A Ética na Enfermagem e sua Relação com Poder e Organização do Trabalho

INTRODUÇÃO
No nosso entender, a prática profissional do enfermeiro deve prender-se à assunção da função gerencial centrada na assistência ao paciente, a qual será norteada pela compreensão e pelo conhecimento do paciente como pessoa, e de suas necessidades específicas. Este conhecimento orientará as ações do enfermeiro no sentido de implementar a assistência de enfermagem que os pacientes necessitam. Assim compreendido, este exercício gerencial reside na gerencia da assistência de enfermagem, além de envolver a implementação das ordens médicas e as expectativas da organização hospitalar, uma vez que todo serviço administrativo é fundamentalmente interdependente, o que significa complementaridade e interrelação, e não apenas o manuseio de tráfegos de influências e de adaptações de dependência.
O trabalho em si do enfermeiro, pela sua própria natureza e características, comumente comporta o enfrentamento de situações de sofrimento pelos clientes, relacionadas às perdas, doença, frustração e morte, podendo constituir-se em fonte de sofrimento aos trabalhadores que o executam. A situação dos clientes de necessitarem do saber dos profissionais de saúde, comumente pode representar sofrimento, dor, dentre outros sentimentos, reforçando o premente compromisso dos profissionais de saúde, de respeito aos direitos dos clientes, da permanente necessidade de reconhecimento da sua condição humana. Porém, contraditoriamente, o trabalho da enfermagem pode ser percebido como extremamente prazeroso, quando possível de ser realizado, na dependência dos resultados obtidos e, também, por atender às necessidades que os trabalhadores da enfermagem têm de se sentirem úteis e de quererem ajudar. Nesse sentido, parece relevante destacar que "sentir-se útil" e "querer ajudar" pode constituir-se em condição necessária para atuar na área da saúde/enfermagem, porém sem ser suficiente.
Já a organização do trabalho na enfermagem e na saúde, entendida como "de certo modo, a vontade do outro", pode constituir-se em fonte maior de sofrimento para os trabalhadores de enfermagem, estando relacionada ao exercício de poder dos múltiplos atores envolvidos nas instituições de saúde. Portanto, falar em poder significa falar em exercício de poder, em poder numa concepção relacional, cuja existência depende de uma multiplicidade de pontos de resistência. É relevante destacar que uma relação de poder necessita ser entendida como uma ação não sobre os outros, mas uma ação sobre a ação dos outros, sejam reais ou possíveis. Assim, uma relação de poder não pretende a destruição do outro nem a sua anulação, já que se fechariam todas as possibilidades relacionais, mas a sobrevivência do outro como um sujeito de ação é fundamental para que a relação de poder se sustente e se mantenha, possibilitando respostas, reações, construções.
Uma nova economia das relações de poder requer o uso de formas de resistência contra o uso de formas de poder. Numa perspectiva foucaultiana, então, só é possível efetivarem-se relações de poder entre sujeitos livres, capazes de resistir, de exercer forças contrárias, já que, na ausência dessa liberdade, se teriam relações de dominação e não de poder. Assim, falar em poder necessariamente requer que se fale em formas de resistência, pois "o poder necessita de resistência como uma de suas condições fundamentais de operação". É por meio da articulação de pontos de resistência que o poder se espalha pelo campo social. Porém, é por meio da resistência que o poder é rompido. A resistência é, ao mesmo tempo, um elemento de funcionamento do poder e uma fonte de perpétua desordem. Nesse sentido, se a organização do trabalho é, de certo modo, a vontade do outro, submeter-se ao modo como o trabalho está organizado pode significar submeter-se ao exercício de poder do outro, à vontade do outro, aceitar, não resistir.
Dessa maneira, é importante destacar que o modo como o trabalho da enfermagem e da saúde está organizado tem implicações para os trabalhadores e para os clientes assistidos e cuidados, no que se refere aos sofrimentos que poderiam e necessitariam ser evitados. No Brasil, têm sido denunciadas, sob diferentes abordagens, dificuldades enfrentadas pelas enfermeiras, no seu cotidiano de trabalho, representadas por baixos salários, duplo emprego com longas jornadas, condições inadequadas de trabalho, precariedade de recursos materiais, insuficiência de recursos humanos, relações desrespeitosas na equipe de saúde e de enfermagem, dentre outros, relacionadas à organização do trabalho, sem que o sofrimento moral e as implicações éticas decorrentes tanto para os trabalhadores como para os clientes estejam sendo focalizados ou, no mínimo, suficientemente estudados.
