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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA


ANTONIO MARCOS LIMA DE ALMEIDA
GIVANILDO BITENCOURT SANTO
GUTEMBERG DE OLIVEIRA SAPUCAIA
ISABEL CRISTINA SOARES MENDES DO NASCIMENTO
SORAYA DE OLIVEIRA CARNEIRO PONTE





A FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO, SOCIAL E CULTURAL EM UMA COOPERATIVA DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava (Caec) e sua Influência na Sustentabilidade do Empreendimento
















SALVADOR - BA
2008
ANTONIO MARCOS LIMA DE ALMEIDA
GIVANILDO BITENCOURT SANTO
GUTEMBERG DE OLIVEIRA SAPUCAIA
ISABEL CRISTINA SOARES MENDES DO NASCIMENTO
SORAYA DE OLIVEIRA CARNEIRO PONTE



A FORMAÇÃO DO CAPITAL HUMANO, SOCIAL E CULTURAL EM UMA COOPERATIVA DE MATERIAIS RECICLÁVEIS: Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava (Caec) e sua Influência na Sustentabilidade do Empreendimento



Trabalho Aplicativo de Conclusão de Curso apresentado ao Consórcio UFBA-UFLA-UFMT-UnB-INEPAD e ao Banco do Brasil como requisito para obtenção do título de especialista em Gestão e Negócios do Desenvolvimento Regional Sustentável.

Eixo Temático: Dimensões da Sustentabilidade em DRS

Tema: Capital Humano, capital social e cultural

Orientadora: Profª. Vanessa Paternostro Melo














SALVADOR - BA
2008






























Aos nossos pais, esposos, esposas e filhos por contribuírem com o seu carinho, paciência e compreensão pelas horas que usurpamos de convivência.




AGRADECIMENTOS


Agradecer é sempre um ato de reconhecimento a todos que contribuem na construção do nosso desenvolvimento, da nossa evolução.
Agradecemos aos nossos amigos da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis e Agentes Ecológicos de Canabrava ? CAEC e PANGEA que nos recepcionaram tão bem, respondendo aos nossos questionamentos em todos os momentos, contribuindo, de forma ímpar, para a elaboração do nosso trabalho.
Agradecemos aos nossos familiares pela compreensão, apoio e incentivo para que continuássemos as nossas pesquisas e leituras.
Agradecemos a nossa tutora de Residência Social, Sheila, que, com sua paciência pedagógica, nos incentivou a prosseguir, sugerindo leituras importantes e direcionando o nosso pensamento aos resultados que queríamos alcançar.
Agradecemos a nossa orientadora Vanessa por estar sempre nos alertando, apresentando sugestões de leitura, contribuindo para otimizar o nosso tempo de pesquisa.
Agradecemos a todos os amigos e familiares que contribuíram com incentivos, sugestões, força e apoio para que continuássemos os nossos estudos.
Ao Banco do Brasil por proporcionar esse encontro com o Desenvolvimento Sustentável.
Agradecemos, enfim, a todos que cruzaram o nosso caminho durante essa vivência de crescimento e aprendizado.






"Isto sabemos.
Todas as coisas estão ligadas
como o sangue
que une a família...
Tudo o que acontece com a Terra,
acontece com os filhos e filhas da Terra.
O homem não tece a teia da vida;
ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
ele faz a si mesmo".
- Ted Perry, inspirado no Chefe Seattle ?



RESUMO

O desenvolvimento sustentável tem como fator primordial o fortalecimento do Capital Humano, Capital Social e Capital Cultural, base para a transformação social, para a consciência coletiva, de cooperação e confiança. Este trabalho teve como objetivo principal a compreensão desses capitais na sustentabilidade de um empreendimento solidário, em especial a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis e Agentes Ecológicos de Canabrava ? CAEC. A partir da Residência Social buscou-se verificar como se formam esses capitais na cooperativa, sua influência na sustentabilidade e as dificuldades encontradas. Para a consecução do estudo foram realizadas entrevistas não estruturadas, analisados estatuto e regimento interno e observação simples. No referencial teórico abordamos os diversos conceitos desses capitais, a Economia Solidária e as abordagens sobre sustentabilidade em empreendimentos solidários. Os resultados obtidos indicam que os fatores que mais influenciaram na sustentabilidade da CAEC foram a capacidade criativa do PANGEA, ONG incubadora da cooperativa, concretizando parcerias nos diversos âmbitos (federal, estadual, outras entidades do terceiro setor nacional e internacional, parceiros diversos fornecedores e compradores) e o fortalecimento dos capitais humano, social e cultural por meio de capacitações diversas, formação de redes e participação no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

Palavras chave: Desenvolvimento Sustentável, Capital Social, Capital Humano, Capital Cultural, Sustentabilidade em Empreendimentos Solidários.







ABSTRACT
Sustainable development has the primary factor for the strengthening of Human Capital, Social Capital and Cultural Capital, the basis for social transformation, for the collective consciousness of cooperation and trust. This study aimed to understand the main capitals of the sustainability of a joint venture, in particular the Cooperative Catadores of recyclable materials and agents of Ecological Canabrava - CAEC. From the Residence Social trying to determine how to make such capital in the cooperative, its influence on sustainability and the difficulties encountered. To achieve the study were conducted unstructured interviews, analyzed status and rules of procedure and simple observation. In discussing the various theoretical reference concepts such capital, the social economy and the approaches on sustainability ventures in solidarity. The results indicate that the factors that most influenced the sustainability of CAEC were the creative ability of Pang, NGOs incubator of the cooperative, putting partnerships in various fields (federal, state and other entities in the third sector national and international partners, several suppliers and buyers ) And strengthening of human capital, social and cultural development through various trainings, formation of networks and participation in the National Movement of Catadores recyclable materials.

Key words: Sustainable Development, Social Capital, Human Capital, Cultural Capital, Sustainability in Solidarios Ventures.




LISTA DAS FIGURAS

Figura 1: Lixão de Canabrava 43
Figura 2: Lixão de Canabrava 44
Figura 3: Nova estrutura da CAEC 48
Figura 4: Estação Digital da CAEC 53
Figura 5: Estação Digital da CAEC 53
Figura 6: Um dos seis caminhões baús da CAEC 56
Figura 7: Jeane e Sr. Cícero (articuladores do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis da Bahia) na Assembléia Geral para eleição da nova diretoria. 60
Figura 8: Cooperados da CAEC 61


























LISTA DOS QUADROS

Quadro 1 ? Quadro Analítico para Estudo da Sustentabilidade 34































LISTA DE SÍMBOLOS E ABREVIAÇÕES

ABCOOP Associação Brasileira de Cooperativas
BB Banco do Brasil S.A.
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAEC Cooperativa dos Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava
CHESF Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
CIA Complexo Industrial de Aratu
COSPE Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes
COEP Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida
DRS Desenvolvimento Regional Sustentável
EBAL Empresa Baiana de Alimentos S.A.
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FBB Fundação Banco do Brasil
ITCP Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
LIMPURB Limpeza Urbana de Salvador
OCB Organização das Cooperativas Brasileiras
OCE Organização das Cooperativas Estaduais
OCESP Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo
ONG Organização Não Governamental
OSC Organização da Sociedade Civil
PANGEA Centro de Estudos Socioambientais
PMS Prefeitura Municipal do Salvador
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SESI Serviço Social da Indústria
Ucsal Universidade Católica de Salvador
UFBA Universidade Federal da Bahia
UNASCO União Nacional das Cooperativas



SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
1.1 JUSTIFICATIVA 12
1.2 PROBLEMA 13
1.3 HIPÓTESES 13
2 OBJETIVOS 15
2.1 OBJETIVO GERAL 15
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 15
3 REFERENCIAL TEÓRICO 16
3.1 CAPITAIS HUMANO, SOCIAL E CULTURAL 19
3.2 SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA 24
3.2.1 Economia Solidária 24
3.2.2 Cooperativismo: alternativa para o Desenvolvimento Sustentável 27
3.2.3 Aspectos de Gestão de Cooperativas 28
3.2.4 Sustentabilidade em Empreendimentos Solidários 30
3.3 A RELAÇÃO ENTRE OS CAPITAIS HUMANO, SOCIAL E CULTURAL E A SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA 35
4 MÉTODO 41
5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 43
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 59
7 CONCLUSÕES 64
REFERÊNCIAS 69



1 INTRODUÇÃO
A pesquisa apresentada teve como foco verificar como se processa a formação do Capital Humano, Social e Cultural em um empreendimento de materiais recicláveis, atividade que concentra um alto grau de individualismo, devido, sobretudo, à grande exploração promovida pelos atravessadores e às precárias condições de vida que os protagonistas do empreendimento se submetem em decorrência da falta de perspectivas.
O campo de estudo prático-reflexivo, onde se desenvolveu a Residência Social, foi a Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava (CAEC), uma das experiências de Desenvolvimento Regional Sustentável do município de Salvador ? BA, que conta com apoio de atores públicos, privados e associativos que com aquela se relaciona e forma redes, a exemplo do PANGEA - Centro de Estudos Socioambientais (ONG incubadora), Fundação Banco do Brasil (FBB), Banco do Brasil S.A (BB), Petrobras, Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Universidade Católica de Salvador (UCSAL), Coelba, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto Wal-Mart, rede Bom Preço, Movimento Nacional dos Catadores e Rede Cata Bahia.
A CAEC foi criada em 2002, por uma ação do PANGEA, ONG ambientalista que faz a incubação da cooperativa, após o momento em que a Prefeitura Municipal do Salvador (PMS) inativou o aterro sanitário de Canabrava, aprofundando os problemas dos catadores de lixo, que já viviam em condições sub-humanas.
Como direcionador desta pesquisa, escolheu-se como tipologia a avaliação, e como eixo temático as Dimensões da Sustentabilidade em Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS), voltadas para o tema Capital Humano, Capital Social e Cultural.
A intenção deste estudo foi verificar a relação entre a formação do capital humano, social e cultural, bem como a importância desses capitais para a sustentabilidade de um empreendimento solidário.
A experiência com a Residência Social na CAEC proporcionou uma reflexão sobre as abordagens estudadas e a prática, possibilitando verificar essa inter-relação do Capital Humano, Social e Cultural e sua influência na consolidação da Cooperativa.




1.1 JUSTIFICATIVA
Os capitais humano, social e cultural representam os eixos centrais de qualquer estratégia de desenvolvimento de território em bases sustentáveis.
O Capital Humano, constituído pelas habilidades, competências, conhecimentos, comportamentos, energia pessoal e o tempo de cada um, é fator preponderante para a construção, ou mesmo desconstrução, de qualquer empreendimento, seja ele solidário ou não (DAVENPORT, 2001).
O Capital Social representa as características de organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas e a cooperação espontânea. É formado pela coletividade, cooperativas, comunidades, redes, universidades, consórcios, conselhos etc. (PUTNAM, 2006).
O Capital Cultural representa o conhecimento, as idéias, as crenças, os valores, as representações, enfim, todos os aspectos de uma realidade, criados e desenvolvidos pelos seres humanos em suas relações sociais (SANTOS, 2007).
Esses capitais são imprescindíveis para a transformação social. É por meio deles que se constrói o desenvolvimento regional sustentável.
Escolheu-se abordar esse tema a partir da constatação de que o individualismo deve ceder espaço ao exercício da coletividade, de maneira que, somente por meio da cooperação, da organização social, da formação das pessoas e do respeito à cultura local alcança-se o desenvolvimento, propostas estas inseridas na metodologia do DRS criada pelo Banco do Brasil.
A CAEC, local onde se desenvolveu a pesquisa, no período de fevereiro a março de 2008, é uma cooperativa que se percebe essa formação de capital humano, social e cultural, assim como a influência decisiva destes capitais na formação do desenvolvimento local sustentável, através da articulação de diversas organizações em prol da melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas e do desenvolvimento da atividade produtiva eleita.
Acredita-se que abordando o tema Capital Humano, Social e Cultural com vistas ao desenvolvimento, trata-se de aspectos relevantes vinculados ao eixo-temático escolhido, definido como "Dimensões da Sustentabilidade", considerando que esses fatores são importantes para que ocorra o desenvolvimento de forma sustentável. Vale ressaltar que os temas pesquisados estão intensamente integrados à metodologia de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil, metodologia essa adotada pela CAEC, e que se assenta nas práticas socialmente justas, ambientalmente corretas e economicamente viáveis, com respeito à cultura local.
A pesquisa revelou os processos de construção dos capitais humano, social e cultural nas unidades da CAEC, permitindo-nos a identificação dos pontos fortes e pontos fracos da entidade no tocante a essas três dimensões do desenvolvimento, contribuindo para embasar ações corretivas.
O modelo de Desenvolvimento Regional Sustentável terá reais benefícios com o resultado da pesquisa, na medida em que se valerá de dados cientificamente comprovados sobre a formação, influência e importância dos capitais humano, social e cultural na sustentabilidade de empreendimentos dessa natureza.
No que tange aos pesquisadores, a experiência e os conhecimentos adquiridos na residência social e nas pesquisas desenvolvidas na CAEC proporcionaram, dentre outras coisas positivas, maior massa crítica, formação profissional mais elaborada, reforço no currículo, além de proximidade e identificação com as dificuldades enfrentadas pelos atores sociais.

1.2 PROBLEMA
Como o desenvolvimento dos Capitais Humano, Social e Cultural influencia para a sustentabilidade do empreendimento CAEC?
1.3 HIPÓTESES
O desenvolvimento de territórios não se dá somente pelo crescimento econômico. É necessário trabalhar, medir outras variáveis qualitativas como o capital humano, o capital social e o capital cultural.
O processo produtivo é formado por uma cadeia de valor e o conhecimento é necessário para que o empreendimento tenha sucesso. Dentro de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis essa visão deve permear a gestão do negócio e a capacitação é necessária para a sobrevivência, pois se trata de ação de longo prazo.
O capital humano é a base para o desenvolvimento sustentável, é a partir dos conhecimentos, habilidades e atitudes que se constrói o referencial para a ação de qualquer empreendimento. Porém, esse fortalecimento do capital humano deve ter como parâmetro inicial os valores, as regras, sejam elas formais ou informais, os saberes intrínsecos de determinada comunidade, somente assim se constrói e solidifica o capital social, fortalecendo a confiança e cooperação que devem ser a base construtora, com a visão de cidadania, de participação e construção de uma nova realidade.



















2 OBJETIVOS
2.1 OBJETIVO GERAL
Identificar o desenvolvimento do Capital Humano, Capital Social e Capital Cultural dentro da Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava e a sua influência na sustentabilidade do empreendimento.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
? Identificar as necessidades para o desenvolvimento ou fortalecimento do capital humano, social e cultural da CAEC;
? Caracterizar como se desenvolvem as relações interpessoais na CAEC e qual a sua influência na sustentabilidade econômica;
? Analisar a relação existente entre a formação do Capital Humano, Social e Cultural e as Dimensões da Sustentabilidade;
? Identificar como se dá a articulação com os diversos atores da cadeia de valor, inclusive os stakeholders.

















