Primeira parte

Não passa tanto tempo que a cantora Madonna conseguiu adoptar uma segunda criança no Malawi sob fortes vozes de contestação, levantadas por organizações locais defensoras dos direitos de criança.
A refutação resume-se no facto de as leis daquele país vizinho não admitirem a adopção de crianças por pessoas que não tenham lá residência.
O Supremo Tribunal do Malawi avançou para uma autorização excepcional por via do argumento de que estava em causa o supremo bem-estar da criança, que vivia num orfanato desde, quase, os primeiros dias de vida.
Esta notícia suscita em nós um pensar preventivo sobre a matéria, considerando que a orfandade de crianças se revela uma constância universal, numa era em que doenças como Hiv-Sida não param de enlutar famílias, deixando desgraças e desamparos desmedidos às crianças.
Na verdade, o objectivo deste artigo é visualizar o quadro normativo moçambicano sobre a matéria, trazendo a essência desta figura legal, para que se compreendam o conteúdo, as cautelas impostas por lei, os efeitos nos espectros sociais e jurídicos, e também para dissipar certas dúvidas quanto ao seu alcance prático.
Também se motivou este artigo numa curta mas aguda notícia decorrida na nossa paisagem de comunicação social, referindo que certo tribunal de Maputo terá permitido a adopção por uma pessoa não casada, questionando-se-lhe a legalidade.
Na história universal, delimitam-se duas faces conceptuais, justificando o progresso do instituto da adopção, pela dinâmica derivada nas preocupações da sociedade:
a) O rumo de salvação àqueles que não podem ter filhos biologicamente, dando-os essa oportunidade e
b) O itinerário de dar pais às crianças que os não podem ter, por diversas imposições circunstanciais.
A primeira face, predominantemente se alonga sob o interesse só dos adoptantes, olhando-se para uma satisfação egoística de quem procura ter filho.
Esta linha justificativa da adopção pode pecar se não considerar que é à criança que se deve investir mais, por esta representar um bem inestimável para a salvação da humanidade.
Não basta prover benesses materiais às crianças, sujeitando-as a todo o tipo de abusos psico-sociais que lhes aniquilam a honra e viciam o crescimento harmonioso, pelo contrário lhe escravizando de sofrimento interior que sobressairá no futuro, perigando a estabilidade da sociedade. Este tipo de adopção, não recíproca em vantagens, não favorece a humanidade.
Na segunda linha, depara-se a adopção, significando conceber um lar a uma criança que de outro modo não o teria por força de variadas circunstâncias, como orfandade ou desinteresse dos pais biológicos.
Numa outra perspectiva, a criança pode até ter um lar dos pais biológicos mas porque este, envolto de circunstâncias materiais e psicológicas profundamente sofríveis, se depare com a necessidade de transitar para uma outra família disposta a proporcionar um ambiente de convivência mais humana, para que ela desenvolva a sua personalidade com doses de amor e afecto.
A Lei da Família (veja-se, por todas as menções, os artigos 389 a 406) estabelece um princípio chave, condicionante para a adopção: igualdade entre as crianças biológicas e adoptadas.
Esta norma tem duplo alcance de vantagens à criança:
a) Quanto ao estatuto familiar, a criança adoptada, integra-se com os demais descendentes, fazendo-se menção no registo civil, podendo usar os apelidos dos adoptantes;
b) Quanto à herança, os adoptados passam a iguais direitos que os filhos naturais.
Para garantir a estabilidade da situação jurídica acima indicada, a lei fixa a irrevogabilidade da adopção, independentemente do acordo entre o adoptante e o adoptado (tal como, pai e filho nunca podem acordar que deixam de sê-los).
A lei posiciona-se vertical na garantia do princípio da não discriminação, impondo que a adopção deva ser feita por sentença judicial, incumbindo aos serviços da acção social fazer o acompanhamento permanente e periódico do menor até atingir a maioridade, e apresentar um relatório anual ao tribunal que tenha decretado.
Quanto à capacidade para adoptar, a lei define quatro blocos de pessoas:
a) Casados ou vivendo em união de facto há mais de três anos, não estando separados de facto, devendo ter mais de 25 anos de idade, possuindo condições morais e materiais que possibilitem o desenvolvimento harmonioso do menor
b) Por via de excepção, pessoas que mesmo não casadas, tenham mais de 25 anos de idade e possuam condições morais e materiais que dão garantias ao são crescimento da criança.
c) Quem tiver mais de 25 anos, sendo a pessoa a adoptar, filho do cônjuge do adoptante.
d) Indivíduo com mais de 25 anos, sendo a pessoa a adoptar, filho de pessoa com quem o adoptante, embora não casado, mantenha comunhão de vida, vulgo união de cama e mesa, há mais de 3 anos.
Veda-se a adopção por parte de quem tiver mais de 50 anos, excepto nos casos em que o menor for filho do seu cônjuge ou da pessoa com quem mantenha comunhão de vida.
Preconiza-se ainda que, entre o adoptante e o adoptado, a diferença de idades não deve ser inferior a 18 ou superior a 25 anos, olhando-se para este limite como ponto razoável que permita sustentável e afectiva comunicação entre as partes. Esta condição pode ser desconsiderada pelo juiz se sobressaírem razões supremas ao bem-estar da criança.

