A proposta desta pesquisa é apresentar as primeiras reflexões de uma investigação. Que tem como foco principal o processo que a criança passa para aprender a linguagem escrita. Tendo como referencial teórico Soares (2008) e Cavalcante; Freitas (2008). Para melhor caracterizarmos a língua escrita, serão considerados três aspectos fundamentais no seu processo de aprendizagem: a natureza da língua escrita, o uso da língua e a diferença entre a língua escrita e falada.


Buscaremos relacionar os conceitos da psicogênese e da psicolinguística à escrita.
Numa tentativa de entendermos de um modo significativo a construção, o processo e os conflitos cognitivos que perpassam e permitem às crianças a aquisição do sistema de escrita. A pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Alagoas (CEDU) é de cunho qualitativo. E a abordagem metodológica adotada será estudo de caso. A escolha desse tema está relacionada ao fato de percebermos as dificuldades que as crianças encontram-se ao se depararem com a linguagem escrita no processo de alfabetização.
Para compreendermos melhor o processo de aquisição da escrita foi feita uma entrevista com uma criança de oito anos e que está cursando o terceiro ano do ensino fundamental (antiga 2ª série) numa escola privada. Buscando investigar o processo de aquisição da escrita nos anos iniciais da escolarização das crianças.

1. A influência da psicogênese e da psicolingüística na prática pedagógica da alfabetização brasileira

O processo de aprendizado infantil mostra que a alfabetização não depende dos métodos de ensino e de manuais. Mas, da forma como determinada criança se desenvolve por meio da leitura e escrita. Segundo Ferreiro e Teberosky (1985, p.6-7) "é buscando construir seu conhecimento através de elaboração de hipóteses e do produto de um conflito cognitivo que permite à criança avanços frente ao sistema da escrita" ¹.
A proposta de Emília Ferreiro e Ana Teberosky acerca da psicogênese causou uma "revolução" na história da alfabetização brasileira, pois o foco se deslocou para o campo da aprendizagem da linguagem escrita. Antes predominava como objeto central o ensino*.
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¹ Para um maior aprofundamento do assunto "psicogênese" ler: FERREIRO, Emília, TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Trad.Diana Myrian Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Porto Alegre: Artes Médica. Ver também: *PERES, Eliane; Porto, Gilceane Caetano. Concepções e práticas de alfabetização: O que revelam cadernos escolares de crianças? GT10-5894. Ufpel e UNIPAMPA. Disponível em: www.anped.com.br Acesso em: 27. Out. 2009.

Foi a partir da década de 80 que a tendência psicogenética ganhou "fôlego" com a influência piagetiana na alfabetização no Brasil. Mas, é decorrente dessas transformações que os métodos utilizados no processo de alfabetização começaram a serem questionados. Será que é possível estabelecer uma "visão revolucionária" da psicogênese e da psicolinguística na aprendizagem da leitura e escrita nas instituições escolares arraigadas pela presença do associacionismo durante várias décadas? Não será fácil, mas não é um caso impossível de acontecer. Não será fácil, mas também não será impossível. Requer uma mudança de "visão" geral da instituição escolar. Os professores, principalmente precisam querer e de fato por em prática essa proposta construtivista.
A concepção psicogenética tem como referência a vertente psicolinguística. Que Considera a criança como um sujeito ativo que é capaz de conduzir o processo de aprendizagem. Definindo seus próprios problemas e construindo suas próprias hipóteses e estratégias para resolvê-los. Diferente da concepção associacionista que faz parte do quadro teórico da perspectiva instrumental que concebe a criança como um ser que depende de estímulos (reforçadores) externos para produção de respostas. O método é fator fundamental da aprendizagem. Já que por meio de sequências hierarquicamente ordenadas a criança aprenderia a ler e escrever.
É a partir da introdução da concepção da psicogênese na prática escolar da alfabetização. Que foram observadas mudanças bastante relevantes nesse processo.
Principalmente em relação ao modo de avaliar os "erros" do alfabetizando. Para melhor situarmos como são interpretados e avaliados tais "erros".
Foi realizada uma entrevista com a criança ². Por meio de um ditado avaliativo individual. A criança escreveu pequenas composições acerca do campo semântico "aniversário". Que serão analisadas segundo a concepção da psicogênese e da psicolingüística.