3 REFERENCIAL TEÓRICO
O desenvolvimento precisa apoiar-se em variáveis não só econômicas, mas possuir outras dimensões como: ambiental, econômica, tecnológica, social, cultural, político institucional para assegurar a qualidade de vida das pessoas e a equidade social sustentáveis, conforme explicita Miranda e Matos (2003, p.51-52):
- A dimensão ambiental verifica a disponibilidade dos recursos naturais renováveis e não renováveis, dos ecossistemas e analisa a influência presente e futura do homem e sua interferência nas alterações do meio ambiente natural;
- A dimensão econômica considera os aspectos das relações comerciais, as cadeias produtivas, considerando o território, a estrutura do mercado (vantagens competitivas, potencialidades, oportunidades, regulação, crédito etc.);
- A dimensão tecnológica tem como foco o padrão tecnológico e a produtividade do território, avaliando as carências, os estrangulamentos, o que afeta a produção e produtividade, como a pesquisa, inovação, capacitação e qualificação dos seres humanos;
- A dimensão social observa os dados sociais como as relações de trabalho, habitação, educação, saúde, saneamento, cidadania, os indicadores sociais etc.;
- A dimensão cultural verifica as diversas formas existentes de relacionamento, os valores, as redes de solidariedade e cooperação existentes, o jeito de ser de um grupo humano, as manifestações diversas que influenciam na forma de vida do território;
- A dimensão político institucional busca entender as relações de poder internas e externas existentes, os diversos atores sociais que influenciam e sua interrelação.
Vale ressaltar que as mudanças tecnológicas ocorridas sob a dimensão econômica, pressionadas pelo violento processo de globalização, causaram forte impacto nas relações de trabalho e influenciaram diretamente o desequilíbrio de toda a organização social no mundo, bem como a relação do homem com o tempo e o espaço.
As dimensões Político Institucional e Cultural possuem uma proximidade em suas fronteiras, e devem estar sempre presentes em quaisquer iniciativas de desenvolvimento local sustentável.
Porém, em cada território, o grau de importância de cada uma delas pode variar pois possuem características próprias. Capra (1996, p. 231-235), baseando-se no entendimento dos ecossistemas como redes autopoiéticas (Maturana e Varela apud Capra, 1996) e como estruturas dissipativas (Prigogine apud Capra, 1996), afirma que um padrão de organização possui cinco características: interdependência, reciclagem, parceria, flexibilidade e diversidade e quando aplicadas na sociedade humana esses princípios configuram-se diretrizes para a construção de comunidades humanas sustentáveis.
O conceito de desenvolvimento envolve aspectos que vão além da idéia de crescimento econômico. Ora, é fundamental saber de que maneira ocorre esse crescimento e como seus resultados revertem para uma melhora na qualidade de vida das pessoas. Para isso, é preciso ter em mente o conceito de eqüidade, ou condições iguais, que norteia o princípio do desenvolvimento humano:
Um componente essencial do desenvolvimento humano: as pessoas devem ter acesso a iguais oportunidades, de modo que possam participar e se beneficiar dos frutos e das oportunidades criadas pelo processo de crescimento econômico. Contudo, dado o acentuado grau de desigualdade observado na maioria das nações, essa equidade não depende apenas da eliminação de eventuais barreiras que possam impedir as pessoas de usufruir plenamente aquelas oportunidades e benefícios; na verdade, a desigualdade e a pobreza são, em si mesmas, as maiores barreiras a essa participação. (GREMAUD, 2002, p. 95).
Outra definição de desenvolvimento se refere ao processo de incorporação sistemática de conhecimentos, técnicas e recursos na construção do crescimento qualitativo e quantitativo das sociedades organizadas (BANCO MUNDIAL).
Para se ter uma visão global sobre desenvolvimento, além do conceito de desenvolvimento eqüitativo, aliam-se dois outros conceitos que se complementam: o de sustentabilidade que pressupõe que, ao atender às necessidades do momento presente, não signifique um limite à possibilidade do atendimento das necessidades das gerações futuras; e o de participação que compreende o desenvolvimento participativo como aquele que é definido e guiado por meio de decisões que englobam toda a comunidade envolvida, já que existem diferentes opções de desenvolvimento (IPEA, 2006).
É necessário assegurar às gerações futuras a oportunidade de usufruir, pelo menos, o mesmo nível de bem-estar hoje disponível. [...] A experiência passada sugere que a industrialização, a expansão da fronteira agrícola e a urbanização têm criado pressões significativas na base natural da economia, seja pela utilização acelerada de recursos naturais exauríveis, seja pela poluição e degradação da qualidade ambiental. [...] Nesse contexto, a possibilidade de desenvolvimento humano pressupõe a identificação e implementação de trajetórias de crescimento econômico que viabilizam um desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento humano significa não apenas o desenvolvimento para as pessoas e desenvolvimento das pessoas, mas também pelas pessoas. Nesse sentido, cabe a cada país definir sua estratégia de desenvolvimento e, mais do que isso, assegurar que as pessoas, através de estruturas apropriadas, participem plenamente das decisões e processos que afetem suas vidas. (IPEA, 2006, p.2).
Com base nesse discurso e lançando um novo olhar sobre a conjuntura social e institucional, percebe-se uma mudança de paradigma, que inclui a necessidade de articulações em rede, parcerias, aperfeiçoamentos conceituais e metodológicos que tornam os movimentos da cidadania mais eficazes e eficientes no seu papel do desenvolvimento social e comunitário.
A parceria é essencial para a promoção da sustentabilidade de uma comunidade, segundo Capra (1996, p. 234) "a parceria ? a tendência para formar associações, para estabelecer ligações, para viver dentro de outro organismo e para cooperar ? é um dos "certificados de qualidade" da vida". E complementa: "nas comunidades humanas, parceria significa democracia e poder pessoal, pois cada membro da comunidade desempenha um papel importante".
A qualidade das relações entre as pessoas, entre os atores sociais é o eixo direcionador para o sucesso de comunidades sustentáveis, pois cada ator é importante e representa um elo que depende do outro elo, em uma constante interdependência.
Capra (1996, p. 231-232) afirma que "todos os membros de uma comunidade ecológica estão interligados numa vasta e intricada rede de relações, a teia da vida". Essa interdependência entre os membros pressupõe que "o sucesso da comunidade toda depende do sucesso de cada um dos seus membros".
As redes, então, nascem em virtude das necessidades humanas não satisfeitas, pressupõe a existência de um desejo compartilhado por vários atores, porém ainda não concretizado, o que leva pessoas e organizações a afirmarem propósitos comuns, cooperando entre si e tecendo laços de confiança e respeito.
Pode ainda ser um problema, uma vez que a mesma necessidade que leva à criação de uma rede não é suficiente para sustentá-la. Em outras palavras, a necessidade é fonte da conjugação de interesses, mas a sua satisfação pontual ou momentânea pode se constituir em um obstáculo para a perenização das redes, por conta da prevalência dos interesses individuais. Por isso é que se diz ser preciso superar os padrões hegemônicos baseados no individualismo, na escassez e na cobiça, porque o medo da escassez leva à cobiça, que leva ao medo em cooperar.
De acordo com Capra (1996, p.235) "se tentarmos maximizar qualquer variável isolada em vez de otimizá-la, isso levará, invariavelmente, à destruição do sistema como um todo".
As redes possibilitam o compartilhamento dos recursos humanos, materiais e financeiros, fortalecendo as organizações sociais a desenvolverem as ações com mais qualidade e eficiência, ampliando as oportunidades de formação dos diversos capitais humano, social e cultural, de captação de recursos e de influências políticas.
A formação, o desenvolvimento e fortalecimento dos capitais humano, social e cultural é o meio pelo qual os atores sociais conseguiram superar o individualismo em prol da defesa dos interesses coletivos.
Entende-se o capital como uma palavra que pode ser empregada em diversas conotações: o capital aberto de uma sociedade, o capital de giro, o capital de uma empresa, o capital de risco, dentre outros, mas todos os conceitos nos remetem a uma idéia da economia clássica de que capital é o produto do trabalho utilizado para a produção de outros bens. Com esta visão focou-se este estudo nos conceitos do Capital Humano, Capital Social e Capital Cultural por serem dimensões imprescindíveis para o desenvolvimento sustentável.
Amartya Sen (2000) dá ênfase a essa visão de que os seres humanos não são apenas os meios do desenvolvimento e sim, sua finalidade última.
Kliksberg (2003, p.23), ratificando o entendimento de Sen afirma que "os objetivos finais do desenvolvimento têm a ver com a ampliação das oportunidades reais dos seres humanos de desenvolver suas potencialidades".
O desenvolvimento social fortalece o capital humano e potencializa o capital social e o capital cultural é parte relevante do capital social e humano, como afirma Kliksberg (2003, p.29), "as pessoas, as famílias, os grupos são capital social e cultural por essência. São portadores de atitudes de cooperação, valores, tradições, visões da realidade, que são sua própria identidade".
3.1 CAPITAIS HUMANO, SOCIAL E CULTURAL
Capital humano é o reconhecimento da importância das pessoas para o desenvolvimento. A palavra chave para se produzir capital humano é educação. Investir em educação é gerar capacitações, habilidades, democratizar o conhecimento, criando condições que possibilita maior produtividade, crescimento econômico, melhora na qualidade de vida da população, maior poder de compra e melhor performance das organizações.
Marshall (apud SHULTZ, 1973) afirma que "o conhecimento é o motor mais poderoso de produção, defendendo que os investimentos nas pessoas devem ser ampliados nas organizações". Associados à educação existem outros fatores que colaboram para a formação de capital humano, como saúde, clima organizacional, benefícios sociais e acesso ao crédito. Bernardo Kliksberg (2003) se baseou em estudos do Banco Mundial sobre 192 países para afirmar que 64% do crescimento podem ser atribuídos ao capital humano e ao capital social.
As pessoas possuem habilidades, comportamentos, energia pessoal e tempo que lhe são próprios e elas decidem onde aplicarão esses elementos que formam o capital humano (DAVENPORT, 2001). A educação, seja formal ou informal, é a base para a criação do capital humano, é o fertilizante que faz crescer esse capital.
De acordo com Zapata (2006), o desenvolvimento humano envolve as dimensões econômicas, social, político-institucional, cultural, tecnológica, ambiental e espiritual (ZAPATA, 2006), é um processo que assegura a ampliação de oportunidades, de potencialidades criativas e direitos de escolhas individuais, proporcionando a redução das desigualdades existentes.
Para Zapata (2006) a comunidade sustentável será aquela na qual os modos de vida, a economia, as estruturas físicas e as tecnologias não se oponham à capacidade intrínseca da natureza de sustentar a vida. Os valores, os conhecimentos as habilidades são portas para o fortalecimento do capital humano.
Capital social privilegia o coletivo, o exercício conjunto das capacidades humanas. O agir não é isolado, assim como o comportamento e os objetivos. O capital social se alimenta da confiança e cooperação entre as pessoas e organizações, constituindo-se em recurso moral e cultural no fortalecimento das interorganizações.
Portanto, capital social nasce das relações travadas dentro das comunidades, universidades, corporações, associações, governos, etc. Robert Putnam (2007) elegeu o capital social como determinante para o desenvolvimento econômico, embora não restrinja a esse único fator. O capital social é a capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos (D?ARAÚJO, 2003).
A forma como se relacionam as pessoas, formando redes de cooperação, pautada na confiança, no bem-estar coletivo é que determina a existência do capital social, dentro de organizações ou na sociedade como um todo.
James Coleman apud Fukuyama (1996, p.32) conceitua capital social como "a capacidade de as pessoas trabalharem juntas visando a objetivos comuns em grupos e organizações". Acrescenta que "além de conhecimento e qualificações, uma porção distinta do capital humano tem a ver com a capacidade das pessoas de se associarem umas às outras, que é crítica não apenas para a vida econômica mas praticamente para todos os outros aspectos da existência social".
Fukuyama (1996) afirma que o conceito de capital humano parte do pressuposto de que o capital hoje se constitui menos de terra, fábricas, ferramentas e máquinas do que de conhecimentos e aptidões dos seres humanos. E a partir desses valores constituídos e compartilhados nasce a confiança que, segundo Fukuyama (1996, p.56) é um inestimável valor econômico, e acrescenta: "O capital social é uma capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade ou em certas partes da sociedade".
O capital social facilita a cooperação espontânea e minimiza os custos de transação (PUTNAM, 2007). D?Araújo (2003) ratifica o pensamento de Putnam ao afirmar que "a confiança desonera os negócios, agiliza operações, produz resultados mais rápidos".
Coleman apud Putnam (2007, p. 177) argumenta:
Assim como outras formas de capital, o capital social é produtivo, possibilitando a realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis se ele não existisse [...]. Por exemplo, um grupo cujos membros demonstrem confiabilidade e que depositem ampla confiança uns nos outros é capaz de realizar muito mais do que outro grupo que careça de confiabilidade e confiança.
Uma sociedade em que predomina a confiança interpessoal, entre as organizações, entre pessoas e organizações e governo é mais propícia para produzir o bem comum, para prosperar.
Hume apud D?Araújo (2003) afirma que comportamentos racionais podem produzir resultados que não o são ou o uso da razão não é suficiente para produzir o bem-estar. É necessário que haja a confiança, componente básico para a formação do capital social.
Muitos autores têm discutido sobre a formação e o desenvolvimento do capital social, de que forma ele se processa, por sua importância para a transformação e o desenvolvimento social. Para Putnam (1996), é possível mudar hábitos e dinâmicas sociais de forma a produzir capital social, mas afirma que é uma tarefa para décadas. As instituições agiriam sobre a cultura, mudaria hábitos e rotinas, mas não teria um efeito imediato.
A formação do capital social requer, sobretudo, o fortalecimento do capital humano, por meio da educação, da mudança de hábitos, criação de novos valores que se incorporariam na cultura, produzindo a confiança, fator essencial na consolidação do desenvolvimento.
Para Fukuyama (1996), a economia está permeada pela cultura e depende dos valores morais e da confiança social. Segundo ele, são esses códigos não-escritos e não-falados que permitem aos cidadãos minorar os custos da transação, praticar a criatividade e agir coletivamente. A confiança gera confiança e retorno virtuoso para a coletividade.
As discussões sobre o tema capital social ampliam os horizontes da visão do crescimento econômico, considerando o fator humano como essencial para o desenvolvimento sustentável, incorporando conceitos de cooperação, confiança, etnicidade, identidade, comunidade e amizade, já que estes elementos constituem o tecido social. Arizpe (1997) apud Kliksberg (2003, p.113), afirma que "em muitos lugares, o enfoque limitado do mercado baseado na competência e na utilidade está alterando o delicado equilíbrio destes fatores e, portanto, agravando as tensões culturais e o sentimento de incerteza", fortalecendo a importância do capital social nos processos do desenvolvimento sustentável.
O crescimento econômico, constatamos, não foi suficiente para promover o desenvolvimento social, resultando na ampliação das desigualdades sociais, na falta de oportunidades equânimes, contribuindo para a ampliação do individualismo.
Kliksberg (2003, p.114) afirma que "efetivamente, o desenvolvimento social fortalece o capital humano, potencializa o capital social e gera estabilidade política, bases essenciais para um crescimento sadio e sustentável". Essa visão é apoiada por diversas pesquisas realizadas em países e localidades distintas, tendo como um dos seus expoentes Putnam (1996, p. 174) que estabelece a cooperação como fator determinante na formação do capital social, porém para ele "para haver cooperação é preciso não só confiar nos outros, mas também acreditar que se goza da confiança dos outros". Essas relações possibilitarão o entrelaçamento dos diversos atores sociais, capazes de contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável, reduzindo, então, as desigualdades sociais.
Kliksberg (2003, p.116) afirma que "o capital social desempenha um papel importante ao estimular a solidariedade e superar as falhas do mercado através de ações coletivas e uso comunitário de recursos". A confiança, segundo FUKUYAMA (1996), é a expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas compartilhadas pelos membros dessa comunidade, que compoem o capital cultural.
Capital cultural é resultado do acúmulo de valores positivos transmitidos entre gerações, contribuindo na formação educacional, integração social, elevação espiritual, saúde preventiva, capacidade crítica, além de fortalecer e consolidar os laços afetivos. A cultura absorve muito do capital social e reforça o capital humano. Bernardo Kliksberg (2003) revela que o capital social e o capital cultural são as chaves para o desenvolvimento.
A cultura, enquanto base de uma dinâmica local, é como um sistema de significados compartilhados pelos membros de uma coletividade, é a maneira que eles se utilizam para manter as inter-relações vibrantes, vivas, dinâmicas.
O capital cultural são também as regras e normas constituídas, os saberes tácitos, a representação de uma coletividade, que os diferencia dos demais, os fortalece enquanto comunidade.
Segundo Santos (2007), o Capital Cultural representa o conhecimento, as idéias, as crenças, os valores, as representações, enfim, todos os aspectos de uma realidade, criados e desenvolvidos pelos seres humanos em suas relações sociais.
Na concepção de Bourdieu apud Setton (1978, p.77), "capital cultural é um conceito que explicita um novo tipo de capital, um novo recurso social, fonte de distinção e poder em sociedades em que a posse desse recurso é privilégio de poucos".
Setton (1978) conceitua o capital cultural como um conjunto de estratégias, valores e disposições promovidos principalmente pela família, pela escola e pelos demais agentes da educação, que predispõe os indivíduos a uma atitude dócil e de reconhecimento ante as práticas educativas, acrescenta ainda que a abertura de espaço para outras vivências e competências, a circulação de mensagens propiciada pelas mídias pode estimular o aprendizado de novos saberes, contribuindo para a aquisição de outra forma de capital cultural.
Kliksberg (2003) argumenta que a mobilização social pode ser de grande relevância para a luta contra a pobreza que hoje aflige, pois os elementos "intangíveis" subjacentes na cultura podem cooperar de múltiplas formas, e acrescenta: "Os grupos pobres não têm riquezas materiais, mas tem uma bagagem cultural, em oportunidade, como ocorre com as populações indígenas, de séculos ou milênios".
È possível, assim, pensar um capital cultural com outra significação, um capital cultural dos desfavorecidos, apreendidos informalmente em heterogêneas experiências, em vários espaços do convívio social.
O capital cultural não é somente aquele adquirido através da educação acadêmica, mas, é todo tipo de conhecimento que pode ser obtido e repassado para outros, que melhore a qualidade de vida, a sustentabilidade e a preservação do meio-ambiente.
A cultura cruza todas as dimensões do capital social e humano de uma sociedade, a cultura traz componentes básicos que compõem o capital social como a confiança, o comportamento cívico e o sentimento de associativismo.
A Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (1996) apud Kliksberg (2003, p.27) caracteriza a cultura como "uma maneira de viver juntos [...] molda nosso pensamento, nossa imagem e nosso comportamento. A cultura engloba valores, percepções, imagens, formas de expressão e de comunicação e muitos outros aspectos que definem a identidade das pessoas e das nações".
Kliksberg (2003) afirma que entre outros aspectos, os valores de que uma sociedade é portadora vão incidir fortemente sobre os esforços de desenvolvimento. Os valores que tem suas raízes na cultura, e são fortalecidos ou dificultados por esta, como o de solidariedade, altruísmo, respeito, tolerância, são essenciais para um desenvolvimento sustentável (KLIKSBERG, 2003). A cultura, então, incide fortemente sobre o estilo de vida dos diversos grupos sociais, é um fator decisivo de coesão social.
Na cultura as pessoas podem se reconhecer mutuamente, crescer em conjunto, aprender, e desenvolver a auto-estima coletiva. Stiglitz (1998) apud Kliksberg (2003, p.28) argumenta que "preservar os valores culturais tem grande importância para o desenvolvimento, pois servem como uma força de coesão em uma época em que muitas outras estão se debilitando".

