A ENERGIA NUCLEAR NO DIREITO BRASILEIRO

1. Breve histórico da Política Nuclear Nacional

Efetivamente, a utilização da Energia Nuclear no Brasil teve início em meados da década de 30, momento em que a possível utilização do potencial energético dos minérios radioativos instigava a indústria bélica em todo o mundo. Isto porque a Segunda Guerra Mundial tomava corpo e se propagava pelo mundo arrastando cada vez mais países ao ingresso no conflito.

Não se distanciam muito desta época os primeiros estudos realizados na Alemanha sobre a Física das Radiações e que tornariam realidade a utilização de materiais radioativos na construção de toda uma tecnologia nuclear essencialmente voltada ao desenvolvimento militar.

Em 1942 os cientistas brasileiros concederam a primeira entrevista sobre a energia nuclear à imprensa nacional. Nesta oportunidade propôs-se à população que todos os meios eficientes ao estudo e pesquisa sobre energia nuclear fossem estimulados e implementados devido à sua crucial importância para o futuro da nação.

No ano de 1946, com o intuito de iniciar mais profundamente o estudo na área o presidente Getúlio Vargas enviou o Almirante Álvaro Alberto da Marinha de Guerra do Brasil aos Estados Unidos da América, com o objetivo de representar o país perante o Conselho de Segurança de Energia Atômica da Comissão da Organização das Nações Unidas. As teses apresentadas pelo Almirante, primeiro Presidente do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq - orientaram toda a política nuclear brasileira. Neste mesmo ano de 1946 a Constituição Brasileira promulgada fez menção expressa à utilização da energia nuclear, todavia o programa de utilização efetiva desta forma de energia somente tomaria corpo na década de sessenta no território nacional.

Em 1950 no Brasil é promulgada a lei ordinária que cria o monopólio dos minerais nucleares submetidos à União e, especificamente, no ano de 1953, o Congresso Nacional elaborou e aprovou o primeiro plano de Política Nacional de Energia Nuclear, que seria colocado em prática em meados de 1954 através do Conselho Nacional de Pesquisa.

Na década de cinquenta foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) uma Autarquia Federal criada pelo Decreto Federal nº 40.110 de 10 de outubro de 1956, com sua situação legal atual estabelecida pela Lei Federal nº 4.118, de 27 de agosto de 1962, modificada pelas Leis Federais nº 6.189 de 16 de dezembro de 1974 e 7.781 de 27 de junho de 1989; que muito enfatizou o meio através de programas de governo da utilização da energia atômica nos mais diversos campos. A Autarquia Federal criada beneficiava-se de vários privilégios administrativos dentre eles a isenção de tributos de importação de materiais destinados ao programa de trabalho da entidade. Houve à época, deste modo, grande impulso na execução de uma política nuclear nacional mais agressiva. Neste cenário a CNEN passou a superintender, fiscalizar, promover e executar todos os trabalhos de pesquisa, lavra de minérios nucleares e seu beneficiamento.

Em 1963, com a publicação do decreto 51.726, as normas de segurança de minérios nucleares localizados em território nacional foram traçadas. Tais normas foram tidas como imposições legais para que em 1965 a usina atômica de Angra I fosse instalada no Brasil. Entre os anos de 1967 e 1969 no Governo do Presidente Arthur da Costa e Silva foi decidida a construção de mais uma usina nuclear com planejamento e elaboração fundamentada nos mesmos termos da negociação anterior e que ficou conhecido como "Acordo Brasil-Alemanha".

A partir de 1974 começaram a ocorrer os maiores avanços no que concerne à energia nuclear. Nesta ocasião o Brasil assinou o "Protocolo de Bonn" contratando com empresas nucleares alemãs e criando as Empresas Nucleares Brasileiras. O protocolo tinha por objetivo implementar no Brasil, uma capacidade em nível industrial em todas as áreas de propósitos pacíficos da energia nuclear e ao mesmo tempo promover a transferência de tecnologia entre os países signatários. Neste momento surge uns dos mais importantes instrumentos jurídicos garantidores do uso correto e pacífico da energia nuclear. Trata-se da Lei 6.453/77 e que será mais detidamente estudada no tópico seguinte, mas cujo objetivo principal era dispor sobre a responsabilidade civil e criminal decorrente de danos causados pela utilização de energia nuclear.

Em 1980 é criado através do decreto-lei 1.809 o sistema de proteção nuclear brasileiro fazendo com que a partir de meados desta década sob a influencia de tal diploma os cientistas brasileiros pudessem utilizar, pacificamente, tal energia em inúmeras outras atividades tais como aquelas ligadas à Engenharia e em especial nos mais diversos ramos da Medicina Nuclear.

