Manoel Nilson de Lima[1]

Andréia Melquíades[2]

RESUMO: O presente trabalho busca mostrar como a leitura é abordada e como ela deve ser trabalhada, de forma a mover o aluno para a interação com o texto e não levá-lo apenas ao mapeamento de informações ou mesmo à decodificação. Nessa perspectiva, levar o aluno a tornar-se leitor, um leitor capaz de ver o mundo que o cerca de forma critica e que também possa tornar a leitura um prazer, e não apenas uma maneira de busca por uma vida melhor.

PALAVRAS CHAVES: leitura, alfabetização, aluno.

ABSTRACT: This work aims to show how the reading is discussed and how it should be crafted so as to move the student to interact with the text and not just take it to the mapping of information or the decoding. Accordingly, taking the student to become a reader, a reader capable of seeing the world the way around and complains that it can also make reading a pleasure, not just a way to search for a better life.

KEY WORDS: reading, literacy, student.

Introdução

A criança percorre por vários caminhos para decifrar, ler e, finalmente escrever e é na alfabetização que ela começa o processo de leitura através das especulações sobre a utilidade da escrita e suas organizações interna e externa. É aí que também começa a desenvolver a sua leitura de mundo.

Dessa forma, a aprendizagem deve estar acima do processo de ensino, por se tratar de um ato, de certa forma, individual, sendo assim, a criança deve estar motivada a entender como funciona o sistema de escrita. É aí onde entra o papel do professor que, por sua vez, será o mediador entre o aluno e o conhecimento que deve adquirir, valorizando também o conhecimento que esta criança traz de seu contexto para o espaço escolar, para, assim, propiciar uma situação na qual esta deverá aprender o que precisar, uma vez que o processo de alfabetização realizado por meio da cartilha não conduz a criança ao letramento por não considerar o que se passa em sua mente.

Essa metodologia segue apenas uma ordem "lógica" do fácil para o difícil, inibindo o senso crítico do aluno e impossibilitando o espaço em que este poderia expor suas idéias, o que impede o professor de diagnosticar a qualidade da aprendizagem, pois o método das cartilhas apenas avalia a quantidade do que foi assimilado pelo aluno e não a qualidade.

O professor, enquanto mediador entre o seu aluno e o conhecimento que este precisa adquirir, deve conduzir o aluno a construir seus próprios conhecimentos, porém, o que acontece na maioria das vezes é o descaso, abandonando o aluno à própria sorte. O ideal é que o professor interaja com o seu aluno, identifique suas dificuldades e procure, com base nelas, uma melhor solução para desenvolver um ensino e aprendizagem de qualidade. Dessa forma, é fundamental que ele conheça a realidade de cada aluno.

Devem-se criar, no processo de alfabetização, oportunidades para desenvolver na criança, desde esta fase, o gosto pela leitura e conseqüentemente, o seu senso crítico, pois cabe ao professor a tarefa de mediar o aluno ao conhecimento que precisa adquirir.

A leitura na escola pública: o caminho para o conhecimento

Atualmente, as dificuldades de leitura vem se tornando um grande problema enfrentado pelos professores,o que vem comprometer a qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como o desenvolvimento de indivíduos capazes de questionar as informações e discursos que lhe são transmitidos e impostos pela sociedade.

O analfabetismo funcional (que corresponde ao fato de um determinado aluno, ou outra pessoa, não compreender o que lê), onde o aluno realiza apenas a decodificação de um texto, tem sido alvo de discussão e preocupação por parte dos professores.

A leitura produtiva, segundo Moita Lopes (1996) depende dos processamentos ascendentes e descendentes. O processamento ascendente se refere à decodificação dos textos, enquanto que o processamento descendente envolve os conhecimentos prévios que o leitor ativa ao ler um texto, relacionando-os a este, isto é, o seu conhecimento de mundo que corresponde às suas experiências e vivências, os quais são essenciais para a compreensão. É necessário que ambos sejam simultâneos, pois a leitura envolve processos perceptivos e cognitivos. A esse respeito, LEFFA (1996) considera o ato de ler como sendo a extração de significado do texto e atribuição de significado ao texto.