3.2 SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
3.2.1 Economia Solidária
A Economia Solidária tem sua origem histórica após o capitalismo industrial, como reação ao empobrecimento dos artesãos provocados pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção, ocasionada pela Primeira Revolução Industrial, período em que surgiu o cooperativismo, empreendimentos organizado pelos pioneiros de Rochdale (SINGER, 2002).
Singer (2001, p. 16) expõe sobre os efeitos das Revoluções Industriais nas relações de trabalho e de consumo. A Segunda Revolução Industrial possibilitou o aumento do consumo acima da produtividade do trabalho, e o desenvolvimento tecnológico, apesar de criar novos empregos, gerou, também, o desemprego tecnológico e calamidades sociais.
A Terceira Revolução Industrial provocou mudanças profundas na sociedade, houve o aumento significativo da produtividade do trabalho e, com o desenvolvimento da tecnologia, muitos trabalhadores perderam o emprego e foram substituídos por máquinas, que possibilitavam aos empresários melhores resultados com custo menores, e os novos cargos que surgiram com o desenvolvimento tecnológico foram proporcionalmente baixo, diante do grande desemprego ocasionado pelo uso da tecnologia (SINGER, 2001).
Muitos países, inclusive o Brasil, adotaram o modelo de políticas neoliberais, que caracteriza a abertura econômica para a economia internacional. A globalização ocasionou grandes transformações, como o aumento da concorrência entre as empresas nacionais e internacionais, o fechamento de muitas empresas diante da concorrência, e o desenvolvimento tecnológico, acarretando um desemprego muito grande no país, contribuindo assim, para aumento da pobreza, da exclusão social, da desigualdade social e uma péssima qualidade de vida dos indivíduos (SINGER, 2001).
É neste contexto social que se reorganiza a Economia Solidária como uma alternativa ao capitalismo ou uma alternativa econômica à globalização e à lógica do capital (PINHO, 2004). Sua origem está voltada para ajudar pessoas carentes e excluídas da economia de mercado, que não tem acesso aos bens produtivos, aos serviços, a tecnologia e ao crédito. Aos poucos, a Economia Solidária vem se mostrando como uma forma original de organização socioeconômica e cultural (PINHO, 2004).
A globalização propiciou a alteração da distribuição dos postos de trabalho, redirecionou localização de grandes corporações, transformando-as em transnacionais, e foi a grande responsável pela precarização do trabalho, das ocupações informais e da ampliação das taxas de desemprego, acentuando ainda mais as desigualdades sociais, contribuindo para o (re)construção da Economia Solidária como a única opção para a sobrevivência de uma grande parte da sociedade. Singer (2002, p.105) expõe sobre a importância da Economia Solidária diante de um número grande de excluídos:
A existência de desempregados e de grande número de excluídos é a razão imediata de ser da Economia Solidária. Ela surge como alternativa de geração de trabalho e renda favorável para os que se percebem rejeitados pelo mercado de trabalho assalariado e que não encontram possibilidade realista de trabalhar e ganhar em atividades por conta própria que não requerem capital.
Este contexto em que vivemos nos remete a reflexões sobre o modelo de desenvolvimento capitalista, ou melhor, de crescimento econômico, onde o individualismo e a competição são exacerbados, o consumo e o imediatismo são base das relações. A Economia Solidária resgata o humano como sujeito e finalidade das atividades econômicas. Pinho (2004, p.174) argumenta a importância do ser humano:
A Economia Solidária destaca a pessoa humana como o sujeito e o fim da atividade econômica, procurando recuperar a dimensão ética e humana das atividades econômicas e opondo-se a um modelo econômico único para todas as culturas e todas as sociedades. Tenta, então, desenvolver princípios mínimos adaptáveis a cada realidade.
Entende-se, então, por Economia Solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizados sob a forma de autogestão. Considerando essa definição, a Economia Solidária possui as seguintes características: a) cooperação; b) autogestão; c) dimensão econômica; e d) solidariedade (BRASIL, 2008).
No Brasil, com a crise dos anos 1980, se intensificou a Economia Solidária, época em que ex-funcionários assumiram a massa falida de empresas onde trabalhavam e, também, surgiram as cooperativas autogestionárias. Foi criada no Governo do Presidente Lula, em 2003, a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), vinculada ao Ministério do Trabalho, responsável pela implementação do Programa de Economia Solidária e de diversas entidades de fomento a Economia Solidária em todo o país, como a organização dos Fóruns estaduais de Economia Solidária e das redes de iniciativas, a rede brasileira de Socioeconomia Solidária, criada no Primeiro Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em 2001.
Para Singer (2001) a construção da Economia Solidária pode ser utilizada como uma das estratégias para mudar as relações de produção, provocada pelo grande capital, para lançar as estruturas de novas formas de organização da produção, a base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista.
França Filho e Laville (2004), sugerem cinco critérios que refletem os traços característicos das iniciativas de Economia Solidária, sob a revelação de um olhar sociológico e antropológico da realidade do fenômeno. Estes cinco traços observados informam respectivamente, sobre a natureza e origem dos recursos mobilizados nas iniciativas, refletindo sua forma de sustentabilidade; sua autonomia gestionária e a natureza das relações interinstitucionais que são estabelecidas; o processo de tomada de decisão e os valores requeridos; o padrão das relações sociais estabelecidas no grupo de trabalho e a natureza do vínculo social que se tenta construir; e sua finalidade (FRANÇA; LAVILLE, 2004, p. 166-167).
Para Bocayuva (2003) a construção da Economia Solidária se sustenta em três dimensões: 1) os implantes de autonomia dos trabalhadores com suas organizações que operam no espaço socioprodutivo vigente; 2) a organização política e a participação no processo democrático e de construção de direitos econômicos, sociais e culturais, e 3) a formulação de um projeto tendente a uma sociedade de produtores associados.
As Entidades de Apoio, Assessoria e Fomento à Economia Solidária são as organizações públicas e privadas sem fins lucrativos que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto, capacitação, assessoria, incubação, assistência técnica e de gestão e acompanhamento junto aos Empreendimentos de Economia Solidária (BRASIL, 2008).
A Economia Solidária vem se mostrando como uma das alternativas de geração de trabalho e renda e uma das possibilidades em favor da inclusão social, com desenvolvimento sustentável. Através de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, empresas autogestionárias, clubes de troca, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Seus resultados econômicos, políticos e culturais são compartilhados pelos atores, sem distinção de gênero, raça e idade. Implica na não aceitação do modelo capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais (BRASIL, 2008).
Segundo Singer (2002) a construção da Economia Solidária somente depende das pessoas, da sua disposição em aprender e experimentar, de sua adesão aos princípios da solidariedade, da igualdade e de sua disposição de seguir estes princípios na vida cotidiana etc., deve se constituir em mais do que uma resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade, mas deve ser uma alternativa superior que proporcionará às pessoas que participam uma vida melhor.
3.2.2 Cooperativismo: alternativa para o Desenvolvimento Sustentável
A vida associativa está presente nas mais diversas áreas da atividade humana, seja na saúde, educação, família, escola etc. Essa forma do ser humano se agrupar denota a necessidade de se manter relações com outras pessoas, como forma de buscar uma sustentabilidade da dinâmica social. Freire apud Canterle (1997, p.1) afirma que "a força do coletivo se faz com um sentimento social livre do individualismo, em que cada um seja capaz de usar sua liberdade para ajudar os outros a se libertarem, através da transformação global da sociedade".
O Cooperativismo, então, torna-se uma alternativa para a redução das desigualdades sociais, como um espaço de discussões, aprendizado, trocas e formação do capital social, construindo laços solidários de cooperação, de colaboração, de modo a desenvolver capacidades, talentos e competências coletivas, despertando a autonomia e a co-responsabilidade na construção da auto-transformação, do próprio desenvolvimento, ou seja, promove o desenvolvimento das forças necessárias, em um processo endógeno, para a transformação social.
Franz apud Canterle (2002, p. 3) afirma que:
Reconhecer a agência humana como propulsora do desenvolvimento abre espaço à cultura, à educação, aos valores. Como decorrência, recoloca o problema do desenvolvimento nos espaços locais, nas proximidades humanas, nas relações entre as pessoas, nos espaços do associativismo e das práticas cooperativas.
As organizações associativas ou cooperativas abrigam um complexo sistema de relações sociais que se estruturam a partir das necessidades, das intenções e interesses das pessoas que cooperam, no sentido de superar as dificuldades encontradas, conflitos, visando o equilíbrio nas diversas áreas e, portanto, o desenvolvimento sustentável.

3.2.3 Aspectos de Gestão de Cooperativas
"Na cooperativa ninguém perde sua liberdade; a cooperativa é, em suma, a associação das liberdades" ? Tancredo Neves
O homem, desde sua existência vem evoluindo, aprimorou suas formas de trabalho, conviveu com diferentes estruturas organizacionais de cooperação mútua, encontrados desde os primórdios da vida social. Pelos estudos históricos os Babilônios praticavam um tipo de arrendamento de terras para exploração em comum; os gregos e os romanos se organizavam em forma de ajuda mútua para garantir os funerais, seguros etc.; os primeiros cristãos experimentaram rudimentos das cooperativas de consumo ao escolher um grupo de indivíduos que eram responsáveis pelo aprovisionamento de gêneros alimentícios (PINHO, 2004).
Para Costa (2002), a cooperação é uma cultura, é uma maneira de ver, viver e conhecer, por isso, não pode ser simplesmente ensinada e aprendida. A cooperação mútua é, pois, um elemento de ordem, de fraternidade, justiça, um incentivo poderoso ao bem, ao progresso intelectual e moral, fonte de economia e de riqueza das nações (PINHO, 1965).
Para Pinho (2004), as cooperativas são sociedades de pessoas, organizadas em bases democráticas, que visam não só a suprir seus membros de bens e serviços, como também a realizar determinados programas educativos.
Veiga e Fonseca (2001, p.17) afirmam que o cooperativismo visa ao aprimoramento do ser humano em todas as suas dimensões:
O cooperativismo visa o aprimoramento do ser humano em todas as suas dimensões ? social, econômica e cultural -, preocupa-se com qualidade de seus produtos e serviços, busca o preço justo, preocupa-se com seu entorno e com o meio ambiente e busca construir uma sociedade mais eqüitativa, democrática e sustentável.

