No Brasil há muita dificuldade de se enfrentar a violência contra a mulher, embora a violência doméstica atinja uma a cada três mulheres no país. O problema inicial era a ausência de legislação, o que foi superado com a Lei Maria da Penha. Mas, atualmente, temos outra dificuldade, que é a ausência de estrutura nas instituições e no sistema de justiça. Ademais, há ainda uma falsa noção de que só acontece com pessoas desprovidas de condições econômicas e de estudo. (FERNANDES, 2016).

 A Lei Maria da Pena (Lei no 11.340/06) trouxe uma série de benefícios no que concerne à situação da mulher vítima de delitos relacionados à violência doméstica. Todavia, parece persistir a vitimização secundária das mulheres, não apenas em uma aparente insuficiência da aplicação legislativa, mas também na medida em que os discursos dos atores do sistema de justiça reforçam os estereótipos e papéis sociais usualmente atribuídos à mulher. (DUARTE, 2016)

A se esclarecer, a vitimização primária, segundo Sandro Carvalho Lobato de Carvalho e Joaquim Henrique de Carvalho Lobato, pode ser entendida como aquela que acontece na prática do crime, através da conduta delituosa do agente que viola os direitos da vítima. Em suma são consequências imediatas do ato, e podem variar de acordo com o crime. Carvalho (2016).

Também chamada de sobrevitimização, ou ainda revitimização, a vitimização secundária pode ser entendida como aquela causada pelas instâncias formais que detêm o controle sobre o âmbito social (delegacias, Ministério Público etc.) abrangendo os custos pessoais derivados da intervenção do sistema legal que incrementam as angústias da vítima. É, portanto, o desrespeito às garantias e aos direitos fundamentais das vítimas de crime no curso do processo penal. (MOROTTI, 2014)

Infelizmente, ao procurar amparo da polícia, muitas vezes a vítima não é tratada como deveria, isto é, como um sujeito de direito, mas sim como mero objeto de investigação. Por si só, o fato de a vítima ter que recordar os momentos do crime ao expô-lo para as autoridades judiciais, já é bastante humilhante. Mas muitas vezes a falta de sensibilidade ou de preparo para lidar com a situação, e até mesmo a realização do exame médico-forense, vem a maximizar a sensação de constrangimento e humilhação a que a vítima é submetida caracterizando assim a vitimização secundária. Em outras palavras, ao ser forçada a explicar o trâmite da infração, a vítima será questionada sobre os meios que poderia ter tomado para evitar que a mesma acontecesse. Disto, tira-se que ela pode se sentir vitimada mais uma vez, independente da ofensa inicial ter acontecido ao longo de um grande período de tempo. (MOROTTI, 2014)

Segundo Ana Sofia Schimidt de Oliveira (1999, p.109, apud MOROTTI, 2014), “vale analisar alguns possíveis motivos pelos quais a vitimização secundária é mais preocupante que a primária. O primeiro deles diz respeito ao desvio de finalidade: afinal, as instâncias formais de controle social destinam-se a evitar a vitimização. Assim, a vitimização secundária pode trazer uma sensação de desamparo e frustração maior que a vitimização primária (do delinquente, a vítima não esperava ajuda ou empatia).” Para evitar a revitimização, é importante que as pessoas que sofreram com as ações de um criminoso saibam que existem pessoas com intenção de apoiá-las, e não o contrário. Tal apoio pode vir de um simples diálogo capaz de deixar claro a compreensão e a disposição do ouvinte em querer ajudar, apregoando sempre a paciência e eliminando julgamentos.

Especificamente, no caso da violência contra a mulher, a violência secundária ou revitimização é ainda mais frequente, devido aos padrões sexistas naturalizados na nossa sociedade e presentes em todas as instituições. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher DEAMs compõem a estrutura da Polícia Civil. Suas ações devem estar voltadas para prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal. A seleção e a capacitação periódica de seus operadores representam diretrizes que muito podem contribuir para que não seja vivenciada pela mulher uma segunda vitimização pelos aparelhos do Estado.

A análise da conduta da vítima, sua história, suas vestimentas, comportamentos anteriores são exemplos comuns de vitimização secundária e terciária (quando advém da sociedade e pessoas próximas), deliberadamente ligados à falta de respeito à imagem da vítima. E isso em toda a rede de atendimento e sistema de justiça. (FERNANDES, 2016)

Tudo isso acarreta à vítima uma intensa agonia psíquica, que só pode ser neutralizada com a capacitação adequada dos agentes que atuam nas diversas fases de apuração dos fatos. (BIANCHINI, 2016)

Desta forma, a vitimização secundária pode ser considerada a pior, pois traz à vítima um sofrimento adicional. É importante ressaltar que tanto a vitimização secundária quanto a terciária acontecem frequentemente causando o distanciamento da vítima para com a justiça, visto que ela deixa de acreditar que seu dano será reparado e também porque muitas vezes são desacreditadas a ingressarem no meio jurídico para pleitear seus direitos.

Referencias bibliográficas

BIANCHINI, Alice. Falta de delegacias especializadas: outra forma de violência contra a mulher. Disponível em http://www.lfg.com.br - 22 de março de 2011.

CARVALHO, Sandro Carvalho Lobato de; LOBATO, Joaquim Henrique de Carvalho. Vitimização e processo penal. Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em: Acesso em: 15 de abril 2014.

DUARTE, Gabrielli. Vitimização secundária da mulher na fundamentação das decisões judiciais: Análise da ADC nº 19 e da ADI nº 4.42 acerca da lei Maria da penha. 2016. Análise de inteiro teor de dois acórdãos - FDRP/USP. Disponível em: . Acesso em: 04 de julho de 2017.

FERNANDES, Valéria Scarance. O agressor de uma mulher é um homem comum que incorporou padrões violentos. 2016. Informação verbal, transcrito por Jaqueline Sordi. Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2017.

MOROTTI, Carlos. Vitimização primária, secundária e terciária. 2014. Publicado por Carlos Morotti. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2017.