Em 1987, ainda despreparado material e cientificamente o Brasil se vê envolvido no maior acidente radioativo em território nacional que ficou conhecido como "Acidente Radioativo de Goiânia". E em 1988 a Constituição Federal em seu art. 177 monopolizava praticamente toda atividade nuclear nas mãos da União Federal fazendo com que ela não pudesse contratar com empresas privadas a realização de nenhuma das atividades previstas em seu inciso V. Atualmente, a Emenda Constitucional nº. 49 modificou esta atribuição com o intuito de facilitar a criação de novos centros de medicina nuclear, tendo como parâmetro de viabilidade a utilização de materiais radioativos com meia vida curta , geralmente usados em cintilografias médicas. Possibilitado, pois, em nossos dias o afastamento do monopólio da União na utilização de determinados materiais radioativos.

Vale ainda acrescentar que a Constituição Federal de 1988 foi o primeiro diploma a dispor expressamente, mas de maneira superficial, sobre a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da utilização de material nuclear e mais, em seu art. 225 determinou que a localização das usinas que se utilizasse de material radioativo em suas instalações deveria ser definida por Lei Federal.

Em 1994 o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o "Tratado de não Proliferação de Energia Nuclear" considerado pelos especialistas como discriminatório e injusto, já que impossibilita concorrências comerciais nas mais diversas áreas de utilização da energia nuclear, vedando de certa forma a expansão das atividades científicas nesta área.

Desde 2002 até o momento o governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva já investiu cerca de 900 milhões de dólares na construção da Usina Nuclear de Angra III incentivando e retomando de alguma forma o programa nuclear brasileiro. Mantém em sua Política Nacional a aplicação dos materiais nucleares estritamente voltados para a paz, conforme firmado pelo Brasil desde o ano de 1984 na Assembléia Geral da ONU como signatário da "Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz".

2. A regulamentação pátria em caso do uso de Energia Nuclear

A partir da Constituição Federal de 1988 pôde-se traçar de forma genérica toda a estrutura do Direito Nuclear na atualidade. Os diplomas jurídicos seguintes apenas vislumbraram de forma específica e pontual as situações que envolviam cidadãos relacionados a quaisquer atividades com material radioativo.

Segundo a professora Guilhermina Lavos Coimbra "O Direito Nuclear ou Atômico estuda e disciplina as relações jurídicas de tudo o que concerne à utilização e efeitos da energia nuclear desde que envolvam a respectiva tecnologia e a finalidade econômica". Decompondo-se tal definição tem-se a idéia da busca da inserção da legislação nuclear no interior do Direito da Energia e do qual um sub-ramo seria o Direito Nuclear. Assim, a proteção contra as radiações ionizantes e suas conseqüências ficariam contidas em um direito econômico como é o caso do Direito da Energia.

2.1. A Lei 6.453 de 17 de outubro de 1977

A lei em comentário diz respeito à responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com as atividades nucleares. A partir de seu art. 4º trata este diploma legal da responsabilidade civil e em seu art. 19 e seguintes acerca da responsabilidade criminal.

Em seu capítulo I o legislador apresenta algumas definições de natureza científica, mas que são consideradas para o efeito de aplicação legal. Apresenta conceitos eminentemente técnicos e pautados em Física de Radiação e relacionados estritamente às atividades nucleares.

A partir de seu art. 4º a presente lei determina que em caso de acidente a instituição autorizada a operar a instalação nuclear tem a responsabilidade civil pelo dano, independentemente da existência de culpa (culpa objetiva).

Em seu art. 5º assevera que quando houver a responsabilidade de mais de um operador (pessoa jurídica devidamente autorizada para operar instalação nuclear) todos responderão solidariamente pelos danos ocasionados, se não se puder determinar a quantidade atribuível a cada um. Mas, uma vez que se prove que o dano resultou exclusivamente de culpa da vítima o operador poderá ser exonerado em relação a esta pessoa da obrigação de indenizar.

Já em seu artigo 8º o legislador achou por bem excluir a responsabilidade do operador pelo dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza. Todavia, é de ver-se, hoje em dia, que com o advento da Constituição de 1988 o artigo 8º da lei infraconstitucional em comento queda-se ab-rogada em face do art. 21, inc. XXIII "c" que não abre nenhuma exceção de causas exonerativas.

Quanto aos limites de indenização estabelecidos no art. 9º, uma vez que ilimitada a responsabilidade do Estado, conforme se deduz do art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, não pode a lei ordinária estabelecer limites indenizatórios para os danos decorrentes de acidente nuclear de responsabilidade desse mesmo Estado. E mais, informa o art. 10, parágrafo 2º, que em caso de acidente nuclear não relacionado a qualquer operador os danos serão assumidos pela União.

Em seu artigo 13 fica determinado que o operador da instalação nuclear será obrigado a manter seguro ou outra garantia financeira que cubra a responsabilidade em decorrência de danos. Há, todavia, expressa dispensa de tal garantia para determinados órgãos públicos, a exemplo das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), onde não ocorre contratação de seguro, nem tampouco garantias financeiras para danos nucleares necessitam ser oferecidas.

