A CIDADE DIVIDIDA: DA INCLUSÃO PRECÁRIA À TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA

[1]Aiala Colares de Oliveira Couto

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Ufpa / E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo faz uma análise do processo de urbanização brasileira destacando os problemas estruturais que as cidades e em especial as metrópoles vem sofrendo, problemas como; exclusão social, ocupação espontânea desestruturada, violência urbana e informalidade, o acelerado processo de urbanização que o Brasil vivencia a partir da década de cinqüenta, impulsionado pelo processo de industrialização estimulou a imigração em massa do campo em direção as metrópoles, pois a cidade industrial era vista pelos habitantes do campo como prosperidades economia e ascensão social o que não aconteceu para essa população pobre, de fato o que ocorreu foi o aumento das desigualdades sócias e uma fragmentação do espaço urbano a partir das diferentes formas de ocupação do solo, possibilitando a intensificação da exclusão sócio-espacial e uma forte segregação sócio-espacial o que grosso modo se torna uma característica simbólica da nossa urbanização, além disso, as estratégias de sobrevivência da população excluída ou "incluída precariamente" no sistema capitalista da cidade, nos permite perceber o quanto o espaço urbano é palco de conflitos sociais e produto das relações que nele se estabelecem e nesse sentido a violência urbana se manifesta ao se territorializar nas favelas e periferia da cidade.

Palavras-chave

Urbanização, Exclusão social, inclusão precária, aglomerados humanos de exclusão e territórialização perversa.

Introdução

As Cidades Brasileiras no passado, mais precisamente na década de 40, eram vistas como a possibilidade de avanço econômico e modernidade em relação ao campo que representava o Brasil arcaico e atrasado. A partir dos anos 90, essa imagem das cidades brasileiras passa a ser diretamente associada à violência urbana, poluição, congestionamento, prostituição, tráfico de drogas, economia informal, desigualdades sociais e forte exclusão social.

O processo de industrialização brasileira que foi fortemente acompanhado por um acelerado processo de urbanização deveria pelo menos na teoria, representar um caminho para o crescimento econômico do país e amo mesmo tempo significar o fim de séculos de dominação política e econômica da elite agrária oligárquica que impedia que esse processo se realizasse. No entanto, a evolução dos acontecimentos, mostrou um outro caminho, pois ao lado do intenso crescimento econômico, surgiu um processo de urbanização excludente com crescimento das desigualdades sociais que resulta numa gigantesca concentração espacial da pobreza.

Não foi só o governo. A sociedade brasileira em peso embriagou-se, desde os tempos da abolição e da república velha, com as idealizações sobre o progresso e modernização. A salvação estar nas cidades, onde o futuro já havia chegado. Então era vir para elas e desfrutar de fantasias como emprego pleno, assistência social providenciada pelo Estado, lazer, novas oportunidades para os filhos...Não aconteceu nada disso, é claro, e, ao poucos, os sonhos viraram pesadelos (SANTOS, 1996; p.2).

A industrialização deveria representar oportunidades de emprego e geração de renda para a população imigrante do campo que buscavam fugir dos problemas crônicos do espaço agrário brasileiro, dominado pela concentração fundiária e espoliação do trabalhador rural. Nesse sentido, a cidade industrial se tornava uma grande miragem, ou seja, um grande sonho de mudança para a população pobre que vinha do campo. Por outro lado o que assistimos foi a uma forte exclusão social que tem sua expressão mais concreta na segregação sócio-espacial das metrópoles, configurando pontos de bolsões de pobreza e miséria disseminadas no espaço urbano, como os "guetos", favelas, periferias e áreas de baixadas das grandes cidades.

A segregação sócio-espacial é uma das características mais marcantes da exclusão social, pois o espaço é separado de acordo com o nível de renda e prosperidade econômica. Nesse sentido temos uma parte cidade ligada ao capital, à modernidade e uma outra parte ligada à síndrome do medo, da insegurança e da instabilidade. Nesse aspecto a exclusão social nas cidades é marcada pela dificuldade de acesso aos serviços de infra-estrutura urbana (transporte precário, saneamento básico deficiente, drenagem inexistente, problemático sistema de abastecimento de água, difícil acesso aos serviços de educação, saúde, habitação e maior exposição para enchentes e desmoronamentos, etc.) e também menores oportunidades de emprego formal, de profissionalização, maior exposição à violência urbana, a injustiça social e o preconceito racial.

De fato, a urbanização brasileira pelo fato de ser acelerada e concentrada nas grandes metrópoles, intensificou a exclusão social que passa a se manifestar no interior das grandes cidades diferenciando o uso do solo urbano e aumentando as desigualdades sociais.

Para Castells (1996: 98):

Exclusão social é o processo pelo qual determinados grupos e indivíduos são sistematicamente impedidos de acesso a posições que lhes permitiriam uma existência autônoma dentro dos padrões sociais determinados por instituições e valores inseridos em um dado contexto. Em circunstâncias normais, no capitalismo informacional, tal posição em geral está associada à possibilidade de acesso ao trabalho remunerado e com relativa regularidade a, pelo menos, um membro de um lar estável. A exclusão social é, de fato, o processo que priva alguém do direito ao trabalho no contexto do capitalismo.

