UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ
INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISA DO VALE DO ACARAÚ
CURSO DE LICENCIATURA ESPECÍFICA EM HISTÓRIA
COORDENAÇÃO DE HISTÓRIA


JOSÉ RAIMUNDO INOCENCIO FERREIRA



VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E O ESTADO NOVO: O arbítrio contra a liberdade





FORTIM-CE
2008
José Raimundo Inocencio Ferreira





VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E O ESTADO NOVO: O arbítrio contra a liberdade

Monografia apresentada à Universidade Estadual Vale do Acaraú, como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em História.
Orientador: Lindercy Francisco Tomé de Sousa




Fortim-CE

2008

DEDICATÓRIA

À KAROL.
Pelo o amor filial e seus incentivos, o último, infelizmente póstumo.
















AGRADECIMENTOS



Os meus agradecimentos se destinam à minha Família:
JOSÉ INOCENCIO (in memoriam), D. NEUZA, JOSÉ INOCENCIO FILHO,
MARIA DO SOCORRO, RITA INOCENCIO E ORLANDO INOCENCIO, que com incentivos e APOIO IRRESTRITO tornaram possível chegar até esta etapa. DANIELE E FELIPE, pelo o apoio e compreensão ao longo do tempo.
À Socorro Barreto, pela sua dedicação e persistência, apesar das dificuldades proporcionadas por nos e pela vida,
Ao professor Lindercy Lins, pela sua orientação segura, paciência e capacidade,
Aos demais professores da UVA que estiveram conosco nesta jornada, principalmente: Fernando, Ari e Helder,
Aos heróis da resistência: Leandra, Cíntia, Josilene, Francisco José, Luiz Carlos, Miguel, Dinah, Fátima, Sueli, Cristiana e Francílio, que acreditaram que tudo é possível,
Aos funcionários da Biblioteca Pública de Fortim, pela paciência e presteza








RESUMO

Trata-se de um trabalho que visa apresentar as formas violentas que o Estado autoritário se utiliza para o controle e condicionamentos dos cidadãos aos seus ditames. Isso se expressa na utilização de diversos instrumentos e agentes coercivos contra a liberdade e a cidadania plena, principalmente o aparato policial, que deixa de ser o protetor da sociedade e passa a ser o braço armado do Estado contra a sociedade, neste caso da ditadura de Vargas, e isto se traduz em: Censura, prisões arbitrárias, torturas e até assassinatos, principalmente contra adversários do regime de plantão É a institucionalização da violência pelo Estado e para o Estado, mas a finalidade evidente é a manutenção do poder pelo chefe ditatorial.



Palavras-chave: Liberdade; autoridade; violência; ditadura; democracia.




SUMÁRIO

Introdução ______________________________________________________7
Capítulo I______________________________________________________ 14
As origens do Estado Novo _______________________________________ 14
A porta para o Golpe______________________________________________25
Capítulo II _____________________________________________________ 29
O Trabalho e a Educação _________________________________________ 39
A Censura _____________________________________________________ 43
A Violência Policial ______________________________________________ 46
Capítulo III ____________________________________________________58
Tenda dos Milagres_______________________________________________67
Memórias do Cárcere_____________________________________________ 73
Considerações finais _____________________________________________ 82
Bibliografia ____________________________________________________ 89










INTRODUÇÃO



Estamos vivenciando uma onda de violência no Brasil que pensávamos já estar em fase, se não de extinção, pelo menos controlável, no entanto, temos a violência urbana levada a cabo por marginais, que se estende desde as capitais, até as pequenas cidades e localidades da zona rural. Temos também uma crescente violência no campo motivada por diversos fatores e patrocinada por diferentes setores sociais. Mas temos principalmente a violência policial, que não é um fato novo na sociedade brasileira, e a imprensa nos apresenta exemplos de violências diariamente.
O nosso trabalho não pretende procurar as causas da violência nos problemas sociais, não é, portanto de cunho sociológico, e sim um trabalho que visa estudar o perfil histórico da violência, inclusive policial, patrocinada pelo Estado, que deveria proteger e dar plenas garantias ao cidadão, mas perde a sua condição de guardião da nação, quando seus dirigentes e prepostos passam a controlar o cidadão. E, para tanto, cometem os mais diversos crimes, deste: a privação de liberdade ilegal, censuras implícitas e explicitas, até as práticas de torturas e assassinatos. Para isso basta que qualquer pessoa seja crítico ou adversário do regime de plantão, incluindo-se até desavenças pessoais para que alguém sofra represálias violentas. O aparato policial sempre foi considerado ineficiente em investigações técnico-científico e pródigo em usar de métodos violentos para obter resultados, sendo a tortura, nas suas diversas formas, considerada lugar comuns na obtenção de confissões e delações, além de outras transgressões que afrontam o Estado de Direito Democrático.
Este trabalho reportará o período de Getúlio Vargas (1930 a 1945), tendo como foco principal o Estado Novo (1937 a 1945), quando a força policial foi um dos suportes na manutenção da ditadura, contra as liberdades democráticas, isto é, a violência policial institucionalizada. Ficando sempre a pergunta: Será que as nossas diversas forças policiais ainda tem o DNA da violência? Ou ainda há uma percepção de impunidade legitimada no Estado Novo? O Brasil é constantemente denunciado em relatórios da ONU por ações ilegais das diversas forças policiais, incluindo-se a tortura e prisões arbitrárias, além de serem os maiores causadores de mortes violentas, além da lentidão ou ineficiência do sistema judiciário. E, que se hoje a violência não é patrocinada pelo Estado através de seus agentes, se tem ainda uma percepção histórica da impunidade dos causadores da violência policial.
Sabemos que atualmente o Brasil é um Estado Democrático de Direito e se esta afirmação tem suas contestações, por ela não garantir todas as plenitudes dos direitos do cidadão, que incluem: saúde, educação e segurança entre outras. As contestações não podem negar, entretanto, o arcabouço jurídico-constitucional do país, representado principalmente pela Constituição Federal de l988, nominada pelo constituinte Ulisses Guimarães de "Constituição cidadã", que no seu entender atenderia plenamente a democracia.
A violência é inerente a todo Estado ditatorial, seja ele de qualquer matiz ideológico, de direita ou de esquerda, e até os imprecisos. A violência se torna necessária para a manutenção de suas "prerrogativas" de Estado. O que é bom para o país não o é necessariamente para o povo, pois na visão dos dirigentes de um estado ditatorial, o povo não sabe ou não tem condições de definir o que é bom para si próprio. Sendo, portanto, a negação da cidadania, que é o "direito a ter direitos".

No Brasil estamos entre o extremo da ausência total da cidadania e as variadas gradações que encontramos em cada período da história brasileira (grifo nosso) na busca da cidadania plena.
Os fatores que limitam a cidadania plena são determinados por toda espécie de incapacitação formalizada pela ordem jurídica. E toda incapacitação corresponde determinado tipo de tutela, isto é, controle ou sujeição da vontade de alguém ou seu condicionamento. (grifo nosso).

Não existe caso mais preciso de negação dos direitos do cidadão que a violência policial, nas suas mais diversificadas modalidades e propósitos, principalmente quando as leis de exceção dão pleno apoio às ações policiais, no seu papel de apoio ao Estado ditatorial, que se arvora em tutelador do cidadão.
Getúlio Vargas governou o Brasil de forma ditatorial e personalista, mas para tanto teve o apoio incondicional do aparelho repressor policial, combinando com leis de exceções necessárias para calar a oposição ao seu governo, além de contar um eficiente sistema de propaganda e divulgação, como forma de doutrinação da população, e eliminar as liberdades individuais inerentes à cidadania.
A nação se torna refém de uma classe dirigente, que à medida que se consolida no poder, necessita da violência policial como um dos pilares da própria sobrevivência. Entre os mais diversos métodos violentos policiais aplicados contra os adversários dos regimes ditatoriais, um que ocupa grande destaque é a tortura, visto que:

As vítimas da tortura pertencem a todas as classes sociais, faixas etárias e profissões. Geralmente fazem parte de minorias perseguidas, correntes de opinião contrárias ao governo, grupos étnicos visados pela política oficial ou grupos religiosos vistos com reservas pelas autoridades. (...)

Dentro deste quadro de arbitrariedades e violências principalmente policiais, praticadas com aval do Estado, como a citada acima, desenvolveremos nosso trabalho. O primeiro capítulo mostrará os antecedentes dos fatos históricos que culminaram com o golpe de Estado de l937, que implantou a ditadura do Estado Novo. Esta parte do trabalho será apresentada de forma um tanto didática, sem abandonarmos, entretanto, nossas prerrogativas de análise críticas dos fatos ou relatos históricos, com a nossa visão do "presente projetado sobre o passado" , ou seja, os nossos conhecimentos e condicionamentos atuais a influenciar a nossa crítica. No segundo capítulo procuraremos estabelecer os conceitos de liberdade e autoridade e o conflito que se estabelece entre ambos, principalmente, quando a autoridade se sobrepõe e nega o direito à liberdade, de qualquer forma que isso tenha se processado, e quando usa a violência policial como sustentáculo do poder estabelecido. Outro capítulo será dedicado a literatura. Alguns autores e suas obras que conviveram nesta fase histórica do Brasil, como representantes do seu tempo, podem nos fornecer material para compreensão do contexto histórico em que está situada a obra, isto é, estabelecer um diálogo, como bem definiu Circe Bittencourt: "Existe uma relação dialógica entre o autor e o leitor da obra, e essa relação possibilita sempre um encontro entre lugares e épocas diferentes" . A cultura de um modo geral, não só a literatura, será objeto de estudo, principalmente, no tratamento dado pelo Estado à mesma.
Evidentemente este trabalho será baseado em pesquisas bibliográficas. "A pesquisa bibliográfica é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em dados secundários." A falta de fontes primárias ficará demonstrada com as ausências de fatos inéditos, sendo esta uma das críticas feitas à pesquisa bibliográfica, o que não desmerece, entretanto a sua importância na análise dos fatos históricos. Collingwood enfatiza a importância de trabalhar com o conhecimento histórico, ainda que já conhecido,

O historiador não se limita a reconstituir o pensamento passado, faz a sua reconstituição no contexto do seu conhecimento. Desse modo, ao reconstituí-lo, critica-o forma um juízo próprio sobre o seu valor, corrige quaisquer erros que consiga discernir nele. Esta crítica do pensamento, cuja história ele traça, não é de modo algum secundária em relação ao delineamento da sua história. É uma condição indispensável do próprio conhecimento histórico.

Por isso, o conhecimento histórico, conhecido, mas não estabelecido, necessita de experiências de pensamentos e reflexões passadas, sem os quais o fato histórico é apenas registro. Cabendo a quem estuda e analisa estes fatos, fazer suas reflexões e estabelecer seu entendimento, isto é, "forma um juízo próprio", ainda que a partir de fontes secundárias, o que não invalida a reconstituição e a crítica.
Um problema típico, no tocante à utilização do material bibliográfico e temático: certas épocas, de que se vai tratar certas conjunturas, têm sua interpretação dependente de sugestões ou esquemas fornecidos por determinados autores. Mas por outro lado, as obras destes autores estão nesta ou naquela posição cronológica ou ideológica.

Portanto, com a visão do presente e com experiências já estabelecidas, mas sem versões definitivas sobre fatos passados, e condicionantes ideológicos, já que qualquer opinião pode ser contestada, a partir de novas constatações e fatos novos que se apresentem como esclarece Adam Schaf: "A verdade atingida no conhecimento histórico é uma verdade relativa", que procuraremos entender e analisar os acontecimentos históricos propostos.
É, portanto, nossa proposta de trabalho, apresentar a violência institucionalizada nas suas diversas formas, principalmente policial, isto é, devidamente acobertadas por leis de exceções editadas antes e durante a vigência do Estado Novo, quando Getúlio Vargas governou o Brasil de forma ditatorial.





