, subseqüente à territorialização dada sob referências externas, sobrepondo todo o significado do espaço, monoreferenciando-o como fator de mercado; como se o espaço geográfico brasileiro fosse formado somente em função e por causa da estruturação do projeto regulador e expansionista dos impérios e de suas futuras colônias. Promovendo um sistema que disponibiliza cada espaço, segundo o benefício que lhe proporcionará ? sob o ponto de vista das riquezas em potencial; dos recursos naturais que podem traduzir-se em mercadorias.

Referência Bibliográfica
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HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.
LIMA, Eli Napoleão de; DELGADO, Nelson Giordano & MOREIRA, Roberto José (Org.). Mundo Rural: configurações rural-urbanas: poderes e políticas. Rio de Janeiro: Mauad X: Edur, 2007.
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__________. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2009
PIQUET, Rosélia. Indústria e território no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
PRADO JÚNIO, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense, 1999.

o território nacional." (SANTOS, 2008, p. 27). Pode-se chamar atenção