Com este histórico das várias formas de cooperação, desde a pré-história, foi na metade do século 18, e no início do século 19, com o advento da revolução industrial, sob influência do liberalismo econômico, livre concorrência e da defesa da propriedade privada, que surgiu o modelo de cooperativas. Este tipo de empreendimento espalhou-se por todo o mundo; encontram-se tanto nos países com regimes capitalistas, como nos socialistas, atuando em diferentes setores da economia.
No Brasil, o sistema cooperativista está fundamentado nos princípios doutrinários provenientes dos socialistas utópicos associacionistas que têm como base a igualdade, solidariedade, fraternidade e liberdade, a sociedade cooperativa está baseada em uma legislação específica, a Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971, Lei 7.231 de 23 de outubro de 1984, Decreto 90.393 de 30 de outubro de 1984 e Decreto 22.239/32 (BRASIL, 2008).
A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) é o órgão máximo de representação das cooperativas no país. Foi criada em 1969. A entidade veio substituir a Associação Brasileira de Cooperativas (ABCOOP) e a União Nacional de Cooperativas (UNASCO). Fazem parte da OCB as OCEs no total de 27 organizações estaduais, como exemplo Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (OCESP) (OCB, 2008).
A legislação brasileira específica para as cooperativas, a Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971, define como: "Uma sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídicas próprias, de natureza civil, não sujeita à falência, constituída para prestar serviços aos associados". (BRASIL, 1971, p.1).
Para Bialoskorski (1999), a cooperativa é um empreendimento diferente das empresas encontradas na economia que visam a resultados e a lucros e esta forma organizacional é baseada em princípios doutrinários oriundos dos socialistas utópicos associacionistas e tem como lastro o ideário da igualdade, da solidariedade, da fraternidade e da liberdade.
Segundo Pinho (2004), são basicamente três os modelos cooperativistas: Especializados que atendem às necessidades econômicas e sociais específicas; Mistas que combinam dois ou mais modelos de cooperativas e Integrais que atendem às múltiplas necessidades dos seus associados e suas famílias.
Singer (2002) diferencia as cooperativas em quatro tipos: cooperativa de produção, que representam, para Singer, a modalidade básica da Economia Solidária; cooperativa de comercialização, composta de produtores autônomos, individuais ou familiares, que realizam compras e vendas em comum, e as sobras e vendas são divididas proporcionalmente; cooperativa de consumo, que tem como finalidade proporcionar produtos e serviços com menor custo; e cooperativa de crédito que realizam intermediação financeira.
Os aspectos gerenciais nos modelos cooperativos diferem, então, da economia capitalista, enquanto as empresas capitalistas são administradas de forma hierárquica, com diversos níveis de autoridade, em que os desníveis continuam nas formas de remuneração, incentivando as pessoas e setores a exercerem uma competição exacerbada entre si, com objetivo de alcançar melhores resultados, principalmente no âmbito salarial, a cooperativa ou empresas solidárias administram de forma democrática e, quando são pequenas, todas as decisões são tomadas em assembléias, que podem ocorrer em curto espaço de tempo, quando há necessidade. Portanto, quando se fala em gestão nos empreendimentos solidários, remete-se à característica essencial da autogestão, da tomada de decisões conjuntas e democráticas pelos cooperados.
A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da administração (SINGER, 2002).
A autogestão, então, exige um esforço maior dos trabalhadores das cooperativas ou empreendimentos solidários que, além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa, porém essa forma de atuação permite maior cooperação. "O maior inimigo da autogestão é o desinteresse dos sócios, sua recusa ao esforço adicional que a prática democrática exige." (SINGER, 2002, p.47).
Singer (2002, p.48) ainda acrescenta sobre a autogestão:
A autogestão tem como mérito principal não a eficiência econômica (necessária em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes. Participar das discussões e decisões do coletivo, ao qual se está associado, educa e conscientiza, tornando a pessoa mais realizada, autoconfiante e segura.
De acordo com Moura e Meira (2002) apud Reis (2005, p.80), faltam padrões gerenciais adequados, existe uma carência de um gerenciamento profissional, com uma teoria própria de autogestão.
Como a maioria dos empreendedores se insere na economia solidária enquanto modo de produção, buscando uma forma de se reinserir na sociedade e sair da pobreza extrema, muitos não aproveitam das potencialidades de autogestão, aceitando-a como uma exigência coletiva para poder participar da cooperativa (SINGER, 2002).
Magalhães; Todeschini (2000, p. 153) apud Reis (2005, p. 83) apresenta outro aspecto que dificulta uma gestão eficiente nos empreendimentos de economia solidária que é a formação gerada por motivações imediatistas, devido à possibilidade de trabalho, acesso ao crédito e as políticas públicas, sem uma dimensão estratégica e processos formativas e acrescenta:
[...] Além disso, a maioria dos trabalhadores ainda está presa ideologicamente à subordinação e possui precários conhecimentos de gestão e baixíssimo espírito empreendedor. O sucesso dos empreendimentos solidários depende de um processo lento de mudança cultural, de comportamentos, combinado com a capacitação técnica.
A falta de um modelo gerencial próprio, de experiência administrativa, a baixa qualificação profissional e de capacidade gerencial dos integrantes dos empreendimentos solidários, dificultam a gestão desses empreendimentos.
3.2.4 Sustentabilidade em Empreendimentos Solidários
O termo sustentabilidade debatido nas últimas décadas por diversos autores significa, segundo o Dicionário Aurélio, sustentar, ou seja, suportar, resistir a, conservar; manter; alimentar física ou moralmente, amparar, favorecer; fortificar; impedir a ruína ou a queda de, estimular, suster-se, equilibrar-se; defender-se, resistir, viver, manter-se e conservar-se. Pressupõe, então, uma idéia de conservação, de sobrevivência ou manutenção.
A Economia Solidária, como já vimos, apresenta-se como uma alternativa para minimizar ou reverter os efeitos de desigualdades sociais em decorrência do sistema capitalista, da globalização. A sustentabilidade nesses empreendimentos deve levar em consideração fatores culturais, políticos e sociais.
Para Santos (2005), no âmbito das OSCs há um esforço em entender conceitos mais ampliados de sustentabilidade, relacionando a uma abordagem que envolve outras dimensões e não apenas a dimensão econômico-financeira ou à capacidade organizacional de obter recursos, evoluindo do foco unidimensional para o multidimensional.
Segundo Cruz e Estraviz (2003) as organizações necessitam de recursos para realizar a sua missão, dividindo as fontes de captação de recursos em sete grupos: indivíduos, eventos especiais, empresas, governo, fundações, instituições religiosas e geração de renda própria.
A captação de recursos para esses autores é o meio de promoção da sustentabilidade dessas organizações. Outros autores afirmam que a sustentabilidade está vinculada à capacidade das organizações de "mobilizar" esses recursos econômico-financeiros para desenvolvimento dos seus projetos organizacionais.
As discussões se ampliam e Armani (2006) argumenta que o reconhecimento de que a sustentabilidade combina com a capacidade de obter "receitas próprias" já é o primeiro avanço na conceituação da sustentabilidade desses empreendimentos, não se fixando apenas em auto-sustentação. Esta constatação tira um peso e uma responsabilidade excessiva e desproporcional das ONGs em relação à sua sustentação duradoura, bem como porque sinaliza que é necessário preparar-se institucionalmente para acessar recursos de fontes variadas também em plano nacional, sejam elas públicas, privadas ou não-governamentais.
Dessa forma, segundo Santos (2005, p.74),
O desenvolvimento institucional permanente é condição essencial para a sustentabilidade, que pode ser definida como a capacidade da organização de se relacionar, criativamente, com ambientes instáveis, visando à credibilidade da sua imagem perante a sociedade.
Aspectos como a cultura e a mudança organizacional devem ser considerados. A organização deve acompanhar as mudanças sociais.
Santos (2005) traz a perspectiva de outro autor sobre a sustentabilidade dessas organizações. Silva (2002) apud Santos (2005) entende a sustentabilidade como a capacidade da organização de auto-renovar, ou seja, renovar a qualidade, a motivação, a direção, a viabilidade, a capacidade e a legitimidade na organização.
Esses autores nos trazem outras dimensões importantes para a sustentabilidade dessas organizações como o posicionamento político, diálogo com outros atores, estabelecimento de parcerias, busca e garantia de credibilidade e legitimidade, capacidade de transformação e adaptação, desenvolvimento institucional, ou seja, a sustentabilidade não é unidimensional (apenas econômico-financeiro), mas multidimensional.
Segundo Armani (2006, p.1),
O desenvolvimento institucional compreende os processos que visam assegurar a realização, de maneira sustentável, da missão da organização, fortalecendo o seu posicionamento estratégico na sociedade. [...] é necessária a adoção de medidas que fortaleçam a capacidade de articulação das iniciativas, de promoção de processos de mudança social que ampliem a base social/legitimidade e credibilidade da organização e busquem o aprimoramento gerencial e operacional da mesma.
Armani (2006) comenta sobre outros avanços quanto ao conceito de sustentabilidade, um deles é que a sustentabilidade não diz respeito apenas à dimensão econômico-financeira de uma organização mas a outros fatores de desenvolvimento institucionais que promovem um "êxito duradouro", ou seja a qualidade da organização e do projeto institucional. Essa visão contribuiu para que as organizações buscassem o desenvolvimento institucional permanente, buscando a atualização e qualificação de sua missão e de seu projeto político, de sua capacidade de gestão estratégica, da adequação de sua estratégia de intervenção e metodologia, de sua habilidade e força para influenciar o processo das políticas públicas, de seus mecanismos de governança institucional, de sua disposição para gerar conhecimentos socialmente úteis e de administrar pessoas e recursos, de se re-inventar, de pensar não somente a estratégia de trabalho, mas também as estratégias de fortalecimento da organização.
Armani (2006, p.1) acrescenta outra mudança cultural relevante para a sustentabilidade da organização:
Uma outra mudança cultural relevante é a "descoberta" de que somente com intensa e diversificada inserção local e de fortalecimento da credibilidade institucional, uma ONG pode vir a ser sustentável. Isto é, a sustentabilidade de uma organização é também função do grau de "enraizamento" social, da capacidade de articulação local e de credibilidade construída junto aos atores relevantes do seu contexto de atuação.
A sustentabilidade dessas organizações, então, deve levar em consideração a base social, a legitimidade e relevância da missão, a autonomia e credibilidade desses empreendimentos perante a sociedade em geral, a organização do trabalho e gestão democrática eficiente, a capacidade de estabelecer parcerias, a formação das pessoas que a constitui, sistema de monitoramento e avaliação participativos, além da capacidade de geração dos recursos econômico-financeiros.
Santos (2005, p.81) estabelece a ligação de todos esses conceitos e argumentos à importância das pessoas que formam essas organizações e as relações humanas existentes, lembrando que:
Em uma era em que os saberes individuais, a criatividade e a capacidade de construção em grupo estão cada vez mais em destaque, a valorização do indivíduo e a importância que ele assume na estrutura e na dinâmica organizacional tornam-se questões de grande relevância para a análise de qualquer organização. (SANTOS, 2005, p.81).
Armani (2006, p.1) chama a atenção de que a disputa pela sustentabilidade:
Não deve se resumir apenas aos esforços por fortalecer a capacidade de interação criativa de organizações determinadas com o seu contexto visando conferir caráter duradouro ao valor social do seu projeto institucional, mas deve visar também ao desenvolvimento de estratégias coletivas de interlocução pública visando a mudança dos fatores jurídicos, políticos, institucionais e operacionais que circunscrevem as possibilidades de sustentação deste tipo de organização no país. Por isso, é importante que, na luta pela sustentabilidade, as ONGs (i) julguem criteriosamente as possíveis implicações de cada oportunidade de financiamento para a sua autonomia, e (ii) que se engajem em processos coletivos de diálogo e ação política visando influenciar os marcos legais, políticos e operacionais de apoio a ONGs vigentes. [...] Tematizar a sustentabilidade das ONGs é, também, lutar pela garantia de que existam políticas e fundos públicos destinados a apoiar de forma substancial (direta ou indiretamente) este tipo de organização, garantindo-se que o apoio público não signifique perda de autonomia da ONG e, especialmente, de seu caráter de sujeito político na sociedade civil. E não só isso, lutar também para que os mecanismos e procedimentos institucionais e administrativos (critérios de acesso, parâmetros de controle social, instrumentos de acompanhamento e avaliação, normas administrativo-financeiras, etc.) sejam adequados e flexíveis para abarcar pequenas, médias e grandes organizações.
França Filho e Laville (2004) estabelecem cinco grandes traços que caracterizam um empreendimento de Economia Solidária: pluralidade de princípios econômicos; autonomia institucional; democratização dos processos decisórios; sociabilidade comunitário-pública; finalidade multidimensional.
A análise da sustentabilidade dos empreendimentos solidários devem também levar em consideração esses traços, principalmente diante da pluralidade das características individuais das pessoas que compõem tais empreendimentos.
Reis (2005, p.68) assinala que é fundamental que as iniciativas da Economia Solidária mantenham equilíbrio entre a troca mercantil, a forma redistributiva e a reciprocidade. Segundo a autora:
Se a troca mercantil prevalece, a organização pode deixar de lado o seu projeto social e se tornar semelhante a uma instituição privada capitalista. Caso prevaleça a forma distributiva, isto pode gerar uma dependência demasiada da instituição com os financiadores, comprometendo possivelmente a sua autonomia. Caso prevaleça a reciprocidade, podem faltar recursos monetários, a ponto de levar a organização a fechar as portas.
Rodríguez e Santos (2005, p. 64) apresentam nove teses, baseadas em estudos de casos ocorridos em diversos países, relacionadas com a economia alternativa, a primeira delas refere-se a abrangência de fatores que possibilitam a sustentabilidade dos empreendimentos solidários:
As alternativas de produção não são apenas econômicas: o seu potencial emancipatório e as suas perspectivas de êxito dependem, em boa medida, da integração que consigam entre processos de transformação econômica e processos culturais, sociais e políticos. (RODRÍGUEZ; SANTOS, 2005, p. 64).
Essa abordagem de Rodríguez e Santos (2005) fortalece o entendimento de que não apenas o fator econômico promove a sustentabilidade dos empreendimentos solidários, embora seja de fundamental importância, mas também as dinâmicas não econômicas (culturais, sociais, afetivas, políticas, etc.) que estão associadas diretamente aos capitais humanos, sociais e culturais. Esses fatores podem ser agrupados em dimensões: econômica, social, política e gestão, conforme demonstrado no Quadro 1.
DIMENSÃO
COMPONENTES INDICADORES

Econômica Mercantil Venda de produtos e serviços
Não Mercantil Subsídios governamentais (nível institucional)
Subsídios não-governamentais (nível institucional)
Não Monetário Trabalho voluntário
Doações não monetárias
Práticas reciprocitárias (ações comunitárias, mutirões, formas de trocas/dádiva)
Social Construção do vínculo Associativo Padrão de sociabilidade
Grau de coesão social
Política Nível Interno Grau de democracia interna
Grau de comprometimento
Nível Institucional Existência de ação pública
Nível de articulação em redes
Grau de autonomia institucional
Gestão Infra-estrutura Acesso aos meios de produção
Acesso a tecnologias gerenciais
Acesso a espaço físico
Conhecimento Habilidade técnica
Habilidade gerencial
Formação geral (sociopolítica)
Quadro 1: Quadro Analítico para Estudo da Sustentabilidade
Fonte: Reis (2005).
Para Reis (2005, p.106) a dimensão econômica compreende os recursos financeiros ou não financeiros obtidos pelas organizações que apóiam esses empreendimentos, por meio do componente mercantil, representado pela venda direta dos produtos e serviços; componente não mercantil, provenientes de subsídios das organizações governamentais, não-governamentais ou das alianças com empresas capitalistas e doações monetárias de pessoas físicas; e componente não monetário, como o trabalho voluntário, as doações não monetárias (bens móveis e imóveis, etc.) e as práticas reciprocitárias (mutirões, outras ações coletivas).
A dimensão social está associada ao grau de coesão social existente, a construção dos vínculos associativos, o padrão de sociabilidade que predomina no grupo. Segundo Reis (2005) a natureza do vínculo é um componente que reflete o tipo de vínculo estabelecido pelos integrantes do empreendimento: o padrão de sociabilidade tem relação com a natureza do vínculo, se são constituídos de forma espontânea, informal, pessoal ou contratual, formal, profissional. Essas relações podem afetar a produtividade, a falta de participação, de assiduidade ou nível de absenteísmo. Para Fontes (2003) apud Reis (2005) os laços sociais podem, por exemplo, estabelecer os padrões para alocação de recursos, afeta tanto o recrutamento como o processo de retenção do grupo, comprometendo a participação.
A dimensão política está relacionada com a forma de ação política da organização, tanto interna (nível interno), como externamente (nível institucional). No nível interno observa-se o grau de gestão interna, se a gestão é realizada pelos membros da cooperativa e o grau de comprometimento verifica se os indivíduos estão comprometidos com os objetivos do grupo e qual o nível de cooperação existente. No nível institucional são observados a existência de ação pública (atuação da iniciativa no espaço público), o nível de articulação em redes (capacidade de estabelecer parcerias e articulações, participação em redes) e o grau de autonomia institucional (se relaciona diretamente com a auto-gestão) (REIS, 2005, p. 113-115).
A dimensão gestão contempla a capacidade efetiva de como os empreendimentos são geridos, nos diversos aspectos como infra-estrutura (acesso aos bens de produção, acesso às tecnologias gerenciais e acesso ao espaço físico) e conhecimento (habilidade técnica produtiva, habilidade gerencial e a formação geral dos envolvidos) (REIS, 2005). O papel da capacitação é fundamental no processo de sustentabilidade dos empreendimentos solidários.
Rodríguez e Santos (2002, p.67) afirmam que:
As cooperativas e demais organizações econômicas não capitalistas são extremamente frágeis quando tem de enfrentar, sozinhas, a concorrência do setor capitalista e condições políticas desfavoráveis. Por esta razão, a formação de redes de apoio mútuo é indispensável.
Reis (2005, p.118) chama a atenção para as dificuldades e fragilidades dos empreendimentos solidários que, muitas vezes, a sua existência depende da presença ou apoio de uma única pessoa ou instituição, levando ao risco de recriar no interior do grupo, relações que reforçam antigos e novos laços de dependência.
3.3 A RELAÇÃO ENTRE OS CAPITAIS HUMANO, SOCIAL E CULTURAL E A SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Este século é marcado por grandes fatores de mudanças com a globalização e o desenvolvimento da tecnologia, ampliando o fosso social que se agrava com a falta de oportunidades para todos. Presenciamos uma produção de alimentos jamais vista e milhares de pessoas morrendo por desnutrição, violando os direitos humanos, limitando a liberdade de escolha dos indivíduos.
Amartya Sen (2000) conceitua o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. As liberdades não se referem apenas aos aspectos econômicos, mas a todas as necessidades individuais do ser humano, sejam sociais, ambientais, culturais ou psicológicas. "As pessoas devem ser vistas como ativamente envolvidas no processo, na conformação do seu próprio destino e não apenas beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento." (SEN, 2000, p.62).
Esses fatores possibilitam o desenvolvimento sustentável, agregando valores aos pilares da sustentabilidade, ambiental, social e econômico que, só se sustentarão com a eqüidade de cada pilar. Porém, o que percebemos na maioria dos empreendimentos solidários é a preocupação com a sustentabilidade econômica, com o acesso aos bens financeiros em detrimento aos demais pilares.
O tema sustentabilidade teve início a partir de uma perspectiva ambiental, onde os ambientalistas trouxeram discussões sobre a ação predatória do ser humano no processo de civilização e ocupação do planeta, gerando conseqüências desastrosas.
Os paradigmas do crescimento começam, então, a serem contestados por diversos estudiosos, o conceito de desenvolvimento amplia-se, inserindo, não somente as questões econômicas, mas também ambiental e social, em um contexto que engloba a melhoria das relações humanas e da qualidade de vida, permeando a cultura e, dessa forma, considerando os valores, saberes, regras.
Rattner (2004 apud SANTOS, 2005, p.82) afirma que:
O mais importante avanço na evolução do conceito de sustentabilidade é representado pelo consenso crescente que esta requer, e implica democracia política, eqüidade social, eficiência econômica, diversidade cultural, proteção e conservação do meio ambiente. Esta síntese, ainda que não aceita por todos, tenderá a exercer uma influência poderosa na teoria e na prática social, nos anos vindouros.
Santos (2005, p.83) argumenta sobre a abertura do conceito do desenvolvimento sustentável formulados por diversos autores (Sachs, Rattner, Capra, dentre tantos outros), agregando novos valores sociais, ecológicos, econômicos e a dimensão cultural e política, contrariando a lógica do capitalismo, no processo de transformação social e acrescenta:
A abertura do conceito linear e clássico de desenvolvimento visa, tanto no plano discursivo quanto na ação estratégica dos atores do desenvolvimento, a contribuir para a realização do objetivo comum fundamental que deveria consistir na melhoria da qualidade de vida e no bem-estar da humanidade. Ao associar questões de conservação ecológicoambiental e de crescimento econômico, o desenvolvimento sustentável se insere em um contexto de mudanças sociais, culturais, políticas e paradigmáticas que têm influenciado a reflexão e a ação de empresas, governos e OSCs a se voltarem para as questões relativas ao meio ambiente e ao bem-estar social.
Os debates sobre o conceito de desenvolvimento sustentável e suas fundamentações ampliam, também, para a concepção nas cooperativas, associações e OCSs quanto à sustentabilidade desses empreendimentos como expõe Santos (2005, p.87):
No universo organizacional, especialmente no que se refere às OSCs, a sustentabilidade também passa a ser pensada em sua multidimensionalidade. As OSCs, sobretudo as organizações ambientalistas, figuram, não apenas enquanto sujeitos mas, também, como objetos da discussão sobre a sustentabilidade. Enquanto sujeitos, elas participaram e seguem participando da luta pela preservação ambiental e pela institucionalização de medidas que garantam o equilíbrio ecológico do planeta. Enquanto objetos, muitas OSCs se vêem desafiadas a discutir e a buscar a sua sustentabilidade e a sustentabilidade de seus próprios projetos sociais.
A sustentabilidade, então, está relacionada a diversos fatores, inclusive o de dar transparência aos projetos desenvolvidos, proporcionando a confiança da sociedade, dos atores sociais, ao ousar criativo, adaptando-se às mudanças sociais, à mobilização dos recursos econômico-financeiros, mas sobretudo às relações de confiança e cooperação existentes, ao engajamento político, ao diálogo permanente com os vários setores da sociedade, efetivando parcerias, à afetividade e respeito nas relações interpessoais e a coragem de construir ações coletivas.
Nascimento apud Cruz e Estraviz (2003) afirma que o desafio da sustentabilidade não envolve apenas o levantamento e a adequada utilização de recursos financeiros, mas as pessoas são importantes:
O desafio da sustentabilidade envolve não só o levantamento e a adequada utilização de recursos financeiros; implica investir no desenvolvimento das pessoas que fazem parte da organização, melhorar a qualidade dos serviços e adequá-los às necessidades das comunidades, buscar a adesão da sociedade à causa da organização e informar de forma transparente.
DIMENSÃO CAPITAL CONCEITOS
Econômica-Financeira Humano Habilidades, comportamentos, energia pessoal e tempo e conhecimento (DAVENPORT, 2001)
Gestão A educação formal ou informal é o fertilizante que faz crescer o capital humano (DAVENPORT, 2001)
Social Social Nasce das relações travadas dentro das comunidades, universidades, corporações, associações, governos etc. (PUTNAM, 2007).
É a capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação (D?ARAÚJO, 2003).
Política -Institucional