CAPÍTULO I

Negro assassino da vida e da arte
Jamais hás de matar-me na memória
Baudelaire

1.1 As Origens do Estado Novo

Durante a Primeira República (1889-1930), o panorama político brasileiro foi hegemonizado pelas oligarquias agrárias, notadamente do eixo estabelecido entre São Paulo e Minas Gerais, que durante três décadas se alternaram no poder estabelecendo a chamada "Política do Café com Leite", Além desses Estados, se destacava o Distrito Federal, onde se concentrava o poder político nacional e parte do econômico, e o Rio Grande do Sul , com sua economia voltada para o mercado interno e vocação guerreira adquirida nas suas diversas lutas fronteiriça, e após a Revolução Federalista de 1893, quando foi constituída a Brigada Militar, dotando o Estado de poder inibidor contra qualquer tentativa de anular a sua autonomia. O Rio Grande do Sul vai demonstrar a sua importância militar e política quando na Revolução de 1930, assumiu a liderança na derrubada da primeira República.
O restante do Brasil, notadamente a região Nordeste, atrelava-se aos ditames do governo federal, principalmente nos períodos eleitorais. A região hegemonizada pela política coronelista, servia como "feudo eleitoral" permanente com o chamado "voto de cabresto" e fraudes eleitorais, quando os eleitores, por diversos fatores e motivos, votavam nos candidatos indicados pelos chefes políticos locais, que por sua vez se subordinavam aos governadores e a outros líderes de expressão e importância nacional. Temos como exemplo: Flores da Cunha, político nascido no Rio Grande do Sul e onde exercia suas atividades políticas, "elegeu-se" deputado federal pelo Ceará em 1912, com o patrocínio de Floro Bartolomeu, braço direito do Padre Cícero .
A Primeira República passou por diversas revoltas, movimentos e rebeliões, sem alterar, contudo, a estrutura de poder federalista ancorada na política dos governadores, posta em prática pelo Presidente Campos Sales, mas com um forte poder presidencial. Destas manifestações contrárias ao regime, duas merecem destaques, o tenentismo e a Coluna Prestes.
O tenentismo, movimento político-militar, que pela luta armada pretendia abolir as estruturas oligárquicas vigentes, reformar o sistema eleitoral, a educação pública, moralizar a administração estatal e defendia uma economia de cunho nacionalista O tenentismo, apesar da Revolta do Forte de Copacabana , que teve um fim trágico para grande parte de seus participantes, só foi adquirir importância quando significativa parcela dos seus integrantes teve participação efetiva na política nacional, com o apoio a Revolução de 1930 e a Getúlio Vargas. Mas o movimento nunca chegou a ser homogêneo, e alguns de seus membros se tornariam adversários de Getulio Vargas .
A Coluna Prestes, liderada pelo tenentista Luis Carlos Prestes, percorreu diversos estados brasileiros e foi combatida pelas forças governistas ao longo de seus milhares de quilômetros percorridos. Procurava despertar as populações do interior do Brasil contra os desmandos das oligarquias dominantes. Veremos depois, que o líder Prestes, desiludido com seus companheiros reformistas, abraçaria o comunismo, se tornando adversário de Getúlio Vargas, e sendo um dos mais perseguidos pela polícia política brasileira na era Vargas.
A década de 1920-1930, de qualquer maneira deixaria suas marcas no Brasil de forma indelével. Se o ano de 1922 teve na Revolta do Forte de Copacabana uma forma dos jovens militares mostrarem seus descontentamentos com os rumos políticos, sociais e econômicos, teve também na Semana de Arte Moderna, uma forma de se demonstrar descontentamento com a arte e cultura no Brasil,

Não ficou nos tenentes o ano da graça de 1922. Em São Paulo, cristalizava-se a Semana de Arte Moderna, movimento que vinha rompendo grilhões e acabar por se espraiando pelo país inteiro, mudando conceitos na literatura, na poesia, na pintura, na escultura e na música.
Como toda inovação, é recebida com ressalvas e até rejeições contundentes (...). A Semana dará frutos permanentes.

A cultura artística brasileira, a partir deste evento, nunca mais será a mesma, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, dentre muitos outros, romperiam com os padrões culturais importados, para afirmar a importância e características da arte nativa.
Outros dois eventos ainda marcariam o ano de 1922. O primeiro foi a fundação e registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que viria a incluir nos seus quadros, operários, intelectuais e jovens militares notadamente, de cabos a capitães, além de tenentistas civis oriundos de famílias oligárquicas. O Partido Comunista Brasileiro viria a se tornar a o inimigo público nº1 do primeiro governo de Getúlio Vargas, "seus militantes e simpatizantes seriam priorizados como inimigos em potencial".
O segundo evento foi a primeira transmissão radiofônica no Brasil , patrocinado e efetuado por uma empresa norte- americana, como parte das comemorações do Centenário da Independência, de significativa importância para integração do país pelas comunicações, e como veículo de propaganda política na era Vargas. Portanto, o ano de 1922, se considerarmos os acontecimentos ocorridos e seus desdobramentos para o Brasil, bastante atípico.
É dentro deste contexto histórico, que chegaremos às eleições presidenciais de 1930 quando houve uma ruptura na chamada "política do café com leite", sempre ancorada no poder oligárquico dos governadores. Sendo lançada a candidatura de Júlio Prestes pelas oligarquias paulistas sem o devido aval do Estado de Minas Gerais. Surge então a Aliança Liberal, que reúne os descontentes políticos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, contando também com a participação de políticos paulistas que não se afinavam com a cartilha do Presidente Washington Luis. Lançando-se então a candidatura de Getúlio Vargas , governador gaúcho e ex- ministro da fazenda do governo de Washington Luis, a presidente, e a vice João Pessoa, governador da Paraíba, sob o patrocínio da Aliança Liberal.
A campanha da Aliança Liberal apresentava um programa de reformas, sendo as principais: instituição do voto secreto, criação de leis trabalhistas e incentivos a produção nacional. Contava com grande aceitação junto às classes médias e militares, notadamente os oriundos do tenentismo.
Com a vitória governista, importantes lideranças oposicionistas aceitavam o resultado, e o próprio candidato a Vice-presidente, João Pessoa, não aceitava a contestação do resultado através de luta armada , mas houve a recusa na aceitação pacífica do resultado por outros líderes políticos oposicionistas, principalmente os oriundos do tenentismo, que passaram a tramar a tomada do poder pela força . O estopim para a ação foi o assassinato de João Pessoa em 30 de julho de l930, em virtude de lutas políticas internas na Paraíba. "A ironia é que João Pessoa era contra a luta armada, mas, morto, o verdadeiro articulador do movimento armado".
Do Rio Grande do Sul e Minas Gerais explodiu a Revolução em três de outubro de 1930, e espalhou-se por outros estados. Colunas militares partiram do Rio Grande do Sul para depor o Presidente da República, que foi apeado do poder pelos militares de altas patentes do Exército baseados no Rio de Janeiro , contando com a participação e apoio de políticos e dos tenentistas.
Os militares entregaram o poder presidencial a Getúlio Vargas em 3 de novembro de 1930, terminando assim a chamada Primeira República,e dando início ao período getulista ou era Vargas.Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República, estabelecendo o Governo Provisório, entre outras medidas tomadas, suspendeu a Constituição de 1891, fechou as portas do Legislativo nas três esferas de poder, extinguiu os partidos políticos e indicou interventores, principalmente tenentistas, para chefiarem os governos estaduais.Como Raimundo Faoro, considerou a Revolta do Forte de Copacabana um prelúdio, para a Revolução de 1930, a partir deste próprio acontecimento, pode-se considerar que se formataria a base político-ideológico-militar, para o assalto definitivo ao poder por Getúlio Vargas, com o Estado Novo em 1937.
A chamada Era Vargas, que se desenrolou em três etapas, Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1934-1937) e Governo ditatorial ou Estado Novo (1937-1945), foi um período turbulento na história do Brasil, passando por diversos episódios de violências, tentativas de tomada de poder e a polarização ideológica entre comunistas e fascistas, estes representados pela Ação Integralista Brasileira e os comunistas, liderados por Luis Carlos Prestes.
O clima de instabilidade política, a divisão dos partidários de Getúlio Vargas quanto aos rumos político-econômicos do país durante o governo Provisório, só favorecia aos projetos getulistas de permanência no poder, que inclusive pactuava com a violência empregada contra seus adversários, como foi emblemático a depredação do jornal Diário Carioca, em 25 de julho de 1932, por membros do Clube 3 de outubro, cuja denominação era uma homenagem ao início da Revolução de l930 . Segundo diversos autores esta violência teve o beneplácito do chefe de policia do Distrito Federal, que era nomeado pelo Presidente da República.
O fato político mais importante durante o Governo Provisório foi a Revolta de São Paulo de 1932, denominada de Revolução Constitucionalista , quando os paulistanos pegaram em armas contra o Governo Federal e pela democratização do país. Vencidos militarmente, os revoltosos conseguiram de Getúlio Vargas a garantia para as eleições de uma Assembléia Nacional Constituinte, para a elaboração de uma nova Constituição.
Em 16 de julho de 1934, estava elaborada a nova Constituição do Brasil, que nos seus diversos artigos garantia o voto secreto dos eleitores para os poderes Executivos e Legislativos, garantia diversos direitos trabalhistas, o voto das mulheres, e estabelecendo também, que as riquezas naturais seriam propriedades do governo da união. A Constituição de 1934, também estabeleceu que o primeiro presidente da República, após a promulgação da mesma, seria eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional. Sendo eleito, Getúlio Vargas continuou dirigindo os rumos do país, sob o manto constitucional, que deveria se estender até as próximas eleições, em 1938. Era evidente que a Constituição não agradara a Getúlio Vargas, Aspásia Camargo considera que: "acordo constitucional não era prático," ao citar a afirmação de Getúlio Vargas de que seria, " o primeiro revisor dessa Constituição." Mas, como hábil político, esperaria sua hora de voltar a governar sem os empecilhos constitucionais.
No Governo Constitucional, Vargas encontraria apoio para elaborar e aprovar medidas que serviriam de contraponto aos princípios democráticos, como a Lei de Segurança Nacional, do estado de sítio, do estado de guerra e criando também o Tribunal de Segurança Nacional, em clara indicação que um governo constitucional pode encontrar mecanismos que lhe forneça poderes excepcionais para governar autoritariamente, ainda que dependente do Poder Legislativo, que em alguns casos, na verdade, torna-se dependente do poder presidencial.
Dois movimentos políticos com características "divergentes", presentes no cenário mundial, o comunismo e o fascismo, encontrariam seguidores nas mais variadas camadas sociais brasileiras. O fascismo encontraria na Ação Integralista Brasileira (AIB), criada em 1932, o seu berço. Liderada por Plínio Salgado a AIB tinha como referência o fascismo italiano, de cunho nacionalista, moral e programa autoritário, contava com apoio de membros do Clero, altos oficiais das Forças Armadas, políticos expressivos e contava com comitês espalhados pelo Brasil. O apoio dos integralistas a Getúlio Vargas e ao seu Golpe de Estado de 1937, não os livraria de se tornarem adversários do Regime, e enfrentarem o rigor da repressão policial após a tentativa de tomada do poder pela força, em 1938.
O comunismo encontraria abrigo político na Aliança Libertadora Nacional (ALN), movimento declaradamente adversário de Getúlio Vargas, abrigava, porém, as mais variadas tendências políticas, de sindicalistas aos antigos líderes tenentistas. Mas a corrente majoritária pertencia aos comunistas, com sua capacidade organizacional e liderança de Luis Carlos Prestes . Sendo o mesmo presidente honorário da Aliança
De qualquer forma, estas duas opções políticas para o Brasil, ou para qualquer país, como posteriormente se provaria, seriam mais nefastas que benéficas. Um Estado Integral (fascista) ou uma Ditadura do "Proletariado" (comunista) seriam e são a negação do Estado de Direito Democrático.
A Aliança Libertadora Nacional, após a leitura de manifesto de Luis Carlos Prestes, em julho de l935, na Câmara dos Deputados (DF), pedindo o fim do governo de Getúlio Vargas, teve suas dependências invadidas pela polícia , decretada sua ilegalidade, e diversos elementos da esquerda e seus simpatizantes presos. Os comunistas voltariam ao centro dos acontecimentos, em novembro de1935, com as rebeliões desencadeadas em quartéis do Exército no Nordeste e assassinatos de altos oficiais superiores. Com a pronta reação das forças governistas, este movimento não chegou a se desenvolver no Rio de Janeiro, então sede do governo federal.
O governo getulista desencadeou uma verdadeira caça aos comunistas, prendendo seus líderes, militantes e novamente simpatizantes. Luis Carlos Prestes só seria preso em março de 1936, juntamente com sua companheira, a alemã Olga Benário. Esta ação policial contra os comunistas daria o tom da violência policial que viria a se tornar lugar comum no Brasil, principalmente com a chancela oficial, após a implantação do Estado Novo.
Com todas as características de um Estado Policial, o processo político-brasileiro se desenrolava para as eleições de 1938, que por impedimento constitucional negava a Getúlio Vargas a sua reeleição, sendo lançadas então, as candidaturas ao posto de Presidente da República, de José Américo, com aparente apoio oficial e de Armando Sales pela oposição. Getúlio Vargas aparentemente apoiava o processo eleitoral , mas se mantinha distante no apoio a qualquer candidato, na verdade a sua intenção era permanecer no poder e contava para tanto com o apoio da cúpula do Exército, ocupada por Gaspar Dutra (Ministro da Guerra) e Góes Monteiro (Chefe do Estado Maior do Exército).