O conhecimento esquemático, isto é, o pré-conhecimento do leitor constitui o fenômeno da leitura quando acrescentado às informações do texto lido, o que, segundo Moita Lopes (1996) torna possível o significado através da interação entre leitor e autor por meio de textos. Sua visão é de uma leitura interacionista, o que está de acordo com a concepção de linguagem enquanto processo de interação social. (TRAVAGLIA, 2000, p. 23)

O espaço para leitura em sala de aula é pouco oportunizado e o ensino de gramática ainda é visto por muitos professores como prioridade no ensino da Língua Materna, o que gera sérias dificuldades para que o aluno desenvolva a habilidade de compreender o que lê e de, por assim dizer, de gostar de ler.

Durante a fase de alfabetização, a criança percorre vários caminhos para decifrar, ler e, finalmente, escrever e, para que se inicie o processo de formação de leitores capazes de compreender criticamente o que lêem é preciso conduzir o aluno a especular à utilidade da escrita e sua organização interna e externa, o que despertará desde cedo o seu senso crítico, elemento indispensável para uma prática de leitura produtiva, preponderante para se avançar da simples alfabetização para o letramento, o que minimamente ocorre durante o processo de alfabetização realizada baseada nas cartilhas. Isto se confirma nas palavras de Cagliari (1998. p. 63):

O sábio progride à medida que compara o que já fez com uma nova descoberta. A criança procede da mesma maneira. Por essa razão é importante que as descobertas parciais já feitas sejam explicitadas, registradas para que possam ir se constituindo em elementos com os quais as pessoas vão construindo o seu conhecimento a respeito do objeto que investigam e estudam.

O desenvolvimento de leitores críticos deve começar na alfabetização. Ao longo do ensino fundamental, os professores devem oportunizar situações em que o aluno relacione os textos trabalhados com o conhecimento de mundo e exponha suas idéias. As atividades não podem ser superficiais, resumindo-se aos textos do livro didático e a uma interpretação ineficaz, baseada em perguntas mapeadoras de informação, uma vez que não conduzem à percepção das entrelinhas do discurso, isto é, das intencionalidades implícitas no texto e de sua funcionalidade, pois o aluno precisa sentir que há um sentido no que estuda para que seja motivado a aprender.

Em se tratando da intrínseca relação leitura e produção de textos, sabemos que a capacidade de leitura compreensiva é fundamental para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da competência textual, pios é necessária uma ampla leitura de mundo, para a construção de enunciados coerentes e bem articulados.

O ensino de leitura é fundamental não só para a Língua Materna, mas para todas as disciplinas, pois a compreensão de textos relacionados a determinados conteúdos, são leituras imprescindíveis para ampliar o repertório do aluno. Daí a necessidade de conduzir este aluno à compreensão por meio da leitura.

As dificuldades encontradas para o alcance desse objetivo têm sua origem nas concepções de leituras aplicadas pelo professor que, segundo Kleiman (2001, p. 20-21), podem ser classificadas em três tipos:

a) A leitura como decodificação, que consiste numa atividade composta de automatismos que nada acrescentam à visão de mundo do aluno;

b) A leitura oral, que se reduz ao acompanhamento em voz alta da pronúncia, da leitura, da pontuação e acentuação, o que inibe e não estimula para a formação de leitores;

c) A integração numa concepção autoritária de leitura, que visa o alcance de uma interpretação por uma só direção, não considerando o conhecimento esquemático do aluno.

Esta terceira concepção de leitura constitui o que podemos classificar de pseudo-ensino de leitura, baseado numa análise pré-estabelecida pelo professor e pelas diretrizes do livro didático. Segundo Kleiman (2001, p. 23):

Essa concepção de leitura permite todas as deturpações já apontadas, que agora resumimos: a análise de elementos discretos seria o caminho para se chegar a uma leitura autorizada, a contribuição do aluno e sua experiência é dispensável, e a leitura torna-se uma avaliação do grau de proximidade ou de distância entre a leitura do aluno e a interpretação "autorizada". A leitura é, no entanto, justamente o contrário: são os elementos relevantes ou representativos os que contam, em função do significado do texto, a experiência do leitor é indispensável para construir o sentido, não há leituras autorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor.

A concepção de linguagem que respalda essa prática é a de linguagem enquanto instrumento de comunicação (TRAVAGLIA, 2000, p. 22).