Quadro II: Quadro Comparativo entre os conceitos dos Capitais Humano, Social e Cultural e as dimensões da Sustentabilidade
Fonte: Pesquisa direta 2008.
Os capitais humano, social e cultural são imprescindíveis para a sustentabilidade do empreendimento. O quadro II confirma esse entrelaçamento entre as dimensões da sustentabilidade em empreendimento solidários, abordados no quadro I, p. , e os capitais humano, social e cultural
A construção da autonomia e autogestão parte da formação das pessoas, do sentimento de solidariedade e confiança que devem ser desenvolvidos, da capacidade de gestão , das habilidades técnicas e administrativas. São as pessoas que formam as organizações e as relações humanas existentes, conforme argumenta Santos (2005, p.76):
Em uma era em que os saberes individuais, a criatividade e a capacidade de construção em grupo estão cada vez mais em destaque, a valorização do indivíduo e a importância que ele assume na estrutura e na dinâmica organizacional tornam-se questões de grande relevância para a análise de qualquer organização.
No caso das cooperativas, os cooperados são, ao mesmo tempo, trabalhadores, proprietários, empreendedores e autogestores, assumindo diversos papéis, constituindo uma combinação do modelo de empresas tradicionais com a força de trabalho em um processo autogestionário de cooperação, solidariedade e eficácia. De acordo com Verardo (2003) "o compartilhamento de informações também é um dos aspectos de sustentabilidade da Economia Solidária", fortalecendo os capitais humano, social e cultural dos empreendimentos.
Ponte Jr.e Osterne (2005, p.1) afirmam que:
A construção do princípio da autogestão para a autonomia, pressupõe o desenvolvimento da capacidade de empreender, tanto para criar um espaço propício para o desenvolvimento das potencialidades individuais como para buscar soluções que melhorem o desempenho da cooperativa. A perspectiva da transformação dos cooperados em empresários de seu próprio trabalho requer uma transformação cultural radical, que apreenderam à lógica do trabalho subordinado, onde um outro ordena a sua ação, limitando o alcance da criatividade individual.
A incorporação do princípio da cooperação e o desenvolvimento de mecanismos para sua operacionalização como estímulo ao espírito empreendedor autogestionário, devem assegurar um horizonte econômico, que inclua outras variáveis orientadoras da vida em sociedade: a realização pessoal, o lazer, a felicidade e o potencial de inovação e criatividade.
A prática da autogestão entre os trabalhadores requer apenas uma hierarquia em relação à função, já que no âmbito político há uma relação horizontal, onde as pessoas elegem os representantes da função por voto, em um processo participativo.
Para Gallo, Ferreira e Leite (2005, p.1):
A autogestão é o modelo básico de organização social do trabalho na Economia Solidária, que se sustenta na proposta de formação democrática de lideranças e na gestão participativa nos empreendimentos. A prática da autogestão, solidária, cooperativa e autonomista, viabiliza a inclusão de pessoas no processo produtivo e rompe com as atitudes subordinadas e alienadas, impregnadas nas mentes dos trabalhadores pela longa vivência sob ordens e rituais próprios das relações e estruturas das organizações empresariais privadas.
A autogestão significa autonomia, porém, a complexidade das relações interpessoais e profissionais, e a dificuldade na sustentabilidade desses empreendimentos foram pressupostos para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para melhoria desses processos, surgindo a metodologia de incubadoras de cooperativas populares, em 1998, uma ação envolvendo a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), a Fundação Banco do Brasil (FBB), o Banco do Brasil e o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP), com o objetivo de aproximar os conhecimentos técnico-científicos e a prática, fortalecendo os capitais humanos, sociais e culturais.
Ghibaudi e Ramos (2007) argumentam que a incubação consiste em um trabalho conjunto, da entidade incubadora e dos membros da cooperativa, na troca dos conhecimentos, imprescindíveis para o desenvolvimento do empreendimento, que não deve ser entendido apenas como um empreendimento econômico, mas também como uma organização social e política.
Há um fator que não se pode desconsiderar que é a heterogeneidade do grupo incubado, no que se refere ao grau de formalização do empreendimento, à efetiva incorporação dos princípios cooperativistas, à organização produtiva, à adequada administração financeira e contábil, à qualificação dos cooperados para o trabalho, entre outros fatores fundamentais para o sucesso do empreendimento (GHIBAUDI; RAMOS, 2007).
O desenvolvimento dos empreendimentos solidários está, então, intrinsecamente vinculado ao fortalecimento das pessoas. Os fatores sociais (educação, saúde, habitação etc.) influenciam na formação, desenvolvimento e sustentabilidade desses empreendimentos. As entidades incubadoras desenvolvem metodologias que tem como foco a capacitação das pessoas para as questões cooperativistas, administrativas e técnicas.
O envolvimento de todos na participação das diretrizes e formulação de propostas, a troca do aprendizado mútuo de saberes e habilidades, o incentivo à criatividade e iniciativa são fatores de sucesso nas relações do trabalho cooperativo.
Segundo Cruz (2002, p.1) os princípios relativos ao tipo de cooperativa que se quer incubar podem ser sintetizados em poucos tópicos:
1º) a autogestão ? todas as incubadoras trabalham com a idéia de ajudar a consolidar cooperativas em que o poder de decisão sobre o empreendimento esteja nas mãos de todos os seus participantes, e que a democracia interna seja aceita, respeitada e praticada por todos.
2º) a viabilidade econômica ? também é consensual que as iniciativas devem viabilizar-se economicamente, garantindo trabalho e renda para seus partícipes, e que isto ? por enquanto, pelo menos ? se faz em meio às regras do mercado capitalista, inapelavelmente.
3º) a valorização do trabalho ? rejeitando toda fórmula que faça, das cooperativas, instrumentos de precarização do trabalho, as ITCP?s reforçam junto às cooperativas a idéia de que todos os direitos sociais dos trabalhadores regulados pela legislação formal (13º salário, férias remuneradas, descanso semanal etc.) devem ser respeitados, e que jamais o aviltamento das condições de trabalho e de remuneração pode ser utilizado como fator de competitividade por parte dos empreendimentos.
4º) a valorização da educação pública e gratuita continuada, em todos os níveis.
O processo de incubação ocorre em fases distintas: assessoria e consultoria; e formação e qualificação. O objetivo básico da primeira ação é ajudar as cooperativas a estruturar-se e viabilizar-se economicamente; a segunda ação visa garantir que a cooperativa continue funcionando e crescendo depois de completada a incubação (CRUZ, 2002).
O processo de incubação propriamente dito ? ou seja, de formação dos cooperados, simultaneamente ao funcionamento da cooperativa ?, exige um longo prazo, o período calculado, em geral, varia de 2 a 4 anos, dependendo da incubadora e do nível educacional dos cooperados (CRUZ, 2002).
No período de expansão dos empreendimentos é imprescindível que a incubação tenha mais um direcionamento para as questões de acompanhamento e assessoria, com o objetivo de possibilitar a autonomia dos cooperados, fortalecendo as questões da viabilidade cooperativa, momento em que os conceitos do cooperativismo, da atuação em fóruns e redes, da formação dos capitais humano e social deverão se consolidar. Esses fatores são preponderantes para o eixo da viabilidade econômica, a partir das capacidades gerenciais desenvolvidas, da consolidação e ampliação de parcerias, melhoria do processo produtivo e qualidade dos produtos.
A metodologia da incubação é uma das possibilidades de viabilizar a sustentabilidade dos empreendimentos solidários, de forma a gerar a capacidade de aglutinar anseios, responder às necessidades de prestar contas e de criar novas idéias para a sociedade, viabilizando um apoio efetivo da sociedade, principalmente na efetivação das parcerias.
Frankel, Henriques e Lianza (2008) afirmam que a sustentabilidade deveria ser apenas um meio para atingir um fim:
A sustentabilidade econômica deveria ser apenas um meio para atingir um fim que seria a melhoria da sociedade através do funcionamento de um empreendimento. Entretanto, questões como capacitação e reforço da democracia acabam sendo deixadas de lado devido à necessidade de se pensar na competição do mercado. Em uma cooperativa, muitas vezes as dificuldades financeiras enfrentadas fazem com que sejam relegadas a segundo plano questões como, por exemplo, a sustentabilidade ambiental. Dessa forma, estamos pensando em viabilidade econômica, e não sustentabilidade como descrito anteriormente.

Figura I: Relação entre a sustentabilidade em empreendimentos solidários, as dimensões da sustentabilidade, os Capitais Humano, Social e Cultural e a metodologia de incubação.
Fonte: Pesquisa direta 2008.
Muitos empreendimentos fracassam por não ter um apoio institucional, ou mesmo, rendimentos com certa regularidade, resultando na falta de coesão do grupo, na desistência das pessoas, que procuram outras formas de sobrevivência. Além disso, como a maioria possui um baixo grau de escolaridade, as capacidades gerenciais não são bem desenvolvidas.
Rodríguez e Santos (2005, p. 72) levantam a tese de que:
Os critérios para avaliar o êxito ou fracasso das alternativas econômicas devem ser gradualistas e inclusivos. Em uma época de hegemonia do capitalismo global é fácil assumir posições desesperançadas ou cínicas em relação a qualquer alternativa. O pessimismo apodera-se com facilidade das mentes impacientes, e a ausência de uma ruptura radical com o status quo gera ceticismo perante qualquer alternativa gradual ou local.

4 MÉTODO
A Residência Social foi o ponto culminante desta pesquisa, aproximando o conhecimento teórico da prática e proporcionando uma reflexão sobre as ações desenvolvidas na CAEC. Tenório (2007, p. 105) afirma que:
A Residência Social está sustentada em três princípios: o primeiro, a exposição do residente a diferentes saberes mobilizados em função da diversidade de atores envolvidos; o segundo, a presença simultaneamente da ação e da reflexão; e, o terceiro, a articulação em uma única situação concreta dos propósitos do ensino, da pesquisa e da extensão, bases do trabalho universitário.
O método de abordagem utilizado na RS foi pesquisa qualitativa, onde procurou-se perceber, por meio de entrevistas não estruturadas com o diretor do PANGEA, técnicos do PANGEA (gerente operacional e a assistente social), diretoria da CAEC (a presidente, o tesoureiro e a 1ª secretária) e vinte cooperados, além de observação simples, como se dá a construção do Capital Humano, Social e Cultural dentro da cooperativa. As entrevistas semi-estruturadas foram gravadas ou, simplesmente anotadas as respostas mais relevantes.
No período de fevereiro a março participou-se em uma reunião ampla, em 22 de fevereiro de 2008; do Conselho de Administração, em 22 de fevereiro de 2008; da Assembléia Geral para a escolha da nova diretoria, em 31 de março de 2008 e das capacitações iniciais a novos cooperados, nos dias 20 e 22 de fevereiro de 2008, para entender o mecanismo utilizado para a promoção humana.
Utilizou-se a análise documental, como o Estatuto Social, o Regimento Interno e a Cartilha do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, visando compreender como se deu a formação do Capital Social.
A observação simples foi utilizada em diversos momentos: horário de almoço e do lanche para compreender as relações interpessoais, horário de trabalho, para verificar como se desenvolve essa relação de trabalho entre os cooperados e verificar os conflitos existentes nesses momentos, durante as reuniões e capacitações e na Assembléia Geral para eleição da nova diretoria, com objetivo de verificar a compreensão dos catadores quanto a importância daquele momento e o nível de autonomia nas decisões para a existência e sustentabilidade da CAEC. Foram consultados websites diversos, em especial do PANGEA e Wal Mart, maior parceiro fornecedor da CAEC. Também registrou-se muitas imagens em fotografias.
Assistiu-se a quatro vídeos, que foram gravados em momentos distintos, no primeiro ano da CAEC, após a criação da Rede Catabahia, em visita do vice-presidente do Banco do Brasil e do evento da inauguração da subestação de energia.
A vivência da Residência Social dos componentes da equipe e a análise de todo o arcabouço pesquisado e vivenciado possibilitou o tratamento desses dados e a apresentação dos resultados que seguem no Capítulo cinco.



5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
"O homem se humilha se castram seus sonhos. Seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho. E sem o seu trabalho o homem não tem honra e sem a sua honra se morre, se mata". (Gonzaguinha).