Assim, apresentamos esta reflexão, com o objetivo de explicitar relações entre a organização do trabalho da enfermagem, principalmente no âmbito hospitalar, as relações de poder aí presentes e sua dimensão ética. Inicialmente, apontamos evidências de sentimentos de sofrimento moral dos trabalhadores de enfermagem, associadas ao modo como o trabalho da enfermagem vem sendo organizado e implementado nos diferentes espaços, e as conseqüentes situações de desrespeito vivenciadas, seja pelos próprios trabalhadores como sujeitos, seja pelos clientes por eles assistidos, pelo desrespeito aos seus direitos. Desse modo, a dimensão moral da prática de enfermagem é abordada, associando-se à possibilidade de exercício de poder dos seus trabalhadores para o enfrentamento dos múltiplos problemas morais vivenciados no cotidiano do trabalho.

AÇÃO GERENCIAL DO ENFERMEIRO: IMPORTÂNCIA DOS VALORES DA PROFISSÃO, DO CÓDIGO DE ÉTICA E DOS DIREITOS DO PACIENTE

Acreditamos que as tais razões devem estar presentes no cenário da ação gerencial do enfermeiro, levando em conta sua própria atuação, bem como a dos integrantes da equipe de enfermagem, uma vez que o exercício legítimo da praxis de alteridade implica, necessariamente, no livre consentimento do paciente. E mais, esta conduta estabelece mútuas responsabilidades: a do profissional de enfermagem e a do paciente. Esta interação, então, confere uma nova atitude prática mais condizente com a nossa visão e com a nossa época, tão desejosa de relacionamento adulto, personalizado, igualitário e justo! Nesse sentido, reiterou-se a importância dos valores compartilhados, sob alegação de que qualquer estratégia será vazia de significado se não considerarmos a relevância das aspirações e das crenças compartidas entre o enfermeiro e a equipe de enfermagem. Os enfermeiros podem assumir responsabilidade pela promoção e proteção de valores, os quais são utilizados na condução do trabalho, na tomada de decisões, ao mesmo tempo que oferecem uma estrutura para dar suporte à autonomia do trabalhador.
Tratando da ética no contexto gerencial do enfermeiro, em nível hospitalar, não podemos deixar de mencionar alguns dos princípios constantes do Código de Ética do Hospital Brasileiro, aprovado em 1985 pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados:
- "o bom funcionamento do hospital envolve responsabilidades específicas, concernentes à dignidade do paciente, em todos os estágios da sua internação; ao seu direito de determinar o que deseja ou aceita; à defesa da sua vida e à promoção da sua saúde...
- o quadro de pessoal e o corpo clínico do hospital devem ser: suficientes para a prestação dos serviços a que se propõem; plenamente habilitados, do ponto de vista profissional; e conscientemente motivados pelos compromissos éticos em relação ao paciente. Nessas condições, a administração respeitará integralmente a competência específica dos profissionais incumbidos do atendimento dos pacientes, e a responsabilidade correlata pelas prescrições que fizerem...
- o paciente e/ou seu responsável legal têm direito irrestrito a toda informação referente à sua saúde, ao tratamento prescrito, às alternativas disponíveis e aos riscos e contra-indicações implícitas em cada uma destas. É reconhecido ao paciente o direito ¾ igualmente irrestrito ¾ de recusar determinado tratamento".
O cliente, ou seu responsável, tem "o direito de saber todos os dados a respeito do seu corpo, de sua saúde ou de sua doença, uma vez que esse corpo, essa saúde e inclusive a doença lhe pertencem, e não ao médico"(14). O paciente permite e autoriza o médico ou o profissional de saúde a lidar com ele, mas não lhe concede o direito de decidir por ele.