O tema da exclusão social não é passível de mensuração, porém pode ser caracterizada por indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o desemprego, a raça, o sexo, a origem e, principalmente, a inexistência de cidadania. Porém, é um processo e não uma condição, como ressalta Castells (1996: 98-99):

A exclusão social é um processo, não uma condição. Desse modo, seus limites mantêm-se sempre móveis, e os excluídos e incluídos podem se revezar no processo ao longo do tempo, dependendo de seu grau de escolaridade, características demográficas, preconceitos sociais, práticas empresariais e políticas governamentais. Além disso, embora a falta de trabalho regular como fonte de renda seja, em última análise, o principal mecanismo em termos de exclusão social, as formas e os motivos pelos quais indivíduos e grupos são expostos a dificuldades/impossibilidades estruturais de prover o próprio sustento seguem trajetórias totalmente diversas, porém todas elas correm em direção à indigência [...]. Ou ainda, simplesmente, analfabetismo funcional, ilegalidade, falta de dinheiro para aluguel, o que acaba transformando o individuo em um sem-teto, ou puro azar com um chefe ou policial, desencadeando uma série de eventos que atira a pessoa (e, muitas vezes, sua família) à margem da sociedade, habitada por farrapos humanos.

A exclusão social tem a capacidade de atingir tanto pessoas quanto territórios de forma que, sob algumas condições, países, regiões, cidades e bairros inteiros são excluídos, relegando a tal exclusão a maioria ou a totalidade de suas populações. É Nesse aspecto que o sistema capitalista se manifesta nas cidades, pois de um lado a cidade mercadoria e do outro a cidade precária, todas inseridas num sistema que inclui e exclui ao mesmo tempo a sociedade e recriando espaços sócio-espacialmente segregadas.

O tema da exclusão social é um dos temas mais discutidos no mundo, a pobreza passou a ser uma preocupação global nos dias atuais, principalmente pelas grandes potências que se preocupam com o problema da imigração e o forte crescimento do desemprego estrutural em suas cidades, como também preocupação de partidos políticos, organizações não governamentais e da Igreja. Com isso, essa discussão passou a ser uma bandeira levantada por muitos que se beneficiam do discurso de combate a esse grande mal que assola o mundo globalizado.

Tratando-se de uma escala nacional, a exclusão social como já foi ressaltada, se mostra bem mais evidente nas regiões metropolitanas das grandes cidades brasileiras, principalmente nos espaços rejeitados pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas situadas em regiões desvalorizadas que não despertam o interesse dos agentes imobiliários. São nessas áreas desvalorizadas que a população trabalhadora pobre vai se instalar, nas encostas dos morros, terrenos sujeitos à enchente e áreas alagadas, regiões poluídas e outros tipos de riscos.

Exclusão social ou inclusão precária?

Retornando ao conceito de exclusão em seu sentido mais estritamente social, alguns autores como o sociólogo José de Souza Martins (1997) tem preferência em utilizar o termo inclusão precária ao invés de exclusão social. O autor propõe uma análise da leitura sociologica-política, e não economicista, como afirma Martins:

[...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vitimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vitima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal estar, sua revolta, suas esperanças, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações [...] constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando (MARTINS, 1997, P. 14).

Nesse sentido, de acordo com a idéia de Martins não existe exclusão social, o que existe é uma contradição causada pelos processos sociais, políticos e econômicos que terminam por gerar uma certa exclusão, pois esses processos estão de acordo com a lógica do sistema, ou seja, representam as elites que estão no poder, porém de certa forma, a população pobre tem uma participação nesse sistema, mesmo que seja uma participação precária não significando uma exclusão.

O tema da exclusão é um desses temas que fazem parte de um conjunto (quase que se pode dizer "sistêmico") de categorizações imprecisas hoje em dia utilizadas para definir os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea no terceiro mundo. Do tema da exclusão passou-se ao substantivo excluído, pressupondo, portanto, que se trata de uma categoria social e de uma qualidade sociologicamente identificável nas pessoas e nas relações sociais. Um atributo, como o atributo de trabalhador assalariado, aquele que, ao trabalhar, produz relações sociais singulares, gera contradições socialmente fundantes e engendra um tipo de mentalidade historicamente essencial. Algo, portanto, que corresponderia a uma verta consciência social das próprias vitimas da exclusão. No entanto, não é verificável na pratica, na vivencia dos chamados "excluídos" (2002 p. 25).

Segundo Martins (2002; p.10), não se trata apenas de gerir a distribuição de renda, como pensam muitos que se deixaram fascinar pelo economicismo ideológico produzido pela mesma economia iníqua causadora da pobreza que condenamos. Trata-se da distribuição eqüitativa dos benefícios sociais, culturais e políticos que a sociedade contemporânea tem sido capaz de produzir, mas não tem sido capaz de repartir. A questão é muito mais social do que econômica.

Martins (1997) considera que o conceito de exclusão (inconceituável, impróprio, vago e indefinido) veio substituir a idéia sociológica de "processo de exclusão", atribuindo-se mecanicamente todos os problemas sociais e distorcendo a questão que pretende explicar. Assim, talvez pudéssemos negar a existência da exclusão: o que existem são vitimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. Quando concebida como um estado fixo e fatal e incorrigível e não como expressão de contradição do desenvolvimento da sociedade capitalista, a exclusão cai sobre o destino dos pobres como uma condenação irremediável (1997 pp. 14-16).

Essa mesma "exclusão" fala de "situações objetivas de privação, porém não nos fala tudo nem nos fala o essencial" (MARTINS, 2002, P. 43); a partir dela não se luta por transformações sociais, mas sim "em favor de relações sociais existentes, mas inacessíveis a uma parte da sociedade" (2002 p. 47). E, mais do que isso, discutindo a "exclusão" "deixamos de discutir as formas pobres, insuficientes e, às vezes, até incidentes de inclusão" (1997 p. 21).

"Excluído" é apenas um rótulo abstrato, que não corresponde a nenhum sujeito de destino: não há possibilidade histórica nem destino histórico nas pessoas e nos grupos sociais submetidos a essa rotulação. "Excluído" e "exclusão" são construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente e se julga participante dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso, julga que os diferentes não estão tendo acesso aos meios e recursos a quem ele tem acesso. O discurso sobre a exclusão é o discurso dos integrados, dos que aderiram ao sistema, tanto à economia quanto aos valores que lhe correspondem, dificilmente se pode ver nele um discurso socialmente critico (2002 p. 31).

