A atuação de ofício em grau recursal, como fenômeno marcado pela atividade dinâmica do Estado juiz nas relações interindividuais, não é fenômeno que se opera exclusivamente no âmbito das ciências jurídicas, sendo mais uma das manifestações do pensamento advindo da filosofia que propôs o Estado Social, filtrada pela lente do Estado Democrático de direito, de matriz constitucional, portanto um fenômeno de natureza político-social, do que um elemento de característica exclusivamente jurídicas. O Estado Social funda-se em contraposição ao Estado Liberal, que tinha por tônica a não intervenção nas relações interpessoais de cunho privado, deixando-as para regulação pela "mão invisível do mercado". A crise mundial de 1929 inaugurou o primeiro argumento contrário a essa tese, quando, o então jovem, John Maynard Keynes argumentou sobre a necessidade de ingerência, por parte do Estado, nas relações de cunho interpessoal privado, objetivando à mantença da higidez do estado e do bem comum.

Esse pensamento político foi, no entanto, desnaturado sob o pretexto de uma efetiva proteção às relações pessoais nos mais diversos campos, culminando em estados totalitários, cuja intervenção tendia e pretendia o domínio e regulação pela força, tanto político-ideológica, quanto militar, das relações sociais e econômicas que tiveram lugar em ambientes marcados pela dicotomia marxista da luta de classes, hoje, já superada, nesse âmbito de discussão.

O Estado democrático de direito resgata a idéia da necessidade de atuação do estado em diversos segmentos da vida social, sem deixar de lembrar que essa atuação deve ser efetivada somente quando da necessidade de atuação oficial para corrigir as desigualdades materiais que podem advir das relações privadas que , muitas vezes, podem vir inquinadas de vícios marcados pela assimetria de poder entre as partes envolvidas.

A nosso ver, é nessa seara que se insere o pensamento ventilado pelo Autor Rogério Licastro Tores de Melo, que, em sua obra Atuação de Ofício em grau recursal, procura traçar um panorama de como um sistema como o brasileiro, tendente a uma estrutura de natureza acusatória, pode lançar mão de instrumentos de natureza inquisitória sem ferir as suscetibilidades do Estado Democrático de Direito, ínsitos nos princípios constitucionais consagrados na Carta de 1988.

O princípio e fundamento que viabiliza essa via dialógia entre esses dois sistemas, a saber, o sistema acusatório e o sistema inquisitório, é, a nosso ver, o acesso amplo ao judiciário, nos termos aventados pela nossa Constituição Federal, no inciso XXXV do artigo 5º, na medida em que autoriza o Estado Juiz a proceder ex officio em situações tradicionalmente reservadas à iniciativa das partes. Desse princípio, de conteúdo semitótico amplo, deflui todo um conjunto de princípios que lhe complementa e regula a atuação concreta do órgão jurisdicional em matéria de atividade de ofício, a exemplo do princípio da instrumentalidade do processo. É nesse panorama que o Autor procura traçar as características da atuação de ofício do judiciário em estância recursal.

No teor da obra em estudo, a concretização desses princípios dá-se por meio de uma instrumental que propicie o acesso a uma ordem jurídica justa que, a seu ver, está a depender da justaposição de três fatores: "oferta de jurisdição compatível com a demanda da população, qualidade e oportunidade temporal da jurisdição que se desenvolve, e efetivação, no campo prático dos provimentos jurisdicionais" . Defende, ainda, o indigitado Autor que, em conjunto com os princípios anteriormente expressos, o da inafastabilidade da jurisdição é pressuposto fundamental para a viabilização de uma prestação jurisdicional eficiente. Concordamos com sua opinião, expressa nos termos seguintes:

Por força da concepção tradicional do princípio dispositivo, vê-se o juiz habitualmente em compasso de espera, como mero observador do embate travado entre as partes, para, ao final, eleger qual delas tem razão. Diga-se, contudo, que se nota a existência de tendência no sentido de conferir ao juiz maiores poderes, de modo que sua participação seja mais eloqüente quando da estruturação do cenário fático sobre o qual incidira o direito material. Esse movimento também é verificado quanto da intervenção acautelatória do magistrado sem que exista requerimento expresso da parte, bastando que o órgão jurisdicional identifique a presença dos pressupostos autorizadores da intervenção acautelatória. Igual tendência também é notada no que respeita à instrução processual, sendo já consolidada a idéia de que o magistrado detém poderes instrutórios amplos relativamente aos fatos da causa, sendo-lhe permitido determinar a produção de provas mesmo que não exista requerimento das partes a respeito, bastando que exista um juízo de necessidade do órgão jurisdicional sobre as provas para que seja formado seu convencimento

Ressalvando-se, porém, que a ordem principiológica constitucional não deve ser interpretada "às tiras" e que, mesmo princípios como o da inafastabilidade da apreciação do judiciário, devem ser lidos de acordo com os limites que lhe emprestam a própria Constituição sob pena de conduzirem a conseqüências teratológicas, a exemplo de um ativismo judicial exacerbado, com ameaça de lesão ao princípio-regra constitucional da harmonia entre os poderes.

Essa nova visão de prestação jurisdicional confere ao magistrado um papel diverso daquele a que estava sujeito por força do positivismo jurídico expresso na teoria angular. O estado juiz abandona sua perspectiva passiva em relação à lide e se autoriza a buscar todos os elementos necessários à prestação jurisdicional efetiva. Fazendo entrever que "há uma outra faceta do princípio do contraditório relacionada, ou seja aquela que exige participação do magistrado no próprio debate mantido entre as partes" .

