O Brasil foi o primeiro país da América do sul a ter um movimento eugênico organizado. A sociedade eugênica de São Paulo foi criada em 1918. O movimento eugênico no Brasil foi bastante heterogêneo, trabalhando com a saúde pública e com a saúde psiquiátrica. Uma parte, que pode ser chamada de ingênua ou menos radical do movimento eugenista no nosso país, se dedicou a áreas como saneamento e higiene, sendo esses esforços sempre aplicadas em relação ao movimento racial.
 
A doutrina chamada de vocação agrícola era aceita pela elite brasileira, pois mantinha os trabalhadores do campo afastados das cidades grandes. Enquanto os trabalhadores estavam residindo na zona rural, eles e suas famílias teriam garantias de ter estabilidade econômica, proteção à saúde.
 
Nas cidades a higiene passou a ser o assunto mais divulgado pelos eugenistas, a formação de uma população sadia e sem conflitos: saúde mental e moral eram exemplos de uma raça desenvolvida, fatores externos como doenças e alcoolismo eram fatores que contribuíram para a degeneração da raça.
 
Foi nessa época que o famoso sanatório Pinel de Pirituba foi fundado, um local usado como depósito de pessoas que não eram aceitas pelos padrões eugenistas. Um dos argumentos para a pessoa ser mandada para o Pinel era que muitas vezes as pessoas eram inaptas a se adaptar ao meio urbano, e por isso desenvolviam estados psicóticos juntamente com complexos de perseguição. Porém, para ser mandado para uma instituição menta, bastava fazer parte do que qualquer movimento de oposição. Ativistas políticos, feministas que poderiam ser uma ameaça à família, e muitos outros que apenas reivindicavam alguns direito básicos eram considerados fora do padrão de conduta, e por isso seriam separados da sociedade.
 
Renato Kehl foi o fundador da sociedade eugênica no Brasil, e seu divulgador mais entusiasta. Entre 1917 e 1937 ele publicou dezenas de livros sobre o assunto e foi literalmente o seu maior defensor.
 
Inicialmente Kehl foi o que pode ser considerado até um pouco ingênuo, achando que eugenizar seria parte apenas do movimento de sanear, sem ter idéia de que as leis de aperfeiçoamento da espécie chegariam a ser utilizadas de modos tão radicais como os imaginados pelos sócio-darwinistas.
 
No final dos anos 30 Kehl, já conhecendo bem o movimento, começa a publicar material mais agressivo e radical sobre a eugenia, chegando a ser o defensor da esterilização de sujeitos considerados alienados e criminais. Em 1937, Kehl passa a declarar que não existe cura para os males sociais, que eles só poderiam ser tratados com o aperfeiçoamento da espécie, afirmando assim a política eugênica no Brasil, como uma eugenia que teria que lidar com os fatores biológicos e não só sócio cultural.
 
Em 1947 Kehl encerra sua carreira como eugenista, provavelmente porque após o holocausto, e com a quantidade de mortes que sua ideologia trouxe, se tornou muito difícil achar argumentos para continuar defendendo o desenvolvimento de uma raça pura.
 
Belisário Penna explorou o abandono rural e a super população nas cidades grandes. Os problemas de saúde rurais são o seu maior foco de trabalho. O aumento de doenças, segundo Penna, foram co-relacionadas a abolição da escravatura, que levou indivíduos sem o menor conhecimento de higiene pessoal, que antes formavam parte de um contexto, mesmo sendo escravos, a serem agregados a uma sociedade, tornando eles em seres produtivos.
 
O argumento de Penna era que a libertação desses indivíduos fez com que eles se tornassem marginais, habitando a periferia das cidades ou locais extremos, onde se entregavam a bebida e as orgias, deixando para trás todas as marcas de uma civilização desenvolvida, especialmente no campo de higiene. Penna chegou a dizer que muitos dos escravos após a abolição retornaram ao seu estado primitivo e quase selvagem.
 
Muitos autores eugenistas usavam como exemplo a população brasileira, para provar que a liberdade racial iria encher o mundo de mestiços, levando o mundo a promiscuidade, sendo esses cruzamentos nada mais do que a prova viva da degeneração da raça pura.
 
