Visões e reflexões: inserção de acadêmicos

De Psicologia na saúde pública

Celso Francisco Tondin

Daiana Roberta Walker

Janete Maria Gaio

Liane Keitel

Roberto Vasconcellos Maffei Jr.

Universidade Comunitária Regional de Chapecó – Unochapecó

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Resumo: Este trabalho relata a experiência em uma atividade que compõe a disciplina denominada Prática de Observação II, do terceiro período do Curso de Psicologia da Universidade Comunitária Regional de Chapecó - Unochapecó. Trata-se do projeto Vivências Interdisciplinares Multiprofissionais – VIM, onde grupos de acadêmicos de diferentes cursos da área da saúde (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Nutrição, Psicologia e Serviço Social), objetivou o contato com o Sistema Único de Saúde - SUS, utilizando-se da observação do cotidiano dos equipamentos de saúde de atenção básica e seu contexto social. Pretende-se esclarecer questões como as políticas públicas de saúde e a percepção que os usuários têm acerca do SUS e dos seus direitos, o que contribui para que os estudantes se reconheçam como futuros profissionais da saúde em uma perspectiva multiprofissional e interdisciplinar e percebam as diferenças presentes entre as leis e os modos como elas são colocadas em prática.

Palavras-chave: atenção básica, interdisciplinaridade, multiprofissionalidade, psicólogo no SUS, políticas públicas.

Visões e reflexões: inserção de acadêmicos

De Psicologia na saúde pública

Na construção dos conhecimentos, que envolveu a Instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), a qual foi cenário investigatório e comprobatório da realidade, sensibilizamo-nos a entender e compreender melhor as condições dos profissionais de saúde, tornando-nos membros de uma equipe multiprofissional com atuação interdisciplinar em conjunto interpessoal, pensando nas possibilidades que a interdisciplinaridade nos possibilitará nas articulações dos saberes, no andamento desta instituição a qual nos agrega muitos afazeres.

Essa construção deu-se a partir dos dados apanhados e registrados de técnicas/instrumentos de coletas de dados de Observação, e as muitas anotações de relatos coletadas na ida a campo de uma maneira participativa e ativa, com roteiro parcialmente estruturado. As técnicas de entrevistas, semi- estruturadas com os profissionais do Centro de Saúde da Família – CSF (médicos, enfermeiras, auxiliar de enfermagem, e as agentes comunitárias de saúde) e com os usuários, que também foi de forma semi-estruturada, porém mais focalizada. Incluindo também conversas informais com profissionais e usuários, viabilizando a obtenção de mais conhecimentos que estão registrados nos roteiros de entrevistas e Diários de Campo.

A obtenção dos dados desta pesquisa nos dá hoje a oportunidade de fazer uma releitura dos textos referenciais e lidos durante o semestre, compreendendo melhor os embasamentos teóricos e práticos estudados, de um entendimento dos documentos feitos e lidos a partir de artigos e leis referentes ao SUS. Entretanto, as abordagens teóricas da Psicologia que nos norteiam na construção destes saberes também nos alicerçam para fazermos as pontes e chegarmos à articulação.

De acordo com os princípios pedagógicos do VIM, os conhecimentos são construídos a partir da problematização da realidade, tendo o estudante um papel ativo no processo de aprendizagem. O que nos embasou como objetivos foram:

- Identificar a percepção do usuário sobre o SUS, dando ênfase nos princípios da integralidade, direito à informação e à participação comunitária;

- Inserir o estudante no contexto social sensibilizando-o para o conhecimento da realidade e compreensão de seu papel de agente transformador;

- Reconhecer-se como um futuro profissional da saúde participante de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar;

- Conhecer os princípios e diretrizes do SUS contextualizando-os a partir da realidade vivenciada, com ênfase nos princípios da integralidade, direito à informação e à participação comunitária.

Como o VIM é a atividade que articula todas as disciplinas do terceiro período do Curso de Psicologia, os professores elaboraram questões de aprendizagem, que foram:

- Quais discursos e práticas que percebemos a partir do contato com os profissionais, usuários e colegas do grupo acerca de assuntos como saúde, família e atendimento ao usuário?