A leitura deve ser tratada como interação, concepção mais pertinente de linguagem. Em outros termos, ao ler um texto, devem ser considerados aspectos como a intencionalidade do autor, a argumentatividade, a coesão e a coerência, a funcionalidade do texto, isto é, se é narrativa, informativa, poética, entre outros, o seu contexto de produção, bem como o contexto em que está sendo lido. As informações contidas nas entrelinhas devem ser interpretadas e compreendidas de maneira a fazer com que o aluno relacione o texto que está lendo ao seu conhecimento de mundo e vice-versa para, dessa forma, compreender o sentido como um todo, ao invés de analisar frases isoladas retiradas para exercícios de interpretação, como vem ocorrendo com freqüência.

A formação de um leitor crítico, capaz de desconstruir o sentido de um texto baseado na visão do autor e reconstruí-lo a partir de sua realidade e de seus conhecimentos de mundo, deveria ser o objetivo norteador do ensino de Língua Materna, fazendo do aluno um co-autor, um sujeito apto para reconstruir o conhecimento. A formação de usuários competentes da língua e não de meros receptores passivos de informações é conseqüência da qualidade do ensino de leitura.

Conforme Leite (IN GERALDI, 1997, p. 19):

Por outro lado, os professores de comunicação e expressão, inconformados com o bizantinismo dos programas oficiais, têm freqüentemente tentado superar, na prática, a dicotomia língua/literatura. Buscam integrar o trabalho com a linguagem em sala de aula, através da leitura ou da produção de textos que levem o aluno a assumir critica e criativamente a função do sujeito do discurso, seja enquanto falante ou escritor, seja enquanto ouvinte ou leitor-intérprete.

Notadamente, hoje, muitos professores já começaram a mudar sua prática que antes era baseada no ensino mecânico da gramática normativa, para um ensino que busca formar seres críticos, capazes de atribuir novos sentidos à leitura através das informações existentes em sua mente, ativada no momento em que percebem que há uma relação entre estas com o que está lendo, o que passa a ser fundamental para a construção do sentido, e que, constitui a complexidade do ato de leitura. Isso se confirma nas palavras de Kleiman (1989, p.13):

O processo de ler é complexo. Como em outras tarefas cognitivas, como resolver problemas, trazer à mente uma informação necessária, aplicar algum conhecimento a uma situação nova, o engajamento de muitos fatores (percepção, atenção, memória) é essencial se queremos fazer sentido ao texto.

Baseado nessas idéias concebe o leitor como um elemento ativo e em constante formação no processo de leitura. O leitor se insere no texto por meio de duas instâncias que, segundo Brandão e Michele (1997, p. 19), ocorrem nos níveis pragmático e lingüístico-semântico. O pragmático refere-se ao texto enquanto veículo de mensagens a receptores ou destinatários, utilizando estratégias que propiciam a comunicação e, numa perspectiva bakhtiniana, o destinatário se apresenta no momento em que o texto é produzido, pois é pensando nele que as estratégias são escolhidas e aplicadas. Há também a idéia de interdiscurso e interdiscursividade no texto.

O nível lingüístico-semântico, por sua vez, trata o texto como uma "potencialidade significativa", atualizada no momento da leitura, onde o leitor reconstrói o sentido por meio de pistas gramaticais, preenchendo as lacunas com seu conhecimento prévio, ou seja, no momento em que se realiza a leitura, a pessoa realiza primeiramente uma etapa de expansão dos sentidos para, em seguida, selecionar os sentidos que são adequados e pertinentes. Para isso, o aluno deve ser estimulado a utilizar seus conhecimentos gramaticais para melhor compreender o texto que está lendo, visto que sinais de pontuação, bem como outros aspectos estruturais também constituem pistas de leitura, auxiliando na compreensão.

