A CONCEPÇÃO DE TEMPO EM SANTO AGOSTINHO

David Camilo[1]

Resumo:

Entre os grandes autores da história da filosofia Medieval, Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho, ocupa um lugar de destaque. Tendo tratado filosoficamente sobre a questão da existência de Deus, abordou dentro desse tema vários assuntos, provas e reflexões como: a Fé na Trindade, O Exemplarismo, a ordem moral, a caridade como cerne da moral, as provas: psicológica, moral e cosmológica da existência de Deus e mais alguns outros caminhos que julgou necessário para formular sua estrutura de pensamento.

Uma das reflexões que fazem parte da questão tratada por Agostinho é o conceito de tempo.

Neste trabalho tenho por objetivo analisar e compreender o pensamento de Santo Agostinho em relação ao conceito de tempo em seu aspecto psicológico, para em seguida, compreender a idéia de passado, presente e futuro estabelecendo relações entre si. A problemática tratada neste trabalho consistirá em tentar responder de forma argumentativa a seguinte questão: Como pode o presente "ser", dado que, passado e futuro "não são?"

Palavras-chave: Agostinho, Deus, tempo, passado-presente-futuro, alma.

Riassunto:

Tra in grandi autori della storia della filosofia Medievale, Aurelius Agustinus, più conosciuto come Santo Agostino, occupa un posto di distacco. All'interno della questione della esistenza di Dio, Agostino ha abbordato diversi argomenti, prove e riflessioni come: la Fede, le prove: psicologica, morale e cosmologica della esistenza di Dio e più alcuni altri cammini che ha giudicato necessario per formulare la sua struttura di pensiero.

Una delle riflessioni che fanno parte della questione trattata da Agostino è il concetto di tempo.

In questo lavoro ho per obbiettivo fare l'analisi e comprendere il pensiero di Santo Agostino in rapporto al concetto di tempo nel suo aspetto psicologico, per in seguito comprendere l'idea di passato, presente e di futuro stabilendo i rapporti tra di loro. La problematica trattata in questo lavoro consisterà in cercare di rispondere in modo argomentativo la seguente questione: Come il presente può "essere", giacché il passato e il futuro "non sono"?

Parole chiavi: Agostino, Dio, tempo, pasatto-presente-futuro, anima.

Introdução

Este artigo tem por objetivo analisar e compreender o pensamento de Santo Agostinho (354-430) em relação ao conceito de tempo em seu aspecto psicológico, para em seguida, compreender a idéia de passado, presente e futuro estabelecendo relações entre si. Para que isso seja possível, será necessário buscar no pensamento de Agostinho, como se deu o conceito de tempo e que situação o levou a refletir sobre esse assunto.

É importante sabermos que Agostinho viveu na época Medieval e também por esse motivo seu pensamento trata de questões relacionadas à existência de Deus. Dentro desse assunto aborda uma série de reflexões para que se chegue a uma linha de pensamento solidificada a respeito desse tema. Uma destas reflexões é o tempo, o qual será tratado neste trabalho.

Deste modo, levando em consideração a concepção de tempo que o mundo em que vivemos exerce sobre nós, nos faz buscar e mostrar a partir de uma outra perspectiva, neste caso Santo Agostinho, as possíveis carências e ou deficiências que temos da visão de tal conceito. Para tanto, analisar a concepção de tempo torna-se um elemento de suma importância para compreendê-lo e percebê-lo a partir de uma outra ótica.

COMPREENSÃO E RECONSTRUÇÃO DO TEMA

O tempo é algo que mexe com todos e está na boca e no cotidiano de todas as pessoas. Como diz Agostinho, "que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo?".Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando deles nos falam". Contudo, quando queremos nos colocar a explicá-lo, já não mais o sabemos.

Forçado pela controvérsia com os maniqueus, Agostinho assume uma postura equilibrada e cautelosa diante do difícil enigma (implicatissimum aenigma-cf. Conf.,XI, 22, 28). Por isso, diante da pergunta ontológica: "o que é, por conseguinte, o tempo?" (Conf., XI, 14, 17), ele responde: Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei" ( Conf., XI, 14, 17). Essa resposta de Agostinho não impede, entretanto, que ele seja ousado em sua construção, considerada, até hoje, como uma das mais importantes.

