“... As suas indagações me fizeram ver que estou doente. Preciso de ajuda! Voltarei a fazer o tratamento psiquiátrico, o quanto antes. Mas será difícil! Não me abandone!” Essas foram as palavras que chegaram na “caixa de entrada” do celular de um pensador. Esse que tem por nome C. N. I. Atingo, mas era chamado por apenas Atingo. A mensagem revelou bastante coisa do “nada” que se tinha progredido em vários anos que trocavam mensagens ou faziam ligações.

As conversas nunca tinham sido frutuosas; as mensagens, às vezes, mas as ligações eram cheias de promessas. Todas em espera de realização. Nada progredia. Eram – as iniciativas – freadas pelas indagações do “médico espiritual”, como era tratado Atingo.

Um dia, em um encontro para discussão filosófica, Incógnita perguntou a Atingo, seu “médico”, o que estava acontecendo com ela. Ele disse que lhe diria com um sonho que tivera em outro dia e que lho batizara de “Teoria do Curral”.

Veja, pois: “Uma pessoa estava em um curral com três porteiras, as quais eram constantemente forçadas por três leões que queriam adentrá-lo. Então, Incógnita tinha que vigiar sua entrada”.

Precisa, então, saber é o que é ou quem seja o curral... Ele têm porteiras. Quer dizer que tem abertura para passarem os leões. Porém, uma outra inquietação é precisar quem está no curral. Será um homem? Qual sua idade, ocupação, têm filhos, ainda vive com a esposa ou já é viúvo? Ele se relaciona com... Mora na cidade ou em fazenda? Caso não seja um... É uma mulher. Ela trabalha? Que tipo de trabalho, informal ou formal? É casada, têm filhos, seu esposo é velho ou novo? Ou será que ela é viúva? Sendo viúva, casou de novo ou vive sozinha? Relaciona-se com as pessoas? Relaciona-se com homens ou mulheres? São amizades profundas? Como é sua saúde, frágil ou normal?

Por outro lado, é uma pessoa que se porta tanto com atitudes de homens como de mulheres...

Depois de ouvir estas indagações Incógnita voltou-se para seu “médico espiritual” e lhe disse em gritos: “é uma mulher!!!”

Seu médico quis saber sobre as características da mulher. Então, Incógnita fitando-o bem os olhos, abriu a boca com os lábios trêmulos, balbuciou algumas palavras inaudíveis. Seus olhos começaram a lacrimejar e ela caiu em um pranto quase que infindável.

Seu médico, pacientemente, esperou-a... Acalmar-se. Durou mais de meia hora o choro. Ao terminá-lo, seus lábios pareciam dizer alguma coisa... Ela disse ao médico que não sabia de nada a respeito do sonho, pois quem tinha sonhado-o fora ele, por isso quem deveria saber de alguma coisa do sonho era ele e não ela, logicamente!! Depois destas palavras Atingo se viu sozinho...

Nada lhe restava senão anotar a conversa que tiveram. Anotando tudo que tinha acontecido, Atingo para um pouco e fica pensado que aquele encontro não tinha sido um encontro de discussão filosófica qualquer, mas que de todos foi o encontro mais produtivo. Obteve revelações... Surpreendestes! Como por exemplo, saber que a pessoa do sonho era uma mulher. Também viu nos lábios de Incógnita o desejo de falar, porém não tinha chegado a hora ou não se sentia a vontade para dar este passo no seu relacionamento.

Escreveu tudo... E arquivou em uma pasta intitulada “sobre Incógnita”.

Passados alguns dias Atingo recebeu uma mensagem no celular: “voltei ao meu tratamento com o Psiquiatra. Ele me perguntau sobre tudo, parece até mesmo ser você com suas perguntas. Isso é chato! Todo mundo quer saber de minha vida”.

Sem dar muita ênfase ao tratamento, o médico respostou a mensagem dizendo: “muitas pessoas querem o seu bem!”. Ao ler a mensagem, Incógnita ligou para seu médico espiritual e lhe relatou como foi a cessão.

Ela disse, por telefone, que o psiquiatra lhe sugeriu uma conversa sobre uma outra pessoa...

_ Falou-me para eu, disse Incógnita ao médico, imaginar que estivesse sobre um monte e abaixo dele estivesse uma outra pessoa que seria eu mesma olhando pra mim. Era para eu descrever tudo que sabia desta pessoa que estava lá abaixo do monte.

_ De início achei que era uma coisa fácil de fazer. Logo, percebi que quando eu falava sobre aquela pessoa que eu estava vendo abaixo do monte eu falava de mim mesma. Quando percebi isto não consegui dizer nada mais. É muito difícil para eu falar de mim mesma... Dizendo isso ela desligou o telefone.

O “pensador” correu ao arquivo e pegou a pasta de Incógnita acrescentando aos escritos o que ela acabara de dizer: “é muito difícil para eu falar de mim mesma”.

Com isso foi escrever um e-mail... “Nas nossas discussões filosóficas, Incógnita, temos tratado sobre muitos temas antropológicos. Falamos e refletimos sobre a vida das pessoas, mas não reservamos tempo para falarmos de nós mesmos. Tenho tido, ultimamente, o desejo de conversar com pessoas que eu confio a respeito de mim, pois sofro de uma doença, que me consome a cada dia. Não vejo outra pessoa para me escutar senão você. Que acha deste encontro ser na próxima semana?”.

Dois dias depois chegou uma mensagem de Incógnita no seu celular: “Atingo, hoje à tarde irei aí para conversarmos”.

No início da tarde estavam sentados Atingo em uma cadeira e na outra, de frente para essa, Incógnita que, logo foi querendo saber qual era a doença do seu médico.

O médico perguntou, antes, a Incógnita o que ela estava achando dos encontros de discussão filosófica. Seria bom continuá-los ou deveriam acabar com aquilo. Em uma palavra ela disse: “acabar? Claro que não! Fruto dessas nossas discussões é que o senhor me pediu para lhe escutar...”.

Com palavras firmes disse Atingo: “não basta que somente eu queira confiar em você a ponto de convocar uma conversa mais pessoal é preciso que nossos diálogos possam fluir sem nenhuma máscara. Tanto um como o outro deve facilitar os diálogos verdadeiros capazes de edificarem a ambos”.

_ “Mas, Atingo”, disse Incógnita, “todas as vezes que fomos conversar você me perguntava tanta coisa. Até que queria responder, porém, parecia que eu estava com o psiquiatra”.

_ Incógnita, eu lhe chamei aqui... Foi porque estou doente. Preciso de sua ajuda.

_ Atingo, antes de eu ajudar você gostaria de pedir pela segunda vez: “você pode me ajudar?”.

_ O que eu posso fazer por você, Incógnita?

_ Não me abandonar, disse Incógnita ao médico, pois quem está doente sou eu. Mas não sei por onde esta ajuda pode ser feita, creio que não me abandonando seja um primeiro remédio.

Percebendo a seriedade das palavras, Atingo segura nas duas mãos de Incógnita e lhe fala: eu vou te ajudar se você me ajudar a lhe ajudar. Sorrindo, ela disse que o ajudaria a partir das discussões filosóficas que teriam na semana seguinte. O resto da semana Atingo atravessou pensando sobre alguma coisa para estar ajudando sua “paciente” e essa, por sua vez, tentando saber por onde começar o “tratamento”.

Pe. Joacir S. d’Abadia, Pároco de Alto Paraíso-GO, autor de 5 livros, Bacharel em Filosofia, Pós graduado em Docência do Ensino Superior, Licenciando em Filosofia e membro do Conselho de “Pesquisas e Projetos ” da UnB Cerrado.