Desta maneira todas as instalações nucleares da INB estão liberadas do contrato de seguro, como exposto na Resolução 27 da Comissão Deliberativa da CNEN de 17/12/2004: Referendar o ato do Senhor Presidente que, com fundamento no parágrafo 5º, do artigo 13, da Lei nº. 6.453, de 17.10.1977, dispensou as Indústrias Nucleares do Brasil S/A de efetuar o seguro de responsabilidade civil ou de prestar garantia financeira para fins de indenização por danos nucleares. (Portaria CNEN, nº. 163, publicada no DOU de 15.12.04, Secção 01, pág. 91, que com este ato transforma-a em Resolução 27, de 17.12.04).

Por fim, deve-se observar que tal dispensa de seguro, como descrito na Lei 6.453/77 não é extensível às instalações classificadas como radioativas , como no caso do acidente de Goiânia.

O prazo prescricional das ações em que se pleiteiam indenizações por danos causados por acidente nuclear ocorrerá em dez anos contados a partir da data do acidente. Todavia, se o produto gerador do acidente for composto de material subtraído, perdido ou abandonado poderá ser contado o prazo prescricional desde a data da subtração, perda ou abandono de maneira que não sejam ultrapassados vinte anos.

As ações em que se pleiteiam indenizações por danos causados por determinado acidente nuclear serão processadas e julgadas pelo Juízo Federal, todavia, segundo o art. 17 desta mesma lei as indenizações pelos danos causados aos que trabalham com material nuclear, em instalações nucleares, serão reguladas nas Varas Especializadas pela legislação especial sobre Acidentes de Trabalho.

Quanto às tipificações delituosas esta lei não esgota todas as hipóteses de crimes que possam ser praticados com a utilização de material nuclear ou relacionados com a atividade nuclear em todas as suas múltiplas possibilidades. O dano propriamente dito não foi objeto de tutela específica da lei, uma vez que esta optou primordialmente pelos delitos de perigo. Qualquer ato ou omissão que implique em dano efetivo causado contra a pessoa humana, contra a vida, saúde pública, meio ambiente, patrimônio público ou privado deverá ser punido pela legislação penal comum, utilizando-se em especial das normas insculpidas no Código Penal Brasileiro juntamente com toda sua legislação extravagante.

Efetivamente, os tipos penais mais aplicados aos casos concretos decorrentes da má utilização de material nuclear tratam-se de homicídio (art. 121 do CPB), lesão corporal (art. 129 do CPB), reconhecendo-se ainda uma certa aplicação aos delitos insculpidos nos artigos 252 e 270 do Código Penal Brasileiro, exposição da vida ou da saúde pelo emprego de gases tóxicos ou asfixiantes e envenenamento de água potável ou substância alimentícia, respectivamente. Para Luiz Regis Prado em relação a estes últimos dois artigos sua tipificação ficaria impossibilitada tendo em vista que diferentes são os bens jurídicos. Além disso, estes dispositivos teriam sido revogados pelo art. 54 da lei 9.605/98.

Ademais, deve-se lembrar dos tipos penais constantes da Lei 6.938/81 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, especialmente seu art. 15 que estabelece o crime de poluição. Tal tipo pela sua natureza bastante ampla permite que lesões causadas por meios nucleares possam nele ser enquadradas.

Ainda, classifica a lei nuclear em seu artigo 19 e seguintes que se considera crime produzir, processar, fornecer, usar, importar ou exportar material sem autorização legal, extrair e comercializar ilegalmente minério nuclear, transmitir informações sigilosas neste setor, ou deixar de seguir normas de segurança relativas à instalação nuclear.

Assim, os crimes previstos neste diploma dizem mais respeito aos atos praticados contra as instalações nucleares ou contra a Administração Pública, pela inobservância de normas técnicas do que aos atos ilícitos praticados durante a operação da instalação nuclear e que tenham atingido a vida humana ou patrimônio.

Cabe ponderar que o art. 24 da lei analisada foi revogado parcialmente pelo art. 55 da lei ambiental de nº. 9.605/98 naquilo que se refere à extração de recursos minerais. Trata a lei ambiental de maneira mais ampla da exploração de qualquer minério e desta feita permite que haja "um nivelamento de todos os minérios, independentemente de ser nuclear ou não" , fazendo com que esta seja a nova tipificação da conduta geradora do delito.

Em seu art. 26 o legislador tipifica um tipo omissivo próprio ao tratar das normas de segurança ou de proteção relativas à instalação nuclear. É o único crime previsto na legislação nuclear que não diz respeito à Administração Pública ou a circunstâncias inerentes ao próprio processo de produção nuclear. O tipo penal utiliza erroneamente o termo genérico "outrem" como utilizado pelos tipos penais repressivos de delitos individuais praticados contra indivíduos. É pacífica a doutrina de que o dano nuclear, que será sempre coletivo, neste artigo esteja voltado apenas para a proteção da camada tecno-buracrática responsável pela operação das instalações nucleares.