- De que maneira podemos identificar a rede de apoio dos usuários e sua dinâmica de funcionamento?

- Como percebemos as relações entre os diferentes serviços e setores de atendimento à comunidade?

- Quais as possibilidades de atuação do psicólogo no SUS?

Além destas questões, cada grupo de em torno de 10 estudantes dos diferentes cursos participantes do projeto é tutorado por um professor de qualquer um destes cursos. Cada grupo também elabora questões que considera necessárias à sua aprendizagem.

Descrição e análise da experiência

A experiência foi vivenciada, pelos autores deste trabalho Daiana, Janete e Roberto, em lugares distintos, todos eles denominados Centro de Saúde da Família - CSF, localizados no município de Chapecó - SC. O atendimento nos CSF é realizado em dois turnos: matutino, das 7h30min às 11h30min, e vespertino, das 13h às 17h .

Nestes locais há um espaço de recepção, salas de curativos, de esterilização, de sinais vitais, de reuniões, de coleta de exames, farmácia, almoxarifado, consultórios da enfermeira, do médico e do dentista, banheiro para os usuários e funcionários e cozinha.

Durante a vivência, observou-se como ocorre o trabalho das equipes de Saúde da Família, através do Programa de Saúde da Família - PSF. Foram realizadas entrevistas com os profissionais e os usuários, visitas domiciliares juntamente com as agentes comunitárias de saúde - ACS, que desempenham um elo entre o usuário e o CSF, um trabalho essencial para a relação entre os dois, e também o reconhecimento do local, com o objetivo de conhecer o CSF, a região onde o usuário está inserido e suas relações com o SUS como um todo.

Encontramos uma equipe interdisciplinar apenas em um dos CSF visitados, nos demais os profissionais realizavam um bom trabalho, porém separadamente, em desconformidade com a lei que estabeleceu o SUS, na qual um dos princípios fundamentais é a integralidade. Para uma realização mais eficiente do trabalho dos profissionais, há programas para gestantes, a saúde da criança, vigilância ao recém-nascido - RN de risco (acompanhamento do crescimento e desenvolvimento), combate às carências nutricionais, encaminhamentos para especialistas de diversas áreas da saúde, programa de saúde bucal, saúde da mulher, planejamento familiar, prevenção do câncer de mama e ginecológico, assistência pré-natal, saúde do adulto, programa de prevenção e controle da hipertensão e diabetes. Estes programas idealizam uma melhoria no atendimento à saúde dos usuários. Porém, alguns profissionais dos locais nos informaram que, em alguns desses programas, as pessoas comparecem apenas para buscar os medicamentos ofertados, pois, em nossa opinião, as práticas sociais em relação aos cuidados da saúde são fortemente baseadas no processo de medicina curativa ou modelo biomédico.

A partir do contato realizado e analisando as entrevistas, foi possível conhecer as opiniões dos profissionais e usuários acerca da saúde, do SUS, dos CSF especificamente e das condições de vida em alguns bairros da cidade.

Uma das principais questões que detectamos foi o modelo biomédico presente na atenção em saúde, o poder que o profissional da medicina exerce sobre a vida das pessoas e dentro da própria equipe multiprofissional, o que é uma construção social, mas que foi naturalizado. Nos CSF, o discurso do médico é mais valorizado do que os dos outros profissionais e esse discurso é, em geral, tido como verdade absoluta em detrimento inclusive do conhecimento da população.

Todos os usuários entrevistados afirmam desconhecer os princípios do SUS ou qualquer lei a respeito, eles apenas sabem que "é de graça". Isso demonstra a falta de informação e que falta ainda ampliar a cultura política de que o acesso à saúde é um direito de todo cidadão e que o dinheiro aplicado no SUS sai do seu bolso, pelo pagamento de impostos. Há uma construção social por trás desta gratuidade e o governo não tem interesse de informar isto, pois poderá haver mais cobrança por qualidade e quantidade dos serviços oferecidos pelo SUS para a população.

