A ESTREITA RELAÇÃO ENTRE O PODER E O CONHECIMENTO

Lissandra Zanon

Este trabalho tem o propósito de enfatizar e discutir os enlaces entre poder e conhecimento nos vários âmbitos organizacionais da sociedade. Pois, percebe-se que há uma estreita relação entre poder e saber. Segundo Foucault, que empreendeu uma análise de como a constituição de relações de poder produz campos de saber, reciprocamente saberes engendram relações de poder. Ele interroga as relações entre as estruturas econômicas e políticas da nossa sociedade e o conhecimento, não em seus conteúdos, mas em suas funções de poder saber.

Dessa forma, se o conhecimento gera poder, podemos dizer que, quanto mais se estuda, mais abrem-se possibilidades. O poder aumenta na medida em que aumenta o conhecimento. Porém, muitas vezes, não interessa ao Estado que todos estejam aptos a governar ou entender o mecanismo do governo. Todas as relações de poder envolvem dominados e dominadores. Ao governo interessa que haja a manutenção de ambas as parcelas em proporção desigual.

Focault diz que

Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, (…), devemos compreender quais são as relações de luta e de poder. E é somente nessas relações de luta e de poder - na maneira como os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder - que compreendemos em que consiste o conhecimento (2003, p.23).

 

A saber, conhecimento é um patrimônio humanitário. A definição clássica de conhecimento, originada em Platão, diz que ele consiste de crença verdadeira e justificada. Aristóteles divide o conhecimento em três áreas: científica, prática e técnica.

Além dos conceitos aristotélico e platônico, o conhecimento pode ser classificado em uma série de designações/categorias:


Conhecimento Sensorial: É o conhecimento comum entre seres humanos e animais. Obtido a partir de nossas experiências sensitivas e fisiológicas (tato, visão, olfato, audição e paladar).


Conhecimento Intelectual: Esta categoria é exclusiva ao ser humano; trata-se de um raciocínio mais elaborado do que a mera comunicação entre corpo e ambiente. Aqui já pressupõe-se um pensamento, uma lógica.


Conhecimento Empírico/Vulgar/Popular: É a forma de conhecimento do tradicional (hereditário), da cultura, do senso comum, sem compromisso com uma apuração ou análise metodológica. Não pressupõe reflexão, é uma forma de apreensão passiva, acrítica e que, além de subjetiva, é superficial.


Conhecimento Científico: Preza pela apuração e constatação. Busca por leis e sistemas, no intuito de explicar de modo racional aquilo que se está observando. Não se contenta com explicações sem provas concretas; seus alicerces estão na metodologia e na racionalidade. Análises são fundamentais no processo de construção e síntese que o permeia, isso, aliado às suas demais características, faz do conhecimento científico quase uma antítese do empírico.


Conhecimento Filosófico: Mais ligado à construção de idéias e conceitos. Busca as verdades do mundo por meio da indagação e do debate; do filosofar. Portanto, de certo modo assemelha-se ao conhecimento científico - por valer-se de uma metodologia experimental -, mas dele distancia-se por tratar de questões imensuráveis, metafísicas. A partir da razão do homem, o conhecimento filosófico prioriza seu olhar sobre a condição humana.


Conhecimento Teológico: Conhecimento adquirido a partir da fé teológica, é fruto da revelação da divindade. A finalidade do Teólogo é provar a existência de Deus e que os textos Bíblicos foram escritos mediante inspiração Divina, devendo por isso ser realmente aceitos como verdades absolutas e incontestáveis. A fé não é cega baseia-se em experiências espirituais, históricas, arqueológicas e coletivas que lhes dá sustentação.


Conhecimento Intuitivo: Inato ao ser humano, o conhecimento intuitivo diz respeito à subjetividade. Às nossas percepções do mundo exterior e à racionalidade humana. Manifesta-se de maneira concreta quando, por exemplo, tem-se uma epifania.

Quanto ao conceito de poder, este varia no tempo e em função da corrente de pensamento abordada por diversos estudiosos. Para Foucault o poder é algo que se exerce em rede. Não existe uma entidade que centraliza o poder. Este se dá tanto a nível macro quanto a nível micro. Já para Lasswell, poder é o fato de participar da tomada de decisões. Marx Webel definiu o poder como sendo a probabilidade de um certo comando com um conteúdo específico a ser obedecido por um grupo determinado.

Essa relação entre conhecimento e poder, faz-se visível desde a Idade Média, como podemos verificar na obra de Humberto Eco, O Nome da Rosa.

A expressão "O nome da Rosa" foi usada na Idade Média significando o infinito poder das palavras. A rosa subsiste seu nome, apenas; mesmo que não esteja presente e nem sequer exista. A "rosa de então" , centro real desse romance, é a antiga biblioteca de um convento beneditino, na qual estavam guardados códigos preciosos: parte importante da sabedoria grega e latina que os monges conservaram através dos séculos.

A referida obra é também uma crítica do poder e do esvaziamento dos valores pela demagogia, violências sexuais, os conflitos no seio dos movimentos heréticos, a luta contra a mistificação e o poder. Uma parábola sangrenta patética da história da humanidade.

O pensamento dominante, que queria continuar dominante, impedia que o conhecimento fosse acessível a quem quer que seja, salvo os escolhidos. No “O nome da Rosa”, a biblioteca era um labirinto e quem conseguia chegar no final era morto. Só alguns tinham acesso. É uma alegoria do Humberto Eco, que tem a ver com o pensamento dominante da Idade Média, dominado pela igreja. A informação restrita a alguns poucos representava dominação e poder. Era a idade das trevas, em que se deixava na ignorância todos os outros.