De fato, um dos dilemas é que uma nova dicotomia surge: os incluídos em oposição aos excluídos. Essa construção, entretanto, nega o ponto de vista praticamente hegemônico nas Ciências Sociais que é justamente a perspectiva antidualista de inspiração marxista: é um disparate nos referirmos aos "excluídos" quando esses mesmos indivíduos não se encontram fora, mas, antes, inseridos, embora precariamente, no sistema econômico. "Qual o sentido de falar em duas ordens de realidade, dos "incluídos" e dos "excluídos", se ambas são produzidas por um mesmo processo econômico que, de um lado, produz riqueza e, de outro, miséria?" (1997, p. 53). Inclusive, nas condições brasileiras, esse "lupemproletariado" gerado pelo capitalismo, além de funcional ao sistema enquanto exercito de reserva, é utilizado pelos segmentos integrados ao mercado de consumo como mão-de-obra, realocando cada vez mais recursos para o setor dinâmico (1997 p. 53). Não podemos nos esquecer das classes médias que, no geral, não hesitam, em contratarem empregados domésticos pagando baixos salários para tomar conta de suas casas, de sua comida e de sua sujeira, ao mesmo tempo em que não suportam que estes mesmos empregados utilizem os seus banheiros e o seu elevador.

A sociedade capitalista "tem como lógica própria tudo desenraizar e a todos excluir porque tudo deve ser lançado no mercado". Ela desenraiza e exclui para depois incluir segundo as suas próprias regras. É justamente aqui que reside o problema: nessa inclusão precária, marginal e instável (MARTINS, 1997, pp. 30-32). O período de transição do momento da "exclusão" para o momento da "inclusão", sugere certa degradação e, segundo Martins, a sociedade moderna vem criando uma grande massa de população sobrante que tem poucas chances de ser novamente incluída nos padrões atuais de desenvolvimento. Ou seja, o período de passagem entre "exclusão" e "inclusão", que deveria ser transitório, vem se transformando num modo de vida permanente e criando uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político (1997 pp. 33 e 34).

Nesse contexto Martins vai sugerir a existência de uma sociedade dupla, abrigo de duas humanidades: uma humanidade constituída de integrados, ou seja, de uma população de pobres e ricos inseridos nas atividades econômicas e com lugar garantido no sistema de relações sociais e políticas; e uma sub-humanidade, incorporada por meio do "trabalho precário no trambique, no pequeno comércio, no setor de serviços mal pagos ou, até mesmo, escusos" e que se baseia "em insuficiências e privações que se desdobram para fora do econômico". Isso quer dizer que muitas pessoas estão integradas economicamente, mesmo que de forma precária, mas que criam um mundo à parte, pois estão separadas por categorias sociais rígidas que não oferecem alternativa de saída e que fazem crescer a consciência de que para elas não há justiça (1997 pp. 35 e 36).

Para Martins, a inclusão até acontece no plano econômico, pois a pessoa ganha algo para sobreviver, mas não ocorre no plano social e não ocorre sem causar deformações morais. O caso dramático das crianças que se prostituem em Fortaleza ilustra essa situação: por um lado, elas estão inseridas "no mercado possível de uma sociedade excludente", mas o serviço que prestam compromete sua dignidade. "É exatamente o caso delas que revela o lado oculto ou que nós queremos ocultar dessa inclusão: elas se integram economicamente, mas se desintegram moral e socialmente" (1997, pp. 33 e 34).

Na verdade a categoria exclusão é resultado de uma metamorfose nos conceitos que procuram explicar a ordenação social que resultou do desenvolvimento capitalista. Mais do que uma definição precisa de problemas, ela expressa uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos problemas sociais da sociedade contemporânea (2002 p. 27).

Sendo assim, devemos nos livrar de estereótipos que nos enganam e que ao invés de expressar uma prática – a exclusão – acabam por induzi-la e, mais ainda. Faz-se necessário modernizarmos a sociedade, revolucionando suas relações arcaicas, ajustando-as de acordo com as necessidades da sociedade como um todo e não de acordo com os interesses do modo de produção capitalista.

Dos aglomerados de exclusão à territorialização Precária.

Existe uma relação direta entre as características das nossas cidades e o padrão de desigualdades que prevalece na sociedade brasileira, que se dá na vigência dos clássicos mecanismos de acumulação urbana, onde seus fundamentos são as próprias desigualdades cristalizadas na ocupação do solo urbano.

A dinâmica urbana das cidades brasileira tem como base a apropriação privada de várias formas de renda urbana, fazendo com que apenas uma parte da população seja privilegiada e desfrute simultaneamente, de maior nível de bem estar social e riqueza acumulada, na forma de um patrimônio de alto valor. Porém, ao mesmo tempo, uma grande parte da população, formada por trabalhadores, é espoliada, pelo fato de não terem reconhecidas suas necessidades de consumo habitacional (moradias e serviços coletivos), essencial ao modo de vida urbano, logo o resultado acaba sendo uma urbanização excludente e desigual ou uma urbanização sem urbanidades.

O problema da habitação no Brasil está no centro dos nossos problemas urbanos, em razão da exclusão de grande parte da população do mercado imobiliário formal, a "solução" para esse déficit habitacional tem sido a inclusão marginal na cidade, prevalecendo uma lógica perversa que é produtora da maior parte dos problemas urbanos. Quem não está inserido no mercado imobiliário formal, somente tem acesso à moradia à margem da cidade.