Agostinho usa com grande maestria a dialética para expor suas idéias, para tanto, usaremos também deste método para melhor compreendermos seu raciocínio.

Entre os grandes autores da história da filosofia Medieval, Aurelius Augustinus, mais conhecido como Santo Agostinho, ocupa um lugar de destaque. Tendo tratado filosoficamente sobre a questão da existência de Deus, abordou dentro desse tema, vários assuntos, provas e reflexões como a Fé na Trindade, O Exemplarismo, a ordem moral, a caridade como cerne da moral, as provas: psicológica, moral e cosmológica da existência de Deus e mais alguns outros caminhos que julgou necessário para formular sua estrutura de pensamento e assim explicar essa existência. Uma das reflexões que fazem parte da questão da existência de Deus tratada por Agostinho é o conceito de tempo, em seu aspecto psicológico.

O tempo é um ser de razão com fundamento na realidade. Santo Agostinho estuda o problema do tempo sob o aspecto psicológico: como nós o apreendemos. Não o estuda sob o aspecto ontológico: como é em si mesmo. Para este último caso teria de considerá-lo como indivisível.[2]

Esta afirmação torna-se muito importante para entender e contextualizar o pensamento de Agostinho. A afirmação de que o pensador refletia o tempo no aspecto subjetivo, ou psicológico, mostra que é preciso que o homem se perceba em relação a si mesmo e ao mundo entendendo como isso se dá.

Para compreendermos melhor sobre o conceito de tempo em Santo Agostinho, é necessário que se entenda de onde parte essa reflexão e a que ela está ligada.

Em sua argumentação dialética para provar a existência de Deus, Santo Agostinho desenvolve uma série de reflexões dentro desse pensamento para fazer-se melhor compreendido. Dentro dessa dinâmica, o problema do tempo tem como ponto de partida a existência de Deus e a criação do mundo.

Não houve nenhum tempo em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo. Nenhuns tempos Vos são coeternos, porque Vós permaneceis imutável, e se os tempos assim permanecem, já não seriam tempos. Que é, pois, o tempo?

Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender mesmo só com o pensamento.[3]

Santo Agostinho para explicar que não havia possibilidade de existir tempo antes da criação do mundo, descreve sobre a superioridade de Deus em relação ao tempo e a inferioridade deste para com Aquele, que é bem explicitada na seguinte citação:

Como poderiam ter passado inumeráveis séculos, se Vós, que sois o autor de todos os séculos, ainda os não tínheis criado? Que tempo poderia existir se não fosse estabelecido por Vós? E como poderia esse tempo decorrer, se nunca tivesse existido?[4]

Certamente foi Santo Agostinho quem, ante o colapso da Civilização Antiga e ao principiar toda sua filosofia por uma análise do fenômeno do tempo, deu o passo decisivo na direção do subjetivismo transcendente. Agostinho foi o primeiro pensador a ousar associar a consciência do Eu à intuição do Tempo.foi também o primeiro, concomitantemente, a introduzir essa noção temporal como elemento essencial de todo filosofar religioso e moral. Há aí uma coincidência curiosa e enigmática. A filosofia do Tempo, a qual o bispo de Hipona surpreendentemente intuiu, se enquadra tanto em sua obra eminente de Apologética como na análise psicológica, essencialmente subjetivista e "existencial", que empreendeu em suas famosas "Confissões", onde nos deparamos com um arrazoado de natureza metafísica.

O tempo que conhecemos é dividido da seguinte maneira:

1-Presente: sucessão de fatos que acontecem no aqui, agora, neste momento.

2-Passado: sucessão de fatos que já decorreram em um presente já superado.

3-Futuro: sucessão de fatos que não ocorreram, não ocorrem agora, mas que ainda irão ocorrer.

Para Santo Agostinho, o tempo presente existe, mas interroga-se em relação ao passado e ao futuro, já que não podem ser medidos pela sensibilidade."Se existem coisas futuras e passadas, quero saber onde elas estão. Se ainda o não posso compreender, sei todavia que em qualquer parte onde estiverem, aí não são futuras nem pretéritas, já lá não estão.[5]

O pensamento de Agostinho analisa os três tempos não como sendo três, mas como um só tempo, pois o analisa como um tempo contínuo, e, sendo assim, classifica-os como um eterno presente do seguinte modo:

PRESENTE DO PRESENTE, PRESENTE DO PASSADO E PRESENTE DO FUTURO.