No ambiente hospitalar, os enfermeiros, mais do que qualquer outro profissional da saúde, têm freqüentes oportunidades de facilitar e manifestar o respeito pelos direitos dos pacientes. Como líderes de equipe, ou seja, assumindo a liderança da assistência prestada ao paciente, os enfermeiros são a fonte principal de contato pessoal, íntimo e contínuo com os pacientes, não obstante seu envolvimento com a tecnologia e com a burocracia hospitalar. São eles os responsáveis pela implementação do cuidado a cada paciente, individualmente, o que lhes confere oportunidade de orientá-lo e de prestar-lhe informações completas, precisas e verdadeiras sobre os procedimentos que os integrantes da equipe de enfermagem, ou outros profissionais da saúde, desempenharão com ele e para ele.
Mas, para que o enfermeiro consiga promover o paciente como sujeito e protagonista de seu cuidado e tratamento é preciso que este apresente condições de participação, ou seja, habilidade de comunicar-se e de compreender informações e habilidade de raciocinar e deliberar sobre sua escolha, segundo seu próprio conjunto de valores e metas. Em países de terceiro mundo, o esforço do enfermeiro no sentido de promover a participação do paciente é maior, porque grande parte deles não apresenta as referidas condições.
Finalizando, cabe acrescentar que, em relação ao consentimento, a literatura ilustra problemas enfrentados por enfermeiros, onde encontra-se registros de que a preocupação dos enfermeiros com o consentimento informado para a prática médica desvia o seu foco de atenção, que deve estar dirigido para a importância do consentimento do paciente para a prática de enfermagem. E se os pacientes têm o direito de recusar tratamentos médicos ou cirúrgicos, o mesmo se aplica para intervenções de enfermagem.

RELACIONANDO ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, PODER E ÉTICA NA ENFERMAGEM

Na investigação da gênese do prazer e sofrimento no trabalho da enfermagem, como uma contribuição à sua organização, foi constatada a expressão de sentimentos de prazer associados às demonstrações de valorização do trabalho da enfermagem, bem como à convivência profissional em um ambiente de trabalho harmonioso, pautado por respeito mútuo, compreensão e relacionamento cordial. Já sentimentos de sofrimento foram associados à mágoa, diante das avaliações de seu trabalho, sem considerar as condições em que é realizado; à permanente busca de melhores condições de trabalho; à necessidade de cumprir o que reconhecem como incoerências administrativas, quanto a rotinas, normas e punições; à impotência, culpa e medo, diante da impossibilidade de executar o que consideram como o correto e de manifestar movimentos de resistência explícita, frente ao risco de punição; à angústia e preocupação em usar equipamentos e aparelhos avariados; à falta de respeito de médicos, exacerbada em situações de emergência, conduzindo a um clima de intranqüilidade e pavor, dentre outros.
Na tentativa de conhecer como vem ocorrendo o respeito aos direitos dos pacientes, em uma instituição hospitalar, foram evidenciados sentimentos de culpa nas enfermeiras, pelas ações de cuidado não realizadas. Frente às condições inadequadas de trabalho enfrentadas no cotidiano do trabalho, pareceu mais evidente a defesa da instituição por essas profissionais e não o esclarecimento do cliente. Enfim, foi possível constatar a negação pelas enfermeiras do direito do paciente à informação, pelo medo de represálias e punições, por parte da chefia e da administração da instituição.
Por sua vez, a "cultura do silêncio", no trabalho da enfermagem, foi denunciada como geradora de uma aparente harmonia e de um ambiente politicamente correto, favorecendo a convivência cotidiana dos trabalhadores com o erro e a negligência, com sentimentos de medo e impotência, diante do reconhecimento da necessidade de denúncias. "Negligências superficiais e corriqueiras" com a exposição de pacientes a riscos, associada à administração de medicamentos com dosagem errada pela inelegibilidade da letra da prescrição; e/ou com concentração incorreta de medicamentos enviados pela farmácia, dentre outros, denotam a falta de respeito tanto pelo cliente como pela enfermagem, que parece optar por um papel de "protetora" da instituição e dos demais profissionais, não se assumindo como defensora de seus direitos.
Sentimentos de sofrimento e culpa decorre da sua percepção de conivência por não oferecerem os cuidados básicos e indispensáveis a uma morte entendida como digna. Frente às manifestações de dor do paciente, o medo da possível reação do médico ao questionamento da sua prescrição de medicamentos contribui para o recuo dos trabalhadores de enfermagem e para a desistência de qualquer intervenção e movimento de reação e resistência, sentimento que parece ser superado em situações de risco de vida do paciente.