1.2 A Porta para O Golpe
O pretexto para o Golpe de Estado foi justificado com a "descoberta" de um documento que delineava um suposto golpe comunista, foi o conhecido "Plano Cohen". Elaborado pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, membro do Estado-Maior do Exército e chefe do Serviço de Inteligência da Ação Integralista Brasileira , que reconheceria a sua autoria ao publicar suas memórias, já no posto de general, após o golpe de 1964. Em um dos trechos, era mostrado como as massas deveriam ser dirigidas:

(...) Nos bairros, as massas deverão ser conduzidas aos saques às depredações, nada poupando para aumentar cada vez mais a sua excitação, que deve ser mesmo conduzida a um sentido nitidamente sexual, a fim de atraí-la com facilidade; convencidos de que todo aquele luxo que os rodeia?prédios elegantes, automóveis de luxo, mulheres belas?constitui um insulto à sua sordidez e falta de conforto, e que chegou a hora de tudo aquilo lhe pertencer, sem haja o fantasma do Estado para tomar conta.

Por este trecho, nota-se a forma do "plano", que poderia causar pânico em que o lê-se, e desta forma o "plano Cohen" foi utilizado para sensibilizar e chocar o seu público alvo, militares e civis detentores de poder, sendo posteriormente "divulgado à imprensa pela Casa Militar da Presidência da República e publicado com destaque nos principais jornais." Mas o próprio líder dos integralistas, Plínio Salgado, considerou o plano, " (...) fantasioso demais e por traçar um perfil dos comunistas, quase todos presos à época, muito distante da realidade (...)".
Mostrado como verdadeiro plano comunista pelo Exército, a sua finalidade evidente era a ruptura constitucional, levando Getúlio Vargas a dar início à ditadura do Estado Novo. Com o apoio do comando do Exército ao golpe de Estado, esta força militar voltaria a ocupar seu lugar de destaque nas decisões políticas nacionais, "(...) atuando como árbitro político do regime. O Exército teria participação ativa no processo decisório (...), seria mais um ator de peso não pouco expressivo, no questionamento do regime político liberal." E isso se traduziria nas diversas intervenções na política brasileira ao longo dos anos, culminando com o golpe militar de 1964.
Getúlio Vargas, com todo o suporte militar, tranqüilidade e sem uma oposição consistente, anunciou, pelas "ondas do rádio" , em 10 de novembro de 1937, a dissolução do Congresso Nacional e a implantação de um governo forte, nos moldes dos governos fascistas europeu, principalmente italiano e português. Enfim, Getúlio Vargas estava no poder, como sempre desejou e manobrou como bem definiu Raimundo Faoro:

Getúlio Vargas evitaria o comunismo, conciliando operário, e se afastaria do fascismo, oficilializando os grupos de pressão capitalista. O centro de equilíbrio, igualmente afastado dos extremismos, não se situa na democracia, (grifo nosso) nem no liberalismo. Não seria ele de, convidado por tantas oportunidades, afastar o poder em nome de escrúpulos constitucionais, seja dos vigentes ou por ele próprio outorgados.(Grifo nosso).

O afastamento dos fascistas brasileiros não significava que o regime implantado não teria os seus moldes ideológicos e sim o descarte de parceiros tupiniquins incômodos. No caso dos comunistas, estes já eram adversários declarados. E a Constituição, como já relatado, não agradava ao Presidente da República, por lhe impor limite de poder, pois ficava dependente do Congresso Nacional para aprovação de medidas de exceção. Com a implantação da ditadura de Getúlio Vargas, se a violência policial contra os adversários nos períodos anteriores foi bastante evidente, estava aberta a porta com o Estado Novo para a institucionalização da violência nas suas mais diversas modalidades, com ênfase na policial, patrocinada pelo Estado.
O Estado Novo se estenderia até 1945, quando os ventos democráticos provocados pela situação mundial da Segunda Guerra, e ancorados nas Forças Armadas, deram um novo rumo político-institucional ao Brasil. Mas até chegar este momento, um dos grandes esteios do regime foi sem dúvida a polícia de Getúlio Vargas.







CAPÍTULO II

A justiça é a estrela que governa a sociedade, o pólo em torno do qual o mundo político gira, o princípio regulador de todas as transações. Nada acontece entre os homens salvo, em nome do direito, sem a invocação da justiça.
Proudhon


O Estado Novo não foi criado ou estabelecido de uma hora para outra, foi um projeto político urdido por Getúlio Vargas com o apoio do Alto Comando do Exército e de políticos afinado com a ideologia fascista . Getúlio Vargas não se sentia confortável em presidir o Brasil com uma Constituição que lhe limitasse os poderes, apesar de contar com instrumentos antidemocráticos decretados após o levante comunista de 1935, como o Tribunal de Segurança Nacional, que julgava militares e civis e a decretação do Estado de Guerra e a censura imposta a imprensa. Como preâmbulo da ditadura a ser implantada, os militares já tinha uma visão do regime de força de suas conveniências, principalmente Góes Monteiro, para quem, "... o Estado precisa ter o poder para regular toda vida coletiva e disciplinar a nação;"mas como enquadrar a nação? O próprio Góes Monteiro responde: "Afinal, sempre se fala com mais clareza e calor, com mais razão e proveito, quando se dispõe de baionetas para assegurar o direito que se reclama", e analisa apontando a solução para o "problema" brasileiro, em reunião do Alto Comando do Exército:

O mal é institucional e existe somente uma solução definitiva, que nos leve gradualmente ao objetivo final: o equilíbrio social. E como começar, diante dos clarões sinistros e ameaçadores? O governo só poderá seguir, na presente emergência, três vias: 1. A reforma constitucional, solução intermediária e cheia de arestas políticas. 2. A execução pura e simples dos preceitos constitucionais vigentes, que significa a impunidade, o recrudescimento da desordem, a desmoralização, o caos, a anarquia e dificuldades invencíveis até a ruína completa. 3. O Golpe de Estado, consistente em declarar abolida a Constituição atual até que outra seja promulgada, dentro de um prazo determinado, ficando ela de posse de todo o poder para atender as circunstâncias excepcionais do país.

Esta afirmação oficial e por escrito do general Góes Monteiro, já estabelecia as diretrizes para um futuro governo ditatorial, ficando evidentes as perguntas: Ele próprio no comando do país ou outro? E no caso de outro? Quem? O presidente eleito constitucionalmente? É evidente que o cumprimento da Constituição vigente, ou sua reforma através dos canais democráticos não estavam cotados como prioritários. O próprio Getúlio Vargas tinha suas idéias de permanência no poder:

A partir de setembro de 1937, o presidente da República vai abrindo o jogo, em conversas reservadas com militares e políticos de confiança. No dia 16 despacha com o ministro da guerra, general Eurico Gaspar Dutra. Expôe-lhe claramente a necessidade de prorrogação do seu mandato " para evitar o caos que a campanha eleitoral vinha gerando " . (grifo nosso).

Portanto, o projeto político de implantação da ditadura foi gestado e instalado pela mais alta autoridade do país, principalmente, quando se aproximava a definição eleitoral e sua substituição, com a participação efetiva de militares e civis, sem que o povo tivesse ou manifestasse sua opinião, seguindo o exemplo da Proclamação da República, que segundo Aristides Lobo, ficou "bestializado" .
E a democracia que aparentemente o país vivenciava? Já que existia uma Constituição promulgada? Neste caso temos a sobreposição da autoridade sobre a liberdade, sendo que esta última "... constitui a perfeição da sociedade civil" . Esta afirmação não nega, contudo, a autoridade necessária para a própria manutenção da liberdade, "... sendo, entretanto, necessário reconhecer que a autoridade lhe é essencial à existência." Mas quando a autoridade, no caso o detentor da força e futuro ditador, sempre e em decorrência do seu poder, prevalece, apesar de e como este embate entre liberdade e autoridade é expresso por David Hume:

Em todos os governos observa-se a luta intestina, manifesta ou secreta, entre autoridade e liberdade, não podendo nenhuma das duas prevelacer em absoluto na disputa. Em todo governo tem-se de fazer necessàriamente grande sacrifício de liberdade; entretanto, mesmo a autoridade que restringe a liberdade não pode e talvez não deva nunca, em qualquer constituição, torna-se completamente total incontrolável.

Nestes pressupostos básicos das relações entre autoridade e liberdade, quando a primeira torna-se "incontrolável", isto é, prevalece em detrimento da segunda, no nosso entendimento significa a derrota da democracia. E como Francisco Campos, o redator da Constituição decretada com o Estado Novo, via estas relações? O mesmo responde: "O futuro da democracia depende do futuro da autoridade. Reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimento da autoridade será o papel político de numerosas gerações ". Esta visão significa o fim da liberdade de escolhas, do livre arbítrio e da igualdade política, como se excesso de democracia fosse um mal para o país.Em sua significação histórica primordial, a democracia refere-se a uma forma de governo, e apenas de governo. Um governo é democrático na medida em que pessoas afetadas pelas suas decisões ? deixando de lado as crianças ? participam, direta ou mais freqüentemente, indiretamente, pela eleição de seus agentes ou representantes, da determinação da natureza das decisões. Sua suposição fundamental, aos olhos dos que apresentam justificações razoáveis para preferi-las a outros sistemas de escolher governantes, é que em geral os seres humanos são eles mesmos melhores juízes (...).
É claro que a eleição dos representantes do povo nem sempre é perfeita, e que o "consentimento" de representá-lo depende de diversos fatores, tais como, educação, acesso aos meios de informação e da própria cultura de participação política de influenciar e ser influenciado, entre outros. Mas as escolhas devem ser soberanas, independentes de fatores influenciáveis. Ainda sobre democracia e liberdade de escolhas e a atuação do Estado Democrático, Robert Morrison MacIver, aponta as liberdades e punições da comunidade contra a autoridade e suas decisões, na democracia:

A democracia alicerça-se na livre sensibilidade do Estado face à comunidade. Esta dispõe de sanções contra qualquer tentativa de governo para subjugá-la. A primeira delas é a prescrição constitucional acerca da organização livre de opiniões e doutrinas contrárias: isto é liberdade democrática contra o governo. (...)
Não obstante as liberdades específicas asseguradas pela democracia constituem a área central da liberdade humana. Se não é negado a um homem o direito de comunicar seus pensamentos e dar livre curso a suas opiniões, se pode associar-se livremente com os que comungam de seus valores e objetivos, se ao mesmo tempo é um cidadão cuja opinião tem importância ou ao menos é levada em conta, tal como a de todos os demais, então sua personalidade está resguardada contra as piores opressões.

A democracia é, portanto, uma liberdade de escolha do povo, não do governo, que deve preservá-la como forma de manutenção da cidadania plena, que significa a garantia de direitos iguais para todos, principalmente de ser oposição aos governantes de plantão sem sofrer sanções. A negação da democracia é a ditadura, sendo que a mesma ignora a comunidade e o ditador tem na sua vontade e não nas leis sua forma de governar, "... a vontade do ditador não é peiada por processos legais; nenhuma lei tem status superior a seus meros decretos." Mas alguns pensadores não consideram que existe democracia plena e sim que ela tem graduações. Estas afirmativas sobre democracia, liberdades e participação do povo nas decisões de governo, no caso, através da delegação de poder mediante eleições, sejam diretas ou não, servem para mostrar o contraponto das idéias de Getúlio Vargas sobre democracia:
Os estados autoritários não são criação arbitrária de um reduzido número de indivíduos. Resultam, ao contrário, da própria presença das massas. A entrada das massas no cenário político traduz-se pelo divórcio hoje confessado entre democracia e o liberalismo. O clima das massas não obedece às regras do jogo parlamentar. (...) O sufrágio universal, a representação direta, o voto secreto e proporcional, a duração do mandato presidencial são meios impróprios, se não funestos aos ideais democráticos .

Ao afirmar que o estabelecimento de um regime autoritário é devido à intervenção das massas e não de um reduzido número de "eleitos", só se justificaria como defesa de causa própria, se ficar apenas na implantação do Estado Novo. Mas na complementação de Getúlio Vargas, ele próprio um manipulador das massas, verificamos a negação dos pressupostos básicos da democracia, que se baseiam: na alternância de poder, no voto, na representação parlamentar, que com sua legitimidade representa um dos poderes democráticos, sendo o Parlamento responsável pela criação e aprovação das leis que formalizam o Estado de Direito. Ao inculpar as massas, que entendemos seja o povo, pelo estabelecimento de um regime antidemocrático, "... então a democracia nada mais pode fazer do que lamentar seu insucesso em reter a lealdade do povo: ela perdeu os fundamentos da sua existência" . Então Getúlio Vargas negava à nação o direito de decidir seu futuro, ao negar o direito ao voto. A própria Constituição imposta por Getúlio Vargas, previa a realização de um plebiscito, "para saber se o povo concordava ou não com o Estado Novo" , mas como a decisão era do ditador, e para ele, a opinião da nação não contava. O plebiscito nunca foi realizado.
Têm-se a falência da democracia, seja pela tomada de poder por uma oposição ou pela continuidade de poder através de golpes de estado, ou outras manobras que mascarem as intenções antidemocráticas, temos então a implantação do Estado ditatorial, seja ele de qualquer tipo ou denominação, em que o ditador personifica o Estado, tornando sua palavra e vontade em lei, a justificativa é a sua própria autoridade incontestável, toda sociedade está subordinada aos seus ditames ou de seus agentes, sendo assim as regras (leis) são mutáveis e condicionáveis, pois:

O firmamento social é contestado em seu lugar só existe a expansão mutável de uma definição arbitrária do direito. A ditadura nasce caracteristicamente quando a ordem social é abalada ou rompida, numa época de crise (...). Ela representa uma interrupção brutal na tradição. Conseqüentemente, é onde o terreno se acha preparado para a democracia que se formam as condições mais propícias à ditadura.