Figura 2: Lixão de Canabrava
Fonte: PANGEA (2006).
A partir das décadas de 1970 a 1980, o lixo urbano de Salvador passou a ser jogado em um bairro de Salvador denominado Canabrava e, durante 20 anos, essa área era o destino do lixo coletado na cidade, degradando o meio-ambiente e a qualidade de vida da comunidade que residia no entorno. Esse local, então, passou a ser conhecido como o "Lixão de Canabrava" e, em torno de 1.000 pessoas passaram a sobreviver daqueles resíduos, incluindo adultos e crianças (PANGEA, 2006).
As notícias publicadas nos diversos jornais da cidade, principalmente no final da década de 1990, chamavam a atenção para a responsabilidade do governo municipal quanto às questões ambientais e sociais, porém nenhuma ação de melhoria era desenvolvida para solucionar aquela situação: "Limpurb administra a pobreza em Canabrava; Falta de recursos paralisa projeto do aterro sanitário; Comércio de garrafas é disputado em Canabrava; Obra pára em Canabrava e moradores temem acidente; Crianças ficam sem aula em Canabrava -Jornal A Tarde - 09/10/1997" (PANGEA, 2006).
Entretanto, em 2001, após a construção do Aterro Metropolitano Centro pela Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (LIMPURB), nas imediações do Complexo Industrial de Aratu (CIA) - Aeroporto, o lixão de Canabrava é extinto (PANGEA, 2006).
Com o fechamento do antigo lixão de Canabrava, os "badameiros", como eram denominados os catadores de lixo, encontravam-se em uma situação precária pessoal, em uma realidade extremamente perversa, de total exclusão dessas pessoas a uma sociedade de consumo, tiveram como conseqüência o fim da única forma de sobrevivência de centenas de catadores.
No lixão essas pessoas encontravam o seu sustento e se alimentavam de restos de alimentos e alimentos fora do prazo de validade (que eles consideravam como verdadeiros banquetes quando chegavam ao lixão), ocasionando doenças de diversas ordens, principalmente nas crianças, que se aglomeravam com os adultos, disputando esses alimentos com urubus e porcos. Apesar de ser uma forma degradante de vida, era a única fonte de renda para centenas de catadores quando do fechamento do lixão de Canabrava.

Figura 3: Lixão de Canabrava
Fonte: PANGEA (2006).
A proposta para a criação da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis e Agentes Ecológicos de Canabrava (CAEC), a um grupo resistente de cem catadores aos abusos do governo municipal, pelo PANGEA ? Centro de Estudos Sócio-ambientais, ONG ambientalista, e assistente social da Prefeitura Municipal do Salvador (PMS), Marília Pessoa, apresentou-se como uma alternativa de vida para esses cem catadores, conforme depoimento de Antonio Brunchaft, gerente do PANGEA:
Reciclagem é uma possibilidade de combater a pobreza, reduzir as desigualdades sociais. Vislumbramos uma saída com a coleta seletiva. Tem que se construir um arco de parceria [...] Todo catador tem que ter a sua autonomia e a sua própria gestão, catadores tem que ser agentes da natureza. (PANGEA, 2004) .
Inicialmente, foi levantado um diagnóstico dessas pessoas pelo PANGEA, onde 65% eram do sexo feminino, revelando o protagonismo das mulheres na vida econômica da família, 13% eram analfabetos, 47% possuía uma escolaridade entre a 2ª e a 4ª série primária, 17% tinha cursado a 5ª e 6ª série e apenas 3% possuía o ensino médio completo. Mais de 80% sobrevivia com menos de US$ 2/dia, 84% possuíam filhos e 49% possuíam entre 4 a 5 filhos. As doenças mais comuns eram decorrentes do trabalho de catadores como a escoliose, devido aos fardos pesados e problemas de pele, devido à exposição ao sol e ao manuseio de lixo orgânico (PANGEA, 2006).
O PANGEA elaborou um projeto que se baseava em duas dimensões: capacitação e incubação. A capacitação visava qualificar os ex-catadores do lixão de Canabrava, redefinindo o seu papel na sociedade como catadores de materiais recicláveis, para que eles se reconhecessem como agentes ecológicos. A incubação da Cooperativa se materializa com as ações de assistência técnica multidisciplinar, envolvendo as áreas de gestão, cooperativa, educação ambiental, triagem de materiais recicláveis, logística e agregação de valor, além de aulas de alfabetização, oficinas de cidadania e apoio sócio-educativo aos cooperados e seus familiares, fomentando o protagonismo dos catadores e visando alcançar a autosustentabilidade do empreendimento, do ponto de vista econômico e social (PANGEA, 2006).
O tempo de incubação, segundo a metodologia desenvolvida pelo PANGEA, varia em torno de três a seis anos, dependendo muito do grau de responsabilidade e maturidade do grupo e também do estágio de escolarização. Muitos catadores eram analfabetos ou mesmo, com dois ou quatro anos de escolarização, não se recordavam das letras, devido ao tempo que ficaram afastados da escola. Este era um grande desafio para o PANGEA aumentar o grau de escolarização e proporcionar a autogestão no menor prazo possível.
A incubação e a capacitação, então, fazem parte de um mesmo processo, atuam de forma articulada para atingir os objetivos de formação do capital humano e capital social, a sustentabilidade do empreendimento e a assunção das responsabilidades financeiras, administrativas, comercial, operacional e institucional pelos cooperados (autogestão).
A Cooperativa, então, foi constituída em 2 de dezembro de 2002, com a participação de 48 catadores (dos cem iniciais) que acreditaram na proposta. Recebiam inicialmente uma cesta básica da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) e, por mais ou menos seis meses, uma ajuda de custo em torno de R$ 60,00/mês (sessenta reais).
Durante um ano esses catadores foram capacitados em três áreas temáticas: Habilidade básica (30 horas), envolvendo os temas de cidadania, auto-estima, segurança no trabalho, higiene, saúde, ética, capacidade de liderança, aprimoramento da compreensão da linguagem (oral e escrita) e desenvolvimento do raciocínio lógico; Habilidade específica (30 horas), tendo como conteúdo a tecnologia disponível para o trabalho do grupo, como: as técnicas de coleta seletiva do resíduo, a educação ambiental como componente estratégico para o processo de doação dos resíduos por parte da população, plano operacional da coleta nos bairros, modos de beneficiamento do resíduo, em especial as técnicas de enfardamento e agregação de valor; e Habilidade de gestão (80 horas) trabalhando com a Psicologia Social Comunitária, despertando para o outro tema a ser abordado, cooperativismo, fortalecendo a relação entre os treinandos, o compromisso inter-grupal e criando as condições para uma identidade coletiva, além disso tratou de temáticas importantíssimas como o cooperativismo e gestão do negócio, comercialização, formação de preços, técnicas de administração e análise de mercado (PANGEA, 2006).
O Capital Humano foi fortalecido, enriquecido com novas abordagens e propostas metodológicas que envolviam a todos de uma forma participativa e agregadora, ampliando os conhecimentos tácitos, desenvolvendo a cooperação, a competitividade e a cidadania, fatores que consolidam o Capital Social, base para que as dinâmicas sociais e o empoderamento desses catadores aconteçam.
"A incubação proposta pelo PANGEA requer uma relação dialética, em que é fundamental a presença dos profissionais no empreendimento, como a assistente social e o gestor operacional, que capacita diariamente os cooperados, em um processo de parceria e co-responsabilidade, em gestão administrativa e financeira, rodiziando os cooperados nos diversos cargos por meio de eleições, conforme o Estatuto Social." (informação verbal) .
"A assistência social tem como foco o desenvolvimento pessoal e profissional dos catadores, o relacionamento interpessoal, o encaminhamento e assistência quanto às questões de saúde e educação, incentivando-os em um processo de resgate da auto-estima e inserção dos catadores na sociedade, desenvolvendo temas como cidadania e ética, por meio de atendimentos individualizados e em grupos, tendo como finalidade o desenvolvimento sócio-cultural e terapêutico dos catadores" (informação verbal) .
O primeiro parceiro a investir na CAEC foi a ONG italiana Cooperação para Desenvolvimento dos Países Emergentes (COSPE), junto com a União Européia, apoiando no aluguel de um pequeno galpão, no bairro de São Marcos, e na capacitação e incubação, propostas pelo PANGEA. Os 48 catadores dividiam o tempo com a mobilização que faziam nos bairros e condomínios para formalização de parcerias, catavam ainda nas ruas, separavam os materiais no galpão e se capacitavam nas diversas dimensões já mencionadas.
As mobilizações eram realizadas juntamente com um grupo de teatro, contratado pelo PANGEA. Posteriormente o Serviço Social da Indústria (SESI) contribuiu com outro grupo de teatro na sensibilização e mobilização em condomínios e possíveis parceiros, capacitando os catadores com perfil para representar, que continuaram com as mobilizações educativas, inclusive nas sensibilizações com os próprios catadores em diversos municípios para a criação da Rede Catabahia.
Além do grupo de teatro, as sensibilizações e mobilizações eram realizadas por meio de palestras, participação em seminários, entrevistas e reuniões, objetivando o fechamento de novas parcerias, tanto com parceiros fornecedores como compradores de materiais recicláveis e outros (governo, empresas privadas, terceiro setor) que pudessem contribuir com a melhoria e ampliação da infra-estrutura.
Estas ações resultaram em mais de 250 parceiros, que hoje apóiam o empreendimento, dentre eles a Petrobrás, Banco do Brasil, Fundação Banco do Brasil, Rede Bom Preço, Bahia Pet, Braskem, Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), Governo do Estado da Bahia, Governo Federal, Shopping Itaigara, Salvador Shopping, Instituto Wal-Mart e Shopping Iguatemi.

Figura 4: Nova estrutura da CAEC
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Em março de 2003, a PETROBRÁS doou uma área, localizada em Pirajá, de 11.000 m², com 3.000 m² de área construída (galpões, cozinha, sala onde funciona o Movimento Nacional de Catadores, estação digital, sala de atendimento médico, biblioteca, direção, manutenção e outras) e três caminhões baús. Outros parceiros também contribuíram como a Fundação Banco do Brasil com mais três caminhões baús, máquinas e equipamentos para o funcionamento de uma indústria de plástico, prensas, carrinhos para coleta e a estação digital, contribuindo para a sustentabilidade financeira do empreendimento.
Um dos parceiros fornecedores de materiais recicláveis mais importante é a Rede de Supermercados Bom Preço, possibilitando, praticamente, a sustentabilidade financeira da CAEC, e os principais parceiros compradores são: a Gerdau, a Bahia Pet e a Ondanorte (papel e papelão), conforme comenta Cátia, 1ª secretária: "Hoje, nem acreditamos que chegamos até aqui. Com a parceria do Bom Preço não fazemos mais mobilizações, mas ainda vamos em busca de novas parcerias" (informação verbal) . Essa visão demonstra a preocupação em não centralizar a sua sustentabilidade apenas em um grande parceiro.
Os resultados positivos possibilitaram a criação de outras unidades da CAEC, uma na Calçada e outra em Lauro de Freitas, ampliando o número de cooperados. Atualmente são: 43 na Calçada, 165 na unidade Pirajá e 42 em Lauro de Freitas, crescente a cada ano, devido, principalmente, à ampliação das parcerias, e uma meta de chegar até o final de 2008 a 300 cooperados.
O foco na ampliação das parcerias propicia a inserção de novos catadores na CAEC, possibilitando a organização dessas pessoas que continuam nas ruas ou lixões, exploradas pelos atravessadores, sujeitos a agressões e doenças, devido aos maus tratos e à falta de segurança alimentar.
Há uma constante preocupação de todos para a inclusão de novos cooperados, ratificada pelas palavras de Sônia, presidente da CAEC: "Se eu pudesse todos os catadores que estão na rua estariam aqui dentro, organizados, porque a vida lá fora é muito difícil a vida de catadores de rua e do lixão" (informação verbal) , e com a formação das pessoas.
Os novos integrantes passam por uma capacitação inicial de dez aulas, das 08:00h às 10:00h, onde são abordados os temas: História da CAEC e Estatuto Social; Regimento Interno; Conselho de Administração; Conselho de Ética; Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis; Conselho Fiscal; Seleção de Materiais; Revisão do Estatuto Social e Revisão do Regimento Interno, das 10:00h às 12:00h e das 13:00h às 16:00h participam da parte prática (informação verbal) .
De acordo com o Estatuto da CAEC capítulo IV, art.16º, § 2º, para associar-se, o interessado deverá apresentar proposta fornecida pela Cooperativa, ser "catador de raiz", participar da capacitação inicial, passar por uma avaliação de comportamento, constituída pelos cooperados que participam do Conselho de Ética e Conselho de Administração, por um período de 30 (trinta) dias e subscrever 20 (vinte) quotas-parte no valor de R$ 5,00 (cinco reais). É solicitada também a apresentação de um "nada consta" e avaliação médica.
Atualmente, os cooperados recebem, em média, R$ 450,00/mês (quatrocentos e cinqüenta reais), estabelecida de acordo com o valor total arrecadado, dividida pelas horas totais trabalhadas e multiplicada pelas horas individuais, com a previsão de ampliar esse valor, devido à industrialização do plástico e o envasamento da água sanitária, que trará uma agregação de valor aos produtos/materiais comercializados.
"Essa água sanitária será vendida pelo grupo Bom Preço e já está em negociação com a Empresa Baiana de Alimentos (EBAL). Este fato, também, propiciará a ampliação no número de cooperados. Além disso, recebem vale transporte, almoço e lanche (na própria Cooperativa) e contribuem para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). (informação verbal) .
A melhoria da qualidade de vida dos cooperados é uma preocupação constante, o Regimento Interno foi elaborado com a intenção de organizar e melhorar as relações, definindo direitos e deveres dos cooperados:
Todos os cooperados cultivarão entre si e com os clientes uma relação baseada nos seguintes princípios: responsabilidade; atendimento honesto; cumprimento dos compromissos assumidos com qualidade e pontualidade; transparência dos atos e procedimentos; e zelo pelo bem estar de todos. (CAPÍTULO I, art.1º).
O Regimento Interno é composto de 16 capítulos, assim divididos: Capítulo I ? Dos valores Éticos; Capítulo II ? Da admissão dos cooperados; Capítulo III ? Da remuneração dos cooperados; Capítulo IV ? Da distribuição das tarefas; Capítulo V ? Do afastamento dos cooperados (Acidente de Trabalho os cooperados serão remunerados por, no máximo, 30 dias de afastamento, baseado na produção do mês, necessitando de apresentação do atestado médico; gestantes ? 30 dias com remuneração e mais dois meses trabalhando 4 horas/dia); Capítulo VI ? Das faltas e licenças não remuneradas (1 falta ? desconto de 5% do salário; 2 faltas ? desconto de 10%; 3 faltas ? desconto de 15 % - 4 faltas em um mês ? o cooperado é eliminado; 8 faltas em três meses ? o cooperado é eliminado; os descontos irão para um fundo que se destina à compra de novos equipamentos para a cooperativa; duas ausências de meio turno é considerado uma falta; o cooperado terá direito a dois dias de afastamento a cada doze meses; receberá uma advertência caso falte sete dias em 3 meses, porém, antes de qualquer medida há uma conversa do Conselho de Ética com os cooperados que infringiram); Capítulo VII ? Do horário de trabalho; Capítulo VIII ? Das folgas (a cada 12 meses de trabalho o cooperado terá direito a 10 dias úteis ? a escala de folgas será feita pelo Conselho de Administração); Capítulo IX ? Das sanções disciplinares (comportamento avaliado pelo Conselho de Ética que levará para o Conselho de Administração: Advertência - verbal ou escrita; Suspensão ? desconto dos dias não trabalhados; Eliminação. A suspensão é no mínimo um dia e máximo de três dias. O Conselho de Administração poderá acatar ou modificar o parecer do Conselho de Ética após averiguação dos fatos e discussão com os cooperados e Conselho de Ética); Capítulo X ? Conselho de Ética (avaliar questões comportamentais e de ética. Se reunirá sempre que necessário: formado por seis cooperados ? 2 Pirajá, 2 Calçada e 2 Lauro de Freitas. Tem a periodicidade de um ano e a eleição é realizada na reunião ampla. As chapas são validadas pelo Conselho de Administração; Capítulo XI ? Proibições e Punições; Capítulo XII ? Da Proibição do Uso de Álcool e Drogas (Suspensão; Reincidência ? afastamento definido pelo Conselho de Administração); Capítulo XIII ? Das atividades com a comunidade; Capítulo XIV ? Da Composição da Comissão Eleitoral (2 pessoas do Conselho de Ética, 2 pessoas do Conselho Fiscal e 2 cooperados escolhidos pelo grupo); Capítulo XV ? Do processo Eleitoral; Capítulo XVI ? Das Disposições Gerais.
De acordo com o Estatuto da CAEC o órgão supremo é a Assembléia Geral dos associados, Ordinária ou Extraordinária, convocada e dirigida pelo presidente da Cooperativa. A Assembléia Geral Ordinária ocorre anualmente, nos três primeiros meses após o encerramento de exercício social e a Assembléia Geral Extraordinária será realizada sempre que necessário.
A Cooperativa será administrada por um Conselho de Administração e será fiscalizada por um Conselho Fiscal. O Conselho Fiscal reúne-se ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente, sempre que necessário, com a participação de pelo menos dois de seus membros.
O Estatuto Social é composto por 13 (treze) capítulos e 64 (sessenta e quatro) artigos, estabelecendo os critérios de criação, funcionamento e dissolução da cooperativa. Estabelece critérios para a composição e eleição do Conselho de Administração e Conselho Fiscal:
A cooperativa será administrada por um Conselho de Administração composto de 6 (seis) membros eleitos pela Assembléia Geral, ocupantes dos cargos de presidente, vice-presidente, 1º e 2º secretários e 1º e 2º tesoureiros (Art. 31).

