Estava lendo a obra "Viva o Povo Brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro, um autor que me agrada muito, destaquei um trecho:

"...a História feita por papéis deixa passar tudo aquilo que não se botou no papel e só se bota no papel o que interessa.Alguém que tenha o conhecimento da escrita pega de pena e tinteiro para botar no papel o que não lhe interessa?Alguém que roubou escreveu que roubou,quem matou escreve que matou,quem deu falso testemunho confessa que foi mentiroso?Não confessa.Alguém escreve bem do inimigo?Não escreve.Então toda a História dos papéis é pelo interesse de alguém."(RIBEIRO, 1984)

Interessante , em especial aos historiadores, pois apesar de ter escutado com frequência tais palavras na academia, creio ser relevante insistir a respeito.
Por um período criou-se uma visão positivista vulgar acerca dos documentos e acabou-se transformando a História em uma prática copista. Claro que o avanço das ciências, inclusive a própria História sendo reconhecida como uma ciência, tornou a análise muito mais criteriosa, além de novas bases teóricas e toda uma mentalidade inserida em um contexto social mutável, que também contribuíram.
Hoje em dia o historiador e não apenas ele, embora o primeiro ainda tenha a exigência de ser um profissional nesta prática, deve estar ciente do que se encontra implícito no texto. Fazer sim suas escolhas subjetivas, já que apenas pelo fato de fazermos as escolhas já deixamos de ser imparciais, mas se armar de um aparato metológico para que não se deixe envolver a ponto de tornar sua análise comprometida. Analisar o objeto, não com a pretensão de desvendá-lo, mas sim de lhe conferir um outro sentido, diferente daquele que já existiu e não é mais. Busca-se um sentido outro com relevância a contemporaneidade do historiador, fazendo uma amálgama entre os valores atuais e o objeto analisado, sem juízos falaciosos e anacrônicos, apenas buscando uma compreensão da consonância entre ambas as esferas, ou seja, o homem, como verdadeira causa do objeto e da análise.
Assim cria-se o rompimento temporal, pois aquele passado deixa de sê-lo ao estar inserido em outra realidade daquela em que foi criada. Ou será que o rompimento temporal nada mais é que uma ilusão, já que o passado é findo e irretornável e isso que analisamos faz parte do presente por estar inserido nele? Mas o fato é que o objeto apesar de pertencer ao presente por espacialmente fazer parte dele, possui impressos traços que servem como parâmetro e remontam à sua gênese.
O fato é que quando nos depararmos com um texto, não devemos esquecer que assim como nós temos nossos valores e desejos, quais seriam os de quem escreveu? Ou em que contexto social estava inserido o autor na sua criação, sem contar o estado psicológico do indivíduo em suas abstrações.
Mas por fim, não nos esqueçamos que é o leitor quem impõe o valor no texto e que vai depender da interpretação deste para uma obra ser célebre ou estar relegada ao esquecimento, de servir de forma criativa ou destrutiva. Depois que o pensamento é externado, não mais pertence ao autor, pois por mais que tenha os direitos de reprodução garantidos por lei, a apreensão congnitiva que o outro faz e a forma que utiliza a linguagem captada, não podem ser contidas.

Bibliografia:

RIBEIRO, João Ubaldo. Viva O Povo Brasileiro. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1984.