Cabe salientar que os delitos contidos na Lei 6.453/77, que já pertenciam à competência da Justiça Federal, ainda assim se enquadram em nossos dias em face do art. 21, inciso XXIII, combinado com o art. 109, inciso I, ambos da Constituição da República de 1988. Por fim, pode-se depreender que tanto do ponto de vista penal como do ponto de vista civil a lei ora comentada é muito mais um diploma de defesa da energia nuclear do que uma lei de defesa dos cidadãos em face de desvirtuamentos provenientes da energia nuclear.

2.2. Decreto-Lei 1.809 de 07 de outubro de 1980

Após uma breve análise acerca do principal instrumento jurídico que trata da utilização da energia nuclear no Brasil traçaremos agora apontamentos relativos ao decreto-lei 1.809/80 regulamentado pelo decreto 2.210 de 22 de abril de 1997.

Especificamente, tal decreto criou o Sistema de Proteção Nuclear Brasileiro que aprovou o acordo de cooperação de uso da energia nuclear para fins pacíficos. Estes delineamentos foram resultantes de um decreto legislativo do ano de 1975 e que possibilitaram a construção em território nacional da Usina Nuclear de Angra I.

Para alcançar os seus objetivos, diversos órgãos da Administração Pública e empresas do setor privado têm atribuições de planejar e implementar ações preventivas e de preparação, com a finalidade de proteger a população na eventualidade da ocorrência de uma situação de emergência nuclear. Todavia, de acordo com o artigo 22 do Decreto 2.210 de 1997: "art. 22 Não compete ao SIPRON atuar nas ocorrências de acidentes radiológicos. Poderá, no entanto, complementar as atividades dos Estados, Municípios e demais órgãos e entidades responsáveis por neutralizar tais situações de emergência e restabelecer a normalidade nas áreas afetadas".

Em seu art. 1º o referido diploma legal institui o SIPRON, Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro, estabelecendo medidas de segurança e proteção da população e do meio ambiente diretamente envolvido em situações utilizadoras de quaisquer materiais provenientes de atividade nuclear. Basicamente diz respeito não só à segurança como também acerca da divulgação de informações necessárias ao modo de atuação no campo da energia nuclear.

Em seus artigos 2º e posteriores apresenta o rol de entidades da Administração Pública que se relacionam com o Programa Nuclear Brasileiro, integrados pelo SIPRON e que compreendem: - a) um órgão central com funções desempenhadas pela Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional; - b) os órgãos de coordenação setorial com funções desempenhadas pela CNEN; - Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho pertencente ao Ministério do Trabalho; - Secretaria Especial da Defesa Civil e do Meio Ambiente, ambas pertencentes ao Ministério do Interior; - Agência Central do Serviço Nacional de Informação, atualmente ligada à Agência Brasileira de Informação (Abin); - c) órgãos de execução seccional; - d) unidades operacionais e, finalmente; - e) órgãos de apoio.

Ao art. 4º coube estipular que à Secretaria Geral do Conselho de Segurança, como órgão central, cabe a coordenação geral do SIPRON. Em seu art. 6º o mesmo diploma legal determina que os órgãos de execução seccional tomem as medidas necessárias ao bom andamento dos projetos e atividades nucleares que lhes forem atribuídos, ou seja, para que atendam todas as necessidades de pleno desenvolvimento, guardados, essencialmente, os delineamentos sobre a segurança nacional.

O SIPRON, nascido durante o regime militar encontra-se, de certa forma, fora da realidade atual sob o aspecto político, econômico ou social. Mesmo após o principal acidente com fontes radioativas, o de Goiânia, em 1987, a regulamentação do SIPRON não lhe deu competências para atuar no caso de ocorrências com fontes radioativas.

Seu objetivo deveria ser a proteção da população dos efeitos danosos da energia nuclear. No entanto, isto não está contemplado no artigo anteriormente colacionado onde se diz que não cabe ao SIPRON atuar em caso de acidente. Existe um vício em sua origem, explícito em seu próprio nome: Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro, portanto, o organismo foi criado com o objetivo de proteger o programa nuclear e não de proteção da população.

Em janeiro de 2004 o Executivo encaminhou ao Congresso Nacional Projeto de Lei nº. 2.881, instituindo o novo Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro revogando o Decreto-lei 1.809/80. Os propósitos, todavia, permaneceram os mesmos: "assegurar o planejamento, a coordenação e a execução de ações e providências integradas e continuadas que visem permitir a imediata e eficaz proteção às atividades, instalações e projetos do Programa Nuclear Brasileiro".