Nos CSF não há psicólogo, mas existem muitas possibilidades de atuação deste profissional no SUS. Todas as pessoas entrevistadas falaram da importância de se ter um psicólogo no mesmo, pois os usuários aguardam muito tempo pelo atendimento no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o serviço de média complexidade que trabalha com a saúde mental. Os profissionais colocaram que o trabalho do psicólogo seria importante dentro da equipe multiprofissional também no âmbito da atenção básica.

Observou-se, por outro lado, que há uma indisposição por parte de algumas pessoas em procurar o psicólogo, por acreditarem que somente é necessário o atendimento deste profissional quando se tem problemas mentais. Em nossa percepção, isso deve-se à não compreensão ou desconhecimento da população quanto ao crescimento da Psicologia como campo da saúde pública entre vários outros campos onde a Psicologia tem atuado. Mas, também deve-se à própria tendência histórica da Psicologia em fortalecer a área clínica no atendimento individual de psicopatologias, o que criou a equivocada imagem de que essa é nossa única possibilidade de trabalho. A clínica tem muita importância no contexto da saúde pública e não apenas na saúde privada (sua forma tradicional de atendimento a uma classe elitizada), mas na forma de uma clínica ampliada que trabalhe pela potencialização micropolítica de processos de singularização e de organização social autônoma.

Outra forma de atuação do psicólogo está no seu compromisso de participar na elaboração de estratégias políticas colaborando com a implementação de políticas públicas que visem à saúde do cidadão e também de exigir o cumprimento das mesmas, comprometendo-se com a ampliação e a garantia dos Direitos Humanos, trabalhando em prol da autonomia dos sujeitos, dos grupos e comunidades. A atuação em estreita relação com o território favorece que a atenção à saúde se faça de forma contextualizada e em favor das necessidades da população.

O psicólogo no SUS e um breve histórico do mesmo

Atualmente, um número cada vez maior de psicólogos exerce a profissão no Sistema Único de Saúde (SUS), realizando serviços em: Unidades Básicas de Saúde (UBS); nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); em Centros de Convivência, Cooperativa e Cultura; Ambulatórios de Saúde Mental; em Hospitais-Dia; em Centros de Reabilitação Física; em Centros de Referência à Saúde do Trabalhador; Centros de Apoio e Orientação sobre DST/AIDS; Equipes de Atenção a Presidiários; Hospitais Gerais e Hospitais Psiquiátricos. Ainda existem os serviços internos do SUS em que psicólogos também atuam, como os Centros de Formação e Educação do Trabalhador de Saúde, apoio técnico aos programas da mulher, idoso, criança e adolescente, saúde mental, dentre outros. Isso demonstra uma evolução evidente do reconhecimento da função e do trabalho do psicólogo, pois, ao voltarmos à década de 1970 observamos que o psicólogo possuía papel secundário em hospitais e na atenção ambulatorial, ou seja, não era reconhecido em sua totalidade (CAMPOS, GUARIDO, 2007, p. 81).

Essa evolução apenas foi conseguida em 1980, através do movimento dos profissionais de saúde e da crise financeira do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), que a partir de 1974, data de sua criação pelo regime militar, passou a oferecer atendimento gratuito aos que contribuíam com a previdência social. O movimento dos profissionais de saúde tinha como objetivo a atenção integral à saúde.Foi nesse movimento que começaram a surgir as equipes mínimas de saúde mental, compostas por psicólogo, psiquiatra e assistente social (CESARINO, 1990).

A década de 1990 caracterizou-se pelo entendimento da saúde ser um direito de todo cidadão, não importando sua "classe" social, em que o SUS seria o órgão responsável para atender a demanda apresentada. Seus princípios básicos são: a universalidade, a integralidade, a eqüidade, descentralização e comando único, resolutividade, regionalização e hierarquização e participação popular.