Dado isso:

1 – O presente é:

O presente é porque o vivo neste momento e por isso posso percebê-lo e com isso medi-lo.

2 – O passado não é:

O passado é tempo, porém um tempo que já passou e se já passou não pode ser medido pela sensibilidade, portanto ele não é.

3 – O futuro não é:

O futuro ainda não chegou, por isso, não podemos medi-lo, portanto ele não é.

Tendo em vista que para Agostinho existe um único tempo, a partir desta perspectiva, podemos então, através de uma análise crítica, levantar a problemática que norteia esta pesquisa: "Como pode o presente "ser", dado que, passado e futuro "não são?"

Assim como Agostinho, Plotino, algumas décadas antes, já afirmava que o tempo não existe fora da alma: "é a vida da alma e consiste no movimento graças ao qual a alma passa de uma condição de sua vida para outra". Assim, pode-se dizer que até o universo está no tempo só na medida em que está na alma, ou seja, na alma do mundo.[6]

Já na filosofia moderna, Bergson reexpôs essa concepção, contrapondo-a ao conceito científico de tempo. Segundo ele, o tempo da ciência é espacializado e, por isso, não tem nenhuma das características que a consciência lhe atribui. Ele é representado como uma linha, mas a linha é imóvel, enquanto o tempo é mobilidade. A linha já está feita, ao passo que o tempo é aquilo que se faz; aliás, é aquilo graças a que todas as coisas se fazem. [7]

Em sua primeira obra, Essai sur lês données immédiates de la conscience, Bergson insistira na exigência de considerar o tempo vivido ( a duração da consciência) como corrente fluida na qual é impossível até distinguir estados, porque cada instante dela transpõe-se no outro em continuidade ininterrupta, como acontece com as cores do arco-íris. Esse ficou sendo o conceito fundamental de sua filosofia. Segundo Bergson, o tempo como duração possui duas características fundamentais: 1º novidade absoluta a cada instante, em virtudedo que é um processo contínuo de criação; 2º conservação infalível e integral de todo o passado, em virtude do que age como umabola de neve e continua crescendo à medida que caminha para o futuro.

Não muito diferente, é o conceito de Husserl sobre o "tempo fenomenológico". Ele afirma: "Toda vivência efetiva é necessariamente algo que dura; e com essa duração insere-se em um infinito contínuo de durações, em um contínuo pleno". Tem necessariamente um horizonte temporal atualmente infinito de todos os lados. Isso significa que pertence a uma corrente infinita de vivências. Cada vivência isolada, assim como pode começar, pode acabar e encerrar sua duração; é o que acontece, por exemplo, com a experiência de uma alegria. Mas a corrente de vivências não pode começar nem acabar. Isso significa que, assim como a duração bergsoniana, a corrente de vivências tudo conserva e é uma espécie de eterno presente.

QUANTO AO TEMPO PSICOLÓGICO, HISTÓRICO E CRONOLÓGICO.

A Agostinho devem-se as primeiras análises sobre o tempo e ele mesmo reconheceu que é muito difícil encontrar uma resposta sobre "o que é o tempo?" afirmando que é um dos conhecimentos que todos sabemos o que é, todavia, sabemos também que não é fácil explicá-lo. Toda a nossa vivência é feita num tempo.

O tempo nas diversas dimensões que possui, não deixa, entretanto, de ser um só tempo, ou seja, único. Contudo, toda a nossa vivência situa-se num tempo cronológico, num tempo histórico e num tempo psicológico. O nosso nascer, o crescer, envelhecer e morrer estão sempre situados num tempo, porque "Espaço e Tempo" fazem parte da nossa existência.

Quando estamos esperando ansiosamente uma pessoa em um encontro e esta pessoa está atrasada a apenas alguns minutos, parecem-nos esses minutos longas horas, todavia não foram horas mas sim minutos. Isto denota que o tempo também é afetado pelo nosso espírito, ou seja, é abstraído psicologicamente como se tivesse outro tipo de contagem fora do relógio, que faz com que se prolongue ou se abrevie. Na realidade o temponão para, mas quantas são as vezes que nos parece ter parado? Quantas ocasiões a nossa noção de tempo parece estar a parte ao tempo cronológico?