Embora não tenha feito menção aos fatores históricos que levaram a essa mudança de paradigmas com relação à atuação do estado juiz, é perceptível que o Autor concorda com a existência de um fluxo evolutivo de caráter histórico que conduziu a uma reformulação de institutos jurídicos, de que destaca ele o instituto do contraditório, que, se desgarrou, na sua visão, do conceito estanque da palavra legislativa para ganhar uma significação nova, impressa a partir da necessidade, forjada no cotidiano das cortes e das discussões engendradas nos diversos segmentos da sociedade, de um provimento jurisdicional mais efetivo e mais próximo do sentimento moral que indica o sentido da palavra justiça. "Es necesario persuadirmos cada vez más de que el proceso(...) no es como el legislador lo ha previsto em abstracto, sino como lo hacen vivir, como lo ?representan? (...)los hombres. .

Talvez seja esse o primeiro ponto sobre o qual devamos conferir uma certa reflexão, a fim de conjugá-lo a uma matriz histórica definida, haja vista não existirem institutos jurídicos fora de um contexto histórico e político a cujos parâmetros discursivos está sempre filiado esse ou aquele discurso ou instituto qualquer que seja a sua natureza, jurídica, filosófica ou econômica. O discurso positivista tentou formular teorias sobre estes institutos a partir de uma análise meramente ontológica, a partir de pressupostos filosóficos puros, o que culminou em erros históricos, ainda não superados pela humanidade!

Menos uma análise e mais uma localização histórica foi o que, a nosso ver, faltou na indigitada obra. Considerado de basilar importância para a identificação e delineamento do que vem a ser matéria de ordem pública. A definição do termo está em muito relacionada à compreensão de qual será o papel do estado em determinada ordem política e social. Sem ter em mãos esse arcabouço de informações, não resta ao pesquisador outra coisa senão partir, em sua pesquisa, de conceitos que já se encontram cristalizados (poderia até dizer cicatrizados ? tamanha é a dificuldade com que essas mudanças se operam no meio jurídico) nos institutos que se tem por seu objeto de estudo, o que, por si mesmo, acaba por reduzir a sua capacidade de análise e potencial de criticidade frente aos institutos ainda não inflectidos pelas necessidades concretas de seu tempo e que, portanto, não trazem as características históricas e discursivas do pensamento que encerra os valores eleitos como relevantes por uma nação em um determinado tempo e espaço!

A definição do termo "ordem pública" não possui utilidade restrita somente ao campo do jurídico, esse é um exercício de fundamental importância quando se trata de acionar as forças estatais, no bojo do estado democrático de direito, à intervenção, tanto na esfera pública quanto privada, e se opera no diálogo quotidiano, na esfera pública, dos fatores que constituem os diversos segmentos da sociedade. Portanto, o conceito de uma harmonia entre as forças ou fatores reais de poder , que se identifica com a semântica inscrita na definição de ordem pública, pode ser identificado aqui como um princípio base do Estado Democrático que conduz e direciona a sua atuação, autorizando intervenções, em qualquer esfera, inclusive para afastar garantias e direitos, quando esses obstarem à realização do bem comum. Desse ponto de vista, a atuação oficial do magistrado não seria originaria, nem prerrogativa independente de formação autóctone no pensamento jurídico moderno, mas, meramente, uma ação a que está adstrito o magistrado por força da ordem ditada pela sistema constitucional.

Portanto, a delimitação do termo ordem pública há que ser buscado não dentro do fenômeno da atuação de ofício em grau recursal, que é mera sombra da ordem principiológica constitucional, mas na própria teoria constitucional moderna.

No entanto, é bom frisar que a ordem pública é antes um termo que habita a esfera moral dos costumes em uma sociedade e que se transplanta para o direito por meio dos mecanismos institucionais que visam a possibilitar a vivência coletiva, sejam instituições do estado, grupos ou segmentos sociais. Esse conjunto de práticas que a sociedade toma por aceitável em determinada época, e portanto de fundamento histórico, é que constitui o elemento fundante para o estabelecimento dos institutos que vão operar como diretrizes jurídicas para a atuação do estado enquanto jurisdição.

Já no direito privado encontramos a ordem pública sob a estampa de bons costumes que, por exemplo, no direito alemão é um conceito jurídico genérico que possui o condão de eivar de invalidade as relações jurídicas que atentem contra os bons costumes, entendido aqui como o conjunto de práticas sociais eleitas por um determinado grupo como elementos culturais característicos básicos que informam as regras de conduta voltadas para um fim, para uma maneira de agir justa, para uma PRHONESIS . Ai também é apresentado como um conjunto de noções de caráter genérico do qual lança mão o juiz para subsidiar a avaliação do caso concreto com vistas a dar o provimento jurisdicional, mas, que , de alguma maneira, está submetido a um determinado controle dentro do próprio sistema.

O legislador moderno, assim como o BGB, serve-se, em apoio ao conjunto de institutos definidos juridicamente, de institutos indeterminados, que devem ser complementados ( como, por exemplo, boa fé objetiva, motivo relevante, desproporcional, irrazoável) cuja aplicação exige uma valoração caso a caso. O juiz não deve, aqui, seguir simplesmente seu sentimento jurídico ou uma opinião pré-concebida, mas, para promover a aceitação da sentença e garantir o tratamento igualitário dos subordinados ao direito, precisa submeter sua decisão ao exame do máximo de critérios possíveis de verificação. Ele se orienta, então, na jurisprudência, em casos semelhantes ao que deve ser julgado, assim como em pontos de vistas fundamentais, reconhecidos pela jurisprudência e pela ciência jurídica como relevantes, para o julgamento. No processo permanente de sua concretização pela jurisprudência e ciência jurídica, esses critérios adquirem cada vez mais um conteúdo determinado, sem que esse conteúdo deixe-se restringir em uma simples definição, sob a qual o fato típico pudesse ser simplesmente subsumido.