O período de mandato dos membros do Conselho de Administração terá a duração de 2 (dois) anos, sendo obrigatória, ao término de cada mandato, a renovação de 1/3 de seus componentes (Art. 31, § 1º).

A administração da Sociedade será fiscalizada assídua e minuciosamente por um Conselho Fiscal constituído de três membros efetivos e três suplentes, eleitos anualmente entre os associados, sendo permitida a reelaboração de apenas 1/3 dos seus componentes (Art. 40).

Não podem fazer parte do Conselho Fiscal, além dos inelegíveis enumerados no Artigo 32 deste Estatuto, os parentes dos diretores até o segundo grau, em linha colateral ou reta, bem como os parentes entre si até esse grau, cônjuges ou afins (Art. 40, § 1º).

§ 2º - O associado não pode exercer cumulativamente cargos nos Conselhos de Administração e Fiscal (Art. 40, § 2º).


A periodicidade das reuniões do Conselho de Ética é semanal, do Conselho de Administração é mensal e a dos cooperados da CAEC, intitulada de Reunião Ampla, é mensal. As reuniões do Conselho de Ética subsidiam, também, a pauta da Reunião Ampla.
A divisão do trabalho na CAEC é bem clara, porém aqueles que têm cargo de diretoria ou coordenação permanecem trabalhando na triagem, pelo menos durante um período, por sentirem-se mais integrados ao grupo e, talvez por isso, há uma dificuldade na transferência das responsabilidades administrativas e financeiras.
Além dos conselhos e diretoria, existem as coordenações: Coordenação de Triagem, que é responsável pela triagem de alumínio, recebimento dos materiais, triagem do papel e papelão; Coordenação de Plástico, que tem um volume considerável; e Coordenação de Manutenção e Retirada dos Materiais. Foram também criados cargos de assistentes para apoiar o trabalho desenvolvido pelos coordenadores.
Os cooperados que participam da diretoria recebem um complemento salarial de 15% e aqueles que desenvolvem tarefas de coordenação recebem um adicional de 10%, incentivo para que todos participem e se capacitem para serem gestores da cooperativa. Atualmente, essa capacitação é realizada pelo gerente operacional, Paulo Lomi, e a assistente social, Daniela.
A autosustentabilidade financeira alcançada pela CAEC ocorreu, principalmente, devido à organização em cooperativa, provocando uma mudança substancial na vida desses catadores, que passaram de "badameiros" ao auto-reconhecimento como agentes ecológicos ou, simplesmente, catadores de materiais recicláveis, resgatando a auto-estima de todos, e à capacitação: inicial, aos 48 cooperados que acreditaram na proposta do PANGEA; e contínua para aqueles que estão se associando ou mudando de atividade dentro da CAEC, e outras, destinadas a todos, em diversas áreas, como Oficina de Educadores Sociais (Oficina Pão e Beleza) e Planejamento Financeiro Pessoal, em parceria com o Banco do Brasil, Alfabetização de Jovens e Adultos, em parceria com o Governo do Estado da Bahia, o Cozinha Brasil, uma articulação do BB com o Serviço Social da Indústria (SESI), cursos de informática, possibilitando a alfabetização tecnológica, acesso a pesquisas via internet e o crescimento dos catadores e familiares, ampliando com as novas formas de capacitação à distância.
Contribuindo com a formação dos catadores a Fundação Banco do Brasil implantou a Estação Digital, telecentro comunitário, equipado com 11 computadores, sendo que um é o servidor, uma impressora e um mobiliário adequado para o desenvolvimento das atividades, estendendo essa capacitação a familiares e amigos dos cooperados, apresentada nas Figuras 5 e 6.

Figura 5: Estação Digital da CAEC
Fonte: Pesquisa direta, 2008.

Figura 6: Estação Digital da CAEC
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
"A CAEC, visando ampliar o investimento na única força capaz de transformar, o ser humano, elaborou projeto, juntamente com a ONG incubadora PANGEA, para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), na perspectiva do Fundo Social, voltado para os catadores de materiais recicláveis (já aprovado pelo BNDES e está na fase de liberação de recursos), onde consta, além de melhorias de infra-estrutura da cooperativa a capacitação para os cooperados nas mais diversas áreas: operações de maquinários, curso de economia doméstica, segurança no trabalho, liderança (atividades administrativas, financeiras e industriais), associativismo e cooperativismo, empreendedorismo, prevenção de incêndios etc". (informação verbal) .
"As capacitações operacionais de segurança no trabalho, associativismo, cooperativismo etc. todos os cooperados passarão, porém, as capacitações de liderança e outras correlatas, como de gestão, serão direcionadas para um grupo específico que já tenha esse perfil". (informação verbal) .
O resgate da auto-estima dessas pessoas é uma preocupação constante e, por isso, há uma assistente social e mais duas cooperadas que ajudam permanentemente no acompanhamento dos cooperados. É levantado o perfil sócio-econômico para subsidiar os encaminhamentos e só há um atendimento psicológico quando ocorre algum problema.
A Assistência Social, também, desenvolve um papel importante de apoio às atividades administrativas, orientando a 1ª secretária, Cátia, na elaboração de atas, organização de documentos etc. e de orientação de conduta, ajudando o Conselho de Ética na formação de valores, incentivando o crescimento pessoal de cada um a continuar com os estudos, a buscar o crescimento sempre, arriscando-se em novos aprendizados, tendo como eixo norteador a formação do Capital Humano.
De acordo com o Regimento Interno, o Conselho de Ética se reunirá sempre que necessário e terá como função avaliar questões comportamentais e de ética nas relações entre os cooperados e a cooperativa, respeitando o Estatuto Social e a Lei 5.764/71, é composto de 06 cooperados sendo 02 da unidade Pirajá, 02 da unidade Lauro de Freitas e 02 da unidade Calçada. O mandato do Conselho de Ética será de 01 ano. Deverá haver eleição por unidade, tendo como critério para aprovação das chapas pelo Conselho Administrativo, o histórico da conduta, no último ano, dos indicados aos cargos. A eleição do Conselho de Ética será realizada em Reunião Ampla dos cooperados.
O Conselho de Ética contribui para a manutenção da disciplina e da melhoria das relações interpessoais, como relata a Cristina, uma dos membros do Conselho:
"Nos casos de indisciplina o cooperado é chamado ao Conselho de Ética três vezes, conversamos e damos conselhos, caso não haja uma mudança no comportamento é levado para o "grupão", ou seja, para a reunião Ampla. (informação verbal) .
As reuniões Amplas são os momentos de discussão e também de formação, buscando-se soluções, melhorias para a Cooperativa e cooperados, como relata Cátia, 1ª secretária: "Todo mundo tem abertura para falar nas reuniões Amplas, apesar de ter algumas divergências, considero um grupo unido, com relações equilibradas" (informação verbal) .
Esses investimentos no Capital Humano se traduzem na melhoria da qualidade de vida das pessoas, como expõe Jeane, liderança do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis na Bahia:
"O objetivo do PANGEA é que nós catadores "consiga" administrar o nosso próprio negócio, andar com nossas próprias pernas. E a CAEC, a cada ano que passa vai conseguindo, como exemplo de um sonho, um catador da CAEC fazendo faculdade, é muito maravilhoso isso e eu me orgulho muito desse meu trabalho, dessa minha vida". (informação verbal) .
O incentivo à continuidade dos estudos possibilitou a 68 cooperados retornarem para dar continuidade ao ensino fundamental, 15 concluírem o ensino fundamental, 13 iniciarem o ensino médio, 05 concluírem, 02 a cursarem o pré-vestibular e um deles foi aprovado no Curso de Logística Empresarial, no Centro Universitário da Bahia ? FIB.
O trabalho constante do PANGEA, por meio das capacitações em associativismo e cooperativismo, dentre outras, contribuiu para a ampliação dessa base de catadores, fortalecendo o sentimento "cívico", cooperativo, de cidadania e de luta por um reconhecimento dos catadores como profissão, incentivando os cooperados a participarem do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
A CAEC, hoje, conta com três lideranças no Movimento da Bahia e Nordeste: Sr. Cícero, Ubiratan (Lomanto) e Jeane, propiciando o crescimento individual e da própria CAEC, que é reconhecida nacionalmente pelo trabalho que desenvolve, o que promove o orgulho dos cooperados em participar desse empreendimento, como diz a Jeane: "Fui a Brasília como se fosse uma empresária, fui e voltei no mesmo dia de avião, entrei em um prédio luxuoso e fui negociar um apoio ao movimento e a doação de uma empilhadeira, três caminhões baú e cem carrinhos de coleta seletiva que foram divididos com a Calçada e Lauro de Freitas. Esse trabalho para mim é muito especial, me sinto muito orgulhosa, porque catei a minha vida inteira e hoje sou uma catadora formada, profissional na minha área. Conheço o Brasil através desse meu trabalho".(informação verbal) .

Figura 7: Um dos seis caminhões baús da CAEC
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
Para Ariosvaldo, atual presidente da CAEC, eleito na Assembléia Geral de 31.03.2008, a cooperativa mudou a sua vida e a da sua família, possibilitou desenvolver-se mais o associativismo, ter uma visão mais critica, fazer valer os seus direitos de cidadão. Para ele, a CAEC possibilita uma renda estável, qualidade de vida, direito a previdência, a sentir útil para a sociedade, reanimando a sua auto-estima. Em relação ao futuro da cooperativa, acredita que com a entrada em operação da nova esteira, eles terão um ganho maior de produtividade, o que vai possibilitar a inclusão de novos associados na entidade. (informação verbal) .
O PANGEA, também, foi responsável pela formação da Rede Catabahia, liderada pela CAEC, que tem como objetivo principal organizar e fortalecer cooperativas de catadores de materiais recicláveis no estado da Bahia, beneficiando dez municípios: Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Jequié, Itapetinga, Itororó, Lauro de Freitas, Alagoinhas, Entre Rios e Mata de São João, o que contribuiu também para a melhoria da renda dos catadores, gerada pela comercialização dos materiais recicláveis em grande escala, reduzindo custos operacionais e melhorando o preço de venda. Adherbal, gerente do PANGEA, disse que o foco deles é "Organizar e fortalecer as cooperativas de catadores de lixo em vários municípios". (informação verbal) . E por isso foi criada a Rede Catabahia.
Essas participações em redes e movimentos sociais desenvolvem a visão sistêmica nos catadores do processo, não somente o olhar para a CAEC, mas o reconhecimento de que só alcançarão resultados sustentáveis por meio do entrelaçamento de forças, da mudança dos paradigmas, dos modelos mentais criados, induzidos por uma história de exploração, escravidão e ampliação das desigualdades sociais, ratificado pelo Art. 1º, do Regimento Interno:
Todos os cooperados cultivarão entre si e com os clientes uma relação baseada nos seguintes princípios: responsabilidade; atendimento honesto; cumprimento dos compromissos assumidos com qualidade e pontualidade; transparência dos atos e procedimentos; e zelo pelo bem estar de todos.
O PANGEA tem uma importância muito grande na vida desses cooperados que confiam demasiadamente na condução da assessoria deles na CAEC, como afirma o catador Genivaldo: "A sociedade olhava para nós com olhos maus. A gente se sentia mal como a gente vivia antes. O PANGEA tirou a gente da escuridão. Hoje, a gente trabalha e sabe como gastar" (informação verbal) , possibilitando a autonomia dos catadores, contribuindo com a formação do Capital Humano, fortalecendo a confiança nos valores de cada um e o sentimento de pertença à cooperativa, como demonstrado pela catadora Sônia, que costuma se expressar "Temos hoje a possibilidade de contratar os nossos técnicos"[...] . (informação verbal) .
A CAEC hoje já é uma referência nacional dentre as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, reconhecida com diversas premiações: Prêmio Nacional CEMPRE Coleta Seletiva, 2004, como a melhor Cooperativa do Nordeste, um dos mais importantes no setor de Reciclagem e Coleta Seletiva; Concurso Nacional Ministério das Cidades/Secretaria de Saneamento Ambiental, selecionado dentre as experiências mais bem sucedidas em educação ambiental para o saneamento; Prêmio Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES-BA), 2006, 1º lugar Excelência em Gestão dos Resíduos Sólidos; Prêmio Empreendedor Social da Ashoka Mckinsey, 2006.
A Residência Social pautou-se na observação, nas entrevistas não estruturadas com diversos cooperados, participação em todas as reuniões realizadas durante o período, análise dos materiais, como vídeos, estatuto social e regimento interno, e conversas informais, que contribuíram para percebermos que os cooperados sentem-se parte da cooperativa e que só alcançaram a sustentabilidade com a união de todos como bem expressa o Sr. Cícero, membro do Conselho de Ética, "A CAEC é um símbolo na minha vida e na dos meus companheiros. Porque eu só sou alguma coisa junto com eles", e a Jeane, liderança do Movimento Nacional, "Aqui dentro da CAEC hoje nós somos uma família, agente pode brigar, mas ao mesmo tempo agente se ama e a causa é de todos". (informação verbal) .
O mais importante na CAEC foi perceber que desde a sua criação as pessoas são os valores reais, capazes de mudar, são pessoas que fazem e, por isso, acreditamos, a cada ano a Cooperativa tem crescido, evoluído, ampliado a sua participação no mercado e alcançando resultados econômicos, sociais e ambientais sustentáveis. A Joselita Cardoso, primeira presidente da CAEC dizia em um dos vídeos assistidos: "O mais importante foi o resgate da cidadania e o reconhecimento da categoria como uma profissão digna. A sociedade não se interessava pelo nosso trabalho nem em nós como seres humanos". (informação verbal) .













6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
"O mercado de coleta seletiva possibilita o resgate de vasta gama de pessoas que estão à margem de qualquer situação de empregabilidade. É importante construir um arco de parcerias:iniciativa privada, poder público e sociedade civil" (Antonio Bunchaft ? PANGEA)
O foco da nossa residência pautou-se na análise de como o capital social, humano e cultural constituem fatores essenciais para o desenvolvimento de pequenos empreendimentos, em especial na Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava, composta por catadores do antigo lixão de Canabrava, bairro de Salvador ? BA.
De acordo com a literatura atual, as discussões acadêmicas e os cientistas sociais, o capital social representa o fator endógeno das comunidades e, portanto, imprescindíveis para que ocorra o desenvolvimento sustentável.
A CAEC, desde o seu início promove a formação desse capital social que se constitui na sua fortaleza e no seu sucesso, comprovado pelos diversos depoimentos em entrevistas que fizemos e nas observações em diversas reuniões da cooperativa, como o depoimento de Jeane, liderança do Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis, carregado de senso de iniciativas coletivas, do pensar no bem-estar do outro, de solidariedade e confiança:
"O catador dentro da cooperativa tem a dignidade, ele é um cidadão, ele tá junto com a sociedade e o catador desorganizado não sabe disso, porque ele cata todo dia aquele pouquinho, só cata para comer. Chega na mão do atravessador com 1Kg de plástico PET, que é equivalente a R$ 1,00 ou R$ 0,90 e vende a R$ 0,15 ou R$ 0,20, isso é que é a exploração da cadeia produtiva dos materiais recicláveis. O movimento existe pra isso, para que essa liderança vá buscar a organização dos outros catadores de rua ou do lixão. Que é difícil porque eles não acreditam na capacidade do catador [...]. Nosso papel no movimento é esse: é plantar a sementinha nesse catador de que ele pode ser uma pessoa organizada, trabalhando no mesmo material reciclável, mas com organização, com cidadania, com seu equipamento individual de fardamento, de segurança no trabalho". (informação verbal) .