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² Para preservar a identidade da criança foi utilizado o pseudônimo : criança



Segundo Soares (2008, p.113):


A psicogênese e a psicolingüística já vem exercendo saudável influência na alfabetização, enquanto aprendizagem do aspecto convencional- gráfico da escrita e do aspecto simbólico da notação gráfica; é necessário, porém, que se avance para além dessa etapa inicial de acesso à língua escrita, alterando-se as condições de leitura e produção de texto na escola, de modo que a criança conviva com as regras discursivas do texto escrito e possa assim construir seu conhecimento e fazer uso delas.

A concepção conceitual da psicogênese trouxe um novo olhar à alfabetização brasileira concebendo os "erros" como construtivos no processo de aquisição da escrita.

2. Análise e reflexões acerca da escrita da criança

Composição 1





Escrita espontânea da criança



A Composição 1 evidencia que a criança " erra" sistematicamente quanto à empregabilidade do uso da letra [r] na palavra" aniversário". Pois se repete várias vezes da seguinte maneira: anivesario.
O que chama a atenção do observador é que ela escreveu quatro vezes essa mesma palavra, só que grafou corretamente na terceira e quarta vez.
Isso mostra que a criança está sofrendo um conflito cognitivo acerca da utilização da letra r, pois a dúvida ainda imperra acerca da utilização, ou não desta letra. Quanto à grafia de "aruma" por arruma a grafia correta, nota-se que a criança rejeita mais uma vez o uso da letra [r]. Em relação ao uso do [ç] da grafia "lembrancinha'" (lembransinha), nota-se que a criança grafou-a com a letra "s" de uma forma incorreta. A palavra lembrancinha deriva da palavra "lembrança". Mas a escrita desta palavra se escreve com c. A criança mostra que tem dificuldades acerca da empregabilidade do" ç" confundindo com o uso do "s". Percebe-se que a criança grafou a palavra presente incorretamente (presenti) trocando o [e] pelo i. Em relação à palavra unido, ela também grafou incorretamente (onido) trocou o [u] pelo o. Ás vezes è possível confundir o emprego de "u e "o" "na grafia de algumas palavras. Como o som do "e" em determinadas palavras adquire o som i. Isso mostra que a criança enfrenta um conflito cognitivo quanto ao uso do "e".





Nota


³ O uso do ç. Ver. CAMPEDELLI, Samira Youssef, Souza, Jésus Barbosa. Minigramática. 2ª edição, Editora Saraiva 1998.

Essa é uma representação do que a criança escreveu. Devido à falta de coordenação motora, nesta composição da escrita da criança . Foi preciso transcrever o que ela havia escrito, pois algumas palavras foram cortadas.


O anivesario é um momento de alegria para todas as crianças que tem passado pelo um anivesario. É bom que nós ganhamos presenti É todo mundo fica feliz. É tem lembransinha. Tem muitas coisas boas É todo mundo fica mais bonito se aruma e todo mundo onido. na quele aniversario. É bom porque nós ficamos mais velhos. O aniversario e bom




Composição 2





Escrita espontânea da criança

Na composição 2 a criança grafa incorretamente a palavra "aniversariante" escrevendo-a como anivesariante. Percebe-se que o "erro" se repete quanto ao uso do [r]. Numa palavra derivada de aniversário. Na qual a criança demonstrou não ter superado ainda o conflito cognitivo. Com relação à grafia de tortillete, a criança "escreveu "tortilete". É de se esperar esse "erro", pois a palavra tortillete é de origem francesa (estrangeira), isto é, não faz parte do hábito e da cultura brasileira.

Composição 3




Escrita espontânea da criança

Podemos observar na composição 3, que a criança , já começa a ter uma concepção acerca da substituição do sujeito "aniversariante", por um pronome pessoal do caso reto (ela). Não repetindo desnecessariamente o sujeito. O conflito cognitivo aparece na questão dos marcadores das orações (conectivos) e na pontuação. Ou melhor, na falta deles.