Todavia, não bastasse estar imbuído de tais objetivos ultrapassados, o Poder Legislativo serve-se de uma "cultura do sigilo", utilizando-se de dispositivos vagos como órgãos de apoio, coordenação setorial. O projeto atualmente se encontra na CCJ com parecer favorável do relator.

2.3. A Lei 10.308 de 20 de novembro de 2001

A presente lei dispõe sobre a seleção de locais, construção, licenciamento, operação, fiscalização, custos, indenização, responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos em território nacional. Rejeito radioativo ou lixo nuclear é todo material contaminado cuja produção seja resultado da atividade desenvolvida em qualquer centro nuclear. Classificam-se conforme o grau de atividade do material radioativo no momento de seu descarte como de baixa, média ou alta radioatividade. Através desta aferição determina-se o nível do depósito radioativo a ser utilizado.

A Lei 10.308/01 firma em seu art. 2º que a União por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) será responsável pelo destino final dos rejeitos radioativos produzidos em todo o território nacional . Estabelece, ademais, que será permitida a construção de três espécies de depósitos radioativos em nosso território qualificados pelos tipos: - iniciais, intermediários e finais.

Em seu art. 4º concentra na Comissão Nacional de Energia Nuclear a competência para normatizar todas as atividades acima mencionadas, em especial para efetuar o licenciamento dos referidos depósitos. Convém salientar que juntamente com o licenciamento efetuado pela CNEN são exigidas as licenças ambientais emitidas pelo IBAMA, após a realização das Avaliações de Impacto Ambiental necessárias. Os depósitos iniciais, que terão apenas seus critérios de localização da construção estabelecidos pela CNEN serão utilizados para a contenção de rejeitos radioativos nas instalações de extração ou beneficiamento de minério cabendo ao titular da autorização outorgada pela Comissão toda a operação de manuseio e projeto desta contenção de rejeitos. Já os depósitos intermediários e finais de rejeitos radioativos deverão obrigatoriamente ter seus projetos, construções e instalações realizados pela CNEN, podendo haver delegação de tais serviços a terceiros, desde que mantida a responsabilidade integral da Comissão. Os depósitos finais citados no inciso III, do art. 3º da referida lei e que são considerados de maior dificuldade de elaboração, já que demandam maiores critérios de contenção radioativa, encontram-se em construção no território nacional sendo que os mais avançados estarão finalizados no ano de 2.009. Existe ainda um convênio firmado entre a CNEN e a Eletronuclear para a construção de um depósito definitivo de rejeitos nucleares em Angra dos Reis, previsto para operar a partir de 2.011.

Quanto aos depósitos finais os terrenos utilizados com tal finalidade serão declarados de utilidade pública e desapropriados pela União, caso não sejam construídos em áreas que a esta já pertençam.
Cabe salientar que a administração e a operação dos depósitos iniciais caberão ao titular da autorização concedida pela Comissão para operar a atividade geradora de rejeitos. Todavia, quanto aos depósitos intermediários e finais caberá exclusivamente à CNEN toda a administração de tais rejeitos. Os doutrinadores que se manifestaram a este respeito não consideram tal postura de bom tom uma vez que até mesmo a intuição nos leva a crer que não se deve consagrar ao mesmo órgão papéis antagônicos e inconciliáveis como projetar, construir, instalar depósitos de rejeitos e ao mesmo tempo proceder à administração, licenciamento e fiscalização. O professor Leme Machado já se manifestou neste sentido: "A CNEN, no que se refere aos depósitos intermediários e finais, fará a seleção dos locais, o planejamento, a construção, a instalação, administração e finalmente licenciará a si mesma (art. 10 da Lei 10.308). No Plano institucional, dar poderes a um órgão público para exercer amplas atividades e fiscalizar-se a si mesmo sempre foi um contra-senso e uma conduta ineficaz, a partir de quando se inseriu a obrigação do princípio da eficiência na Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição Federal) tal sistema passou a ser inconstitucional"

Quanto à responsabilidade civil decorrente dos danos radiológicos causados pelos rejeitos, ou ainda, relativos ao transporte dos mesmos, como vimos anteriormente ao analisarmos a Lei 6.453/77, responderá, independentemente, de dolo ou culpa o titular para operação dos depósitos iniciais, devidamente autorizado pela Comissão. Já em relação aos depósitos intermediários e finais a responsabilidade civil decorrente de danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais, independentemente de culpa ou dolo, bem como ao transporte dos rejeitos de que tem a guarda, será da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Em caso de acidentes nucleares a referida lei faculta a possibilidade de construção de depósitos provisórios cuja função será o armazenamento de todo o material envolvido no acidente, bem como todo o material utilizado na contenção e proteção radiológica posterior de toda área afetada. A CNEN se responsabiliza por todos os danos causados pelos rejeito em tais depósitos, inclusive em seu transporte para o depósito final. Todavia, se o dano for causado por falha na segurança física do local toda a responsabilidade civil será arcada pelo Estado.