É inegável que Getúlio Vargas, e a historiografia não contradiz, teve estas "condições mais propícias", conforme ressalta MacIver, representadas pela "ameaça comunista," disseminada na sociedade pela propaganda oficial, para implantação do Estado Novo, como também não se pode negar que se existia crise real de ameaças aos poderes constituídos legalmente (mas também existiam instrumentos legais de proteção), as justificativas para revogação do Estado de Direito foram criadas e implementadas por uma minoria já detentora do poder, à revelia da nação. Revogadas as instância e instituições democráticas do Período Constitucional (1934 ? 1937), confirmado o "príncipe" no poder, chegamos onde David Hume, com séculos de antecipação apontava que a transição de autoridade consentida para imposta, necessitava da concessão de "compensações" e "a infligir castigos aos refratários e desobedientes" , tudo isso visando o controle e "submissão" da "comunidade" pelo detentor da "autoridade", no caso, o ditador.
Em todos, ou quase todos os estudos e avaliações sobre a era Vargas, especialmente no que se referem ao Estado Novo, nos deparamos com uma espécie de dicotomia, entre positivo e negativo para o Brasil. Existindo os defensores ardorosos de Getúlio Vargas e os que não esquecem a primeira ditadura brasileira. Em alguns casos, essa dicotomia é quebrada, mas para considerar as duas opções válidas. Maria Helena Capelato, em seu estudo sobre o Estado Novo, mostra essas contradições,

(...) o Estado Novo, definiu-se pelo autoritarismo graças ao intenso controle político, social e cultural e pelo cerceamento das liberdades em muitos planos: houve repressão e violência extrema expressa nos atos de tortura. O período se caracterizou também pelas significativas mudanças promovidas pelo governo (...). Reorganização do Estado, reordenamento da economia, novo direcionamento das esferas público e privada, nova relação do Estado com a sociedade (...).

Levando em conta os aspectos positivos e negativos do regime de 1937, é possível concluir que as mudanças ocorridas nesse período foram de enorme importância para o futuro do país . Quanto aos aspectos negativos, que já foram citados, eles serão analisados de forma mais abrangente no decorrer deste trabalho. Os aspectos positivos como os denominam Capelato, se estendem: pelas conquistas sociais; ênfase ao desenvolvimento econômico, tendo o Estado como agente regulador e indutor da industrialização do país; valorização da cultura e de uma identidade nacional; e principalmente as conquistas pertinentes à legislação trabalhista, atendendo às antigas demandas reivindicatórias dos trabalhadores, mas mantendo os trabalhadores, principalmente suas representações sindicais, sob a tutela do Estado. Isso tudo calcado e valorizado por um amplo esquema de divulgação e propaganda nos moldes nazi-fascista, apesar da negativa oficial da afinidade ideológica.


2.1 O Trabalho e a Educação
O esforço empreendido pelos ideólogos estado-novistas para afirmação e "consentimento" do regime se baseavam principalmente, no trabalho e na educação. O trabalho como forma de promoção material e afirmação da cidadania, mas submetidos às diretrizes do governo:

O trabalho, desvinculado da situação de pobreza, seria o ideal do homem na aquisição de cidadania (...). O Estado Nacional, pós -1937, por seu ideal de justiça social, voltava-se para a realização de uma política de amparo ao homem brasileiro, o que significava basicamente o reconhecimento de que a civilização e o progresso eram produto do trabalho.
(...) Só o trabalho ? essa idéia-fato ? podia constituir-se em medida de avaliação do "valor social" dos indivíduos e, por conseguinte, em critério de justiça social.
(...) O ideal de justiça social ia sendo explicitado como ideal de ascensão social pelo trabalho que tinha no Etado seu avalista e intermediário.

Essa condição imposta de que a cidadania só pode ser conquistada pela condição de "estar" trabalhando de "carteira assinada," evidentemente, marginaliza os desempregados e os ocupantes de subempregos. É interessante notar que esta premissa da "cidadania do trabalho", vai de encontro com as idéias sobre o trabalho exposta por um dos grandes expoentes do anarquismo, Mikail Bakunin, que em seu Catecismo revolucionário, quando nega o Estado, a autoridade e a religião, afirma: "O trabalho deve ser a única base para o direito humano e para organização econômica do Estado," neste caso a "riqueza social" só pode ser alcançada pelo trabalho. Devemos, entretanto, estabelecer que os ideais anarco-socialistas de Bakunin e seus seguidores, não podem de forma alguma, a não ser neste caso, concordar com a política de justiça social do Estado Novo. Mas insere o trabalho na condição e partícipe da riqueza social, quando cada um deve prover o seu sustento com o seu trabalho, sem que haja, entretanto a exploração do homem pelo homem, é evidente que esta premissa passava ao largo das formulações ideológicas do Estado Novo.
Quanto aos trabalhadores, e os que estavam desempregados, como se comportavam diante desta política tão alardeada pela propaganda oficial? Jorge Luiz Ferreira, procura resgatar a opinião dos trabalhadores e populares ao analisar parte da correspondência por eles endereçada ao Presidente Vargas, no período, e mostra que se havia conformismo ou exaltação, havia também cobranças, críticas, ainda que de forma sutis e inconformismo com essa política.
Isso sem contar que os trabalhadores rurais ficaram totalmente marginalizados, fora de qualquer política de proteção, e que as estruturas agrárias não sofreram nenhuma modificação, por conta do poder das oligarquias rurais existentes, e que não podiam ter seus interesses contrariados, em detrimento do lado mais fraco e sem representatividade, os trabalhadores rurais.
Quanto à educação, que é o principal pilar do desenvolvimento de uma nação, já que ela atende aos requisitos para formação de um capital de conhecimentos, sem os quais o desenvolvimento econômico e social não se completam, e torna a população consciente politicamente das suas condições de cidadania, por isso os governos, principalmente os autoritários ou totalitários, procuram se apropriar do sistema educacional como forma de condicioná-la aos seus interesses, como bem salienta William Godwin:

Cumpre-nos refletir antes de colocar poderosa máquina em mãos de tão ambíguo agente. O governo não deixará de utilizá-la para reforçar seus poderes e perpetuar suas instituições. Mesmo admitindo a hipótese de que os agentes do governo não se proporão objetivos que, a seus próprios olhos, parecerão não apenas inocentes, mas meritórios, o mal será feito. Suas idéias como fundadores de um sistema de ensino não poderão deixar de ser análogas às que terão na qualidade de políticos; as premissas que justificarão que sua conduta como estadistas serão aquelas que servirão de base ao seu sistema de ensino.


O Estado Novo, com sua formulação ideológica de construção de uma nova identidade da nação e de um novo homem, que era o grande projeto político, não poderia deixar de controlar a educação, e através dela moldar a juventude, isto é, condicioná-la aos seus propósitos de poder autoritário. Mas uma vez temos a formulação de um pensamento de um "escritor libertário" do século XVIII, que tinha uma concepção definida de governo e sua ação sobre a educação, antecipando o que ocorreria no século XX. Esta apropriação do sistema educacional para fins político-ideológicos, como ressalta Helena Bomeny, envolveu além do Ministério da Educação, o do Exército, na época Ministério da Guerra e o Ministério da Justiça, procurando enquadrar a educação à doutrina de segurança nacional. Com isso visava moldar além do sentido de mobilização, a consciência disciplinar na juventude. Helena Bomeny, também ressalta um fato esclarecedor, as reformas educacionais do Estado Novo, visavam à elitização do conhecimento, já que priorizavam o ensino universitário em detrimento da "alfabetização das massas" E com isso formar quadros dirigentes, e isso é óbvio, líderes esclarecidos liderando "analfabetos", sem condições reivindicatórias fundamentadas no conhecimento formal, e sem acesso às informações não controladas ou monitoradas pelo governo.
2. 2 A Censura
Como vimos o Estado Novo, no seu propósito de moldar a sociedade de acordo com seu projeto político, pensado por ideólogos e posto em prática por seus operadores, sob o comando do ditador Getúlio Vargas, teve na educação e na sua concepção trabalhista, âncoras de viabilização, mas foi na violência policial compactuada com a censura contra opositores ou simples contestadores do regime, que ditadura moldou sua base de sustentação real e efetiva.
A censura, que não foi posta em prática apenas com a instalação da ditadura pós-37, foi um ato recorrente de violência contra as opiniões divergentes das oficiais ou oficiosas, durante quase todo primeiro governo de Getúlio Vargas, e ressalte-se que também foi aplicada por governos anteriores. Mas foi durante o Estado Novo que a censura atingiu todo o seu poder coercitivo e repressor, no intuito de, agindo em nome do Estado, moldar e condicionar o pensamento nacional aos seus ditames e projetos políticos ideológicos. A violência da censura se fez sentir de diversas formas, de modo que todos sentissem suas implicações e conseqüências, consubstanciadas pelo medo,

Tanto o medo quanto a censura funcionaram como poderosos instrumentos de controle social, emanando, cada qual ao seu modo, energia que, por sua vez colabora para a sustentação dos regimes autoritários. O medo faz calar, tem energia para isso. Instado pelo pânico (de propagação rápida), o medo sufoca. Daí a necessidade que as ditaduras têm de impor medo ? medo da tortura, da polícia, da morte, do desemprego, da difamação ? para através deste, sufocar as tradições de luta e as vozes da contestação. (Grifo nosso).

Os exemplos e utilização desses instrumentos, medo e censura como forma de moldar e condicionar a sociedade aos ditames da ditadura são vários, mas as finalidades, na visão maquiavélica, são as mesmas, causar incertezas e insegurança em quem são aplicadas, extinguindo ou limitando suas opiniões ou contestações contra o regime e de seus agentes.Geralmente a ditadura dispensa os dispositivos legais para exercer a censura, pois "Só a ditadura faz de sua pura e simples vontade única justificativa de sua autoridade" ,mas como " instrumento de controle social", a censura no Estado Novo foi legalizada pela Constituição e regulamentada por decreto, com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP), em 1939. Subordinada diretamente à Presidência da República, dirigido por um admirador confesso de Mussolini, Lourival Fortes , que despachava semanalmente com Getúlio Vargas. O DIP dividia suas atribuições entre a censura aos meios de comunicação e ao teatro, cinemas e circos; promovia campanhas esclarecedoras sobre o regime, de exaltação ao ditador; fornecia material noticioso e de propaganda à imprensa; e monopolizava a importação do papel de imprensa.
Apresentadas assim as atribuições do DIP, nos leva à indagação: e o medo? Onde ele entra? Ele era representado pela violência, de prisões de empregados, jornalistas e diretores de jornais, que simplesmente discordassem do governo, de seus prepostos ou simplesmente noticiassem fatos desfavoráveis a membros do governo ou ao país, além das invasões das instalações (pela polícia) e desapropriações dos jornais. Outros dois elementos coercivos usados contra a imprensa eram, a cooptação puro e simples de jornalistas e donos de jornais através de compensações financeiras, e o uso do monopólio da importação de papel de imprensa, que subordinava os jornais materialmente ao DIP. Com estas prerrogativas e atribuições de cunho fascista e controlado diretamente pelo ditador, o DIP contribuiu ao lado da violência policial de Estado para calar a oposição e tentar controlar as manifestações culturais que não seguissem as orientações da ditadura. Esse "engessamento cultural" teve reflexos nas produções culturais espontâneas levando a um empobrecimento cultural do país, pois a cultura não pode e não deve ser monopólio do Estado, muito menos de governo.


2.3 A Violência Policial
A violência policial não foi um execrância dentro da estrutura de poder estabelecida com a ditadura do Estado Novo e muito menos exclusiva do período, já que atos de violência praticada pela polícia nas suas formas e métodos se tornaram rotina durante quase toda era Vargas. O que modifica a percepção dos fatos é que quando a violência é praticada pelo aparato policial com o desconhecimento ou a conivência e/ou anuências das autoridades responsáveis pelo comando, fiscalização e controle das ações policiais, sejam do judiciário, legislativo ou governo, temos então uma situação em que os agentes responsáveis pela segurança da população, fogem ao controle do Estado e estabelecem um poder paralelo, o que não exclui as (ir) responsabilidades criminosas das autoridades mencionadas, já que elas representam as últimas instâncias para a garantia dos direitos do cidadão, contra arbitrariedades, partam de onde partirem.
O fato relevante, é que as ações de violências praticadas pela polícia durante o Estado Novo adquirem uma dimensão maior e assustadora, quando o aparato policial recebe as bênçãos institucionais e motivações ideológicas para combater os adversários do governo, passando a fazer parte do arsenal para manutenção e afirmação do regime estabelecido.