Segunda parte

Na primeira parte deste tema, foram trazidos à superfície os aspectos fulcrais sobre a adopção, retendo-se a atenção sobre o conteúdo e os requisitos impostos por lei para as pessoas que queiram adoptar.
Sublinhámos que a adopção insere em si uma dupla finalidade socio-jurídica: Por um lado, dar pais àquela criança que não pode tê-los e por outro, dar filho àqueles que não o podem ter ou mesmo tendo-o, se mostram interessados com mais uma criança em estado de desamparo, decidindo integrá-la na sua família.
A alma legal da adopção orienta-se pelo superior interesse da criança, traduzida na obrigatoriedade de todas as decisões serem tomadas na perspectiva do favorecimento da mesma.
A nossa ordem legal assenta nos pressupostos supraditos tal como podemos sumariar da Constituição da República, das Leis de Bases de Protecção da Criança (Lei 7/2008, de 9 de Julho) da Organização Jurisdicional de Menores (Lei 8/2008, de 15 de Julho) e da Família (Lei 10/ 2004, de 25 de Agosto).
Em todos os Diplomas expostos se fixa o ditame de que a criança deve ser o centro de gravidade para qualquer das opções sobre a adopção.
Aliás, o direito à convivência familiar é a cúpula orientadora para o crescimento harmonioso da criança, decorrendo daí que quando não existam condições para o seu crescimento em família natural, haja de se recorrer a meios alternativos, um dos quais objecto da nossa peça ? a adopção.
Quem pode ser adoptado?
Com referência aos artigos 395 e 396 da Lei da Família, deparámos que podem ser:
? Os menores filhos do cônjuge do adoptante, ou de quem com este viva em união de facto ou em comunhão de vida há mais de 3 anos, desde que aquele progenitor dê o seu consentimento;
? Os menores de 14 anos que se encontrem em situação de orfandade, de abandono ou de completo desamparo;
? Os menores de 14 anos, filhos de pais desconhecidos;
? Os menores de 18 anos que, desde idade não superior a 12 anos tenham estado à guarda e cuidados do adoptante.
A adopção deve ser consentida:
? Pelo próprio a adoptar; quando maior de 12 anos;
? Pelos pais naturais, mesmo não vivendo com o filho a ser adoptado;
? Pelos filhos do adoptante, quando maiores de 12 anos;
? Pelo cônjuge, não separado de facto, do adoptante.
De referir que a criança a adoptar, maior de 7 anos, deve ser ouvida pelo Tribunal, bem como os filhos do adoptante maiores de 7 anos. Esta norma do artigo 399 da Lei da Família reflecte a atenção que se atribui ao processo da adopção, para que redunde numa integração coesa da criança à nova família.
Processo de adopção ? linhas básicas

Nos artigos 97 e seguintes da Lei da Organização Jurisdicional de Menores, estampam-se os procedimentos para a adopção que as sintetizámos a seguir:
Requerimento do interessado dirigido ao tribunal da área de residência do menor, no qual devem ser justificadas e comprovadas as vantagens de que usufruirá o menor a adoptar.
Salienta-se a intervenção dos serviços da Acção Social, a quem incumbe realizar inquérito apropriado para aferir sobre a idoneidade dos requerentes, visando apetrechar o juiz de elementos bastantes para a apreciação do pedido.
Sublinhe-se que o processo de adopção é rodeado de um cuidado rígido e quando as circunstâncias o determinarem, pode ser necessário um período inicial de integração do menor à futura família, do qual podem os serviços da Acção Social concluir haver viabilidade ou não para o atendimento do pedido pelo juiz.
Os serviços da Acção Social são, para todos os efeitos, os padrinhos deste processo, assumindo a nobre tarefa de acompanhar a componente sócio afectiva da integração do menor à família adoptante.
Como referimos na primeira parte, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os demais filhos na família deste, extinguindo-se as relações com os pais naturais. Pela razão que antecede, proferida a sentença fixando a adopção, a certidão do facto deve ser remetida para averbamento junto ao registo de nascimento do adoptado.
Em conclusão, a adopção é um instituto sensível e nele é imperioso garantir a serenidade e severo controlo para que não se quede em situações em que haja sujeição do menor a um martírio serviçal e cruel, aonde a ideia central pode ser explorá-lo friamente, aproveitando o seu estado de necessidade.