Pois bem, a partir disso, verifica-se que o tempo da consciência ou tempo psicológico não se regula ao mesmo passo ou a mesma medida que o tempo cronológico.

O TEMPO E SUAS DIMENSÕES

John Quinn[8], em seu artigo El Tiempo en San Agustín, explicita a plena consciência que Agostinho possui sobre as várias dimensões presentes no tempo, que são:

1- Tempo Psicológico –futuro, passado e presente existem na alma por atos psíquicos.

2- Tempo Físico-tempo é uma distenção da alma.

3- Tempo Moral- o tempo não depende do movimento físico.

4- Tempo Histórico- estabelece que o tempo real é o presente.

Todos estes elementos estão bem presentes e pontuados no texto de John M Quinn em seu artigo intitulado El Tiempo en San Agustín.

No tempo psicológico, o qual é tratado neste trabalho, e que, por conseguinte mais nos interessa, a investigação teórica levanta três questões: Existe o objeto? O que é? Qual é a sua dignidade ou valor ôntico?. A duvida acerca da existência do tempo está suscitada brevemente, e depois se desfaz em seguida, porque há testemunhos massivos em favor da realidade do tempo. O status ôntico do tempo é ressaltado implicitamente em algumas referências a inferioridade do tempo em comparação com a eternidade. O tratado sobre o tempo se centra quase exclusivamente na tarefa de formular uma definição do tempo.

A exposição se divide em três partes: a parte primeira estabelece que o tempo real é o tempo presente; a parte segunda afirma que o tempo não depende do movimento físico, a parte terceira afirma empiricamente que o tempo é uma distenção da alma, com provas que resolvem a perplexidade inicial. Um capítulo final resolve o problema inicial. Fazendo ver que o futuro, o passado e o presente, existem na alma por atos psíquicos.

Antes da investigação, sabemos e não sabemos o que é o tempo. Se ninguém suscita a questão, sabemos o que é o tempo; uma percepção teoricamente vaga e prática do tempo está indicada na maneira de falar acerca do tempo passado, do tempo presente e do tempo futuro. Mas quando convidados a dar uma definição, não somos capazes inicialmente de declarar com precisão o significado do tempo. Quando uma investigação rudimentaria pode desfaze-se de que exista um passado e um futuro, sem dúvida uma análise ulterior reabilita sua condição real. Se o passado e o futuro foram completamente inexistentes, então não seriam conhecíveis. Mas partes da literatura profana e sagrada predizem o futuro ou voltam a contar o passado. Além do que, nem o passado existe como passado nem o futuro existe como futuro; se não que ambos existem precisamente como presentes.

As imagens que Agostinho evoca de sua infância são reavivadas na memória presente. O futuro existe antes de sua atualização como evento em projetos presentes. A observação presente implica uma concepção antecipada do que o processo presente significa ao que está preordenado casualmente; o amanhecer prediz a saída do sol, ou seja, em outras palavras: os três tempos são em algum sentido tempos presentes: tempo como presente, tempo como re-presente (novamente presente), tempo como pré-presente (antecipadamente presente). Aquio presente não designa o presente físico, que é puntiforme e indivisível. Se o presente físico fosse divisível, então seria impossível dividir o futuro do passado, de certa forma o passado e o futuro se fundiriam.

TEMPO COMO DISTENÇÃO DA ALMA

Aqui temos nítidos exemplos, no caso três induções, que verificam empiricamente que o tempo é uma distenção da alma.

Na seção Deus creator omnium,o ouvido – com prática – compara sílabas largas. Nós não podemos medir sílabas passadas, a menos que as mantenhamos em existência, não medimos os sons físicos agora passados, mas sim suas impressões psíquicas ainda presentes.

Assim como medimos os tempos em que os corpos estão em repouso, também damos atributos de tempo a períodos de silêncio. Com a imaginação podemos por uma longitude temporal de som ao longo das pausas que serão medidas, somente porque o tempo é uma distenção psíquica. Em certas ocasiões o silêncio é anterior a ação de falar.

A prática interior de uma poesia memorizada mede uma duração de som antes que seja pronunciada; a longitude do som que deve exteriorizar-se é medida por uma distenção interior em silêncio. Estas induções, que culminam com anterioridade as análises dialéticas, dissipam a perplexidade inicial.