Havia uma divergência de opiniões dentro do movimento eugênico no Brasil. Uma parte dos eugenistas dizia que seria por meio da miscigenação que o Brasil desenvolveria o seu próprio futuro eugênico. Essa miscigenação contava com a mistura entre os ex-escravos e os imigrantes europeus, que já traziam com eles os genes superiores da raça branca, proporcionando um futuro mais puro à nossa população.
 
E quando se fala em raça pura trazer benefícios genéticos, a primeira pessoa que deveria ser citada no Brasil é Machado de Assis, provavelmente o maior escritor da literatura brasileira, que era mulato. Ele nunca foi visto como uma mistura de genes puros com impuros. Machado era uma exceção, um fenômeno diferente, uma aberração positiva da natureza.
 
O nosso Machado, com suas palavras e histórias, conquistou o coração e a admiração do meio intelectual, que até então era somente aberto para brancos. Esse homem era considerado pelos eugenistas nada mais do que uma aberração positiva da miscigenação entre raças, um acaso, uma semi-raça em vias de desenvolvimento.
 
Mesmo tendo Machado do Assis como prova de que a mistura entre raças não era uma idéia tão terrível, o Brasil continuou sendo citado entre os meios racistas e os sócio-darwinistas da Europa, como exemplo de sociedade degenerada pela miscigenação racial, uma maneira muito educada de nos chamar de promíscuos.
 
Gobineau esteve no Brasil de 1969 a 1870, e quando voltou a sua terra disse a seus companheiros de movimento que aqui ele encontrou a prova viva de que a miscigenação das raças causaria a degeneração da espécie humana.

Segundo suas observações, o Brasil não tinha conhecido o desenvolvimento econômico social, pois fatores como o clima e a mistura entre raças inferiores haviam gerado uma população preguiçosa, indisciplinada e pouco inteligente. Por mais estranho que pareça, mesmo após tantos anos terem passado, até hoje ainda existem pessoas que continuam pensando em nós, brasileiros, da mesma maneira.
 
Kehl propôs meios de transformação da sociedade por adoção das seguintes estratégias: exame pré-nupcial, castração, esterilização e educação higiênica. Essas normas básicas tinham como intuito melhorar a cara do nosso povo, considerado doente, pobre e inculto.
 
A esterilização, principalmente de indivíduos negros que fossem considerados suspeitos de qualquer anomalia ou crime, reduziria de maneira poderosa a reprodução de degenerados, porém a eficácia do método não é imediata. E demoraria várias gerações para que os mestiços não mais apresentassem vários dos defeitos das raças inferiores, tais como a preguiça e o parasitismo.
 
Alguns intelectuais consideravam esse problema de origem vital. Monteiro Lobato afirmava que o fator que dominava a sociedade brasileira não era biológico, e para ele e seu grupo a solução para os problemas da nossa pátria seria a eugenia, aplicada de maneira ativa e a higienização usada de maneira educativa.
 
Tanto a eugenia positiva como a negativa foram divulgadas no Brasil com o objetivo de exterminar os símbolos da degeneração racial. Entre campanhas contra o alcoolismo e proliferação de doenças, existiam teorias que pregavam o embranquecimento da população, produzindo o que seria chamado de tipo nacional, que poderia ser chamado carinhosamente de eugenismo com o jeitinho brasileiro.
 
Para que o tipo nacional pudesse prevalecer, os eugenistas sabiam que teriam que tomar atitudes radicais tais como a esterilização, pena de morte, controle na entrada de imigrantes, exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e os portadores de doenças contagiosas teriam que ser confinados e observados. Foi neste contexto complexo e, sobretudo, confuso, que aconteceram os chamados crimes do preto Amaral.

José Augusto do Amaral ou preto Amaral ficou conhecido na história como o primeiro serial killer brasileiro, por ter assassinado 3 jovens rapazes e cometido necrofilia com os corpos ainda quentes. Então, como você pode ver, os crimes do preto Amaral não vão trazer poesia e encanto, porem pode ser que abram os seus olhos para algo muito mais forte, que vai além do amor e da rotina.
 
Todos os fatos que eu posso ter certeza sobre esse assunto que, de dissertação de doutorado virou uma peça de teatro, é que Amaral faleceu na cadeia antes de ser levado a julgamento. Como ele faleceu?
 