Nessas situações retratadas, é possível constatar evidências não apenas de sofrimento, mas de sofrimento moral por parte dos profissionais da equipe de enfermagem tanto pelo desrespeito e até pela negação da sua condição de sujeitos, pela necessidade de negação e omissão de seus valores, crenças e saberes, quanto pelo potencial presente de desrespeito e negação dos próprios clientes atendidos por essas equipes e dos seus direitos como cidadãos. Deste modo, é possível, também, confirmar que a prática de cuidados de saúde é uma atividade moral, já que o modo como os profissionais desempenham seu papel tem implicações morais(10) para os múltiplos sujeitos envolvidos, principalmente pelas diferentes relações de forças, de poder, de múltiplas desigualdades sociais, culturais, de linguagem, de saber, dentre outras, aí presentes.
Assim, quando os profissionais de enfermagem aceitam trabalhar em precárias condições, em condições organizacionais em que não podem realizar o que aprenderam a acreditar e valorizar e/ou não realizam o que podem e devem realizar, estão negando a si a oportunidade de assegurar respeito para si e para a sua profissão e, principalmente, falhando em assegurar respeito e os cuidados necessários aos seus pacientes. É, então, possível questionar: que impacto tem esta situação na relação profissional enfermagem-paciente? Os pacientes têm conhecimento de que os seus cuidados não são adequados? Têm conhecimento de que estão sendo desrespeitados? As profissionais estão conscientes da relação entre o modo como o trabalho de enfermagem e de saúde está organizado e a sua participação ou não nessa organização, a negação de si, da sua condição de sujeitos e, principalmente, a negação dos direitos dos pacientes? Finalmente, quem se beneficia de tais relações de poder? Como essas profissionais vêm cuidando dos clientes?
O olhar para o cotidiano do trabalho da enfermagem pode representar uma fonte extremamente rica de problemas e questões, cujo enfrentamento requer a permanente construção de parcerias entre profissionais que se situam mais fortemente na academia e aqueles que se encontram predominantemente atuando nas instituições de saúde, numa tentativa de busca e construção de estratégias que favoreçam o alcance de respostas e sua superação. Comumente, este olhar parece se fazer enfocando o trabalho da enfermagem, seja na sua dimensão organizacional, seja na sua dimensão ética, sem que as possíveis relações presentes entre o modo como o trabalho da enfermagem no contexto da saúde vem se organizando, as relações de poder aí presentes e a dimensão ética desse trabalho estejam suficientemente explicitadas: Quais as implicações éticas da organização do trabalho da enfermagem? Existe compreensão e clareza, por parte da enfermagem e das enfermeiras, de que o modo como o seu trabalho vem se organizando tem implicações morais e éticas, isto é, que a sua prática profissional tem permanentes implicações éticas? Há compreensão, por parte da equipe de enfermagem e das enfermeiras, de que o seu exercício de poder ou o seu não exercício de poder pode ter implicações éticas tanto para si como para os clientes por elas cuidados?
As relações presentes entre o ambiente organizacional de trabalho e a atuação ética das enfermeiras vêm cada vez mais sendo enfatizadas: "A enfermagem é uma nobre profissão, mas também freqüentemente um terrível trabalho. (...) Falta de tempo, de suporte, de recursos, de respeito são mencionados, de novo, de novo. (...) Há, na vida cotidiana de muitas enfermeiras, o constante conflito entre o que a enfermagem, no seu melhor, poderia ser - o ideal - e o que também seguidamente na verdade é - a realidade. Para muitas enfermeiras, essa tensão é intolerável" .
A frustração e desapontamento vivenciados por muitas enfermeiras, independentemente de sua fonte, freqüentemente, não são percebidos em sua dimensão moral: "Não há como ser uma enfermeira ética em ambientes nos quais outros poderosos bloqueiam o que as enfermeiras reconhecem como suas obrigações morais", já que "problemas éticos no cuidado em saúde são inseparáveis do ambiente social e organizacional em que emergem"(11). Muitos autores têm reconhecido que a organização e o ambiente de trabalho das enfermeiras influenciam a prática ética mais do que os valores e as preocupações éticas.
Problemas morais podem ser conceituados como "uma situação em que um problema ou dilema é experênciado entre seus próprios valores e normas e aquelas de outras pessoas: uma situação que na sua percepção não é correta ou não deveria ocorrer. Tais problemas mostram-se mais evidentes, quando as profissionais de enfermagem apontam sentimentos de "falta de poder", no que se refere ao bem-estar dos pacientes.