Atualmente os rejeitos nucleares encontram-se armazenados em diversas localidades do país. Existem em funcionamento adequado e supervisionado nove depósitos de armazenamento de rejeitos nucleares. São eles: o Centro Tecnológico da Marinha em Iperó/SP; Usinas Nucleares de Angra , Angra dos Reis/RJ; Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, São Paulo/SP; Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Belo Horizonte/MG; Instituto de Engenharia Nuclear, Rio de Janeiro/RJ; Complexo Industrial de Poços de Caldas , Poços de Caldas/MG; Usina de Interlagos, São Paulo/SP; INB, Itu/SP; Centro Regional do Centro Oeste em Abadia de Goiás/GO.

Assevera, por derradeiro, que fica proibida a importação de rejeitos radioativos e que o Município que abrigar depósitos de rejeitos radioativos receberá mensalmente uma compensação financeira de pelo menos 10% dos custos pagos à CNEN pelos depositantes de rejeitos nucleares.

A lentidão na construção dos depósitos radioativos intensificou estudos no sentido de viabilizar o descarte do lixo nuclear. Uma solução que tem sido adotada pela maioria dos países é o enterramento do material em aterros especificamente preparados, solução esta que não tem conseguido obter consenso público e social ou facilidade na sua implementação. O físico Anselmo Paschoa entende que a melhor solução para o problema talvez seja o depósito no subsolo submarino nas planícies abissais . Todavia, ainda que isolados com blindagem especial os rejeitos nucleares, em caso de movimento das águas, poderiam espalhar os radionuclídeos e causar a contaminação de diversas regiões. Além disso, os oceanógrafos evidenciaram recentemente correntes marinhas que a despeito de serem extremamente lentas, são capazes de movimentar as águas mesmo a profundidades abissais.

Outra solução seria o envio desse material por meio de foguete ao espaço, onde a elevadas altitudes a radioatividade é mais intensa, mas neste caso, outra vez, em caso de falha a radiação proveniente dos rejeitos poderia ser espalhada sem controle por diversas regiões do planeta. Conforme Paulo Queiroz Marques "essa é uma saída a ser encontrada num horizonte de tempo não muito próximo, já que a confiabilidade no lançamento de foguetes ainda é muito baixa, como comprova o insucesso da missão Challenger dos Estados Unidos que por volta de 1985 teve uma espaçonave explodida cerca de 30 de segundos após seu lançamento da base de Cabo Canaveral".

2.4. A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 e os princípios constitucionais da utilização da Energia Nuclear

Desde a Constituição Federal de 1946 a preocupação com a utilização da energia nuclear já se iniciava. Todavia, o programa efetivo de utilização de energia nuclear somente tomou corpo no território nacional na década de sessenta. A Constituição de 1967, através da emenda nº. 1 de 1969 preocupou-se de forma expressa sobre a capacidade de legislar sobre o assunto, competindo à União tais delineamentos acerca dessa forma de energia. Antes desta emenda o texto constitucional referia-se basicamente à energia elétrica.

Nos dias atuais o "status" constitucional das situações que envolvem qualquer material capaz de através de fissão ou fusão nuclear liberar quantidades gigantescas de energia é plenamente justificável em face dos problemas bélicos que envolvem toda a utilização nuclear nos mais diversos países do planeta. Ademais, visa a Lei Fundamental e a legislação ordinária um mínimo de coerência e harmonia além do sentido bélico, de modo que a legislação nuclear possa ser compreendida como uma legislação de tutela, também, da saúde pública e do meio ambiente.

O Brasil como excelente parceiro comercial e com importantes relacionamentos de política internacional também se vê envolvido nestas preocupações, acrescido ainda mais pela enorme quantidade de jazidas de Urânio e Monazita que comporta seu território nacional.

A Constituição Federal contém inúmeros dispositivos concernentes à utilização da energia nuclear. Assevera em especial sobre a problemática do uso pacífico da energia nuclear, da tecnologia, meio ambiente e do destino da matéria-prima utilizada em suas mais diversas aplicações. Trata a Lei Fundamental de tópicos que vão desde o uso de radioisótopos com objetivos medicinais passando pela preservação ambiental chegando até a proibição de utilização de energia nuclear com finalidades bélicas.

A Constituição de 1988 rege a matéria nos seguintes artigos: artigo 21, inciso XXIII, alíneas "a", "b", "c" e "d"; artigo 22, inciso XXVI; artigo 49, inciso XIV; artigo 177, inciso V e parágrafo 3º e artigo 225, parágrafo 6º. Assevera que toda e qualquer atividade de manuseio de material aplicado às atividades nucleares será privativa da União. Todavia, é pacífica a postura de que nos dias de hoje a pessoa física ou jurídica de direito privado em determinadas situações poderá exercer, sob regime de permissão, atividades específicas que envolvam energia nuclear, em essência a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais, tudo conforme a nova redação constitucional dada pela Emenda n. 49, de 08 de fevereiro de 2006.