A urbanização brasileira é conseqüentemente caracterizada pelo permanente e crescente descompasso entre o lento crescimento das cidades e a rápida expansão de suas margens. Nesse sentido, a urbanização expressa, assim, mais fortemente o processo de desruralização da sociedade do que a generalização da forma urbana de vida. O crescimento das nossas cidades se realiza centralmente pelo aumento do número de moradias que não atendem os padrões mínimos de habitabilidade, tornando possível viver em aglomerados urbanos, criando uma situação de instabilidade.

Esta situação de instabilidade, constante movimento e condições de sobrevivência extremamente precárias revelam se não um "aglomerado de exclusão", no sentido aqui aludido, pelo menos um processo em direção a ele. Na verdade, a população excluída dos "aglomerados" pode não ser socialmente relevante – pelo menos momentaneamente – nem na condição de trabalhadores (diante do desemprego estrutural), nem de consumidor (dado seu nível extremo de pobreza, muitas vezes sobrevivendo, apenas com os restos deixados pela "sociedade do consumo")...Não se trata nunca de uma exclusão total, existindo laços que os ligam á sociedade formalmente instituída que produz. Considera esta restrição, não é exagero afirmar, que muitas vezes eles constituem "uma massa indefinida e desintegrada", como dizia Marx, sem uma clara função social. (HAESBAERT, 1996, P; 324).

Essas áreas de ocupação espontânea são reflexos de uma sociedade que se urbanizou de maneira acelerada. E, ao mesmo tempo, reflexo de um modelo de desenvolvimento excludente e desigual, onde dessa forma, esses aglomerados humanos de exclusão se tornaram uma das características mais marcantes dos países subdesenvolvidos que não conseguiram evitar um dos graves problemas enfrentados por eles, ou seja, relacionados à questão da moradia, habitação digna e de qualidade para a população de baixo poder aquisitivo. Esses aglomerados de exclusão são espaços de funcionamento de toda e qualquer forma de sobrevivência o que facilita a inclusão da população que os habitam nas redes do tráfico de drogas ou na economia informal.

Os aglomerados de exclusão, mais do que espaços à parte, claramente inidentificáveis, são frutos de uma condição social, extremamente precarizada, onde a construção de territórios "sob controle" (termo redundante) ou "autônomos" se torna muito difícil, ou completamente subordinada a interesses alheios à população que ali se reproduz. A aparente desordem que rege esta condição, num sentido negativo de desordem, é fruto da não – identificação dos grupos com seu ambiente e o não – controle do espaço pelos seus principais "usuários". De qualquer forma, é como se o "vazio de sentido" contemporâneo, reproduzido na abordagem sociológica pela controvertida noção de "massa" tivesse sua contrapartida geográfica na noção de "aglomerados de exclusão" (1996 p.327).

Definir espacialmente os aglomerados de exclusão não é tarefa fácil, principalmente porque eles são como a própria exclusão que os define, mais um processo – muitas vezes temporário – do que uma condição complexa e dinâmica, mesclada sempre com outras situações, menos instáveis, através das quais os excluídos tentam a todo instante se firmar (se territorializar) (1996, p.327)

Esses espaços são fundamentais para a expansão da marginalidade, Criminalidade e precariedade das relações de trabalho. Nos bairros populares e nas favelas percebe-se a forte presença da violência urbana, todavia esta não produziu os efeitos desorganizadores como hoje se produz a violência associada ao tráfico de drogas. Ela cria um clima social e uma cultura que diminuem enormemente a eficácia normativa necessária às práticas e às relações de solidariedade, incidente especialmente nos jovens moradores dos bairros populares. Aqueles que são recrutados pelas organizações criminosas e adquirem rapidamente massivos recursos, sejam eles armas ou dinheiro.

Os traficantes aproveitam esses espaços onde reside essa população pobre, e os insere direta ou indiretamente em seu campo de controle, de maneira que são criados territórios controlados pelo tráfico de drogas, onde a repressão e a violência são simbolismos demarcadores dos mesmos. Pois a carência da população pobre que faz parte desses territórios implica na sua participação, como forma de sobrevivência e deacesso aos recursos, mesmo que para isso, seja então preciso fazer parte do mundo do crime. Dessa forma, surge o que Haesbaert (1996) chamou de "territorialização precária".

Percebendo a pobreza associada à disponibilidade de recursos, "recurso", deve ser visto na sua acepção mais ampla, o que inclui, no nosso entender, a própria dimensão espacial, ou seja, o território como "recurso", inerente à nossa reprodução social. Com isso partimos do pressuposto de que toda exclusão social é também, em algum nível, exclusão socioespacial e, por extensão, exclusão territorial – isto é, em outras palavras, "desterritorialização". Desterritorialização, aqui, é vista em seu sentido "forte", ou aquele que podemos considerar o mais estrito, a desterritorialização como exclusão, privação e/ou precarização do território enquanto "recurso" ou "apropriação" (material e simbólica) indispensável à nossa participação efetiva como membros de uma sociedade (HAESBEART, 1996, P.315).

Nesse caso, é como se tivéssemos não tanto os grupos sociais excluídos do (ou precariamente incluídos) território, mas o próprio "território", definido "de fora para dentro" (uma espécie de "natureza territorilizada"), sendo "excluído" da sociedade, no sentido de que cada vez mais são criadas áreas completamente vedadas à habitação/circulação humana, especialmente aquelas destinadas a uma alegada "proteção da natureza", com diversas modalidades de reservas naturais criadas ao redor do mundo (1996 p.316).

O processo de produção do espaço urbano: violência urbana e territorialização perversa.