O paradoxo do conhecer e do não conhecer o tempo. A definição do tempo como distenção pavimenta o caminho para resolver o problema de como existem e coexistem tempos fisicamente inexistentes. O futuro, o presente estendido e o passado recebem sua continuidade por atos da alma. A expectação fundamenta o futuro; o aguardar corresponde o presente; a memória retém o passado.

Ao apreender o tempo, nos retemos mentalmente o fator anterior e o fator posterior juntamente com os seguimentos interpostos: o tempo, tal como o conhecemos, é uma linha do tempo psíquico. Para alguns que ainda insistem em que, aos olhos de Agostinho, o tempo é irremediavelmente subjetivo, uma pura "construção" da mente, a plena verdade de que para Agostinho o tempo não é menos objetivo e não é menos subjetivo que o movimento. Como o tempo, seu concomitante, o movimento em sua totalidade, é apreendido também unicamente pela atividade retentora da mente, ou seja, a mente é onde podemos medir os intervalos de tempo.

Segundo alguns autores, a distenção de Agostinho é uma tradução aproximada de La diastases de Plotino, para quem a distenção da vida da alma implica tempo. Segundo a apreciação de Plotino, que é metafísica e não natural-psicológica, o tempo não pertence a alma humana, mas sim a Alma. Posto que a alma causa a natureza e, por tanto, o tempo, sua vida é a única que é verdadeiro tempo.

O TEMPO E SUA MEDIDA

É claramente notada uma distinção entre aqueles que postulam um tempo exterior, ou um tempo absoluto como que embutido no espaço e passível de medição, como relata José Osvaldo no artigo Implicatissimum Aenigma: O Tempo e Santo Agostinho, e aqueles que, na linha de Agostinho, se debruçam sobre o tempo subjetivo, na intimidade da alma ou da consciência. Pois bem, medimos o tempo como desejam os físicos e os naturalistas.

Diria Bergson, contudo, que medimos a durée, medimos a duração do tempo pela confirmação da memória relativa à permanência, ordenada e sucessiva, de fenômenos observados, de eventos constatados ou de idéias pensadas. Mas, afinal, como podemos medir aquilo que não existe concretamente? De fato, como podemos fazê-lo se o passado já passou, se o futuro ainda não chegou e se o presente não se fixa numa extensão permanente da realidade observada? Como para Agostinho, "O que é o presente senão um simples ponto de transição entre a imensidão do passado e o abismo do futuro", esvaecendo antes mesmo que sobre ele se possa aplicar qualquer medida?" E o futuro? Não é verdade que, para mim, só existe futuro como uma imagem antecipada, em minha consciência,daquilo que se impõe sobre mim como determinação externa ou como aquilo que espero e aguardo. Na verdade, tudo que é passado não mais existe. O passado existiu. Tudo que é futuro não existe, pois existirá. E tudo que é presente tampouco existe pois apenas configura a transição imediata e instantânea do passado para o futuro. Características essas apontadas por José Osvaldo analisando o tempo agostiniano.

A existência só é valida, portanto, numa extensão de tempo, numa durée bergsoniana eminentemente subjetiva ou numa outra dimensão que corta perpendicularmente as três dimensões do espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No livro XI de suas "Confissões", as palavras de Agostinho sobre o tempo tornaram-se justamente célebres e sempre merecem ser citadas, até mesmo, pelo seu sublime valor metafísico e também pelo seu conteúdo moral: "O que é então o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se devo explicá-lo a quem me levanta a questão, não sei (Quid est ergo tempus? Si nemo ex me quaerat scio; se quaerenti explicare velim, néscio)". E continua sua meditação: "Mas de qualquer forma isto, pelo menos, ouso afirmar que sei: se nada houvesse ocorrido, não haveria tempo passado; se nada se aproximasse, não haveria tempo futuro; se nada há, não haveria tempo presente".

Outra vez nos encontramos envoltos em nossa problemática e percebemos como ela percorre todo o longo caminho em nossa empreitada durante esta pesquisa. Isso se torna notório quando continua Agostinho em sua meditação:"Mas os dois tempos, passado e futuro, como podem ser, uma vez que o passado já não é mais, e o futuro ainda não é? Por outro lado, se o presente sempre fosse presente e nunca fluísse para longe no passado, não seria tempo de modo algum, porém eternidade.