Figura 8: Jeane e Sr. Cícero (articuladores do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis da Bahia) na Assembléia Geral para eleição da nova diretoria.
Fonte: Pesquisa direta, 2008.
A cooperação e a confiança são indutoras da transformação social, como percebemos na fala da Jeane (2008, informação verbal), ratificado por Canterle (2004):
A cooperação passa a ser a força indutora que modifica comportamentos e abre caminhos para incorporar novos conhecimentos, criando um tecido flexível mediante o qual se enlaçam distintos atores, produzindo um todo harmônico culminando no estabelecimento de uma comunidade de interesses em uma estrutura que deve ser ajustada para refletir os padrões de comunicações, inter-relações e cooperação, reforçando a identidade do associativismo e a dimensão humana.
A realização da CAEC envolveu diversos atores sociais que se entrelaçaram, constituindo uma Rede de ações positivas, para a construção dessa cooperativa, que tem hoje uma base sustentável: terceiro setor, poder público, iniciativa privada, sociedade civil e os próprios catadores.
O capital humano compõe a base do capital social, são as pessoas com seus conhecimentos, habilidades e atitudes, porém, eles não se constituem nos meios para se atingir os fins do desenvolvimento, mas devem se constituir no objetivo final do desenvolvimento, assinala Kliksberg (2003), que tem a ver com a ampliação de oportunidades reais dos seres humanos de desenvolver suas potencialidades.
Dentro desse enfoque, a capacitação foi o fator principal na formação da Cooperativa, foi a partir do fortalecimento do capital humano, por meio de cursos, seminários, palestras, atendimentos psicológicos etc. que se materializou um sonho dos catadores que viviam apartados, marginalizados pela sociedade, como se eles não existissem, ratificado por Jeane, catadora: "O catador quando está organizado ele passa a ser uma empresa e o catador na rua é marginalizado, pois as pessoas tratam como se ele fosse o próprio lixo." (informação verbal) .
O capital social, então, compõe essas relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação e podem contribuir para três tipos de benefícios: reduzir os custos de transação, produzir bens públicos e facilitar a constituição de organizações de gestão de base atuantes, de atores sociais e de sociedades civis saudáveis.
Esses fatores percebemos na CAEC, que com a composição da Rede Catabahia potencializou os resultados das cooperativas vinculadas, reduzindo custos e ampliando a renda gerada, incentivou a participação de seus cooperados nos movimentos sociais, para que exercessem a cidadania, crescessem como pessoas.
Para Kliksberg (2003), o capital social e a cultura são componentes-chaves dessas interações, pois são constituídos de pessoas, com seus valores, que pertencem a famílias a grupos, com suas tradições e visões da realidade, que constituem sua própria identidade.
Na CAEC essa identidade é construída pelo somatório dos catadores, pois só participa da CAEC catadores de raiz, indicados pelos próprios cooperados, e que participam de capacitações para conhecer a história e as regras constituídas, em uma constante troca de conhecimentos. O que coaduna com a visão de James Joseph (1998) apud Kliksberg (2003) de que o capital social desempenha um papel importante ao estimular a solidariedade e superar as falhas do mercado através de ações coletivas e uso comunitário de recursos.
O capital humano e o capital social são a base para se constituir o desenvolvimento sustentável, seja nos pequenos empreendimentos como em comunidades, territórios, nações, permeados pelo capital cultural que direciona as ações, por meio dos valores constituídos, fator decisivo para a coesão social. Esses fatores mobilizam as ações desenvolvidas dentro da CAEC, em uma experiência que cultivam o poder das inter-relações, do crescimento conjunto e do desenvolvimento da auto-estima, percebidos nas atitudes dos cooperados, como bem expressa Sônia (informação verbal) :
Eu acredito na cooperativa e hoje estou aqui na CAEC. As pessoas me respeitam, pegam na minha mão, me abraçam e beijam no meu rosto, não sou mais lixeira, "comedeira" de lixo. Hoje somos agentes ecológicos, trabalhamos para ajudar o meio ambiente, tenho muito orgulho do que faço.
O sistema cooperativista se apresenta como uma alternativa de organização dessas pessoas que estão à margem da sociedade de consumo, com a construção do pensar coletivo, melhorando a qualidade de vida e desenvolvendo o empreendedorismo, formando uma nova identidade de economia, a solidária, contribuindo esses "excluídos" a alcançar a sustentabilidade, a dignidade e a cidadania.


Figura 9: Cooperados da CAEC
Fonte: PANGEA, 2006.
A perspectiva técnica é fundamental para a sustentabilidade institucional, conforme afirmam Nascimento, Marinho e Santos (2001) apud Santos (2005, p.67):
O fortalecimento da perspectiva técnica da sustentabilidade institucional implica a assunção de novos modelos de administração baseados na premissa de se pensar a organização estrategicamente, dos quais fazem parte os processos de legalização, gestão dos recursos financeiros, elaboração e implementação de planejamentos estratégicos, busca de novos e diversificados recursos que viabilizem as ações programáticas, gestão transparente dos recursos captados e constituição de um fluente mecanismo de visibilidade e comunicação da ação institucional com o conjunto da sociedade onde as organizações estejam inseridas, ou com a qual pretendam dialogar.
O PANGEA, ONG incubadora, contribui, por meio de um processo educativo constante, para que a Cooperativa produza a sua autonomia e independência, com a participação de um técnico responsável garantindo suportes para os cooperados. Esse processo de incubação constitui o suporte para a garantia da sustentabilidade da CAEC, propiciando o desenvolvimento institucional permanente com agregação de novos serviços.
Armani (2006, p.1) argumenta que é importante a participação em processos coletivos para a sustentabilidade das ONGs:
É importante que, na luta pela sustentabilidade as ONGs se engajem em processos coletivos de diálogo e ação política, visando influenciar os marcos legais, políticos e operacionais de apoio a ONGs vigentes e julguem criteriosamente as possíveis implicações de cada oportunidade de financiamento para a sua autonomia.
A CAEC possui três cooperados que estão vinculados ao Movimento Nacional de Catadores e Materiais Recicláveis, participando ativamente dos Fóruns de discussões, influenciando nas decisões políticas, mobilizando outros catadores a se organizarem e lutarem pela categoria, ampliando a oportunidade de financiamento para a sua autonomia.
Alguns requisitos são importantes também para a sustentabilidade desses empreendimentos. Armani (2006) comenta sobre os avanços das discussões sobre esse tema, que é muito mais ampla do que exclusivamente a dimensão financeira e muito diferente do alcance da auto-sustentação. Armani (2006) estabelece que a capacidade para obter receitas próprias de forma regular e permanente, juntamente com a capacidade de acessar fontes de financiamento públicas, privadas e não-governamentais nacionais e internacionais, resultará na sustentabilidade financeira, contribuindo para que as ONGs se preparem institucionalmente.
Além disso, a organização deve ter um projeto de desenvolvimento institucional permanente, possibilitando a capacidade institucional de interagir criativamente, de forma a manter-se a relevância social e fortalecer-se a credibilidade da organização, a capacidade de reinventar-se, de articulação e credibilidade (ARMANI, 2006).
As parcerias já realizadas, mais de 250, demonstram essa capacidade de articulação e credibilidade, de organização da CAEC. A ampliação de novas atividades produtivas coaduna com a capacidade criativa, de re-inventar-se.


7 CONCLUSÕES
"Eu tinha vergonha dos meus próprios parentes. Uma vez eu estava no bairro de Sussuarana catando e estava debruçada em uma lixeira, quando levantei o rosto vi uma de minhas primas que moravam no bairro e me escondi atrás da lixeira, fiquei abaixada e só depois que passou me levantei. Desse dia para cá não voltei mais lá. Era um ponto bom em que o mercado jogava as coisas fora para eu levar para casa, mas eu nunca mais fui lá porque tinha vergonha de minhas primas me ver naquele local". (Sônia Santos ? presidente da CAEC).
O contexto que envolveu o processo de construção da CAEC, bem como o impacto que esta experiência representa para os atores centrais no processo são transmitidos por meio de depoimentos dessas pessoas que viveram esta história de conquistas, contada, muitas vezes, com muita angústia, mas também com um sentimento de vitória e alegria por ter alcançado os resultados atuais de uma classe que está se fortalecendo, se firmando, por meio de um resgate e valorização da sua própria cultura ? trabalhar como catadores ? porém com mais dignidade.
Nesses depoimentos, cercados de um lado por uma "anti-nostalgia" ao se referir a um tempo que não gostariam mais de reviver, verificou-se o quanto a CAEC representa na vida de cada um dos catadores. Percebeu-se que o fortalecimento de uma cultura cooperativa e solidária, com uma visão de sempre agregar mais outras pessoas, os mantêm coesos, com sonhos de crescimento e renovação.
A partir dos resultados obtidos por meio da Residência Social, onde empregou-se a observação simples, a entrevista não estruturada, participação nas reuniões, acesso a vídeos institucionais, fica confirmado, como explicitado no referencial teórico e na apresentação e discussão dos resultados, que a superação da pobreza, das desigualdades sociais e o sucesso dos empreendimentos só são alcançados com a participação efetiva dos atores sociais, que, em parcerias e alianças promovem a fortalecimento do capital humano e a formação do capital social, fatores imprescindíveis para a transformação social.
A dificuldade do PANGEA inicialmente foi em conquistar a confiança dos catadores que, de mais de cem pessoas inicialmente convidadas a participar apenas 48 acreditaram na proposta e conquistaram o crescimento pessoal.
A CAEC representa para essas pessoas o bem-estar social e pessoal, a segurança alimentar individual, coletiva e de suas famílias e a base para que elas continuem crescendo, se desenvolvendo e contribuindo para que outros catadores possam usufruir dos benefícios que hoje eles conquistaram.
Além dos ganhos econômicos, nota-se também um ganho de consciência ambiental presente no próprio discurso e na atitude dos catadores. Existe uma nova relação com o material com o qual trabalham, isto é resultado do curso de capacitação onde aprenderam a importância de preservar a natureza, transformando-os de "badameiros" para "agentes ambientais".
No início na CAEC, a importância da consciência ambiental era utilizada pelos catadores como argumento para consolidar novas parcerias e convencer sobre a importância de separar o lixo para a reciclagem, constituindo nos primeiros ganhos econômicos da Cooperativa.
O capital social na CAEC está sempre em processo de formação, os catadores se mobilizam, em um constante aprendizado de cooperação e solidariedade. O individualismo era fortíssimo no início, porém, as sensibilizações e capacitações, contribuíram para o fortalecimento do capital humano e propiciaram o sentimento de agregação. Observou-se que o maior fator de sucesso nesse processo é a visão de sempre estar agregando novos cooperados, melhorando a qualidade de vida de outras pessoas que passam a viver com mais dignidade, contribuindo para a criação de outras cooperativas, por meio do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e a organização de outros catadores. A CAEC Salvador serve de modelo para as demais localidades.
Nesse sentido é importante destacar o compromisso das pessoas envolvidas e sua crença numa causa mesmo nos momentos de dificuldades provocadas pelo preconceito, repressão e incompreensão dos dirigentes do setor público em épocas anteriores. A Rede Catabahia é um fato concreto, liderada pela CAEC, possibilita um maior ganho econômico, agregação de novos parceiros e fixação da Cooperativa no mercado de recicláveis.
As articulações com os diversos parceiros governo, privado e terceiro setor são iniciadas pelo PANGEA, ONG incubadora, mas sempre com a participação dos cooperados, em um constante processo educativo. Os cooperados são respeitados e convidados a participar de seminários e outros eventos para divulgar as ações desenvolvidas pela CAEC, o que possibilita, também, a ampliação das parcerias. Os prêmios recebidos demonstram esse reconhecimento.
Existe, ainda, devido, principalmente, ao baixo grau de escolarização dos cooperados, uma dependência do PANGEA nas responsabilidades administrativas, operacionais, comerciais e institucionais, porém a financeira já está no processo de autogestão, os próprios cooperados acompanham as entradas e saídas de recursos e movimentam as contas correntes e aplicações financeiras, havendo apenas um acompanhamento do PANGEA por meio do gerente operacional.
Dentre as características da CAEC, que reforçam o entendimento sobre a correlação do sucesso do empreendimento a permanente construção de capital humano, social e cultural, destaca-se mobilização coletiva, vínculo dos associados a sentimentos comuns, apoios institucionais públicos e privados, atividade econômica inclusiva e associação a movimentos sociais.
O desenvolvimento da CAEC pautou-se no fortalecimento da organização social desse agrupamento humano, que estava completamente enfraquecido e desintegrado, melhorando a qualidade de vida de cada catador, elevando a auto-estima, agregando valores aos produtos, que antes eram comercializados pelos atravessadores, possibilitando um ganho de, no mínimo, R$ 450,00/mês.
Há uma ligação muito forte do conceito de sustentabilidade à captação de recursos financeiros, principalmente nestes empreendimentos solidários, o que ocorre também na CAEC e entendem que para garantir a sustentabilidade é imprescindível garantir a obtenção dos recursos financeiros. O foco no mercado também retardou o processo de autogestão nas outras responsabilidades da Cooperativa.
Percebemos que há uma diferenciação entre os cooperados que iniciaram a CAEC, que participaram das diversas capacitações propostas pela metodologia de incubação do PANGEA e os atuais que vivenciam, em apenas um mês, de capacitações que são disseminadas pelos próprios cooperados. O que se configura, na nossa percepção, na grande dificuldade da conquista da autonomia e autogestão, base da Economia Solidária.
A CAEC hoje, não é mais apenas uma Cooperativa de Catadores, mas também está iniciando o seu processo de industrialização de garrafas PET e envasamento de água sanitária, contribuindo para que novos catadores possam ingressar na Cooperativa.
Os capitais humanos, sociais e culturais representam os eixos centrais da Estratégia Negocial de Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS). O capital humano contribui na implementação de planos de DRS disponibilizando pessoas com habilidades e competências desenvolvidas. Esse mesmo capital humano, organizado e fortalecido, resulta em capital social, mediante mobilização em torno de objetivos comuns.
O PANGEA foi o ator principal nessa formação do capital humano e social da CAEC, capacitando os catadores, organizando-os em cooperativa, com elaboração do Estatuto Social, do Regimento Interno. Além disso, propiciou a aliança com parceiros estratégicos como a Fundação Banco do Brasil, a Petrobrás, o Wal-Mart, o Shopping Iguatemi, o Shopping Itaigara, dentre outros, viabilizando economicamente o empreendimento, estruturando uma organização social, rodiziando os catadores nos postos de diretoria, fortalecendo as inter-relações e a própria dinâmica cultural.
A questão da sustentabilidade perpassa não somente pelas questões econômicas, mas principalmente pelo fortalecimento dos capitais sociais, humanos e culturais que envolvem os empreendimentos solidários e, em particular a CAEC. Nessa ampliação de perspectivas, observamos a importância das parcerias na sustentabilidade da CAEC, construindo alianças, a partir das articulações do PANGEA, com atores sociais diversos como governo, fundações, empresas privadas, unindo esforço por uma causa social comum, mobilizando recursos diversos para o fortalecimento da CAEC enquanto empreendimento.
O processo de incubação do PANGEA fortalece, por um lado, a CAEC, desenvolvendo o capital social, impulsionando os catadores à participação em movimentos sociais, inserindo a Cooperativa na construção e consolidação de redes de relacionamento, possibilitando a agregação de parcerias e alianças, inserindo novos processos de agregação de valor, como a indústria de plástico, fortalecendo as dimensões econômica, política e social. Porém, há um fator negativo, que está imbricado no conceito de empreendimentos solidários, referente à autonomia e a capacidade de autogestão. Há uma dependência dos cooperados em relação ao PANGEA nas responsabilidades administrativas, comerciais, operacional e institucional, devido ao grau de maturidade do grupo e, principalmente, ao baixo grau de escolaridade dos catadores.
Pretendemos com esse trabalho contribuir para o meio acadêmico na pesquisa da sustentabilidade em empreendimentos solidários, vinculados aos aspectos dos capitais humano, social e cultural e a relação com as dimensões da sustentabilidade.
Os estudos quanto a esses fatores que contribuem para uma forma alternativa de economia e produção está ainda em desenvolvimento. As transformações ocorrem de forma gradual e lenta, porém com resultados consistentes.
Os empreendimentos da Economia Solidária, embora existam desde o século XIX, constituem-se em campo fértil para novas experiências e pesquisas, possibilitando a transformação social em bases de cooperação e autonomia.



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