O espaço urbano é constituído pelos atores sociais de forma bastante excludente e desigual de acordo com a lógica do sistema capitalista de produção que atua no desenvolvimento das grandes cidades. Segundo Carlos (1994:34):

As cidades são "produto, meio e condição" das lutas e conflitos sociais e espaciais que se formam ao longo da história. Nesse sentido, no espaço urbano encontramos, de um lado, os espaços da elite que representa a classe dominante. E, de outro, os espaços periféricos das classes populares e as hiperperiferias da população excluída, ou os espaços considerados por alguns de exclusão social ou inclusão precária, formando-se dentro das cidades um tecido urbano fragmentado, segmentado e contraditório, no entanto, extremamente articulado.

É o que acontece na dinâmica do espaço urbano brasileiro, pois em nossas grandes metrópoles presenciamos a existência desse tecido urbano fragmentado e ao mesmo tempo articulado, por isso as cidades podem ser consideradas como campo de lutas sócias, de um lado os incluídos na sociedade do consumo que representam a elite e classe dominante e de outro os excluídos ou incluídos precariamente tentando de todas as formas para sobreviver ou para se inserir nessa sociedade do consumo.

Para Corrêa (1993:7), "o espaço de uma grande cidade capitalista constitui-se, em um primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. A tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e encontro social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como espaço fragmentado".

Nesse espaço urbano fragmentado, os espaços habitados pela elite identificam-se pelo consumo de bens e serviços, assim como uma infra-estrutura de alta qualidade e de técnica, que são financiados pelos governos. Porém, nos espaços periféricos predomina a pobreza e sua dinâmica para reduzir os efeitos devastadores do desemprego (principalmente o comercio informal) e das necessidades imediatas de habitação.

Sem opção no mercado imobiliário, com pouco ou nenhum financiamento público ou privado, com predomínio da informalidade e auto construção, que acaba não atendendo às exigências mínimas de uma habitação normal, podemos dizer que são espaços que sofrem uma intensa exclusão social por neles habitarem uma população pobre ou miserável, que não tem oportunidades (de emprego, saúde, habitação e educação de qualidade).

Com isso, emergem nas grandes cidades, espaços de segregação sócio-espacial que representam a dinâmica do espaço urbano no que se refere à reprodução social do/no espaço.

Segundo Corrêa (1993:9), "as áreas residenciais segregadas representam papel ponderável no processo de reprodução das relações de produção, no bojo do qual se reproduzem as diversas classes sociais e suas frações: os bairros são os locais de reprodução dos diversos grupos sociais".

Fragmentado, articulado, reflexo e condicionante social. A cidade é também o lugar onde as diversas classes sociais vivem e se reproduzem isto envolve o quotidiano e o futuro próximo, bem como as crenças, valores e mitos criados no bojo da sociedade de classes e, em parte, projetados nas formas espaciais: monumentos, lugares sagrados, uma rua especial etc. O espaço urbano assume assim uma dimensão simbólica que, entretanto, é variável segundo os diferentes grupos sociais, etários etc. Mas o quotidiano e o futuro próximo acham-se enquadrados num contexto de fragmentação desigual no espaço, levando aos conflitos sociais, como as greves operárias, as barricadas e os movimentos sociais urbanos. O espaço da cidade é assim, e também, o cenário e o objeto das lutas sociais, pois estas visam, afinal de contas, o direito à cidade, à cidadania plena e igual para todos (1993 p. 9).

Dessa forma, a cidade também é vista como um campo de lutas dos mais diversos atores ou grupos sociais que constituem o espaço urbano, onde expressam os seus anseios e desejos por vida digna, sem preconceito e exclusão social, mas criando estratégias de sobrevivência que o próprio capitalismo lhe impôs.

É na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente, agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço. Na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros agentes. A produção desse é, antes de mais nada, uma forma de resistência e ao mesmo tempo uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade (CORRÊA, 1993, P.31).

Esse fenômeno faz parte de um processo pelo qual a urbanização, por seu caráter excludente e desigual, segrega especialmente a população pobre: segregação sócio espacial com periferização, forma-se assim, os enclaves de mão de obra submissa prato cheio para o crime organizado, tráfico de drogas e outras atividades criminosas tornam-se a única alternativa de ganhar a vida para a população segregada, desempregada e sem expectativas de melhores condições de vida.

Nesse sentido, a pobreza se torna funcional para o tráfico de drogas, o qual atrai pessoas que se sentem excluídas, marginalizadas e sem perspectivas de ascensão sócio econômica, que passam a fazer parte da rede do tráfico de drogas, pois servem como mão de obra barata e também descartável.

Para Castells (1996:99):

O processo de exclusão social e a insuficiência de políticas de integração social levam a um processo fundamental que caracteriza certas formas especificas de relações de produção no capitalismo informacional: chamo-o de integração perversa, refe-se às formas de trabalho praticadas na economia do crime. Entretanto por economia do crime atividades geradoras de lucro, segundo as normas vigentes, são tratadas como crime, estando sujeitas às sanções legais cabíveis em um determinado contexto institucional. Não a qualquer julgamento de valor imbuído nessa rotulação, não porque eu aprove o tráfico de drogas, mais sim por não concordar com uma série de atividades tidas como respeitáveis, do ponto de vista institucional, que causam estragos enormes nas vidas das pessoas. Não obstante, o que uma sociedade considera criminoso é tratado como tal, trazendo serias conseqüências para quem quer que se preste a praticar tais atividades [...] o capitalismo informacional é caracterizado pela sua interdependência crescente em relação à economia formal e ás instituições políticas. Segmentos de uma população socialmente excluída, junto com indivíduos que optam por meios bem mais lucrativos - e arriscados - de ganhar ávida, constituem um submundo cada vez mais populoso que vem se tornando um elemento essencial da dinâmica social da maior parte do mundo.