Esta centralização do poder sobre o conhecimento também foi visível durante o período da Santa Inquisição, onde a igreja possuía todo o monopólio do conhecimento e poder em suas mãos. Dessa forma, doutrinas contrárias eram punidas severamente na fogueira.

Como sabemos, O conhecimento e a liberdade são condições ontológicas do ser humano. O que de fato ocorreu nas sociedades ao longo da história foi uma exacerbação da lógica individualista e de imposição, de apropriação e privatização. O conhecimento, portanto, é um patrimônio humanitário, devendo servir ao bem comum, da mesma forma como o desenvolvimento econômico-social deve servir a todos e todas, sendo uma possibilidade de felicidade humana, de construção de uma sociedade sem excluídos.

Dessa forma, a escola sendo uma instituição que trabalha diretamente com o conhecimento, está intrinsecamente ligada ao poder. Passa a ser, como diz Bourdieu, “(…) agência de reprodução social, econômica e cultural das classes dominantes, ou,  (…) como um programa de percepção de pensamento e de ação uniformizante” (1992, 219). Por isso, não é difícil perceber que a escola não é apolítica, é a maneira pela qual o estado, por meio de suas concessões seletivas, suas políticas de certificação e poderes legais influencia as práticas escolares no interesse da ideologia dominante.

Para Tragtenberg (2001), não há dúvida que a escola, em qualquer sociedade, tende a renovar-se e ampliar seu âmbito de ação, reproduzir as condições de existência social formando pessoas aptas a ocupar os lugares que a estrutura social oferece. Como a religião e o esporte, a educação pode se constituir num instrumento do poder e da reprodução das desigualdades sociais.

A educação, segundo Krisnamurti

deve ajudar-nos a descobrirmos as barreiras nacionais e sociais, em lugar de as reforçar. Infelizmente, nosso atual sistema de educação nos torna subservientes, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar, embora desperte nosso intelecto, deixa-nos interiormente incompletos (2003, p. 13).

Nesse sentido, em concordância com o autor, acredito que Educação não significa apenas adquirir conhecimentos, e correlacionar fatos, há que se educar não só os conhecimentos, mas os valores e compreender o significado da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte, como estão tentando fazer os governos, as religiões organizadas e os partidos autoritários.    

 Maria Montessori vem de encontro a essa ideia, quando defende que o investimento na criança e no jovem deveria ser feito de uma forma bastante profunda, com uma visão científica para que fosse possível contribuir com o desenvolvimento de homens integrais, isto é, com bagagem intelectual e, além disso, com o esteio dos valores morais. A diferença é a forma como encaramos o indivíduo. Não apenas com uma perspectiva intelectual mas como um homem que precisa ser visto na sua parte física, psíquica, e de desenvolvimento de valores.

A relação entre conhecimento e poder sempre esteve caracterizada como uma relação intrínseca, o poder do conhecimento se impõe através de várias formas de dominação: econômica, política, social etc. A diferença entre pobres e ricos, é determinada pelo fato de se deter ou não conhecimento, já que o acesso à renda define as chances das pessoas e sociedades. Apesar de termos vivenciado um paradoxo em relação à formação acadêmica do ex-presidente, Luis Inácio Lula da Silva, convencionou-se que em liderança política é indispensável nível superior.

O conhecimento sempre esteve no topo da pirâmide social, como um fator diferencial do acesso a níveis hierárquicos diferenciados de poder. Hoje, porém já temos visto uma quantidade significativa de profissionais que detém mais conhecimentos específicos do que os seus chefes. E aí, como fica esta questão? Parece-me que alguma coisa está mudando!

O consultor empresarial, Bernardo Leite, levanta algumas hipóteses. Para ele o conhecimento passa a ser entendido como vantagem competitiva do negócio, extrapolando a questão dos níveis hierárquicos. Destaca também que, com um mercado de trabalho cada vez mais exigente, obriga os profissionais a fortalecerem cada vez mais sua formação. Ademais, com a democratização do acesso aos meios de comunicação, a quantidade de informações que os profissionais alcançam é muito grande, principalmente aqueles com mais disponibilidade.

Em suma, criou-se uma concorrência feroz, onde não basta apenas deter o conhecimento, mas saber aplicá-lo. Com a globalização, as forças do mercado estão delineando uma revolução nas estruturas de poder x conhecimento. Cabe a nós ficarmos atentos e conscientes desses movimentos.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. Sao Paulo: Perspectiva, 1992.

 ECO, H. O Nome da Rosa, traduzido por Maria Celeste Pinto, Círculo de Lectores, 1980

FOUCAULT, M. A Verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Editora Nau, 2003.

KRISNAMURTI, J. Trad. VELOSO, H. A educação e o significado da vida. Sao Paulo.Cultrix, 2003.

TRAGTENBERG, M. Revista Espaço Acadêmico – Ano 1 – N 07 – Dezembro de 2001 – Mensal – ISSN 15196186.

http://integral.objectis.net/Montessori. Na individualidade, a construção do todo. Folha Dirigida, 22/06/2006 - Rio de Janeiro RJ - Renato Deccache. Acesso em 08-01-2012.

http://www.bernardoleite.com.br/artigos.asp?cod_site=0&id_artigo=7&keyword=Conhecimento,_poder_e_a_organiza%E7%E3o. Conhecimento, poder e a organização. Acesso em 25/01/2012.