“Vítimas de uma Paixão” (Sea of Love)



Durante a investigação, Pacino dirá para o chefe sua brilhante conclusão sobre o motivo do compacto Sea of Love estar na vitrola de uma das vítimas.

- Só pode ser um primeiro, ou, no máximo, um segundo encontro – afirma ele.

- E por que você acha isso? - indaga o chefe.

O astro explica que tesouros só são repartidos no
inicio de uma relação. Nas palavras dele, o parceiro mostra para a parceira o quão sensível e delicado ele é, por ter guardado um compacto de 45 rpm durante décadas, justamente para edulcorar aquele momento. Noutras palavras, velhas relações dispensam surpresas. E novas podem ser fatais.

Direção correta e um roteiro de prestidigitador, que dá a impressão de morosidade quando ocorre o contrário, leva o cinéfilo a ruminar: taí um filme escorregadio -  longe de ser primeira linha e longe de entrar na classificação segunda categoria. Cinema tem dessas coisas, pontos intermediários de curioso alcance. Muito material colocado ali, em 1989, data do lançamento, seria posteriormente copiado sem a menor sem cerimônia de praxe presente na sétima das artes.

Al Pacino, Ellen Barkin, John Goodman e outras faces conhecidas dão o tom que possibilita a revisão sem tristeza desse filme policial, que reflete ou bem como as coisas eram ou o calafrio na espinha do presente, principalmente quando se cataloga “policial”.

Pacino estava por assim dizer inaugurando o tipo que faria vezes e vezes em futuros papéis, embriagado e solitário no meio da noite, ligando para a ex-esposa. “Sea of Love”  foi também um belo trampolim para John Goodman, que atravessaria os 90 fazendo um filme atrás do outro. Ellen Barkin estava em começo de gravidez durante as filmagens – ela representa a americana mezzo brega e dura na queda, além de se tornar a principal suspeita num provável caso de assassinatos em série. O título em português não deixa dúvidas de que ela e o protagonista trocarão mais do que um aperto de mão. O titulo original homenageia a nostálgica balada de George Khoury e Phillip Baptiste.

“Eu vivo sozinho dentro de mim, como uma cabana na floresta dançante. Guardo meu coração no alto da estante, de outras coisas distante. Preciso do braço de outro alguém, para ao seu lugar ele poder voltar. Preciso de um encanto e de um sorriso, que encha de música meu recanto”.

Esses versos não são da música tema/titulo e sim o texto do anúncio que a Divisão de Homicídios irá colocar para atrair o assassino.

Harold Becker dirige e Richard Price assina o roteiro. Tanto um como outro tem pesos e medidas muito parecidas no tom de cinza californiano. Realizaram uma série de coisas sem grandes aspas ou grandes expoentes, sendo a exceção de Price, que já fez as vezes de ator e produtor, o roteiro de “A Cor do Dinheiro”. Dá para traduzir esse parágrafo em duas palavras: são profissionais. O que já é um grande feito perto da enxurrada “vento que passa” produzida naquelas plagas.

“Sea of Love” tem seus momentos como filme policial isento de brutalidade, Pacino e Goodman personificam uma boa dupla de tiras com menos ranço do que apregoa o cinema de lá (1989) e de cá (2009), as pequeninas jogadas do roteiro dão a vida exata a pequenas situações, como o  porteiro do flat,  o marido infiel que se diz inocente e termina como vitima, os diálogos da dupla sobre a incrível solidão daqueles que necessitam colocar um anúncio nos classificados para encontrar seu par (ainda inexistiam os sites de relacionamento), sem contar a própria arquitetura das intenções policiais da época – vide a cena do “arrastão” sobre os que tinham contas a pagar com a justiça, onde o próprio Samuel L. Jackson participa, em início de carreira.

É como se disse no começo, pode não ser um bilhete premiado e tampouco um candidato a prêmios Oscar e outros, muito embora todavia contudo “Sea of Love” é cinema e cumpre o principal quesito dessa missão: você assiste do começo ao fim sem reclamar.