Essa "integração perversa" de que fala Castells, diz respeito à economia do crime, pois dessa forma, pessoas se inserem no mundo da informalidade como a única saída para os problemas causados pelo capitalismo excludente, no entanto, muitas delas ligadas ao tráfico de drogas, contrabando, etc. Quanto mais o capitalismo gera desigualdades sociais, maior será o contingente de pessoas que partirão para essa "integração perversa" como forma de ganhar a vida e sobreviver, num sistema tão desigual e excludente.

As metrópoles configuram-se no Brasil de hoje, ainda como lugares da riqueza, riqueza essa que, em parte, se desconcentra e se interioriza (Conquanto a centralização da gestão permaneça); entretanto, com a desconcentração de atividades e a fuga seletiva de agentes econômicos (migrações de profissionais altamente qualificados), a metrópole é, também, cada vez mais, um lócus da pobreza e da miséria, assim como, por tabela de insegurança e da violência (SOUZA, 2005, P.192).

A pobreza da população (sendo a pobreza considerada também um fenômeno multidimensional) e a crise econômica, não são suficientes para explicar as causas e determinantes da violência e da criminalidade nas grandes metrópoles brasileiras.

Ressaltamos que, nesse contexto de desorganização sócio espacial acompanhado de um intenso processo de favelização, a partir do crescimento das metrópoles, existe uma interação entre os processos econômicos, sociais, espaciais, institucionais, políticos e culturais que estão presentes no cotidiano das mesmas, que se refletem a partir das relações sociais que se realizam no espaço urbano.

Com isso, emergindo espaços extremamente controlados por grupos ligados ao tráfico de drogas ou crime organizado, a partir do discurso da diferença de classes sociais ou diferença de grupos, construindo certa identidade territorial dessa população favelada.

O Estado ao fazer poucos investimentos na área social, permite de maneira indireta que essas pessoas faveladas sejam aproveitadas por essas organizações criminosas ou qualquer outro tipo de ação ilegal, que passam a fazer parte de um espaço completamente controlado pela violência, que se torna símbolo de controle territorial e repressão.

O traço mais impressionante da favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da territorialização de favelas por parte do tráfico de drogas. É bem verdade que os espaços socialmente segregados que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas diversas metrópoles não se restringem às favelas [...] no Rio de Janeiro não deve ser esquecida uma participação, ainda que muito secundária, de conjuntos habitacionais e loteamento; já em São Paulo os loteamentos clandestinos das áreas periféricas claramente dividem com as favelas o papel de espaços segregados amiúde utilizados por traficantes de drogas, sem contar os cortiços da área central obsolescente do comércio e consumo de crack. Além disso, [...] o destaque conferido pela mídia aos espaços segregados, notadamente favelas, enquanto lócus do tráfico de varejo deixa na sombra os varejistas não-baseados em favelas e outros espaços residenciais pobres; usuários-revendedores e traficantes trabalhando com a distribuição de varejo operam a partir dos mais diferentes pontos da "cidade legal", como restaurantes, boates, instituições de ensino, apartamentos de classe média. No entanto, as favelas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo, inexistente em bairros de classe média (SOUZA, 2005, pp. 193-94).

A tradição da produção geográfica no assunto se restringe à preocupação com a espacialização do fenômeno, isto é, localizar as ocorrências criminosas no espaço urbano e correlacioná-las às condições do local onde elas acontecem. Muitas vezes essas condições, que favorecem a ocorrência, são confundidas com a própria causa das mesmas. A espacialidade é uma categoria geográfica usada por todos os ramos do conhecimento, como uma primeira apreensão do fenômeno na busca de sua explicação pelas diferentes especialidades. A espacialização das ocorrências permite aos órgãos de segurança pública vigiar e punir crimes, mas não é suficiente para combater a onda de violência que assola nossas cidades porque não chega as suas raízes. Aqui se pretende uma outra categoria de analise da Geografia que é a territorialização da violência no espaço urbano, principalmente aquelas ligadas ao tráfico de drogas, seja nas favelas ou nas áreas de invasão ou baixadas, ou seja, a produção do espaço da violência ou "territorialização perversa".

Pretende-se com isso, contribuir para acrescentar algo mais ao conhecimento do tema e assim apresentar a contribuição da Geografia ao problema.

Entende-se por território: "[...] o espaço concreto em si (com seus atributos naturais e socialmente construídos) que é apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupação do território é vista como algo gerador de raízes e identidade. Um grupo não pode mais ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico, paisagem)" (SOUZA, 1995, P.84).

Os diferentes territórios da cidade não se definem apenas como uma base sobre a qual se formam as identidades urbanas, mas operam de forma dinâmica para a constituição dessas identidades, sejam elas pobreza, a riqueza ou a violência. Essa abordagem da cidade tem por base a noção de "produção do espaço urbano", na qual o espaço da cidade não é apenas um elemento transitório da sociedade, um receptáculo das relações sócias, ou mesmo, um pano de fundo das mesmas. Sob esse ponto de vista, as formas espaciais criadas pelos homens – como as cidades, bairros, guetos, áreas de preservação ambiental, parques – expressam as relações sociais vigentes de acordo com a época em foram produzidas.

As cidades transformadas em objeto de consumo, agregam conteúdos sociais às formas construídas que se articulam fortemente para criar territórios urbanos. Assim, os espaços passam a ser diferenciados por suas "formas-conteúdos", e não apenas por condições variáveis da natureza e da sociedade. As sociedades ao produzirem seu espaço valorizam ou desvalorizam certas porções do território que vão ser apropriadas por diferentes atores sociais. A configuração territorial possui "uma existência material própria, mas a sua existência social, isto é, sua existência real, somente lhe é dada pelas relações sociais" e esse conjunto de relações expressa uma "configuração geográfica" (SANTOS, 1996, P. 51).