No entanto, há que se observar que a delimitação dos termos "bons costumes" e "ordem pública" parece não ter recebido atenção da seara jurídica, haja vista as mais variadas definições que se encontram do termo alemão Gutte Sitten, que ora aparece como bons costumes, ao se referir ao direito civil, ora como interesse público, quando tratado pela via do direito constitucional. Cremos que, por hora, a definição ou enquadramento jurídico do conceito não teria tanta importância, mas por motivos acadêmicos, vamos organizar a definição do termo Gutte Sitten sob o pálio dessa dupla significação: logo ordem pública e bons costumes seriam traduções válidas do termo, adicionando-se que o campo semântico de ordem pública, para a língua portuguesa, talvez seja mais abrangente do que aquele a que a língua empresta ao termo "bons costumes". Não há que se negar que ambos encerram, no entanto, uma representação do fundamento moral que está a direcionar o bem estar e as relações sociais e privadas em um determinado grupo social, situado temporal e espacialmente.
A ordem pública é um elemento informador do Estado Democrático de Direito, que permeia todo o texto constitucional e está presente no discurso estatal sempre que se faz necessidade de intervenção ou de restrição, seja de direito, seja no sentido de regular práticas mercantis, econômicas, no âmbito público ou privado. No entanto, cumpre-nos interrogar a respeito dos elementos integrantes da natureza do conceito e, mesmo se seria um conceito, princípio ou categoria.

Bem, no sentido de melhor acomodar a definição de ordem pública à uma apropriada terminologia em seu campo taxonômico adequado, é necessário procurar conhecer, a partir de sua representação histórica e fenomenologia jurídica, os elementos que participaram da construção semiológica do termo e seu significado para a ordem jurídico-constitucional, embora que não de forma definitiva!

Bem, como não é o objetivo do presente trabalho exaurir o tema, que , por si mesmo, requer um esforço mais percuciente e metodologicamente diferenciado dos objetivos dessas breves considerações, vamos nos ater somente a pincelar, perfunctoriamente, esses elementos, lançando o convite a uma discussão sobre o seu valor para a taxonomia do termo, relativamente ao lugar que ocupa no pensamente jurídico, e sua importância para a facilitação ao manuseio dos conceitos jurídicos submetidos à sua óptica, mormente aqueles necessários ao conhecimento, interpretação e prática do direito constitucional.

Comecemos então pela definição do que seria um conceito. A nosso ver o conceito seria uma unidade congnitivo-significativa. Existem muitas teorias que se propõem a explicar a natureza dos conceitos, uma delas, a teoria da representação mental, procura explicar o termo "conceito" como um conjunto de representações mentais, enquanto que, para outras teorias, seriam eles objetos abstratos . No fundo, o que todas elas tem em comum é a aceitação do fundamento filosófico de que o conceito seria uma base metafísica fundamental sob o que se possibilita a primeira acepção de conhecimento, ainda que genêrica. Os conceitos são, pois, unidades fundamentais de um determinado conhecimento estruturado em bases metafísicas. Peço desculpas ao leitor, por não me aprofundar nessa definição, que exige um arcabouço teórico mais apropriado, voltado à filosofia da linguagem, sociologia e filosofia de que, forçosamente, devo-me abster, sob pena de conseqüências teratológicas aos objetivos do estudo que ora procuro, humildemente, delinear.

Quando operados, ou operacionalizados, os conceitos podem dar origem à conjuntos significativos mais complexos - cuja atuação e atualização simultânea, pela via dialógica, com outros conjuntos de significados, que podem ser compostos por fundamentos metafísicos diversos - dão ensejo à formulação de unidades significativas mais complexas que são as categorias, unidades congnitivo-representativas para a definição de objetos de maior complexidade, e que ainda possuem contornos mais bem definidos em relação a um grupo de outros fenômenos similares. As categorias possuem a característica metafísica herdada de sua unidade primordial, o conceito. No entanto, sua atuação se dá no sentido de externar as características ontológicas de um determinado objeto, em relação a outros objetos da mesma natureza, enquanto o conceito tem caráter unitário, a categoria tem uma característica plúrima e taxonômica. Em grego, κατηγορία, significa também classe, e é uma definição, da qual lançaram mão os principais filósofos ocidentais que, entendiam que um dos problemas fundamentais das categoria estava em estabelecer a ordem e a hierarquia das coisas com base no seu "ser". Essa problemática, sob a qual se debruçaram os grandes nomes da filosofia ocidental, como Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Emmanuel Kant, Chales S. Peirce e outros, nao de menor importância, lança as bases da busca incessante do homem por um fundamento do conhecimento na cultura ocidental européia, por uma organização do mundo, de que, nem mesmo as ciência moderna conseguiu se desgarrar, produzindo sérios problemas para o moderno epistemólogo. Nos cumpre parar por aqui, com os devidos recaudos, para nao dar a essas considerações um rumo diverso àquele a que se propoe, que é considerar a natureza e significado do termo "ordem pública".