Sustentava-se a idéia da necessidade de "purificação da sociedade" de forma a justificar a ação da policia e dos censores que, baseados na lógica da desconfiança, propagavam argumentos destinados a legitimar o mito do complô secreto internacional. Multiplicaram-se os serviços secretos de investigação, e a polícia política ganhou novo status mediante atribuições que lhe eram delegadas pelo Estado dito moderno.
O conceito de crime político alterou-se de forma a decapitar os movimentos de resistência ao autoritarismo, implicando atos de censura e violência, fosse esta bruta ou aplicada na força do intelecto.

A criminalização dos atos e pensamentos políticos contra o regime e a tentativa forçada de legitimizar o pensamento ditatorial, levaram a ampliação dos poderes e ações policiais, que se estendiam desde as prisões de pessoas em delegacias até o controle das penitenciárias, e a desobediência de decisões judiciais, inclusive da aberração judiciária representada pelo Tribunal de Segurança Nacional. O combate aos "inimigos" da nação dotou a polícia de novos instrumentos intelectuais e a continuidade de práticas conhecidas de violência, além de novos recursos financeiros, inclusive de verbas secretas. Elizabeth Cancelli ao analisar as idéias de Francisco Campos, ideólogo e redator da Constituição de 1937, mostra suas tendências totalitárias e seu apreço pelo emprego da violência e o desprezo pelo judiciário, tudo em função da criação e manutenção de um Estado antidemocrático, detentor da razão e senhor absoluto da nação,

A ótica explicitada pelo jurista se distancia fundamentalmente do estado liberal. Obcecado pela transformação através da violência, o Estado não só havia se outorgado o monopólio do uso legítimo, mas feito dela seu agente de transformação revolucionária e se utilizado do terror para impor esta violência de forma total e generalizada .

A base do raciocínio de Cancelli é um discurso de Francisco Campos, também apelidado de "Chico Ciência", de 1935, onde na formulação do pensamento totalitário, são justificados atos de violência policial e transformados em legítimos interesses do Estado, e a sociedade passa ser refém do aparato policial, que neste caso é o defensor-mor do Estado e do ditador, transformado por ele próprio (o ditador) e seguidores na personificação explícita do Estado, para tanto o uso da "propaganda" e "doutrinação" caminham juntas com as ações policiais, sejam "legais" ou ilegais no convencimento da sociedade de que o Estado sempre está certo, e que ela, a sociedade é que deve se moldar a esta premissa. Cancelli explicita esta concepção:
A propaganda e a doutrinação seguiam no caminho de despersonalização do indivíduo, não através da dominação de uma ou mais classes sociais, mas da personificação do governo em forma de sociedade. Isto é, da transformação do regime em sinônimo de Estado, deste em sinônimo de sociedade e da sociedade em sinônimo de líder e da sua vontade.

Esta foi sem dúvida a luta incessante do ditador e de sua estrutura de poder, calcados no convencimento proporcionado pelos seus recursos doutrinários e policiais, para a conquista de "corações e mentes", de forma a levar a sociedade, que tendo seus canais de representatividade democráticos violentamente anulados, só tinham no ditador, e era esse o objetivo, personificado em Estado, o único representante. Para tanto a estrutura da polícia e suas ações repressivas foram usadas politicamente,

Houve um reforço no sistema de progressiva politização do Serviço de Controle e Repressão Policial, quando a portaria 3.622, de 10 de novembro de 1937(o mesmo dia da decretação do Estado Novo), criou o Serviço de Divulgação. Através dele, foi mantida a distribuição diária de artigos e comunicados para cerca de 1.300 jornais espalhados pelo Brasil. Em dois anos, d 1937 a 1939, a divulgação lançou 90 mil retratos de Getúlio Vargas, 45 livros e folhetos, cujas edições variaram de dez a 75 mil cada uma, como projeto de propaganda pela consolidação do Estado Novo e contra ideologias subversivas.


Verificamos então, de que forma maciça foi o esforço da ditadura, isso sem contar com as outras estruturas de propaganda, inclusive na apropriação do sistema educacional, para o "convencimento" da sociedade e do culto de personalidade, empreendido pelo aparato policial sob o comando direto de Getúlio Vargas. Além da utilização do aparato policial montado em função de, e para o regime e seu ditador, para controle social, tornou-se necessário estabelecer o confronto ideológico contra os adversários e mostrar à sociedade, quem eram "seus" inimigos e os perigos por eles representados, neste caso os escolhidos inicialmente foram os comunistas, mas não os únicos, e isso antes do estabelecimento do Estado Novo, principalmente quando eles se lançaram precipitadamente à tomada do poder em 1935. E em 1936, oficializou-se o inimigo, com a criação da Comissão de Repressão ao Comunismo, (seria o caso da legitimação de uma possível "Conferência de Wansee" tupiniquim? procurando uma "solução final" para os "inimigos" do Estado, no caso os comunistas?). Sendo então desencadeada uma verdadeira "caça as bruxas", tanto nos meios militares quanto nos civis,

Os comunistas se tornariam o alvo mais constante, embora não único, da investida policial ao tratar do combate ideológico e social. Seus militantes e simpatizantes seriam igualmente priorizados como inimigos em potencial.
Os comunistas representariam o inimigo a combater, a fim de servirem como argumento capaz de justificar a coesão em função da presença de um agente nocivo. Ao mesmo tempo em que deveriam ser mantidos pelo governo para sustentar o mito da conspiração, sua eliminação também era necessária (...).
Materializado o inimigo nos primeiros dias do novo regime, o Estado negou qualquer eficácia a algum tipo de solução política e iniciou a implementação de soluções físicas. Segundo sua lógica, fazia-se necessário o uso de instrumentos de violência para assegurar sua própria existência.


Ao não dialogar com a oposição pacífica e tratar os adversários políticos com violência, o Estado Novo, intencionalmente visava o confronto, principalmente com os comunistas, com o propósito de manter a sociedade em suspense sobre os efeitos nocivos do comunismo internacional na estabilidade social do país, mas o combate ao inimigo requeria soluções drásticas internas, como prisões arbitrárias e práticas de torturas rotineiras, e manter ligações com órgãos policiais e de Inteligência de outros países, tanto na troca de informações, quanto no aperfeiçoamento técnico e humano do aparelho policial, para tanto o aspecto ideológico era o que menos importava se de cunho democrático, como dos Estados Unidos e Inglaterra ou nazi-fascistas representados pela Alemanha e Itália, o que importava era fazer parte de uma rede internacional de combate ao comunismo, que facilitasse o combate e a identificação dos comunistas, considerados como: "forças do mal e do ódio", por Getúlio Vargas. As violências policiais traduzidas em prisões, maus tratos com os presos, práticas de tortura e assassinatos , além da disseminação do medo pela sociedade, não ficou limitado ao período do Estado Novo,

(...) A tortura não era invenção do Estado Novo. Iniciada depois da Intentona Comunista de 1935, a novidade era que não só os comunistas apanhavam, mas os integralistas e outros também. No Rio Grande do Sul, os policiais comandados por Aurélio Py e Plínio Brasil Milano, seviciaram também floristas, partidários de Flores da Cunha. Enquanto no Nordeste ninguém era poupado, os intelectuais do Sul nada sofriam, já que os torturadores preferiam desenvolver suas técnicas em soldados, marinheiros e operários, jogando-os depois contra os profissionais liberais presos, que tinham o direito de receber jornais e poucas revistas.


Como se nota, a violência tendo na tortura sua máxima expressão, não se restringiu ao Rio de Janeiro, de onde se irradiava e controlava o poder policial de Estado, mas se disseminou por todo o Brasil, e não mais escolheu vítimas, não era mais "privilégio" dos comunistas. Tornou-se prática generalizada e institucional, não era mais um "método" investigativo, ou puro sadismo, praticado por determinados elementos policiais, era uma política emanada da própria cúpula de poder para erradicação de toda oposição:

O número excessivo de pessoas encarceradas dava margem à polícia operar com duas perspectivas diferentes. A primeira delas, a mais visível e a mais direta, era a repressão de tudo e de todos que se opusessem ou houvessem se transformado em inimigos potenciais ou objetivos do regime e de seu líder, Getúlio Vargas. A segunda perspectiva fazia parte de uma ação pretensamente secreta, mas que levava todos na sociedade a conhecer ou imaginar os perigos e a violência a que poderiam ser expostos através da exclusão impetrada pela polícia aos considerados inoportunos pelo Estado.
O governo usava, por isso, instrumentos de violência que asseguravam sua existência legal. (...).
Superlotação das prisões e as péssimas condições de habitabilidade eram uma amostra da onipotência e onipresença do Estado e de seu principal agente e sustentáculo: a polícia. Na prisão os indivíduos eram levados a perder todos os contornos de civilidade, assumindo cada vez mais sua condição animal.


A quantidade de pessoas detidas e submetidas a maus tratos e torturas sistemáticas com o devido amparo do Estado, mostra bem a dimensão a que chegou a amplitude da ditadura comandada por Getúlio Vargas na sua determinação de transformar a nação em sua "propriedade", sendo o controle pelo medo em que se transformou a relação da população com a polícia e a incerteza desta população quanto ao destino dos que caíssem nas garras do aparelho repressor, independente de culpa formada ou julgamento, transformou o país em um quase Estado de terror policial, quase compatível com a Alemanha Nazista e sua política de eliminação física e confinamento dos inimigos internos, faltando só a dimensão quantitativa e os métodos sistemáticos de eliminação física dos "inoportunos", para completar a compatibilidade.
Os métodos de tortura utilizados pelo aparelho estatal repressor, que se estendia desde as detenções, passando por delegacias e se estendendo às cadeias e penitenciárias, onde muitos presos morriam por falta de assistência médica básica, dariam para escrever um tratado sobre sadismo e falta de sentimento humano básico no relacionamento entre presos e carcereiros,

No Distrito Federal, a Chefia de Polícia era exercida pelo capitão Filinto Müller, auxiliado por Batista Teixeira, Segadas Viana, Emílio Romano e Álvaro Gurgel Alencar. Além de pancadas com cassetetes, socos e pontapés, os torturadores do Estado Novo tinham outros métodos de tirar confissões de seus presos: alicates eram utilizados para o esmagamento dos testículos. Arames serviam para serem enfiados em ouvidos ou uretras, depois de aquecimento com maçarico, até que eles ficassem em brasa. O maçarico também seria para queimar as mais diversas partes do corpo, principalmente a sola do pé. Cigarros e charutos eram apagados nos seios das mulheres (...). Isolamentos muitas vezes sem água e sem comida. Para se conseguir a loucura, ou quem sabe, um suicídio, crânios eram apertados. (...) De todas as técnicas, entretanto, a mais sofisticada era a ? cadeira americana?, onde o acusado era obrigado a sentar-se. Uma mola oculta jogava-o a vários metros de distância contra a parede, nos mais diferentes espaços de tempo. (...).

Método, técnicas, não importa o termo empregado, se era sistemática ou não, ou onde era praticada: "A tortura significa degradação, espezinhamento, humilhação de todos os tipos. O arsenal dos torturadores é grande", o que importa é que a tortura era uma política de governo no combate aos seus adversários, e a polícia não respeitava nem sexo ou idade, ou contornos ideológicos, o importante era quebrar a resistência do torturado e reduzi-lo a nada, mostrar sua impotência diante de seus carcereiros e algozes, independente dos resultados investigativos obtidos, e os torturadores tinham certeza da impunidade, pois para eles, estavam executando ações autorizadas, instintos sádicos à parte. A chefia de todo o esquema repressivo do governo foi exercido por Filinto Müller, por quase todo período do Estado Novo, sendo exonerado em 1942 , em face das novas definições políticas internacionais provocadas pela guerra .Apesar de exercer a Chefia de Polícia do Distrito Federal, que era tecnicamente subordinada ao Ministério da Justiça, os tentáculos do poder policial de Filinto Müller se estendiam por todo território brasileiro, mas ainda, essa subordinação a um ministro, não representava nada, "Vargas também resolveu em 10 de janeiro de 1933, decretar que o serviço policial do Distrito Federal ficasse sob a inspeção suprema do presidente da República"(grifo nosso). Situação que adquiriu uma dimensão maior com o Estado Novo, ganhando um novo status e enfeixando maiores poderes, como definiu Carlos Chagas: era um "superministério", englobando ações da justiça, exército,interferindo na educação e relações exteriores, esta situação privilegiada de Filinto Müller lhe dava o direito de despachar semanalmente com Getúlio Vargas. E, convenhamos, fica difícil crer nas palavras de d. Alzira Vargas, que na defesa de seu pai Getúlio Vargas, afirma que o mesmo não sabia e nada e quando sabia mandava investigar e que quando da deportação de Olga Benário o mesmo só veio, a saber, após o embarque da mesma, o desmentido é simples: quem assinou a ordem de deportação foi Getúlio Vargas.
A polícia durante o Estado Novo teve, portanto, suas atribuições institucionais ampliadas para o combate aos adversários ou pseudo-adversários do regime implantado, com a violência outorgada e permitida. Tudo isso baseado na ideologia da dominação do Estado sobre a sociedade, e neste caso, temos a figura do ditador Getúlio Vargas, utilizando-se de diversas formas de convencimento, de que ele era a representação da nação, solapando os direitos e liberdades individuais com a força de sua autoridade auto imposta, representada pela violência institucional da polícia, um braço armado do Estado contra a sociedade, não só contra adversários, mas contra a sociedade, como forma de acomodá-la aos seus desígnios e vontade. Esta violência também se fez presente, interferindo na cultura, nas criações artísticas, fossem literárias ou cênicas, eruditas ou populares, enfim tentando moldar um padrão cultural ideologicamente afinado com a ditadura.
