O art. 21, inciso XXIII, alíneas "a", "b","c" e "d" apresenta os princípios fundamentais para utilização da energia nuclear no Brasil. Esses princípios, contudo, não devem ser vistos como únicos aplicáveis às atividades nucleares. É fundamental que sejam paralelamente interpretados aos princípios especificamente voltados para energia nuclear aqueles que dizem respeito à proteção do meio ambiente (lei 9.605/98) e aos princípios fundamentais da República elencados explicitamente em todo o corpo da Constituição Federal bem como aqueles tomados de forma implícita.

Na alínea "a" fica oficializada a política da não produção armamentista, uma vez que a atividade nuclear deve estar voltada para fins pacíficos, ou seja, não pode haver no Brasil atividade nuclear com fins de agressão militar. Conhecido como "princípio do uso pacífico" determina que a utilização de energia nuclear não pode se dar com a finalidade de produção de armamentos nucleares de nenhuma espécie. Mesmo a pesquisa nuclear voltada para a medicina poderia ser desvirtuada em seus objetivos e utilizada com finalidades bélicas, daí a abertura do termo "atividade nuclear" como eficaz na manutenção da paz mundial.

Na alínea "b" fica insculpido que sob regime de permissão são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais. Na alínea "c" fica determinado que também sob regime de permissão são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas e em sua alínea "d" determina que a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa insculpindo o devido "princípio da responsabilidade objetiva", assentada na teoria do risco administrativo, tendo sido adotada, anteriormente à atual Carta Magna na Lei 6.938 de 31/08/1981, assim como nos artigos 3º e 4º da Lei 6.453 de 1977 já anteriormente apontados.

Outro princípio balizador de toda a estrutura do Direito Nuclear diz respeito ao "princípio do controle essencialmente democrático". Tal controle deve ser o mais amplo possível em relação a toda atividade nuclear, sendo que o constituinte originário em todo o texto constitucional atribuiu ao povo o papel preponderante na questão da elaboração legislativa que o envolva.

O art. 22, inciso XXII, determina que a atividade nuclear no Brasil encontra-se submetida ao controle do Estado e compete privativamente à União legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza; formaliza-se, pois, o "princípio da atividade controlada". Assim, via de regra, toda atividade de manuseio e de controle de fontes de energia ficará sob comando da União o mesmo não se aplicando em relação ao uso ou comercialização de determinados materiais, conforme a emenda 49/06 já citada.

O parágrafo único do referido artigo ainda dispõe, por sua vez, que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas de matérias nucleares, mas desta forma, novamente, o legislador põe sob questionamento autorizações afeitas às atividades nucleares.

Há necessidade de harmonização da competência insculpida no artigo 21 que diz respeito à União e está prevista no artigo 22. A harmonização poderá ser analisada à luz daquilo que dispõe o artigo 49, inciso XIV da Constituição.

As questões "específicas" tratadas no parágrafo referem-se a incisos que não encontrem em outros locais da Constituição, obstáculos à delegação. Sendo competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes à atividades nucleares, esta competência não pode ser delegada por força do parágrafo primeiro do art. 68.

Assevera Bessa Antunes : "a matéria nuclear é indelegável, por via de lei complementar, para os Estados. Em verdade, o inciso XXVI do artigo 22 da Constituição cuida de competência exclusiva e não privativa. Trata-se de um erro técnico da Constituição de 1988, facilmente sanável se examinadas as diversas disposições atinentes à matéria".

O artigo 49, inciso XIV explicita que será de competência do Congresso Nacional a aprovação de iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares, aprovação esta que independe da sanção do chefe do Poder Executivo (art. 48, caput da C.F.) todavia no que se diz respeito ao poder de fiscalização neste campo da energia a situação é conflituosa, uma vez que apesar da Constituição atual atribuir tal poder ao Congresso Nacional o mesmo vem sendo exercido através de delegação de competência pela CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear).

Evidentemente, impõe-se que se faça uma alteração nos estatutos da CNEN de forma que se possa estabelecer um vínculo jurídico entre a autarquia e o Poder legislativo. Para Bessa Antunes: "o estatuto da CNEN tem de ser alterado a fim de estabelecer vínculo com a casa legislativa. Seria recomendável que a diretoria fosse submetida à aprovação do Congresso e recebesse um mandato com prazo fixo. Com isso haveria uma garantia mais firme da autonomia da Comissão cujos membros não sofreriam o risco de exoneração ad nutum" . Outra hipótese cogitada por Bessa Antunes é a da transferência, pura e simples, da CNEN para o Poder Legislativo, adotando-se um modelo similar ao do Tribunal de Contas da União.
De qualquer maneira a Constituição atual não autorizou o Presidente da República a expedir decretos e regulamentos em matéria nuclear sem que estes sejam aprovados pelo próprio Congresso, ou seja, o Presidente pode dispor sobre matéria nuclear, mas nos estritos termos da Lei Fundamental, "as iniciativas do Executivo somente poderão produzir efeitos jurídicos após a aprovação pelo Congresso Nacional", trata-se, pois de restrição imposta pelo Constituinte ao Executivo.