Os espaços formam pontos de "fixação" da história de sua produção. Assim, o espaço entendido como um sistema de objetos e um sistema de ações, articulados, seria uma produção histórica. Segundo Santos, "os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados, que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar" (SANTOS, 1996, P.50).

Ao se territorializar a violência fixa no espaço aquelas condições inerentes aos processos que lhe deram origem e assim, os realimenta. As sociedades, como produtos de mudanças políticas e econômicas, tornam-se mais maleáveis às transformações de ordem global do que os territórios construídos e suas infra-estruturas. Estes não são tão facilmente reestruturados, modificados e moldáveis com a mesma rapidez dos processos sociais: são mais permanentes pela própria inércia. E por essa inércia, interferem nos processos sociais realimentando aqueles que lhe deram origem.

Em muitos estudos de geógrafos brasileiros a dimensão territorial da violência urbana tem sido negligenciada, e com isso as medidas de combate a ela, pois a violência se espacializa nas metrópoles ao mesmo tempo em que cria territórios para sua atuação. É no território que a pobreza, a exclusão social, a omissão do Estado, a violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e escapam das mascaras que as medias e as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam.

Os trabalhos que investigam as várias abordagens teóricas sobre os determinantes da criminalidade, mostram em quase todos os tipos de abordagem a presença das variáveis sócio-espaciais relacionadas ao processo de urbanização (pobreza, desigualdade, concentração de renda, desemprego, entre outras) bem como taxa de urbanização, adensamento demográfico, presença de vilas, favelas e bairros pobres na periferia das cidades.

Trabalhos empíricos interessantes têm sido realizados por autores como Cerqueira e Lobão (2003), Abranches (1994) e Zaluar (1999). A partir da teoria da desorganização social. Alguns autores encontram uma correlação positiva entre os fatores espaçais e sociais da urbanização brasileira como as favelas, a pobreza, o desemprego e a desigualdade social, etc. Abranches (1994) procura avaliar o macroambiente social para de fato encontrar as condições que de certa forma determinam e estimulam o crescimento da violência e da criminalidade associado à tensão urbana e às condições sociais da convivência metropolitana acarretada pela desorganização da ordem publica.

Outro fato de fundamental importância observado por Cerqueira e Lobão (2003), é que exatamente nos períodos em que oi observada uma tendência crescente da taxa de homicídios, houve uma deterioração dos indicadores sociais naqueles lugares com aumento do número de pobres e indigentes.

Segundo Abranches:

As raízes da violência urbana possuem uma matriz multifatorial que abrange duas dimensões diferentes – a social e a moral. Essas dimensões se manifestam no macro e no microambiente social e espacial. O plano macro é caracterizado pela institucionalidade vigente, pela ordem publica constituída, onde se realizam os processos gerais da urbanização brasileira. O microambiente é dado pela estrutura da convivência nas comunidades locais, e se realiza produzindo e consumindo um determinado espaço. No microambiente socioespacial se articulam as condições locais favoráveis à apropriação desses espaços pelas quadrilhas criminosas, tem-se então a formação do território da violência [...] quando sua institucionalidade, isto é, as regras e normas de convivência definidas pela comunidade, é distorcida, por inúmeras razões, a ponto de eliminar a barreira moral e legal entre pessoas honestas e bandidos, ela se torna uma fonte independente de reprodução das condições sociais e pessoais para a droga, a violência e o crime (ABRANCHES, 1994, P. 130).

Um estudo critico da criminalidade e da violência não pode se ater à analise de variáveis, investigando causas e conseqüências, sem questionar a que novos fatos levaria o quadro atual da violência urbana, ou que novos processosteriam origem na deterioração crescente das condições de existência social e material das populações urbanas.

Em estudos sobre a urbanização brasileira Milton Santos (1993) chama a atenção para o caráter excludente da nossa urbanização que produziu a cidade especialmente a grande cidade, como pólo de pobreza.

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é o suporte como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também do modelo espacial (SANTOS, 1993, P. 10).

O entendimento dos problemas urbanos, com tantas necessidades recorrentes e outras emergentes, leva a que uma solução para os mesmos deva ser buscada na interpretação abrangente da realidade, ou seja: uma profunda análise dos processos formadores da urbanização, em seus diversos contextos históricos, políticos e culturais. Esse entendimento mais amplo deve incluir a análise das diversas modalidades do uso do território para identificar as especificidades do fenômeno da violência e a partir daí, mensurar sua problemática.

A violência urbana, entendida como um processo amplo, que vai além da criminalidade, "surge e se avoluma à medida que as cidades crescem e se tornam mais complexas, mais dominadas pela multidão...e pela anomia" (ABRANCHES, 1994, P. 125). A urbanização excludente cria um crescimento anárquico que permite a produção de espaços onde impera "o mandonismo característico das quadrilhas que tiranizam as periferias urbanas e as favelas, exercido fundamentalmente pela violência armada e pela intimidação física, sem qualquer resquício de legitimidade – é intrinsecamente criminoso" (ABRANCHES, 1994, P. 127).

A violência estrutural desses espaços segregados vem se articular à violência articulada do crime na atualidade. Cria-se, assim, uma "territorialização perversa", que diz respeito a toda e qualquer forma de violência impostas pelos grupos ligados ao tráfico de drogas sobre a população que reside esses territórios, violência como: assaltos praticados pelos aviões ou aviõezinhos (vendedores de drogas que trabalham para os traficantes), assaltos nas casas de moradores que representam símbolo de poder do grupo que domina o território, assassinatos, ameaças de morte, espancamento, etc. Dessa forma, a "territorialização perversa" é uma porção do espaço urbano apropriada pelo tráfico de drogas que exerce controle sobre ele, transformando-o em espaços de poder do crime e de toda e qualquer atividade ilícita, que daí grupos comandam sua atuação violenta na cidade, entrando em conflito direto com o Estado, manobrando seu exército representado pela população pobre, segregada e excluída que habita esses lugares.

