Zé Tapera está na praça dos girassóis, no centro de Palmas, pára em frente ao paço Arlequim, sobe uma das rampas de acesso, teme entrar. De repente, à sua esquerda, um homem bem vestido chama-lhe a atenção. Era "Ele". Aos poucos, o sangue ferve, a cabeça parece explodir e se vê tomado por uma vontade incontrolável de gritar. Respirou profundo. Meu Deus, faz tanto tempo, mas parece que foi ontem, pensou. Reporta-se aos anos sessenta, era quase um menino. Naquela tardezinha, ao voltar do trabalho duro na roça, "Ele" e mais três sujeitos o obrigaram a fugir como se fosse um pária, um fora da lei. Pior foi ser humilhado daquele jeito: apanhou de facão. Corpo doído, cortado, entrouxou os molambos, juntou uns cacarecos e desapareceu em silêncio. Ficaram suas lembranças. Procurar quem? "Ele", agora sozinho, passa embaixo de seu nariz, sente um perfume estranho, quer chamá-lo pelo nome, não consegue.Apesar de feio, "Ele" parece bonito, anda com elegância. Zé Tapera desanda a chorar, ninguém percebe. Leva a mão direita à cabeça, ergue os olhos para um céu azulado. Num átimo, dispara rumo à Avenida JK, antes mesmo de alcançá-la, se atira no meio da rotatória e morre atropelado por um ônibus clandestino. "Ele" segue sua vidinha torpe, vidinha encapotada por esses "movimentos" que de tão aparentes são como bijuterias em focinhos de porcos. Zé Tapera desapareceu por entre árvores do mistério. Nunca houve batalhas. Como Primo Levi, receio não encontrar quem acredite no horror que, auschwitzmente, continua acontecendo mundão afora, latente, é verdade, mas vivíssimo...

Ary Carlos Moura Cardoso
Mestre em Literatura pela UnB
Professor da UFT