Infelizmente certas perguntas têm respostas que não são agradáveis de se dar. Amaral foi preso, torturado, confessou todos os crimes dos quais estava sendo acusado, e quem sabe provavelmente o que mais se passou neste período entre o interrogamento, a confissão e sua morte.
 
Amaral antes de ser preso era um andarilho: foi ao Espírito Santo, Bahia, Ceará, Argentina, Bolívia, Uruguai e vários outros locais. Ele também foi parte do primeiro batalhão da brigada policial e de vários outros batalhões, sendo que ele, na maioria, acabava por desertá-los. Até que em Bagé ele se juntou a o exercito nacional, onde ao desertar foi preso, e teve que responder ao conselho de guerra. Foi condenado a sete meses de prisão no quartel.
 
Após esse incidente, Amaral não deixou a carreira militar e também não deixou para trás seu hábito de desertar, fato que é compreensível quando se é negro no começo do século passado.
 
Quando levado para depor, o preto Amaral confessa que após um mês e meio depois de ter chego a São Paulo que ele cometeu o seu primeiro crime. A vítima teria sido um rapaz branco e aparentava cerca de 17 anos. Lendo os documentos, a confissão de Amaral me parece linear e muito clara, como se fosse ditada ao investigador sem pausas.
 
Supostamente o segundo crime atribuído a Amaral foi um menino de cerca de 10 anos, e sua confissão começa um pouco rebuscada, sem muitas certezas nas primeiras linhas, porém logo toma uma forma semelhante a do primeiro crime. Amaral trava conhecimento com a vítima, se torna conhecido da pessoa, ganha a confiança da futura vítima e convida-a para um local no qual ele consegue dominar a pessoa, sufocá-la e logo após cometer necrofilia.
 
O terceiro crime acontece durante uma longa história, envolvendo Amaral, botequins, dois amigos, e muita caminhada. Existem três grandes diferenças nesse crime em comparação com os outros dois:

1) Na confissão de Amaral conta que, durante a caminhada, contou ao menino sua intenção de usar o corpo do pequeno para a pratica de coito anal. Segundo o depoimento da vítima, esse após ouvir as intenções do acusado não teve nenhuma reação, se manteve calado e caminhando juntamente com o mesmo.

2) Amaral atirou a vítima ao solo e praticou coito anal com esse ainda vivo. Após o coito, com o menino ainda agonizando, ele o matou com o uso de um cordão, que segundo o depoimento pertencia à vítima.

3) Pela primeira vez o declarante remove o corpo de sua vítima do local onde o crime foi cometido e o leva para outro local.
 
No final do interrogatório, Amaral declara que não conhecia nenhuma das vítimas anteriormente, porém afirma que os menores eram crianças; afirma também que ele estava nas proximidades do mercado (provavelmente se referindo ao mercado central) quando foi intimado para comparecer a delegacia e que nada mais podia dizer sobre os crimes fora os fatos que já tinha narrado.
 
Amaral, por ter se declarado analfabeto, não teve o direito de ler ou assinar seu próprio depoimento. O documento foi assinado por testemunhas presentes.

Entre os 3 crimes que foi acusado, Amaral pode provavelmente não ter cometido 2: em um deles seu álibi era de que não se encontrava na cidade de São Paulo e o outro crime aconteceu enquanto Amaral estava detido.
 
Desde que eu comecei a ler sobre os casos do Preto Amaral, acabei levantando várias questões que infelizmente me proíbem de afirmar se Amaral foi culpado ou inocente.
 
A busca pela verdade às vezes é inútil, principalmente quando a pessoa em questão falece antes do julgamento. Porém, sabemos que quando Amaral foi intimado por policiais para ir até a delegacia de polícia dar seu depoimento de livre e espontânea vontade, ele acabou contando aos investigadores que ele teria sido o culpado do crime, e que além de ter assassinado e currado o jovem em questão ele teria cometido outros 2 crimes da mesma natureza.
 
Nesse momento, em circunstâncias normais, o interrogatório pararia e Amaral teria direito a chamar ou nomear um advogado, que deveria conversar com seu cliente e de alguma maneira tentar ampará-lo, antes que qualquer depoimento fosse concluído. Esse suposto advogado, que nunca apareceu, deveria ter lido e assinado a confissão do preto Amaral, pois o mesmo era completamente analfabeto.
 