Ante o exposto, forçoso é concluir que a melhor definição para o termo princípio deve ser buscada no sentido de uma taxonomia normativa, e portanto, dentro de categorias significativas, que informariam o sentido normativo do termo. Principalmente se tomado nos temos da teoria normativo-estruturante, que será exposta, suscintamente, mais abaixo.

Por fim e, por não mais dispor de tempo, nem de oportunidade para um aprofundamento da visão desses termos pela ótica da filosofia ou das ciências linguísticas, está o termo e significado de "princípio", muito em moda na linguagem jurídica moderna, mas que ainda não está assentado definitivamente sobre as suas bases significativas, restando muita discussão sobre a sua natureza. No entanto para os operadores do direito, creio que esse assunto já está apaziguado, nao do ponto de vista filosófico, onde as águas são sempre turvas e sempre há algo ha se constatar por baixo do limo, mas com relação à operacionalidade da elemento semiótico indicado e denominado " princípio", que já possui o seu campo de atuação delimitado e papel apropriado, principalmente, no âmbito do direito constitucional moderno, haja vista as inúmeras tecnicas de que lança mão a jurisprudência e doutrina para operar o direito a partir da sua definiçao terminológica e jurídica. Estou-me abstendo a usar os termos, conceito, categoria ou princípio, aqui em discussão antes de chegar a uma conclusão provisória, porque em filosofia da linguagem nada é defintivo, o que pretendo fazer no parágrafo seguinte.

No sentido de evitar mais delongas, vou evocar aqui a teoria dos princípios que, mesmo em nossos dias, é objeto de algumas confusões., Depois Friedrich Müller, promoveu-se o ingresso do circulo semântico, a que denominamos princípio, no bojo significativo do conceito de norma, o que lhe conferiu, na ótica de um positivismo atualizado, a força normativa de que carecia nas primeiras cartas constitucionais, no entanto a compreensão do instituto tem sido fruto de constantes equívocos, inclusive por parte de algumas cortes nacionais, haja vista a moldura fática da norma positiva não ser suficientemente plástica para acomodar todas as possibilidades aventadas no pensamento de matriz principiológica. Ponto teórico com que o Autor também não está, completamente, de acordo quando conjuga seu objeto de estudo com a condideração de que :

"Por conta desse caráter de elemento orientado da própria estruturação legistaltiva do direito e da dicção deste pelos órgãos jurisdicionais, há que se reconhecer a antecedência lógica dos prinçipios jurídicos às normas positivadas; daí entendermos não ser correta a idéia de que o prinçipio, para que se reconheça a sua existência e seu vigor, deva necessariamente estar previsto em lei".

A assertiva parece um tanto quanto temerária, a contar que os princípios não podem ser entes independentes a agir no sistema, ao contrário devem ser forjados por um conjunto, diria noumenológico, uma idéia pura, das forças que agem sobre os institutos e, portanto, devem necessariamente, habitar o sentido da norma. Essa consideração que ora tecemos, coloca-nos em concordância com as infirmações do mestre alemão evocado linhas acima! Sem esse suporte teórico, o sistema seria mergulhado num caos da imprevisibilidade e do arbítrio dos julgadores, que estariam livres a forjar princípios a partir de seu próprio entendimento e visão pessoais, sem tê-los de submeter à crítica sistemática do sistema jurisdicional, de que são órgãos.

Uma estância de partida para a definição do que seja o princípio é a sua distição do conceito ínsito de regra. Desse ponto de vista, uma das principais diferenças entre regras e princípios é a natureza dos direitos que essas normas asseguram. Nesse sentido, as regras estão a assegurar direitos ou a proibir condutas perfeitamente delimitadas, dentro de uma moldura fática definida, está a garantir direitos prima facie, na dicção de Virgílio Afonso da Silva . Isso indica que o direito é garantido, em aspectos genéricos, por uma norma que possui a estrutura de uma regra na forma de especificidade, adquirindo uma feição jurídica perimente, e que ingressa no panteão das normas jurídicas de forma absoluta e, embora integrada ao sistema legal, não permite qualquer outra criação legislativa que lhe seja antinômica! A regra, então, penetra o preceito normativo como parte do sistema, com qualidades interpretativas que lhe são conferidas pelo conjunto do corpo legislativo sem, no entanto, permitir, em face da situação fática que demanda a atuaçao jurisdicional, qualquer mudança do comando legislativo, ou seja da norma concreta, a ser desempenhado pela sentença como em matéria de provimento jurisdicional para um caso concreto.

Em contrapartida, é necessário lançar mão da definição de princípios oferecida por Alexy , ao tratá-los como mandados de otimização, uma vez que não exigem a integralização do preceito nele contido. Seu campo de atuação, mandamento positivo ou negativo, não se encontra perfeitamente delimitado. Nesse caso, há uma norma genericamente positivada que, dentro de sua especificidade, apresenta-se de forma mais vaga, com uma feição jurídica mais plástica às situações concretas que lhe são apresentadas e que, em função dessa natureza, suporta a existência de outros princípios que lhe podem ser contrários, sem serem-lhe antinômicos. devido à possibilidade de realização de uma modulação jurídica, com a modelagem de uma norma, aplicável ao caso concreto, com a característica de ambos os preceitos principiológicos, que podem ser antitéticos em medidas otimizadas, ou seja, por meio da realização de ambos, no limite de suas possibilidades, instrumentalizados sob a técnica do juízo de ponderação.