(CAMPOS, GUARIDO, 2007, p. 82)

Também nessa década surgem questionamentos acerca dos Hospitais Psiquiátricos, o movimento antimanicomial brasileiro começara com o lema "trancar não é tratar".Novamente a formação do psicólogo se contradiz com a realidade: como tratar as pessoas sem movê-las para um local protegido? Como tratá-las sem delegar a avaliação primeira ao psiquiatra antes da intervenção de outros profissionais? (CAMPOS, GUARIDO, 2007, p. 83)

Fica evidente que a cada novo conhecimento, novo modelo de saúde apresentado, seja pelo governo ou por movimentos sociais, o psicólogo e os demais profissionais da área da saúde tentavam se adequar aos mesmos, sempre visando o trabalho conjunto para uma melhor avaliação da situação. Esse novo contexto apresentado para a saúde exigia alterações na maneira de trabalhar do psicólogo. Este, em sua formação, foi ensinado a trabalhar com o modelo da clínica privada, individual, porém, agora o necessário era trabalhar a saúde e o sujeito integralmente.

Dentre as atividades desenvolvidas pelo psicólogo no SUS, estão: atividades grupais terapêuticas, de aconselhamento e orientação, oficinas, visitas, entre outras, demonstrando que houve uma significativa mudança no trabalho desse profissional. Os psicólogos também devem estar envolvidos com o conhecimento acerca das demandas do território, dos recursos públicos e comunitários disponíveis e o trabalho conjunto com o gestor para otimizar seu atendimento. (CAMPOS, GUARIDO, 2007, p. 85)

Um dos conceitos muito utilizados para o atendimento por parte de psicólogos atualmente é o da clínica ampliada, que tem o objetivo de avaliar toda a interação, o conflito e o convívio, tudo ao redor do paciente, para então buscar resultados no meio social em que ele vive (CAMPOS, GUARIDO, 2001, p. 41). O importante nesse conceito é avaliar o sujeito integral, e não apenas considerar a atenção integral.

Ainda não houve uma adequação completa para o novo modelo de saúde proposto, pois, de acordo com Campos (2006, p. 64):

O modelo de atenção brasileira passa por um período de transição, em que ainda predominam restos do antigo modo de organizar a atenção (...) centrado em hospitais, especialistas, com pequeno grau de coordenação e de planejamento da assistência.

Em nossa opinião, com o tempo não só os profissionais, mas também a população irá se adaptar melhor ao novo modelo de atenção à saúde, e no caso do psicólogo, hoje incluído em uma equipe multidisciplinar, não vê simplesmente um paciente esquizofrênico, por exemplo, mas sim, um sujeito com nome, sobrenome, endereço, amigos, família, dentre outros aspectos (CAMPOS, GUARIDO, 2007, p. 100). Para um bom atendimento é essencial não ter a percepção somente da doença, e sim, do sujeito e de tudo que o cerca.

Conclusões/considerações finais:

Em nossa percepção, a vivência foi muito proveitosa, pois nos possibilitou conhecer como os profissionais trabalham e em quais condições. Ao participarmos da construção de conhecimentos sobre o SUS, nós acadêmicos fomos sensibilizados a perceber e compreender a realidade na qual trabalharemos como futuros profissionais de saúde, tornando-nos membros de uma equipe multiprofissional com atuação interdisciplinar.

A obtenção dos dados dessa vivência nos fornece hoje a oportunidade de fazer uma releitura dos textos referenciais lidos durante o curso, compreendendo melhor os embasamentos legais e teóricos estudados.

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Departamento de atenção básica. Política nacional de atenção básica/Ministério da saúde, secretaria de atenção à saúde, departamento de atenção básica. 4ed. Brasília: Ministério da saúde, 2007.

SPINK, Mary Jane Paris (Org.). A psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.

CAMPOS, G. W. S. A conjuntura brasileira e o SUS: tendências e desafios. In Caderno de Texto do 1 Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública: contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2006.

CESARINO, A. C. Uma experiência em saúde mental na prefeitura de São Paulo. In A. Lancetti. (Org.). Saúde Loucura (n. 1). São Paulo: Hucitec, 1989, p. 3-33.

LO BIANCO, A. C., BASTOS, A. V. B., NUNES, M. L. T., SILVA, R. C. Concepções e atividades emergentes na psicologia clínica: implicações para a formação. In Conselho Federal de Psicologia (Org.): Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação. Brasília: Organizador, 1994, p. 7-79.