CAPÍTULO III

Não seria necessário utilizar nenhum outro argumento para demonstrar que o poder de roubar um homem de suas idéias, sua vontade e sua personalidade é um poder de vida ou morte, e que escravizar um homem é o mesmo que matá-lo.
Proudhon

A abordagem sobre literatura neste capítulo terá duas variantes, a primeira diz respeito aos fatos históricos, como e onde a concepção ideológica do Estado ditatorial procurou influencia ou moldar, a partir da violência institucional, a criatividade literária, como os mecanismos e instrumentos concebidos pelo governo de Getúlio Vargas foram utilizados na violentação cultural no Brasil, isto é, como a violência, até física, foi utilizada contra autores e suas obras, que supostamente ou realmente eram adversários do regime, ou simplesmente críticos, que a concepção do ditador os faz inimiga.
A segunda variante tratará da abordagem literária propriamente dita, as representações proporcionadas pelas obras literárias e suas ligações com a história, a visão histórica contida na literatura, ou seja, o "texto" e o "contexto" é que nos fornecerão condições de entendimento sobre a sociedade e seu tempo histórico, como os escritores procuram inserir as realidades políticas e sociais na concepção literária, de acordo com a visão de Claudete Bassaglia:
Todos os escritores escrevem sobre seu tempo. Todos os romances são históricos, no sentido de que todos eles discutem o comportamento humano, todos são memória, todos eles descrevem o percursos humanos, e todos não passam de pouco mais que o registro dos crimes, loucuras e infortúnios da humanidade.

Assim a literatura nos abre amplas possibilidades de entendermos as realidades sociais e políticas, quando ela (literatura) devidamente inserida no contexto histórico, reflete as atividades humanas, através de seus textos. Não existe atividade humana que não seja objeto da literatura, portanto objetos dos estudos históricos, geralmente calcados no real, e ao interpretarmos estas representações do real, procuramos entender o passado, uma determinada conceituação histórica:

Para a interpretação das representações, precisamos nos movimentar no ir e vir do texto e contexto, é fundamental que se estabeleçam estas diversificadas conexões. Nesse sentido, a literatura e a história, vistas como forma de conhecimento da realidade, podem intergrar-se como narrativas, representações, versões do real, portadoras ambas da experiência de um determinado grupo social e de uma determinada época.


As representações são os discursos do autor, de acordo com seus conhecimentos e experiências, portanto, elas representam seus pensamentos e concepções ideológicas, mas nem sempre visando o convencimento ideológico através da linguagem. Devemos procurar as ligações entre o texto e seu contexto como forma de entendimento e compressão da obra. Nas criações literárias, o imaginário do autor se sobrepõe a realidade ou realça seus aspectos, isso envolve o tempo histórico ou fictício, os personagens, os espaços, tudo se configura e se torna a realidade pessoal do autor, como afirma Juscelino Pernambuco:

Entendo que a literatura, ao criar universos fictícios com base na realidade, muito mais do que um entretenimento é uma arte que pode ajudar o homem na busca de soluções de conflitos e contradições históricas reais .


E é este o "olhar" que lançamos sobre uma obra literária, ao tentarmos dissecá-la, procuramos tanto suas qualidades intrínsecas como passatempo ou diversão, e se necessário seus efeitos deletérios, na busca de seu entendimento, seja histórico ou não, que o autor procura expressar no seu trabalho literário. "A obra, como ?expressão? de um pensamento, de uma confidência, é pessoal; a literatura, como comunicação: requer harmonia da palavra, da imagem, afinidade entre os homens de um lugar e um momento, é coletiva." È, portanto, neste contexto, pessoal (obra), e coletivo (literatura), que procuraremos compreender os aspectos históricos, sejam baseados em fatos reais ou criações abstratas do autor, pois de qualquer forma os atos humanos constituem a história. Graciliano Ramos mostra a distinção entre escrever sobre o que se tem conhecimento, mas não se vivenciou a realidade:

A cadeia não é um brinquedo literário. Obtemos informações lá fora, lemos em excesso, mas os autores que nos guiam não jejuaram, não sufocaram numa tábua suja, meio doidos, raciocinam bem, tudo certo. Que adianta? Impossível conceber o sofrimento alheio se não sofremos.


A crítica de Graciliano Ramos é pertinente, mas é ai que reside a genialidade do escritor ou não, ou seja, a sua capacidade de escrever sobre fatos ou lugares pelos quais nunca vivenciou ou esteve, pois nem todos têm a "oportunidade" de, ao mesmo tempo que passaram por experiências pessoais agradáveis ou cruéis, a capacidade de escrever seja razoável, ou com genialidade, reconhecida por Graciliano Ramos em José Lins do Rego, que era o objeto da crítica quando fez a afirmação citada.
O Estado Novo Através de suas estruturas de poder repressivo, DIP, a Polícia Política e a colaboração do Ministério da Educação e Saúde, procuraram de todas as formas cercearem a liberdade de expressão em nome de uma pretensa Segurança Nacional, mas tudo não passava de, em nome de uma ideologia totalitário-autoritária calar os canais de contestação ao regime.
Ao longo dos tempos os detentores do poder sabem da importância dos livros na conscientização das pessoas, por isso muitas bibliotecas e livros foram queimados. Desde famosa biblioteca de Alexandria quando os papiros foram queimados pelos conquistadores árabes, passando pelos espanhóis que destruíram as peças de couro e barro que guardavam a memória dos astecas, pela queima de livros na Alemanha de Hitler, pelo rei Henrique XVI que quando rompeu com o catolicismo os livros foram transformados em polpa para fabricação de novos volumes, e até recentemente quando os talibãs estavam no poder no Afeganistão explodiram uma biblioteca com mais de 50 mil volumes. Essas violências contra bibliotecas e livros evidentemente tinham a finalidade de eliminar a "fonte do conhecimento" e "saber".
Getúlio Vargas tinha consciência do poder das palavras escritas ou não, e através de seus agentes repressores procurava silenciar estas vozes, que poderiam despertar no povo a consciência da situação vivenciada, como bem demonstra Tucci Carneiro:

Era difícil fazer circular obras que, segundo o critério de julgamento oficial, divulgavam doutrinas exóticas. Muitos editores, como foi o caso de da Editora Pax, de propriedade de Alexandre Waerstein, valiam-se de fachada de certos gêneros literários (tradução de romances russos, por exemplo) para acobertar a divulgação de obras marxistas direcionadas aos interesses da esquerda revolucionária brasileira. A Editora Pax funcionou em São Paulo durante os anos 30 e 40, tendo sido várias vezes atuada por policiais do Deops, que consideravam Alexandre Waerstein "culpado em potencial": primeiro, por ter origem russa e judaica, identidade que lhe conferiam qualidades de "sujeito esperto, inteligente e de muita cultura"(...). A polícia confiscou-lhe cerca de 14 mil exemplares de livros que posteriormente, foram queimados à Moda nazista.


Neste relato observamos três fatos significativos: o primeiro diz respeito em transformar a difusão cultura através de livros em caso de polícia, no caso de censurar e apreender obras contrárias ao regime , que é totalmente coerente com a política estado-novista, de usar a polícia como instrumento de medo contra a sociedade; o segundo caso refere-se à origem étnica do "suspeito", no caso do editor, russo-judeu. Russo, que para as autoridades forçosamente seria comunista, portanto inimigo declarado do governo. Judeu, neste caso, insere-se na política anti-semita praticada por diversos órgãos do governo, principalmente o Ministério das Relações Exteriores, que através de circulares secretas e decretos restringia a entrada de judeus no Brasil, e a política de nacionalização coerciva imposta às comunidades étnicas de imigrantes estrangeiros, consideradas "quistos raciais". A terceira nos remete à barbárie da queima de livros, que se tornou comum antes e depois do Estado Novo. Foram queimados ou retirados de circulação obras de Jorge Amado, John Reed, Michael Gold, Máximo Gorki, André Malraux, Caio Prado Júnior, José Lins do Rego, entre outros.
A polícia vivia à procura de publicações que divulgassem o "credo" comunista ou tratassem de forma negativa o Brasil e os brasileiros, a Igreja católica ou até criticassem os "ricos". Mas os mecanismos do Estado para controle e eliminação de circulação de idéias transformadas em publicações, não eram cem por cento eficientes, por isso eram burlados como nos relata Tucci Carneiro:

Verdadeiros atos de rebeldia por parte "dos homens do livro" encontram-se registrados nos documentos policiais, o que nos leva a concluir que intelectuais, livreiros, editores, jornalistas e tipógrafos não foram agentes passivos diante do autoritarismo que marcou várias etapas da história do Brasil contemporâneo (...). Nos anos 40, Por exemplo, um dos expedientes empregados para camuflar a distribuição de folhetos "subversivos" era bastante curioso. O encarregado da distribuição disfarçava-se de vendedor de modinhas populares e saia a comercializá-los pelos bairros onde o controle policial era mais intenso.


A rebeldia e a criatividade fazem parte do ser humano para enfrentar as crises, e era isso que se passava com os autores e outros envolvidos nas criações literárias. A rebeldia com seu inconformismo contra imposições consideradas injustas se transformam em atos e atitudes contra essas imposições, e a criatividade ativa mecanismos em busca de alternativas e soluções para o problema. Além disso, não existiu ou existe sistema de cerceamento, nem nas prisões, que consiga bloquear completamente as comunicações entre pessoas.
Ressalte-se que muitos escritores encontraram abrigo na Livraria José Olympio Editora, tanto para a publicação de suas obras, quanto para encontros de intelectuais esquerdistas ou não, todos conhecidos pela polícia. Este abrigo devia-se ao bom relacionamento que José Olympio tinha com Lourival Fortes e ser declaradamente simpático a Getúlio Vargas.
Mas em janeiro de 1945, no congresso da Associação Brasileira de Escritores, a ditadura comandada por Getúlio Vargas foi condenada por diversos escritores, estes pronunciamentos foram censurados pelo DIP, e os a favor do ditador liberados, que inclusive já era membro da Academia Brasileira de Letras. A convivência de intelectuais e escritores com a ditadura, foi difícil, com prisões, maus tratos e obras apreendidas ou queimadas, mas outros que foram simplesmente cooptados ou tinham afinidade ideológica com o regime, encontraram melhores condições para criação e publicação de suas obras.
A partir da literatura procuraremos entender a visão dos autores sobre determinados fatos ou contextos históricos, principalmente suas visões sobre liberdade e autoridade, para isso dois autores que vivenciaram e escreveram sobre épocas iguais e também distintas: Jorge Amado (1912-2001) e Graciliano Ramos(1892-1953), ambos presos pela ditadura de Getúlio Vargas. Mas por períodos e tratamentos distintos, e condicionantes ideológicos, no caso de Jorge Amado definido e Graciliano Ramos, pelos seus escritos, indefinido ( apesar ter se filiado ao PCB, em 1945).