Todavia, há quem defenda que no processo de leitura e compreensão de texto, as habilidades e capacidades leitoras dependem de quem o lê. Nessa perspectiva, "cada leitor é, quando lê, o próprio leitor de si mesmo" (PROUST apud COMPAGNON, 2006). Corroborando com essa idéia, Silva (2005) vai mais além, ao destacar que "leitor e texto, reagem entre si, num processo de interação para formar um terceiro elemento, que é a compreensão".E em se tratando de compreensão, COMPAGNON (2006) diz: "o sentido é, pois, um efeito experimentado pelo leitor, e não um objeto definido, preexistente a leitura". Ou seja, os elementos internos e externos ao texto unidos ao leitor resultam na interpretação do que é lido, segundo o que afirma Lang (2007 p. 04):

Observa-se que o texto possui certo volume de dados e informações, pode ser mais ou menos explícito, isto impacta em sua compreensibilidade. Quanto mais dados e informações contiver ou menos explícito for o texto, exigirá mais atenção, concentração e um volume maior de correlações por parte do leitor. Assim, diante de um mesmo texto, é possível ter uma interpretação diferenciada, pois esta dependerá da visão do leitor; o que pode ser óbvio para um, poderá ser de extrema complexidade para outro.

Em outras palavras, o ensino de leitura deve buscar a construção/formação de leitores críticos, ao invés de apenas torná-los passivos no sentido de apenas relatarem o que leram mediante cobranças para aplicação de notas.

Portanto, ler, na acepção da palavra, é uma tarefa que requer rupturas com o ensino behaviorista, baseado em estímulos para obtenção de respostas, bem como com o comprometimento com a formação de indivíduos capacitados a exercer a cidadania e criticar os discursos que lhe são impostos.

Considerações Finais

Ao final deste trabalho, podemos nos perguntar o porquê da leitura continuar sendo um obstáculo, ao invés de ser a solução para a aprendizagem. Certamente porque a escola continua exercendo seu papel de aparelho ideológico reprodutor das relações sociais de dominação, para o qual o surgimento de leitores críticos, capazes de compreender as raízes históricas das contradições é perigoso. Nesse sentido, a escola no seu âmbito educacional tem contribuído com uma concepção escolar de leitura que não permite o professor modificar a idéia de leitura como superação, ou seja, os alunos de níveis sociais menos favorecidos vêem a leitura como um meio de ascensão social e por essa razão também não admite mudanças na maneira de como aprender a ler (ZILBERMAM, 2005).

A criticidade seria uma força provocadora de indesejáveis mudanças. Daí a necessidade de o ensino de Língua Materna e de outras disciplinas continuarem a formar decodificadores e repetidores de estímulos.

O objetivo norteador do ensino de Língua Materna deveria ser a formação de usuários competentes da língua nas mais variadas instâncias de comunicação, de leitores-intérpretes, críticos e capazes de tomar posicionamento diante de discursos opressores e alienadores. Porém, isso raramente ocorre em nossas escolas, tanto pela formação contrária que os professores receberam em sua formação para estimular o conformismo e a ignorância, como, muitas vezes, por assujeitamento ideológico às autoridades educacionais e governamentais, apesar de saberem fazer diferente.

Ficamos, assim, com um grande desafio: o de como romper com as amarras que impossibilitam um ensino produtivo do Português. Precisamos objetivar rupturas com o ensino behaviorista e, através de uma prática de ensino de leitura crítica, formar cidadãos que questionem os discursos impostos pela classe dominante e que usem a linguagem para expressar suas insatisfações e reivindicar seus direitos por meio de textos orais ou escritos, realizando um trabalho respaldado numa perspectiva sócio-interacionista da linguagem.

Referências Bibliográficas

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KLEIMAN, A. Descrevendo a leitura. In: Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989;

_________A concepção escolar de leitura. In: Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 2001;

LEITE, L. C. M. In: GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997;

MOITA LOPES, L. P. Oficina de lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996;

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 2000.

ZILBERMAM, R. EZEQUIEL, T.S (Org). Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 2005.

COMPAGNON, A.O leitor. In:_____. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006, p. 139 - 164.

LANG, Jeter; ZANCHETT, Ricardo; DOMINGUES, Maria José Carvalho de Souza.Compreensão de leitura a luz do teste cloze: comparação entre ingressantes e concluintes do Curso de Administração. Disponível em: <http:// www.convibra.com.br/2007/congresso/artigos/293.pdf/ >. Acesso em 21.nov.2008.

LEFFA, V.J. Aspectos da leitura. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1996.



[1] Manoel Nilson de Lima é aluno do Curso de Especialização em Lingüística Aplicada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

[2] Andréia Melquíades é aluna do Curso de Especialização em Lingüística Aplicada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.