Ordem pública e boa fé são termos a que a doutrina jurídica não emprestou muita atenção no sentido de uma definição mais apartada de seus limites significativos. No texto que ora se examina, a nosso ver, faltou acentuar que sua caracterização somente é possível por meio da compreensão de um conjunto de valores da ordem da moral e dos costumes, por fim, pelo conhecimento das razões históricas que levaram uma determinada sociedade a eleger padrões de comportamento, formas de conduta, elementos estilísticos e padrões estéticos como socialmente aceitáveis. Essas escolhas, que estão eivadas de uma historicidade na base de sua origem, são a pedra angular sob a que vai-se sedimentar a escolha de um povo por esta ou aquela matriz constitucional e que, por fim, vai direcionar a criação de seu ordenamento jurídico. Como uma entidade, dotada de certo teor ontológico, a ordem pública é uma categoria normativa, que, em conjunto com outras categorais e conceitos jurídicos, vem a formar um arcabouço legislativa de natureza constitucional. Por outro lado, pode ser interpretada como o fundamento de todos os conceitos constitucionais, haja vista, não existir um só princípio constitucional que não esteja ligado a ela, direta ou indiretamente.

A base de todo o arcabouço jurídico, que serviu de objeto de estudo, está então, de uma forma direta, relacionado à busca legislativa da manutenção da ordem pública, que é fundamento da própria existência do Estado.

A nosso ver, ao Autor faltou buscar mais dados de forma a melhor caracterizar o entendimento do fenômeno "ordem pública", que poderia ocorrer, mesmo sem que se desgarrasse do seu objeto de estudo, a saber os recursos de ofício em segundo grau de jurisdição. É plenamente possível, a partir de uma análise de como se operou a autorização legislativa para a atuação do magistrado com vistas a resguardar, de oficio, o interesse público, com base do arcabouço legislativo estudado pelo Autor. Essa aproximação laterial ou mediata, por meio dos institutos estudados na obra, se aprofundada, teria o condão de explicar e fundamentar, de maneira mais abalizada, a atuação e o comportamento do magistrado sobre determinados institutos, que para o autor, muitas vezes estariam em desacordo com princípios constitucionais.

Esse também é outro problema que se apresenta. Do ponto de vista do mero direito positivo, o autor entende, ao longo de toda a obra, antinomias entre a autorização para a atuação de ofício em grau recursal e princípios constitucionais consagrados, como o acesso à justiça. O que, talvez, não ocorreria se fosse levantada na obra a natureza fundante e sistemática da categoria-princípio ordem pública.

Retomando à tentativa envidada pelo Autor para a definição dos pontos fundamentais da ordem pública, vemos que perfaz ele um caminho contrário, partindo de um fundamento aceito de ordem pública, que não ficou muito bem explicado, para, definir a natureza do conteúdo da norma jurídica, utilizando-se da dicção de Clovis Bevilacqua para traçar um conceito de leis que podem ser de ordem pública ou supletivas, no tocante à força de sua aplicabilidade na sociedade (grifo nosso).

Nesse passo, seriam supletivas as leis cuja atuação condiciona-se à manifestação da vontade individual, vale dizer, "seu campo de atuação é o reservado à autonomia da vontade dos particulares.
Já as normas de ordem pública relacionam-se à organização à da vida social em seus diversos matizes (econômico, político, ambiental etc), regulando a vida do indivíduo como integrante da coletividade em suas diversas manifestações (em juízo, no relacionamento com seus pares, no relacionamento com seu cônjuge e filhos, na ordem econômica, na esfera pública, entre outras várias situações) .

Pois bem, podemos afirmar e infirmar a validade das constatações do autor. Temos, no entanto, que constatar, forçosamente, que partiu ele da natureza da norma para tentar alcançar o significado jurídico do termo "ordem pública" em contraposição à autonomia da vontade como elemento ínsito das relações entre os particulares. Em nada ajuda, portanto, a definição do termo para a explicação da natureza da atuação de ofício do estado juiz.

Seguindo ainda pela mesma via, o autor procura entender a definição de de ordem pública de forma mediata, por uma via reflexa, utilizando-se de arcabouço teórico estruturado a partir da invocação das definições contidas no magistério do jurista José de Oliveira Ascenção, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, para quem as normas de ordem pública, por ele denominadas injuntivas, são "as que se aplicam haja ou não declaração de vontade dos sujeitos nesse sentido, o que as distingue, claramente, das regras dispositivas, em que a manifestação volitiva tem relevância para fins de aplicação."

Sem menosprezar as constatações do autor, há que se convir que afirmar que uma norma é aplicada independentemente ou não da declaração de vontade dos sujeitos não diz muito sobre os elementos informadores dos princípios que compõem a categoria da ordem pública. É mais uma conseqüência, um efeito da natureza da norma jurídica em relação aos preceitos de ordem pública. Assim pode-se dizer que, quanto maior o interesse público sobre um determinado suporte fático normativo, menor a possibilidade de disposição do direito ínsito na norma jurídica por parte daqueles que à ela se submetem. Não estamos aqui, de maneira alguma, a desvalorizar a via eleita pelo Autor para conduzir o seu estudo. No entanto, se nos fosse dado a sugerir uma via metodológica, seria ela a partir de um conceito de ordem pública estruturado com vistas a encontrar, dentro de cada norma relativa ao objeto em estudo, o preceito que informa a cogência baseada na sua maior ou menor aderência aos ideais de ordem pública, a justificar a atuação do Estado Juiz, independentemente de solicitação das partes demandantes.