Nesse sentido, emergem territórios constituídos por grupos de maior ou menor organização e armamentos, que aí se reproduzem, territorializam-se e estabelecem uma relação de poder para melhor dominar a população e o local. E, a partir daí, articulam seus interesses e se fortalecerem para desenvolver suas ações criminosas. A criminalidade se impõe através desses grupos que submetem a população (comunidade) a toda e qualquer forma de controle praticando atos violentos de repressão.

Assim, associar ao controle físico ou à dominação "objetiva" do espaço uma apropriação simbólica, mais subjetiva, implica discutir o território enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre o qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade social, simplificadamente podemos dizer que, enquanto a dominação do espaço por um grupo ou classe traz como conseqüência um fortalecimento das desigualdades sociais, a apropriação e construção de identidades territoriais resulta num fortalecimento das diferenças entre os grupos, o que por sua vez, pode desencadear uma segregação maior quanto um diálogo mais fecundo e enriquecedor (HAESBAERT, 2002, P.121).

Podemos então sintetizar, afirmando que o território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle político-economico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados (2002 p.121).

É assim que se faz presente o território controlado pelo tráfico de drogas, uma apropriação político-economico, a partir das leis e do varejo que se estabelecem nessas áreas que aqui eu chamo de "territorialização perversa" e simbólico-cultural no momento em que a violência estabelecida neles se torna símbolo de repressão e controle político sobre a população que os habita.

Estes fatos não permitem que se instale um processo de melhoria nas condições sociais e materiais da vida urbana nas cidades, aprofundando um ciclo que se repete de forma constante. Isso nos leva a questionar o enfrentamento da questão da criminalidade e da violência sem uma articulação direta com as políticas urbana, territorial e regional.

Estamos diante de novas formas e novos conteúdos da violência e da criminalidade modernas, na qual devemos buscar hipóteses alternativas, ainda que mais compreensivas, para entender e tentar explicar o que está ocorrendo no espaço urbano atual. No cenário da violência urbana surge um novo ator: o crime organizado.

Neste trabalho, considera-se como crime organizado o tráfico de rogas e de armas, contrabando e formação de quadrilhas. No quadro da violência urbana da atualidade, homicídios, seqüestros, atentados, assaltos e roubos, estão principalmente ligados a esse tipo de crime.

Trata-se da violência organizada, um novo processo que atua no espaço urbano como um dos agentes da urbanização, valendo-se da informalidade e da ilegalidade da ocupação, da especulação do mercado imobiliário, da fraca atuação do poder público, da impunidade e da vulnerabilidade da população pobre. O crime organizado tem como características: a ilegalidade, formação de redes, a movimentação de grandes somas de dinheiro, a corrupção de policiais e políticos e a cooptação de pessoas. É o "crime negocio" como coloca Alba Zaluar (1999:67) que considera como um novo tipo de crime relacionado ao contrabando de armas e de drogas, redes de escambo entre mercadorias roubadas e o tráfego de drogas e, baseado na lógica da acumulação capitalista, recruta os jovens pobres para trabalhar nesse negocio altamente lucrativo que é o trafico de drogas, mundialmente importante, em termos financeiros, pelas grandes somas de dinheiro que envolve. Segundo a mesma autora "[...] o crime organizado não pode mais ser desconsiderado como uma força importante, ao lado dos Estados nacionais, partidos políticos, igrejas, empresas multinacionais etc." (1999 p. 69).

A organização espacial assim resultante desses processos é o da urbanização perversa da cidade excludente, na qual está sendo recriada permanentemente uma nova ordem espacial, no sentido de sua própria reprodução, reafirmando uma violência urbana e uma criminalidade, pela territorialização perversa comandadas pelo conjunto de fatores que se materializam e realizam nas grandes metrópoles.

Considerações Finais

Nas ultimas décadas grandes problemas vem sendo impulsionados pela ausência de políticas publicas que garantam no mínimo o sentimento de cidadania e justiça social para a população pobre. Percebemos que na medida que o desemprego aumenta nas metrópoles junto com ela também surgem as ocupações espontâneas, a periferização, a desigualdade social e a fragmentação do espaço em áreas dotadas de infra-estrutura e áreas marcadas pela precariedade dos serviços urbanos. De fato, a violência toma conta dos espaços esquecidos pelo poder publico e pelo mercado imobiliário e nesse aspecto ela se apresenta como uma alternativa para essa população excluída e pouco inserida no mercado legal, principalmente o crime organizado do tráfico de drogas que se territorializa nas favelas e nas periferias de nossas cidades, assim como de ilegalidades que são associadas à violência urbana que se manifestam de forma mais presente também nesses espaços.

A nossa urbanização na verdade não foi planejada pelos estado para promover uma infra-estrutura capaz de receber a população que veio do campo e o aumento da taxa de natalidade de nossas cidades e nem muito menos a possibilidade de geração de empregos e de redução das desigualdades sociais que o Brasil já vivia durante o domínio das elites agrárias.

De certo, a territorialização perversa da violência já é uma realidade concreta que as cidades brasileiras vem vivenciando no seu interior e na medida em que as desigualdades aumentam, junto com ela cresce também o domínio de territórios por grupos marginais, cabe ao poder público criar iniciativas para a redução da violência urbana e imposição da ordem que leve a sociedade menos privilegiada ao sentimento de cidadania.

Referências

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[1] Bacharel e licenciado em Geografia pela Ufpa, especialista em planejamento regional e desenvolvimento de áreas amazônicas pelo PPLS_FIPAM_XXII/NAEA - UFPA e Mestrando em planejamento do desenvolvimento – PLADES / NAEA - UFPA.