3.1 Tenda dos Milagres

Este livro escrito no auge da ditadura militar implantada no Brasil após o golpe de 1964 representa não apenas um passeio histórico pelo sincretismo baiano e sua miscigenação, mas, sobretudo representa a luta pela liberdade e contra os preconceitos, tanto racial quanto ideológicos. O próprio Jorge Amado se definia como desprovido de preconceitos e respeitador das diferenças, e que seus personagens não são bons ou maus o tempo todo ?. E concorda com Aldous Huxley , que não modificaria o que já foi escrito com o passar do tempo.
Comecemos por um contexto histórico diferente em que viveu o personagem principal do livro, Pedro Archanjo, representante da liberdade, da simplicidade e sem preconceitos. Quando outros personagens se reúnem para prestar-lhe homenagens, estes vivendo em outro período ditatorial (implantado após o golpe militar de 1964) , mas não menos violento em que viveu Pedro Archanjo, em determinado período de sua vida:

(...) O conclave que êle nos propõe reunir, no entanto, sendo sem dúvida de interesse científico, não me parece o mais indicado na conjuntura atual.
O professor Azevêdo sentiu um frio na espinha: todas as vezes que houvira pronunciar aquelas palavras fatais conjuntura atual, alguma coisa ruim acontecera. Os últimos anos não tinham sido amenos nem fáceis para o professor Azevêdo e para seus colegas de Universidade. (...).
--Quer dizer que proibiram o seminário??reincidiu a secretária do Folclore, sem medir palavras, no vício da fala popular, direta e simples.
Doutor Zezinho, mais refeito, levantou os braços:
--Ninguém proibiu nada, dona Edelweis, pelo amor de Deus. Estamos numa democracia, ninguém proíbe nada no Brasil.(p.143)



A censura e proibições estão latentes neste trecho, como também as implicações resultantes da desobediência, e os personagens mostram variados graus de conhecimento de se desafiar as autoridades, em que uma simples homenagem pode se transformar em ato político de contestação à conjuntura atual, ou seja, muda-se o programa de homenagens para não confrontar o regime que detem o poder, sem admitir a proibição e ainda se admite (o doutor Zezinho), a existência de democracia no país.
Jorge Amado volta no tempo para mostrar as origens da chamada Escola Baiana de medicina, em que os critérios raciais definiam a criminalidade do indivíduo ou sua propensão ao crime, tudo baseado em estudos pseudocientíficos lombrosiano, que viria a influenciar os eugenistas dos anos seguintes, inclusive da era Vargas:

Nos começos do século, a Faculdade de Medicina encontrava-se propícia a receber e a chocar as teorias racistas pois deixara paulatinamente de ser o poderoso centro de estudos médicos fundada por Don João VI, fonte original do saber científico no Brasil, a primeira casa dos doutôres da matéria e da vida, para transformar-se em ninho de subliteratura, da mais completa e acabada, da mais retórica, balofa e acadêmica, a mais retrógrada. Na grande Escola desfraldaram-se então as bandeiras do preconceito e do ódio.
Triste época dos médicos- literatos, mais interessados nas regras da gramática do que nas leis da ciência, mais fortes na colocação dos pronomes do que no trato dos bisturis e dos micróbios.(p.169-170)


Temos agora uma crítica direta e aberta aos pensamentos de médicos racistas, que foram estabelecidos inicialmente na Escola Baiana de medicina, que partir de uma "depuração" da raça se poderia controlar a criminalidade e através de uma política de segregação racial se chegar a "higiene social", ou seja, uma política eugênica nos moldes nazistas, que não ficaram apenas na teoria. Estas concepções também fizeram parte do arsenal de alguns ideólogos do Estado Novo. E em menor escala é feita uma crítica aos médicos que se dedicavam não a medicina e sim à literatura.
Noutro corte do tempo o personagem Pedro Archanjo está vivendo em pleno Estado Novo, e com seu caráter libertário encontra meios de burlar a censura e sabotar artigos escritos pelos defensores do nazismo, permitidos pelo regime:

Os fascistas matando negros na Abissínia (...). Sucediam-se os massacres de judeus, houve uma proclamação oficial do arianismo, a guerra mundial aproxima-se no rufo dos tambores. No Brasil, aquela coisa, o Estado Novo, as bocas cerradas, as prisões cheias. Não tardou e o velho foi não só foi despedido, teve seu nome na lista negra dos jornais.
Tudo leva a crer que o velho empastelou de propósito artigo de endeusamento a Hitler, assinado por grande do governo, o Coronel Carvalho e distribuído às gazetas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda com expressa advertência do maior destaque na publicação. Os gatos e pastéis sucederam-se por todo corpo do artigo. (p.350-351).


Neste trecho temos a consolidação do nazi-fascismo na Europa, a atuação dos italianos na África e a política de extermínio de judeus na Alemanha, e no Brasil a ditadura do Estado Novo com a censura e seus métodos violentos de calar a oposição. Mas o personagem Pedro Archanjo, com seu caráter libertário, encontra meios de burlar a censura e sabotar a divulgação de loas contra a liberdade e a exaltação ao nazi-fascismo permitido pela afinidade ideológica das autoridades do Estado Novo. Manifestação de liberdade contra o autoritarismo.
Um novo contexto histórico se apresenta representado pela Segunda Guerra e suas implicações para o país, com a mudança de posição face ao cenário de definições políticas em favor dos aliados tomadas pelo ditador. Manifestações são permitidas, desde que não afrontem o regime:

As fôrças antifascistas haviam reunido milhares de manifestantes (...). Estudantes, intelectuais, operários, homens públicos, gente do povo de todas as categorias sociais. À luz de archotes acesos com o proibido petróleo brasileiro ? cuja existência era oficialmente negada; muitos foram vítimas de processo e cumpriram pena de prisão porque a afirmaram (...).
Abrindo o cortejo, aos ombros dos membros da diretoria da Frente Médica, o retrato de Franklin Delano Roosevelt. O velho reconheceu, a segurar os varais daquela espécie de andor, o professor Fraga Neto (...). Fôra dos primeiros a romper com as proibições policiais e a reclamar em praça pública o envio de tropas brasileiras para os campos de batalha.
Seguiam-se os retratos de Churchill, de Stalin, entre delirantes aclamações, de De Gaulle, de Vargas. (p.356)


A configuração agora é outra, o retrato de Stalin (representante maior do comunismo, inimigo número um do regime) já pode caminhar ao lado do retrato de Getúlio Vargas, os médicos já não professam a fé eugenista defendida pelos nazistas. A citação do uso do petróleo é simbólica , pois envolve censura e prisões, práticas normais adotadas pelo Estado Novo. Pedro Archanjo acompanha essas manifestações a favor da guerra contra os países do eixo (Alemanha, Itália e Japão), ainda que não contra o regime diretamente, mas contra o totalitarismo nazi-fascista, e indiretamente, contra as liberdades negadas pela ditadura vigente.
Pedro Archanjo, nos seus últimos momentos de vida relembra seu embate contra as idéias racistas de outro personagem, representante da "escola baiana" de depuração racial, e vê se materializarem as teorias, através da chegada de Hitler ao poder na Alemanha:

Um gênio, um líder, um enviado de Deus tomaria em suas mãos a espantosa idéia, invicto senhor da guerra a cumprir missão suprema: limpar o mundo de judeus, árabes e amarelos, varrer do Brasil "essa escória africana que nos enlameia".
Tudo quanto o professor reclamara e previra fizera-se realidade. Tudo quanto o velho pregara e defendera estava em perigo. Teses e idéias em confronto, novamente. Não mais um debate intelectual, agora de armas na mão. (...). Corria sangue, as legiões de soldados empunhavam a morte.
Se Hitler vencesse, Hitler ou outro qualquer fanático racista, poderia terminar com todos eles, na morte e na escravidão?
(...) Poderia alguém, por mais poderoso senhor de exércitos, terminar com Rosa e sua neta, com a perfeição?
As sombras envolvem o velho, passo trôpego, duro enigma, quem lhe daria a chave da advinha?(p.359-361)
As idéias de liberdade, de perfeição e beleza, conseguida através da miscigenação e não da seleção étnica imposta violentamente, estavam em cheque, não em debates teóricos e sim na realidade das armas, da violência, da morte, impostas aos considerados seres "inferiores" pelos nazistas. Mas a história iria mostrar onde estava a razão, sem acabar, contudo, com as idéias racistas e os defensores da escravidão.

3.2 Memórias do Cárcere

Neste livro escrito, não terminado em virtude da morte do escritor, muitos anos após os fatos vivenciados por Graciliano Ramos, é traçada uma trajetória diferente daquela de Tenda dos Milagres, de Jorge Amado. Não é mais a ficção inserida na realidade e sim a realidade mostrada tal e qual ela foi vivenciada pelo autor. Enquanto Jorge Amado faz uma trajetória no tempo com seu personagem Pedro Archanjo, com bons e maus momentos em nome da liberdade política, religiosa e racial, Graciliano Ramos faz uma viagem da degradação física e moral, justamente com a supressão das liberdades, e ele é o personagem principal, apesar de procurar "esconder-se", como ressalta Nelson Werneck Sodré:

Tudo humano, profundamente humano, talvez demasiado humano, sem um sinal do narrador, escondido, posto em plano secundário. Servindo para que o elemento essencial apareça, apenas, e nada além disso: uma janela para o passado, de vigia para o caís, de grade para o um corredor?uma espécie de binóculo focalizando seres e coisas, a que chegamos a nossa visão e que nos ajuda, com seu poder de aumento.

Talvez Graciliano Ramos reescrevesse suas memórias, se tivesse tido tempo, corrigisse posturas dele e de outros personagens, modificasse conceitos, passasse a ser um personagem mais ativo, já que ele ao contrário de Jorge Amado e Aldous Huxley que não achavam correto revisar o que escreveram, nunca estava satisfeito com o que já tinha escrito, sempre precisando de correções e modificações, mas do jeito que está escrito, Memórias do Cárcere, na primeira pessoa e sem modificações ou mudanças de conceitos, se torna um documento histórico único, para entendermos não só seu pensamento, mas a conjuntura histórica vivenciada por ele, sem retoques ou correções.
Depois de ser demitido, receber a notícia de que seria preso e travar uma discussão doméstica provocada por ciúmes de sua mulher, nosso personagem pensa na prisão de forma uma tanto quanto lírica:

Naquele momento a idéia da prisão dava-me quase prazer: vi ali um princípio de liberdade (...). A cadeia era o único lugar que me proporcionaria o mínimo de tranqüilidade necessária para corrigir o livro. O meu protagonista se enleara nessa obsessão: escrever um romance além das grades úmidas e pretas. Convenci-me de que isto seria fácil: enquanto os homens de roupa zebrada compusessem botões de punho e caixinhas de tartaruga, eu ficaria largas horas em silêncio a consultar dicionário, riscando linhas, metendo entrelinhas nos papéis datilografados por d. Jeni. Deixariam ficar até concluir a tarefa? (p. 45-46. v.1)


O desconhecimento da realidade, representada pela falta de liberdade, e principalmente das condições carcerárias, e ainda mais, da política de aviltamento dos presos que era uma prática da polícia de getulista, e uma mente voltada para criações literárias, só poderia ser levada para estes pensamentos fantasiosos. Mas o desconhecimento da realidade é enganador, ele sabe o que acontece em sua volta, talvez não conheça os detalhes torpes das prisões, as torturas, os maus tratos, mas conhece a situação real em que se vive no país, apesar de um Governo Constitucional:

Um professor era chamado à delegacia: -- "Esse negócio de africanismo é conversa. O senhor quer inimizar os pretos com as autoridades constituídas". O Congresso apavora-se, largava bambo as leis de arrocho - e vivíamos de fato uma ditadura sem freio. Esmorecida a resistência, mortos ou torturados operários e pequeno-burgueses comprometidos, escritores e jornalistas a disdizer-se, a gaguejar, todas as poltronices a inclinar-se para a direita, quase nada poderíamos fazer perdidos na multidão de carneiros. (p.51. v.1).
A impotência face à situação imposta pelos donos do poder. O medo imposto a todos, talvez ele não saiba, mas percebe. O medo é uma política de governo, visando controlar a sociedade, transformar todos, realmente, em carneiros.
A trajetória de misérias e humilhações está apenas começando, as condições degradantes no porão do Manaus, são apenas "aperitivos" do que está por vir, mas a veia poética do literato ainda se faz presente:

O mar tinha-se tornado vermelho, um vermelho carregado tirante a negro. Longe surgia a coloração natural, perturbada por manchas escuras, indecisas; perto uma dessas nódoas se alargava e definia, viajávamos nela curiosa esteira de algas cor de ferrugem. (...).
(...) Ia-me habituando àquela existência de bicho em furna; as desgraças, repetindo-se, deixam de impressionar-nos, mudam-se fatos normais. (...).
(...) Ganhávamos calos na alma, atenuavam-se as misérias por falta de comparação. ( p. 175-6. v.1).