A grande maioria dos Estados introduziu em suas Constituições normas que limitam as atividades nucleares . Tais limitações têm por essência a preocupação com a segurança das instalações e com o destino das diversas formas de rejeitos radioativos. Segundo Bessa Antunes: "alguns Estados inclusive chegaram a determinar uma proibição pura e simples da energia nuclear em seus territórios, evidente manifestação daquilo que é conhecido no Direito Ambiental síndrome de "n.i.m.b." (not in my backyard), "não no meu quintal""

O art. 177, parágrafo 3º, integrante do título da Ordem Econômica e Financeira, assevera que a lei disporá sobre o transporte e a utilização de materiais radioativos no território nacional. Em seu art. 225, parágrafo 6º, insculpe que as usinas nucleares a serem instaladas no território nacional tenham sua localização previamente definidas em lei federal.

Assim, pode-se concluir que em matéria nuclear a União estabelece uma legislação própria e possui algumas competências fiscalizatórias, mas não se subtrai a atividade de polícia dos Estados e Municípios quando a atividade nuclear implicar a riscos ambientais. Não há no Brasil até os dias de hoje uma lei que defina a maneira pela qual o Congresso deve realizar os controles da atividade nuclear que integram a sua competência. Conclui Bessa Antunes: "Os princípios constitucionais permanecem como uma proclamação de intenções sem eficácia concreta. A própria opinião pública nacional ainda não se mobilizou para exigir que o Congresso exerça o seu papel e passe a desempenhar um efetivo controle da atividade nuclear".

3. Distinção entre Dano e Acidente Nuclear sob a ótica da Convenção de Viena

Na análise dos mais diversos diplomas legais que abordam o assunto da Energia Nuclear podemos vislumbrar a utilização dos vocábulos dano nuclear e acidente nuclear em situações diferentes. Há plena razão de ser de tais colocações haja vista que uma situação não se confunde com a outra.

Encontramos no ordenamento jurídico brasileiro uma definição expressa dos termos dano e acidente nuclear. Os delineamentos sobre ambas as situações encontram fundamentação na Convenção de Viena sobre danos Nucleares, datada de 21 de maio de 1963, que assevera em seu artigo I, item 1, letra "k" , incisos, i, ii e iii acerca dos danos nucleares e em seu item 2, acerca dos acidentes nucleares.

O fato danoso, via de regra, é pressuposto da obrigação de reparar e, conseqüentemente, um elemento necessário para a configuração do sistema de responsabilidade civil. Segundo, a definição anteriormente mencionada o dano nuclear abrange qualquer lesão ao bem jurídico vida, causado por atividades ou condutas de pessoas físicas ou jurídicas em resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados.

Basicamente, em termos de energia nuclear, a diferença entre acidente e dano se reduz à ordem cronológica em que os fatos acontecem. O dano nuclear é lesão resultante de acidente ou evento adverso, é conseqüência de um desastre, que altera o meio, manifestando-se através de perdas humanas, bens materiais, instalações ou ecossistemas que resultem da exposição de radioatividade ou da combinação desta com propriedades tóxicas, explosivas ou outras propriedades perigosas do combustível nuclear ou dos produtos e rejeitos radioativos.

O dano nuclear caracteriza-se, pois, pelo dano pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas que se encontrem em qualquer instalação manipulante de fontes de energia nuclear. Já o acidente nuclear, com este não pode ser confundido, uma vez que representa o próprio desastre capaz de causar danos nucleares.

Para que finalmente possamos diferenciar um termo do outro tomemos o seguinte exemplo: O lançamento da bomba atômica sobre as cidades de Hiroshima/Nagasaki representou um acidente nuclear. A bomba de fissão nuclear de 12 quilotons de urânio, enriquecido a mais de 90%, lançada sobre a cidade de Hiroshima e a de plutônio, de potência equivalente, lançada sobre Nagasaki marcaram a emergente utilização da energia nuclear com interesses econômicos na indústria bélica. Deste evento podem-se vislumbrar os danos causados pelo material radioativo enviado à atmosfera numa espessa nuvem de poeira. Os danos pela explosão nuclear geraram três formas distintas de lesões, sendo uma delas representada pelo dano nuclear. Os danos gerados apresentaram-se sob a forma de danos por radiação térmica, danos por onda de choque e danos por radiação nuclear propriamente dita.