No mais, ao não tomar nota das mudanças sociológicas, econômicas e sociais que ocorrem no mundo moderno, ao não considerar a revolução paradigmática operada do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito, o autor se vê utilizando, por referencial teórico, conceitos de Estado e de Jurisdição que não mais se aplicam, por absoluta incompatibilidade entre as suas naturezas e as finalidades a que se propõem esses modelos de gestão estatal, para a administração e realização do bem comum. Nesse esteio, constatamos que colacionar institutos e descrever suas características como estando em desconformidade com determinada teoria jurídica seria desconhecer que esses conceitos são tão voláteis quanto a noção de Estado sob o qual foram engendrados, e que requerem uma interpretação diuturna, na medida em que as necessidades mudam e, com elas, os métodos para viabilizar o convívio dos diversos segmentos na sociedade. Os anseios engendrados no convívio humano necessitam ser implementados com vistas à promoção do bem estar e da paz social, o que somente pode se propiciado pela via dialética entre os diversos atores sociais com vistas a formatar uma linguagem comum, que povoa o conceito de Estado e direciona sua atuação.

O autor incorre no erro indigitado ao fazer referência ao conceito de inércia na atividade jurisdicional relacionando-a com à autonomia do indivíduo. Ora, esses dois conceitos são elementos dinâmicos que devem ser informados e conformados dentro dos princípios direcionadores da efetividade jurisdicional que é alcançada pela via mediata de uma jurisdição eficiente. Acontece que o conceito de eficiência, que tem assento constitucional, depende de um conteúdo de natureza social cuja fonte direta é o conceito de justiça, de apaziguamento dos conflitos, de bem-estar social, enfim, de ordem pública:

Para Bedaque, a inércia da atividade jurisdicional relaciona-se à autonomia que se reconhece ao indivíduo no curso das relações que este estabelece no cotidicano. Além de se vincular ao próprio princípio de que a jurisdição deve ser imparcial, o princípio da demanda justifica-se, também, pela evidente necessidade de serem evitadas intromissões indesejadas nas relações privadas (...) A referência ao princípio da demanda por via de outra denominação (princípio da inércia da jurisdição) existe por conta desse caráter da imobilidade do Estado relativamente à deflagração da atividade jurisdicional.


Esse conceito levantado pelo Autor, embora de abalizada doutrina, não pode mais ser invocado com o fim de possibilitar o reconhecimento dos institutos por ele mencionados, uma vez que o princípio da autonomia da vontade e da inércia da jurisdição foram princípios forjados no bojo do conteúdo ideológico do Estado Liberal, e estavam justificados pela sua finalidade precípua que era a da não intervenção nos assuntos privados e sociais, caracterizado pela mínima intervenção estatal. Portanto tem um valor doutrinário e científico-jurídico, dentro dos sistemas no qual foram forjados. No entanto, hoje, esses institutos precisam ser lidos sobre uma nova óptica, a do Estado Democrático de Direito, cuja tônica é a atuação oficial com vistas a dirimir a desigualdade material engendrada no seio de relações, tanto sociais quanto privadas, em que um dos atores, dadas as condições fáticas, está incurso em relação de desigualdade material dentro do sistema. O Estado, aqui, age como um agente equalizador dessas situações de desigualdade. Sua atuação se justifica com base nos princípios que compõem a categoria da ordem pública, que lhe abrem uma via de atuação direta para a intervenção nas relações de cunho privado podendo, inclusive, afastar direitos, mesmo os de conteúdo constitucional, contanto que o permissivo legal caiba, ao menos, como formulação de uma matiz principiológica. Quer dizer, que, em uma releitura do instituto da autonomia da vontade, por exemplo, há que se considerar o novo conteúdo com a qual é informada pela via do Estado Democrático de Direito, que está a compatibilizar esses princípio com o princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional.

No bloco anterior, tratei de um problema que, da minha parte, parece de crucial importância para a identificação e localização do tema objeto do trabalho em tela, dentro do sistema recursal de ofício estudado, a partir da apreciação dos institutos de que o Autor lança mão para identificar as possibilidades de atuação do Estado Juiz, afastada a disponibilidade do direito das partes. Lançamos então um juízo de valor sobre as apreciações que nos permitiu promover a intelecção de que o marco teórico fundamental sob o que o trabalho tem o seu assento seria o conceito de "interesse público". Agora, nessa segunda parte, vou-me restringir a pontuar, outros problemas conceituais, e metodológico, sem, no entanto, fazê-lo, com a profundidade que merecem os temas, haja vista suscitarem, pela sua natureza institucional, pesquisa mais profunda e estruturada, o que não se objetiva com as considerações, que ora estamos a tecer, de caráter mais didático que científico, mais descritivo, do que epistemológico.

Dentre o conjuntos de problemas metodológicos encontrados, podem-se destacar alguns de origem classificatória.