Este pequeno interlúdio poético não muda as condições de vida. De qualquer forma existe a percepção de que a condição vivida não tem comparação, não existem parâmetros que possam avaliá-la, mas sabe que já faz parte de um aprendizado, que servirá como experiência para um futuro imprevisível.
A realidade e o conhecimento dela, não permitem mais devaneios líricos a respeito das cadeias e prisões, a experiência já se faz presente, Graciliano Ramos já sabe mensurar as conseqüências de um simples chamado à presença das autoridades:

Rodolfo Ghioldi foi chamado à polícia. Essas ordens periódicas me causavam sobressalto e estranheza. À polícia estávamos entregue, exibia-se a presença dela em tudo: na zebra dos faxinas, no uniforme dos guardas, nas manobras do capitão narilongo. (...). Mas o grito medonho nos abalava.
--Polícia.
Olhávamos pesarosos à vítima, imaginávamos compridos interrogatórios, indícios, provas, testemunhas, acareações, um pobre vivente a defender-se às cegas, buscando evitar ciladas imprevisíveis. Depoimentos longos partidos, recomeçados, pedaços de confissão arrancados sob tortura (...) (p. 259. v. 1)


A política do medo continua dentro das prisões. É um fator determinante saber que apesar de estar totalmente sob o controle degradante do Estado (dentro das prisões), a entidade polícia é onipresente, em tudo manda, tudo controla, e é este o propósito, manter o medo través das incertezas quanto ao destino dos presos.
As prisões têm suas formas de representar a violência e degradar os seres humanos, como também os que nela "vivem" têm suas reações diferentes, dependendo de quem está sendo submetido às violências:

Uma noite ouviram gritos desesperados. Que eram? Donde vinham? Não tínhamos o menor indício.
Esse comércio é tolerado, (...).
Os gritos daquela noite eram de um garoto sendo violado. Essa declaração me estarreceu. Como podia suceder tal coisa sem que atendessem aos terríveis pedidos de socorro? Muitos guardas eram cúmplices, ouvi dizer, e alguns vendiam pequenos delinqüentes a velhos corrompidos ? vinte, trinta, cinqüenta mil réis, conforme a peça. (...) (p. 308-9, v. 1)

Uma noite chegaram-nos gritos medonhos do Pavilhão dos Primários, informações confusas de vozes numerosas.
Aplicando o ouvido, percebemos que Olga Prestes e Elisa Berger iam ser entregues à Gestapo: àquela hora tentavam arrancá-las da sala 4. As mulheres resistiam, e perto os homens se desmandavam em terrível barulho, Tinham recebido aviso, e daí furioso protesto, embora a polícia jurasse que haveria apenas mudança de prisão.
-- Mudança de prisão para a Alemanha, bandidos (p.274, v. II).

As reações atendem à máxima popular "dois pesos duas medidas". Enquanto as reações no primeiro caso mostram acomodação e até conivência com uma violência inominável, tanto por parte dos presos, quanto por parte das autoridades carcerárias, o que agrava o fato, no segundo caso a solidariedade é exposta totalmente através de protestos, sem medo de represálias, muito comum nestes casos. Nada que justifique a violência, mas nada que justifique também as reações diferentes. De qualquer maneira fica-se a pergunta: se a solidariedade e protestos só se configuram se houver afinidades ideológicas?
As mudanças, só de prisões, umas piores outras nem tanto, e Graciliano Ramos vê tudo com um olhar de um espectador que quer permanecer invisível, não quer ser platéia e nem se arvora de personagem principal, o que de fato o é:

Havia saltos nas minhas idéias, lacunas, discrepâncias. Farrapos de idéias. Afinal estávamos em guerra. Num banco estreito, em carro de segunda classe, inteirei-me disso lendo um jornal, entre dois fuzis. O Congresso Nacional prorrogara o estado de guerra. O disparate me indignara, arrancara-me pragas interiores. Agora sentado na cama, olhando o monte vizinho, aplicava-me em reconsiderar. Havia na verdade um conflito a generalizar-se, briga invisível, e, em conseqüência era natural que, por qualquer suspeita, nos tirassem do mundo. ( p. 309, v. II).

Enquanto o personagem de Jorge Amado, Pedro Archanjo, chega ao fim da vida, após uma manifestação a favor da guerra contra os países do Eixo, que de certa forma têm uma afinidade ideológica com o Estado Novo, Graciliano Ramos procura entender o "estado de guerra", quando não existe guerra, pelo menos externa, mas ela existe internamente que é o Estado contra a sociedade, se guerra significa conflagração armada e resulta em um vencedor sobre seu oponente, então era essa a situação e iria se ampliar, quando o Estado controlado por Getúlio Vargas empregasse suas "armas secretas" para a completa dominação do país, com a decretação do Estado Novo.
Jorge Amado desfila seu personagem, Pedro Archanjo,escritor, ao lado de mulheres, doutores, religiosos, anarquistas, personagens reais e fictícios, em sua atribulada vida, mas livre, já que para ele o importante era a liberdade , até a morte.Graciliano Ramos, desfila ao longo do livro, convivendo com personagens semelhantes aos de Jorge Amado, com uma diferença fundamental, eles estavam inseridos na realidade histórica em que o livro foi escrito, muitos poderiam contestar ou não suas versões para fatos ou acontecimentos. É nisto que reside sua importância para a compreensão histórica do período vivenciado. Portanto temos a literatura, ficcional ou não como importante documento escrito para servir de base para as interpretações da história. Tenda dos Milagres tem começo meio e fim e é muito importante, para a compreensão do período histórico vivido pelo seu personagem, ainda que limitado à Bahia. Memórias do Cárcere é uma obra não terminada em virtude do falecimento de Graciliano Ramos, mas pelo seu conteúdo e importância, não podemos afirmar que seja incompleta, pois mesmo não terminada ela demonstra sua importância como documento histórico.















Considerações Finais




É bastante lamentável que as contingências e os interesses políticos tenham contaminado o debate sobre a era Vargas, e em especial sobre o Estado Novo, e com isso calado as denúncias contra Getúlio Vargas e as violências praticadas em nome do Estado contra as liberdades civis e políticas. Não houve a publicação de um livro "Tortura nunca mais". Por isso Getúlio Vargas podia se considerar um vencedor, sair de cena calmamente e pronto para voltar novamente ao poder.
O trabalho de convencimento e doutrinação empreendido pelos operadores de Getúlio Vargas foi notável em ofuscar o período negro no qual ele governou, e mais notável ainda no trabalho de ressaltar suas realizações no campo social-trabalhista, apesar das críticas atuais, e esconder através da censura o terror policial por ele implantado, que se traduziam em prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Aldous Huxley, ao prefaciar seu livro Admirável Mundo Novo em 1946, escreveu:

Grande é a verdade, mas ainda maior do ponto de vista prático, é o silêncio em torno da verdade. Pela simples abstenção de mencionar certos assuntos, pela interposição do que o Sr. Churchill denomina de "cortina de ferro" entre as massas e os fatos ou argumentos que os chefes políticos locais consideram indesejáveis, os propagandistas totalitários têm influenciado a opinião com muito mais eficácia do que poderiam tê-lo feito pelas mais eloqüentes invectivas, pelas mais convincentes refutações lógicas.

E esta é uma verdade cristalina, Getúlio Vargas conseguiu esta proeza de calar as verdades sobre o seu governo, enquanto governava, e projetar sobras que obscureceram as verdades por muito tempo, e ainda obscurecem, por que muitos que o enaltecem, não são capazes de ao mesmo tempo em que elogiam esclarecer aos que lhes dão ouvido que também existia a censura, a violência e assassinatos, tudo sob o comando do elogiado. E, nada mais salutar para a democracia que os parlamentares que sobem às tribunas da Câmara e do Senado, em datas getulistas, para entoar suas loas, por convicção ou por oportunismo político, esclarecessem que estão ali por que existe democracia, e se fosse pela vontade de Getúlio Vargas o Parlamento não existiria, e muito menos uma Constituição democrática. Por que o desprezo de Getúlio Vargas pelo Parlamento sempre foi evidente, inclusive quando ocupou a cadeira de senador, pouco freqüentou o Congresso e foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946 . E, isto nos lembra que muitos dos que estão hoje no poder, também se negaram a assinar a Constituição de 1988, e dentre estes, os de elogio fácil a Getúlio Vargas.
Getúlio Vargas, depois de ser apeado do poder pelos militares, os mesmos que o ajudaram no assalto ao Estado, no bojo de uma conjuntura interna que reinvidicava a democratização, em 1945, saiu do Palácio do Catete direto para confortáveis férias na sua estância no Rio Grande do Sul. Depois de ser eleito senador, transmutado em democrata, voltaria a Presidência da República em eleições diretas, assumindo em 1951, mas ele ao saber que estavam tramando contra sua posse, afirmou: "Que pena. Se me negassem a posse, eu chegaria ao Catete no bojo de uma outra revolução e aí poderia realizar o governo que o povo espera de mim(...). Para alguém que de acordo com suas outras afirmações não tinha pendores democráticos, a frase faz todo sentido, e fica de acordo com outra sua afirmação: "Eu voltarei, mas não como líder de partidos e sim como líder das massas".
Este trabalho ao tratar de autoridade e suas imposições violentas contra as liberdades, consubstanciadas pelo aparelho repressor policial, ficaria mutilado, para não dizer incompleto, sem o livro da professora Elizabeth Cancelli, O mundo da Violência: a Polícia da era Vargas, onde ela traça todos os contornos e adentra no organismo repressor do regime estabelecido por Getúlio Vargas, ao longo dos seus quinze anos de poder, e reconhece que a implantação do Estado Novo em 1937, foi uma continuação e afirmação dos esforços pós-30 de controle total da sociedade pelo Estado:

O golpe de 30, entretanto, vislumbrava o poder e tinha como projeto um centro de poder que passou a afirmar cada vez mais seu monopólio e uma ideologia que pretendia ser exclusiva na mobilização total da população, e cuja integração de indivíduos e classes levaria à construção de um Estado Novo, de um Homem Novo e de novos desígnios para a humanidade. (...).O Golpe de 37 representava a confirmação definitiva do que se instalava desde os primeiros dias de outubro de 1930.(...) .


Este foi o eixo em se formularia toda a ideologia política de Getúlio Vargas e encontraria subsídios para suas formulações teóricas de afirmação de poder autoritário, principalmente em Francisco Campos. Mas as formulações teóricas precisam ser viabilizadas na prática: "Sob essa construção ideológica, a violência mesmo aparecia como essência de certo tipo de exercício de poder." Eis o ponto importante onde Cancelli ao adentrar no organismo do governo Vargas, onde a maioria escamoteia ou adjetiva: a violência, mas onde encontrar os vetores da violência em nome do Estado?

Por isso, o projeto político do Estado previu a existência de um aparato policial capaz de exercer o controle social, disciplinar o dia-a-dia dos trabalhadores e da sociedade como um todo e ainda, negar a individualidade a partir do estabelecimento de parâmetros comuns de comportamento e sentimento.

É a partir desta constatação que toda estrutura de poder policial passa a ser montada em sua dinâmica: apoio institucional ou não, verba secreta, incentivos à delação, propagação do medo pelo medo, controle dos presos em penitenciárias, associações com organismos policiais e de inteligência de outros países, inclusive com a Gestapo da Alemanha nazista, e Cancelli faz outra constatação: "A falta de princípios da polícia brasileira se constituiu no segredo da sua eficácia." O princípio maquiavélico de que os fins justificam os meios, estão presentes para atender o projeto de poder de Getúlio Vargas. Cancelli desnuda todas as argumentações dos defensores de Getúlio Vargas quanto à sua participação no controle efetivo da estrutura de poder ditatorial e da polícia, no seu papel de impor o arbítrio sobre a liberdade:

Em todas estas ocorrências, Vargas fez valer sua vontade pessoal e demonstrou ao mais alto escalão de seu governo que as decisões estavam a mercê de um jogo dependente de sua vontade pessoal e do papel de líder que ele exercia entre os políticos e para as massas.
(...) Na realidade, as insinuações e que Vargas controlava a polícia de uma forma autônoma e paralela à lei eram completamente dispensáveis, porque não passavam da mais pura realidade. Como braço executivo do regime, a policia aparece claramente em toda estratégia de ação e de domínio. (...)

Está demonstrado, portanto, que a partir da tomada do poder em 1930 e com o Estado Novo em 1937, Getúlio Vargas transformou o aparelho policial em braço armado do Estado e em seu instrumento de poder, e para tanto Institucionalizou a Violência Policial, colocando todo este poder em nome de, e para sua autoridade, para suprimir as liberdades individuais, fossem elas civis ou políticas, e deixando um atavismo de violência e o sentido de impunidade histórica, nas diversas policias brasileiras.
Os casos de violência policial institucional estão espalhados por diversos países onde ela foi ou é a base de sustentação do poder. Todo o arsenal de violências empregado por quem está no poder, é sem dúvida a principal característica do Estado Totalitário-Autoritário. Acontece que como o poder arbitrário se estende por toda a cadeia de comando, se refletindo na pirâmide de poder, pode fugir ao controle e se tornar um monstro com cabeça, mas sem controle. Começa com a desculpa do cumprimento do dever, obedecer a hierarquia, até se transformar em causa própria, onde as ações policiais passam a atos criminosos comuns e não só em nome do Estado, se já é terrível se admitir a violência policial institucional, como pode a sociedade conviver com as arbitrariedades policiais que atingem todos os cidadãos?Negando-lhes o direito de liberdade e segurança? Mas a sociedade, como pode desfrenestar do poder os ditadores, pode e deve encontrar meios de convívio entre a autoridade e a liberdade, sobrepor a liberdade ao arbítrio, combater a violência, seja ela de qual matriz for e preservar a memória, nas suas mais diversas formas, para que novos getúlios não surjam no horizonte, fiquem só na memória.
















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