Em suas "Investigações" sobre a Natureza da Filosofia, Ludwig Wittgenstein assinala que a pergunta sobre algo que sabemos quando ninguém nos pergunta, mas que não mais sabemos quando somos solicitados a fornecer uma explicação, é algo difícil que devemos lógica e constantemente recordar na pesquisa.

O esforço de compreensão lógica da questão que se colocou na mente do pensador possui uma profundidade peculiar. Ela está desde logo, obviamente, diante de nossa mente. Mas, em certo sentido, não podemos compreendê-la. Wittgenstein tentou desenvolver a investigação filosófica pela análise gramatical do fenômeno do tempo.

No entanto, na discussão, em contexto fenomenológico e psicológico, assinala Agostinho que o passado, o presente e o futuro encontram-se na alma, respectivamente, como memória, como contuitus (visão, observação, percepção) e como exspectatio (espera, expectativa). É este o problema central que se depara perante nossa angustiada curiosidade filosófica.

Foi Edmund Husserl um dos primeiros pensadores modernos a salientar a importância da descoberta feita por Agostinho.

Em sua "Fenomenologia da Consciência do Tempo Interior", acentua o filósofo alemão que, nos textos citados, se descobre o cerne da psicologia descritiva e da teoria do conhecimento tendo sido Agostinho "o primeiro a sentir as dificuldades tremendas com que aí nos deparamos e o primeiro a sobre elas trabalhar quase que com desespero". Husserl acrescenta que o livro XI de as Confissões deve ainda ser estudado em profundidade por quem quer que se ocupe com o problema do tempo."Pois tão segura de seus conhecimentos, a modernidade não avançou tão gloriosamente ou consideravelmente mais adiante nessa matéria do que o grande e perseverante pensador". Husserl conclui a introdução do argumento de seu livro com a famosa citação: "si nemo a me quaerat, scio: si querenti explicare velim, néscio"...

No entanto, na discussão, em contexto fenomenológico e psicológico, assinala Agostinho que o passado, o presente e o futuro encontram-se na alma, respectivamente, como memória, como contuitus (visão, observação, percepção) e como exspectatio (espera, expectativa). É este o problema central que se depara perante nossa angustiada curiosidade filosófica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões, Os Pensadores Humanos (Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973.

AGOSTINHO, Santo. Confissões, Pensamento Humano (Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Vozes ltda, Rio de Janeiro, 1988.

DIEZ, Carmen; Tempo pensado e Tempo construído.2000. Monografia (Graduação em Ciências Humanas) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

LIBERA, Alain, A filosofia Medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1990GUERERO, Rafael Ramón.

MADEC, Golven. Dictionnaire des Philosophes: Tradução Denis Heisman, São Paulo, Ed. Martins Fontes. 2001. Título do original francês.

RUFINI, José Renivaldo. Passado, Presente e Futuro: O tempo da consciência e a consciência do tempo no pensamento de Santo Agostinho. In: Veritas: Porto Alegre: Edipucrs. Vol. 48. Nº 3. Setembro 2003. p. 351 – 359.

QUINN, John M. El Tiempo en San Agustín. Dicionario de San Agustín: San Agustín a traves del tiempo: Monte Carmelo.1999.

A.M. Johnston: Time as a Psalm in St Augustin.

AYER, A.J. As Idéias de Bertrand Russell. São Paulo: Cultrix, 1974.

RUSSELL, Bertrand. A análise da Mente. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. (Muirhead of philosophy)


[1] Graduando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

[2] AGOSTINHO, Santo. Confissões, Pensamento Humano (Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Vozes ltda, Rio de Janeiro, 1988.

[3] AGOSTINHO, Santo. Confissões, Os Pensadores Humano ( Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973. Pág. 243

[4] AGOSTINHO, Santo. Confissões, Os Pensadores Humano ( Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973. Pág. 243

[5] AGOSTINHO, Santo. Confissões, Os Pensadores Humano ( Trad. J. Oliveira e ª Ambrósio de Pina) Ed. Abril, São Paulo, 1973.

[6] IBID, III, 7, 3.

[7] LA PENSÉE ET LE MOUVANT, 3ª ed., 1934, p. 9.

[8] Pesquisador e professor espanhol especialista em filosofia Medieval.