O fato que me deixa confusa nos parágrafos acima é a idéia de que quem em sã consciência iria confessar crimes tão brutais assim durante um simples interrogatório, especialmente quando neste caso, em que ele estava vivendo em um momento no qual a sociedade estava praticamente enamorada com a idéia de higienização e do movimento eugenista.
 
Fazia pouco tempo que a abolição da escravatura tinha acontecido, e honestamente, essa liberação de um dia para o outro foi apenas um pretexto para se livrar dos escravos que geravam gastos e contratar imigrantes que trabalhavam livres, mas que, com o passar do tempo, criavam uma dívida financeira que acabava os transformando em eternos serventes.
 
Quanto aos escravos, eles foram simplesmente extraídos de suas vidas aprisionadas para serem transformados em marginais por uma sociedade hipócrita, que pregava a abolição da escravatura, porém que nunca pensou em dar condições básicas para que os ex-escravos pudessem ter alguma chance de estabelecer um modo de vida descente.
 
A grande maioria dos escravos libertados não sabia ler ou escrever. A única coisa ensinada a eles era trabalhar, na maioria das vezes em campos e lavouras, espaço que agora era dado a imigrantes europeus, que eram brancos, ou seja, eram pessoas que, segundo ao movimento eugenista pertenciam a uma espécie mais desenvolvida e superior aos negros.
 
Posso afirmar que no primeiro passo que Amaral deu dentro da delegacia de polícia, ele já era considerado culpado pelo menos de um crime: ser negro, por tanto pertencente a uma raça inferior. O fato que Amaral tinha desertado a força militar várias vezes e já tinha passado pela cadeia anteriormente, também foram fatores que ajudaram para criar esse mito que foi atribuído a ele de monstro.

A verdade é que nós nunca vamos descobrir o que aconteceu realmente entre as quatro paredes em que o preto Amaral estava sendo interrogado. Tudo o que nós sabemos é que ele entrou nessa sala sendo um homem e saiu dela um monstro, violento, cruel, um ser que definitivamente não deveria fazer parte da sociedade, um vagabundo, sádico e necrófilo, que faleceu antes de ser julgado ou condenado culpado, perante uma corte e um juiz.
 
Não importa se José Augusto do Amaral era gay, tinha problemas mentais, era pobre, preto, viciado. O fator marcante nessa tese/ peça é que ela faz com que as pessoas se lembrem da professora de educação moral e cívica da 7° série. Sabe, aquela aula que todo mundo achava um porre, porque na verdade essa matéria nunca teve a liberdade de ser aplicada trabalhando com a verdade ou com a nossa realidade social. Porém é certo que a sua professora chegou a comentar sobre essa tão polêmica palavra, que é eugenia. Contudo o assunto foi deixado lá para trás, como apenas mais um nome, citado no meio de uma aula cuja palavra moral jamais deveria ter sido atribuída.
 
É obvio que o fato de Amaral ter falecido antes de ser julgado não o torna inocente. No entanto, se fomos nos basear na lei de que nenhum homem na pode ser considerado culpado até que se prove ao contrário, existe uma enorme margem para discussão sobre o fato que José Augusto do Amaral não pode ser considerado o primeiro serial killer do Brasil, e que seu nome deve ser retirado do museu do crime. Não em caráter definitivo, porém em caráter provisório até que seu caso seja, se possível, reaberto e a sua culpa ou inocência sejam estabelecidas.
 
Caso não seja possível provar que Amaral foi culpado ou inocente desses crimes seu nome deve ser mantido definitivamente fora dos livros, museus e todos os outros locais que estejam insinuando que ele seria um assassino. Processos e multas deveriam ser aplicados por difamação, até que essa história não seja devidamente abordada. Não existem provas concretas, fora um depoimento extraído não se sabe em que circunstâncias, sendo que o mesmo não contém assinatura ou marca do mesmo ou de um advogado de defesa, provando que foram essas as palavras ditas durante o interrogatório e se esse foi conduzido de maneira própria, sem o uso do recurso de violência ou força bruta no interrogado.
 
As testemunhas presentes deveriam ser pessoas neutras, contudo é obvio que neste caso as pessoas que assistiram o depoimento não eram desinteressadas na condenação do preto Amaral, que para muitos membros da sociedade nessa época seria a prova física da eficácia e da assertividade da teoria eugenista.