A resistência, no entanto, como manifestação de exercício de poder das enfermeiros, ainda não parece ser uma prática estimulada, seja no ensino, seja na assistência, apesar das possíveis implicações éticas e problemas morais decorrentes da falta de ações de contra-poder nas relações de poder em que estamos continuamente imersos. No entanto, "existem momentos na vida onde a questão de saber se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.
Conflitos, então, podem ocorrer, quando diferenças no modo de perceber uma determinada situação não podem ser adequadamente comunicadas, compreendidos e resolvidos, o que pode trazer sofrimento moral. As enfermeiras e demais profissionais da equipe de enfermagem podem apresentar sofrimento moral quando têm condições de realizar um julgamento moral em relação ao que estão experienciando, sabem qual a ação que moralmente seria necessária, porém sofrem constrangimentos na sua tomada de decisão, seja da estrutura institucional, seja de outros trabalhadores, estando "associado com sentimentos de raiva, frustração e falta de poder".
Tais conflitos podem determinar uma situação de dilema ético de como tomar uma decisão/realizar uma ação. Assim, o sofrimento moral provoca um dilema moral. Num dilema moral, a profissional reconhece que diferentes, mas importantes valores encontram-se em conflito numa tomada de decisão; no entanto, a escolha de uma opção significa a exclusão da outra, o que também provoca sofrimento moral.
Possíveis implicações éticas associadas à submissão das enfermeiras e à sua aparente dificuldade de exercer poder nas múltiplas relações de forças em que se inserem e estão inseridas, nas instituições de saúde em que atuam, têm sido enfocadas. Além do questionamento dessa aparente "falta de poder", há o argumento de que as enfermeiras subestimam ou não reconhecem o seu exercício de poder. Por outro lado, quando as enfermeiras e demais profissionais de enfermagem, no exercício profissional, recusam-se a resistir à ação de outros, podem estar recusando também o melhor cuidado possível aos seus pacientes (17), já que "poder é uma variável crítica na determinação do que será reconhecido como problema ético e quão público um debate se tornará e uma solução buscada.
Desse modo, profissionais, como as enfermeiras, podem evitar responsabilidades e "podem delegar": um processo pelo qual podem evitar a tomada de decisões éticas, invocando a autoridade dos médicos (e de outros que representam poder nas instituições) como base para a sua tomada de decisão.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Exigindo melhores condições organizacionais de trabalho, os enfermeiros indiretamente advogam pelos pacientes, explicitamente reivindicando que os seus valores, assim como as suas responsabilidades éticas e profissionais sejam apoiados. A advocacia poderia ser mais facilitada, se as enfermeiras tivessem maior senso de confiança, que provém do seu autovalor profissional.
Infelizmente, quando os enfermeiros, intencionalmente, não exercem poder em direção a uma dada agenda profissional/ética, em certa extensão, participam em sua própria opressão e são moralmente culpadas pela aceitação do estado atual. Os enfermeiros e demais profissionais de enfermagem necessitam considerar quais responsabilidades são realisticamente suas. Essas profissionais comumente falam entre si e no interior da profissão, sobre desigualdades, mas raramente levam suas preocupações para fora da enfermagem, apesar das múltiplas diferentes possibilidades para além de resignar-se, gritar, rezar ou não fazer nada, dependendo da situação.
Desse modo, consideramos que estratégias para uma atuação ética dos enfermeiros e demais profissionais da equipe de enfermagem, na organização do trabalho nas instituições de saúde, apontam para a necessidade de exercício de poder dessas profissionais, tanto na relação consigo, com os seus desejos, aspirações, quanto na relação com os demais, clientes, profissionais de saúde, administradores das instituições, dentre outros.
Assim, um dos caminhos para identificar evidências de exercício de poder desses profissionais, nos espaços institucionais e organizacionais em que atuam, pode-se dar por meio da análise dos movimentos de resistência que vêm construindo em seu dia a dia. No entanto, numa perspectiva ética, não é suficiente apenas o exercício de resistência ao exercício de poder, mas é necessário que essa resistência, assim como as demais ações, tenha uma fundamentação moral para o seu exercício.


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