Com o intuito de fazer comparações entre a atuação de oficio em grau recursal e o princípio da inércia da jurisdição, o autor procura fazer contraponto entre os princípios dispositivo e inquisitório. No entanto, ao tentar engendrar um mecanismo hábil para produzir essas comparações, a nosso ver, pela via do momento em que cada um desses institutos estaria a atuar no processo, percorre todo um raciocínio equivocado, como era de se esperar, ao partir de premissas também equivocadas. Acontece que, embora tenha eleito um critério válido, do ponto de vista da lógica aristotélica, com a semelhança pelo gênero e a diferencia pela espécie , equivoca-se com relação à escolha desses elementos. Explico: ao expor o Autor que a ele parece-lhe que os fenômeno da disposição e o da atuação do magistrado em grau recursal dão-se em momentos distintos , o Autor elege a via do gênero, sob o que pretende comparar os dois institutos para diferenciá-los na espécie. E procede corretamente ao apresentar o principio dispositivo com bases nas características que demonstra no sentido de estar "umbilicalmente ligado à apresentação da ação em juízo", na dicção do Autor, com base na semelhança genérica a que se propõe e que se baseia nos momentos do feito. Até aí, tudo bem! Acontece que, ao apresentar o princípio inquisitório, perfaz uma ríspida e imediata fuga da coerência de suas considerações, haja vista que os relaciona com o modo como é feita, pelo magistrado, a condução do processo. Vê-se que, claramente e verofuncionalmente, tal acepção, partindo de premissas em que os elementos categorizantes não estão em concordância, não se podem ter conclusões logicamente válidas, mas apenas assertivas sobre os institutos que se procurava apreciar.

Nesse diapasão, observamos problemas metodológicos sérios, quando o Autor realiza um jogo de sentido entre os conceitos de "nulidades sanáveis e insanáveis" e "nulidades validáveis e invalidáveis".

Transplanta o autor, aqui, o problema da sanabilidade ou insanabilidade das normas para o plano da validade jurídica, em nada resolvendo o problema fundamental que pesa sobre esses institutos que é definir se o sanável tem ou não correspondência com o válido, expandindo assim, forçosamente, o conteúdo semântico do termo para que, nele, caiba sua conclusão, que seria de que:

Nesta toada, vê-se às claras que a expressão "nulidades sanáveis", contida no precitado párg 4º do art 515 do CPC, espraia-se às nulidades absolutas e às nulidades relativas, repita-se, indistintamente, isto é, sem que se adstrinja, exclusivamente, às nulidades relativas.
Nulidades convalidáveis, nesse diapasão, são nulidades prorrogáveis ( relativas, por tanto, ) Nulidade sanáveis são corrigíveis, independentemente de seu caráter relativo ou absoluto.

Ao partir de premissas montadas sobre argumentos que carecem de fundamento e, ao se furtar a lançar, de antemão esses fundamentos, o Autor incorreu novamente em falta que retira a cientificidade de sua assertiva sobre as relações entre os institutos que tenta colacionar no círculo semântico dos termos sanabilidade e nulidade. Em resumo, criou uma nova classificação, que a seu ver teria a capacidade de englobar a anterior, e resolver o problema que se projeta no artigo indigitado. Parece-nos que não acertou em muito e que suas assertivas restaram-se infundadas e desprovidas de justificação. Sem muitas delongas, seriam importantes algumas considerações sobre a possibilidade de resolução do problema apenas com base na natureza, em si, do validável e do invalidável. A nosso ver a solução do problema, está menos em um malabarismo de conceitos e mais, reside na própria natureza dos institutos. Se o ato é nulo o seu sentido jurídico não será utilizado para a confecção do ato que tomará o seu lugar, agora se o ato é anulável, o seu conteúdo semântico pode permanecer o mesmo, mudando-se talvez o sua natureza jurídica. É um exercício mental muito simples de se fazer, sem que tenhamos que lançar mão de um emaranhado de termos, definições e conceitos que, em muitas vezes, somente dificulta ainda mais a aproximação cognitiva com o instituto e, muitas vezes, acaba por gerar problemas com outros sistemas de definição que já são aceitos pela doutrina.

Por fim, chegamos à mesma conclusão- sem ter que pegar uma via mais longíngua, por meio de uma novo conceito, que deve abraçar o conceito antigo- de que "as nulidades sanáveis são nulidades corrigíveis, independentemente de seu carágter relativo ou absoluto" , a partir, meramente, das características fenomenológicas dos atos nulos e anuláveis, qual seja, o seu conteúdo semântico e sua natureza jurídica. Sobre a permissividade da atuação oficial deve estar inscrita na lei.

Ao tratar sobre a existência da Dúvida Objetiva, o Autor entra em uma seara que, muitas vezes tratada pela filosofia da ciência e da linguagem, é de perigoso trilhar. Sem estabelecer as premissas sob as que vai desenvolver os argumentos de que o princípio da fungibilidade não se pode fundar sobre uma determinada dúvida objetiva com base na impropriedade do termo "objetivo", é impossível tecer qualquer assertiva sobre a impropriedade do termo "dúvida objetiva".

Então, e prontamente, afirma-se, aí, uma contrariedade lingüística, sem informar ao leitor qual seria a real natureza dessa objetividade com relação ao princípio espelhado nas suas considerações. Ora, ao infirmar que a existência de qualquer dúvida tem pauta subjetiva, o autor afasta a possibilidade de existência de dúvida de matriz objetiva, alegando incompatibilidade terminológica, sem antes desenvolver o significado do termo adjetivo, baseando-se simplesmente numa concepção lingüística pré-concebida, sem desenvolvimento lógico ou marco teórico que sustente a afirmação . Aqui, apenas pontuamos o que julgamos equivoco hermenêutico, que ignora a existência do fenômeno da dúvida objetiva, por confronto de círculos semânticos que, provenientes do senso comum advindos das palavras dúvida e subjetividade, não podem fornecer suporte verofuncional para a confecção das premissas necessárias para o sustento da assertiva . Ignora o Autor a possibilidade de promover a aproximação lateral ao tema por meio das teorias da hermenêutica objetiva, que é um método das ciências sociais, que, ao contrário das outros métodos hermenêuticos, não procura o sentido subjetivo, mas o sentido objetivado nas formas de expressão, em seu sentido mais amplo, com ênfase nos textos discursivos, como é o caso do direito. Esse ramo da ciência da linguagem está relacionado diretamente com a teoria da reconstrução (Rekonstruktionslogik) em contraposição com a lógica da subsunção (Subsumtionslogik).