Foram analisados os seguintes pontos: a linguagem escrita e oral; e o modo como elas perpassam o processo de alfabetização; as dificuldades gramaticais, etc. A forma que a criança escreveu, ou seja, a legibilidade das letras e palavras e dos grafemas.
Observa-se que a compreensão do sistema de escrita está bem desenvolvida cognitivamente. Porém, a questão da ortografia e da pontuação foi a sua maior dificuldade. A criança encontra-se no período alfabético, pois consegue reconhecer os grafemas que correspondem aos valores sonoros menores que as sílabas *. Ela demonstrou durante a entrevista ter certa habilidade em relação à linguagem oral. Tanto que ela citou como "preferências" as atividades desenvolvidas na sala de aula e em grupo. De acordo com Cavalcante; Freitas (2008, p.18) :

O desenvolvimento da alfabetização ocorre, em um ambiente social, mas as práticas sociais não são recebidas passivamente pela criança, ao contrário ela tenta compreender e transformar os conhecimentos de forma a preservar a função social da escrita. A língua está viva nos textos produzidos, orais e escritos, verbais e não- verbais.

É evidente que a linguagem oral se difere da linguagem escrita, pois cada uma segue um esquema distinto. Não podemos transcrever para a escrita exatamente como falamos. Pois, a escrita é a representação da fala, não é a transcrição dela.
Porém, as duas se encontram e se completam no processo de alfabetização e letramento. A análise acerca da linguagem oral e escrita é descrita por Marcuschi (2001, p.20) da seguinte forma:

A relação oralidade e escrita não pode ser mais vista de forma dicotômica, porque "ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes", permitindo a elaboração de pensamentos abstratos e variações estilísticas sociais e dialetais. As limitações e alcances de cada uma são fornecidas pelos meios básicos de sua realização, ou seja, som e grafia.

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* Foram utilizados elementos do capítulo: Alfabetização e letramento que faz parte do livro elaborado por CAVALCANTE, Maria Auxiliadora da Silva; FREITAS, M. L. O ensino da língua portuguesa nos anos iniciais: eventos e práticas de Letramento.Maceió: EdUFAL.



O hábito da leitura faz parte do dia-a-dia da criança. O que possibilita um melhor desenvolvimento da oralidade da escrita e de suas relações sociais. Para Soares (2001, p.20) "as atividades de leitura e escrita proporcionadas pelos eventos de letramento permitem que os sujeitos percebam diversas formas de escritas presentes no mundo e entendam o seu funcionamento".
De acordo com Ferreiro (2001, p. 9) "para que uma pessoa faça uso social da leitura e da escrita é necessário fazer uso das práticas reais que envolvam esses dois conhecimentos". A interação social favorece a oralidade e consequentemente a escrita. Uma criança que não faz uso da linguagem oral terá bastante dificuldade na aquisição da escrita, pois uma complementa a outra.

Resultados obtidos

O resultado mostrou que a criança enfrenta alguns conflitos cognitivos. Principalmente acerca da utilização da ortografia, pontuação e dos marcadores de relações (conectivos). A pesar dessa "defasagem cognitiva". Percebe-se que a linguagem oral da criança está bastante desenvolvida. O que facilita à aquisição da escrita. Contudo, observa-se nos resultados desta pesquisa da necessidade de se pensar na escrita da criança de uma forma construtiva. Atendendo-a não só cognitivamente, mas principalmente socialmente.

Considerações finais

Observar o desenvolvimento da escrita das crianças nos anos iniciais de sua escolarização se faz necessário, para um melhor entendimento acerca do nível das habilidades cognitivas, metacognitivas e motora. Com o intento de estabelecermos relações entre elas e expressá-las de uma maneira adequada. Além de constituir um dos principais instrumentos para o registro de contextualização, do processo de aprendizagem das crianças.
E consequentemente no sentido de adquirir uma visão particular de cada criança e ao mesmo tempo integral. Para os docentes é de extrema relevância rever os métodos de alfabetização que estão aplicando na sala de aula.
A fim de evitar o fracasso no ensino e na aprendizagem da leitura e da escrita. E principalmente do fracasso escolar que é um tema e um desafio que permanece atualíssimo na educação brasileira.


Referências


CAVALCANTE, Maria Auxiliadora da Silva; FREITAS, M. L. O ensino da língua portuguesa nos anos iniciais: eventos e práticas de Letramento. Maceió: EdUFAL

PERES, Eliane; Porto, Gilceane Caetano. Concepções e práticas de alfabetização: O que revelam cadernos escolares de crianças? GT10-5894. Ufpel e UNIPAMPA. Disponível em: www.anped.com.br
Acesso em: 27. Out. 2009.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 5. Ed. São Paulo: Contexto, 2008.