De posse do referencial fático, que é o caso concreto apreciado e de seu confronto com a jurisprudência e a lei, poderíamos, cotejando-o com outros casos já julgados constatar ou não a existência da dúvida objetiva, nos termo lingüísticos aqui tratados pelos autores, e do ponto de vista hermenêutico objetivo, haja vista a consideração de que os julgados também seriam leis materiais para o caso concreto, portanto, eivados de objetividade legislativa!

No mesmo equívoco acreditamos ter incorrido a Professora Tereza Wambier, em palestra proferida no 2º Seminário de Processo Civil do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, realizado em Porto Alegre (RS) entre 17 e 18/08/06, ao expor a opinião de que "a dúvida é sempre subjetiva"

Ao tomar apenas o campo semântico da palavra objetivo para referenciar as assertivas sobre o instituto da "dúvida objetiva" pode o pesquisador incorrer em simplificação demasiada da sua apreciação que, invariavelmente, pode levá-lo a assertivas que podem ser até verdadeiras, mas que estarão desprovidas de cientificidade, por não possuir uma metodologia que lhe empreste o adjetivo da cientificidade como método de aferição do conhecimento.

Continuando com nossas considerações sobre o trabalho do insigne professor, não há a possibilidade de passar despercebido acerca dos conceitos teóricos aventados sobre determinados institutos e sua não adequação ao corpo do próprio trabalho em tela. Veja-se o exemplo o trecho seguinte:

Dessa forma, vê-se que a estabilização das relações interpessoais assume relevância tal que mesmo atos infringentes de direito são, digamos, convalidáveis, na medida em que as ações judiciais, à disposição da parte lesada, encontram limites temporais nos prazos prescricionais.
Esse objetivo, digamos, pacificador, ínsito à prescrição a torna matéria jurídica que evidentemente extrapola o interesse das partes envolvidas na relação jurídica controvertida: há notória interseção da prescrição com a harmonia da vida em coletividade, em relação de clara causalidade

Embora a assertiva possa apresentar verossimilhança, o Autor empresta-lhe uma pecha de acientificidade quando, em seguida, produz uma série de argumentos que vai levá-lo, imediatamente, à conclusão contrária:

Dessarte, não enxergamos na prescrição características que a possam tornar um tema de ordem pública, comparável, ad exemplum, aos alimentos, à proteção do consumidor nas relações com fornecedores, às questões atinentes ao casamento e à filiação

Não se poderia deixar de pontuar que, não só a construção textual está em desconformidade com a metodologia da pesquisa a que pretende entabular o Autor, mas também aqui aparece mais uma vez o problema fundamental que, de início, apontamos em sua obra, que seria o de estabelecer quais são os limites epistemológicos e jurídicos da "ordem pública?, sob os quais teria ele que trabalhar necessariamente os institutos atinentes à atuação de ofício em instância recursal.

Aproveitando o parêntese, cremos que o mesmo problema tenha ocorrido quando tratava o Autor da Relevante questão de direito do art 555, par 1º , do CPC: Iniciativa oficial quanto à uniformização da jurisprudência . Alhures nesse capítulo afirma o Autor :
Toda ação judicial envolve, de alguma maneira, interesse público, pela simples razão de que a composição de um litígio atrai, de per si , o interesse da coletividade, na medida em que a harmonização das relações conflagradas é algo de interesse público.
Ocorre, contudo, que há diferentes gradações de interesse público: há aquele indireto, como expusemos no parágrafo acima, e há o interesse público direto, imediatamente atrelado ao objeto jurídico litigioso, de demanda individual que tramite no foro

Esse trecho deixa claro algo sob o que já nos debruçamos anteriormente. O fato de o Autor não ter-se dado ao trabalho de desenvolver um tópico mais percuciente sobre o assunto do "interesse público" trouxe-lhe sérios problemas metodológicos, obrigando-lo a fazer pequenas notações sobre a natureza do instituto sempre que necessita explicar algum termo ou objeto de suas considerações, o que demonstra uma falha metodológica que dá a suas assertivas uma característica fungível.

Do ponto de vista teórico, não se pode deixar de criticar a alegação do autor sobre a natureza imediata do interesse público quando de uma demanda. Ora, o interesse imediato, nos assuntos eivados de disponibilidade, é da parte e daí, só em segundo plano é que se pode identificar o interesse público que, aqui, é genérico. Portanto, qualquer alegação de que um instituto tem sua aplicação justificada com base no interesse público necessita de que sejam estabelecidos, a priori, as condições de sua realização e quais seriam os pressupostos, de interesse público, necessários a sua integralização, enquanto instituto dentro do sistema jurídico. Somente a partir dessas indagações é possível estabelecer o seu nível de aderência ao princípio da disponibilidade ou da atuação de ofício.

Infelizmente o Autor não cuidou com a devida atenção necessária a questão que envolvia as características e outros elementos que envolvem a categoria ?interesse público", de crucial importância, no bojo da obra em comento, para a identificação da necessidade ou não da atuação de oficio em grau recursal.



















REFERÊNCIAS



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