VIOLAÇÕES SOFRIDAS POR POVOS INDÍGENAS, COMUNIDADES QUILOMBOLAS E POPULAÇÕES CAMPONESAS ENTRE O PERÍODO DE 1946 E 1988

Ícaro Carvalho Gonçalves

Artigo sintetizando casos reconhecidos pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade referentes às violações sofridas por povos indígenas, comunidades quilombolas e populações camponesas entre o período de 1946 e 1988.

A Lei nº12.528 sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 18 de novembro de 2011, instaura a CNV, Comissão Nacional da Verdade que, de acordo com o seu Artigo primeiro, possui a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no anteriormente referido período, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica, e promover a reconciliação nacional. Seus objetivos encontram-se elencados no Art. 3º:

Art. 3o  São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: 

I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1o

II - promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; 

III - identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; 

IV - encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995; 

V - colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos; 

VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional;

VII - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações. 

Dentre os casos estudados e investigados pela Comissão Nacional da Verdade, alguns ocorridos em território maranhense se destacam pela sua relevância e repercussão em todo o território nacional, tamanha a quantidade de vítimas que tiveram seus direitos humanos violados. Inicialmente, embasando-se no Volume 3 (três) do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, serão expostas as vítimas maranhenses de perseguição e tortura e, em seguida, serão explanados casos de perseguição a camponeses, indígenas e quilombolas.

CASOS DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS MARANHENSES

Primeiramente, cabe ressaltar que o Volume 3 (três) do Relatório Final apresenta-se incompleto. Não se encontram identificadas todas as vítimas do lapso temporal de 1946 e 1988. As faltantes serão apontadas na descrição dos casos de grande repercussão.

ANTÔNIO RAYMUNDO DE LUCENA

Filiação: Ângela Fernandes Lima Lucena e José Lucena Sobrinho

Data e local de nascimento: 11/9/1921, Colina (MA)

Atuação profissional: operário

Organização política: Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)

Data e local de desaparecimento: 20/2/1970, Atibaia (SP)

Diante das investigações realizadas, conclui-se que Antônio Raymundo de Lucena morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964, sendo considerado desaparecido político para a CNV uma vez que seus restos mortais não foram plenamente identificados até os dias de hoje. Recomenda-se o a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso de Antônio Raymundo de Lucena para localização e identificação de seus restos mortais e para a responsabilização dos demais agentes envolvidos.

EPAMINONDAS GOMES DE OLIVEIRA

Filiação: Ângela Gomes de Oliveira e José Benício de Souza

Data e local de nascimento: 16/11/1902, Pastos Bons (MA)

Atuação profissional: artesão, camponês, professor

Organização política: Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT)

Data e local de desaparecimento: 20/8/1971, Brasília (DF)

Diante das investigações realizadas, conclui-se que:

  • · Epaminondas Gomes de Oliveira foi preso, torturado e morto no contexto da Operação Mesopotâmia, levada a efeito pelo Comando Militar do Planalto / 11ª Região Militar, em agosto de 1971;
  • · A morte de Epaminondas Gomes de Oliveira ocorreu em Brasília-DF, em 20 de agosto de 1971, após prisão e tortura por espancamento e choques elétricos, na Polícia da Aeronáutica e/ou no Pelotão de investigações Criminais (PIC), ambos situados na capital federal;
  • · O cadáver de Epaminondas Gomes de Oliveira até 31 de agosto de 2014 não havia sido restituído à sua família, que, após sua prisão no estado do Pará, jamais teve contato com ele, seja em vida ou após o seu sepultamento;
  • · A Presidência da República, em 1971, por meio do Gabinete Militar e do SNI, após informar à família sobre a morte de Epaminondas Gomes de Oliveira, recusou-se a realizar o traslado do corpo, tendo informado à família um número incorreto de sepultura e atestando a impossibilidade de exumação do corpo antes de decorridos 5 anos;
  • · A Comissão Nacional da Verdade considera que Epaminondas Gomes de Oliveira foi até 29 de agosto de 2014 um desaparecido político brasileiro, vitimado pela ditadura militar de 1964-1985;
  • · De acordo com o trabalho investigativo realizado, e com o Laudo Cadavérico nº 43.228/2013, produzido pelo Instituto de Medicina-Legal, da Polícia Civil do Distrito Federal, a Comissão Nacional da Verdade identificou os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira;
  • · Os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira foram restituídos à família. Em 31 de agosto de 2014, após audiência pública realizada em Porto Franco-MA, Epaminondas Gomes de Oliveira foi sepultado no Cemitério Jardim da Saudade. Recomenda-se a continuidade das investigações para a completa identificação e responsabilização dos agentes envolvidos na prisão ilegal, tortura, morte e desaparecimento de Epaminondas Gomes de Oliveira.

 

SEBASTIÃO VIEIRA DA SILVA

Filiação: não se aplica

Data e local de nascimento: Caxias (MA)

Atuação profissional: trabalhador rural

Organização política: não se aplica

Data e local de morte: 27/1/1972, São Félix, distrito de Marabá (PA)

Sebastião Vieira da Silva é considerado vítima de graves violações de direitos humanos cujas circunstâncias não foram apuradas pelo Estado brasileiro.

[...]

Assim, recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso de Sebastião e a responsabilização dos demais agentes envolvidos no caso.

GRENALDO DE JESUS DA SILVA

Filiação: Eneida Estela Silva e Gregório Napoleão Silva

Data e local de nascimento: 17/4/1941, São Luís (MA)

Atuação profissional: ex-militar.

Organização política: não se aplica

Data e local do desaparecimento: 30/5/1972, São Paulo (SP)

Diante das investigações realizadas, conclui-se que Grenaldo de Jesus da Silva foi executado por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovido pela ditadura implantada no país a partir de abril de 1964, e é considerado desaparecido, uma vez que seus restos mortais não foram plenamente identificados até os dias de hoje. Recomenda-se a localização e identificação dos restos mortais, a retificação e indicação da causa mortis na certidão de óbito, a responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso e a reintegração de Grenaldo de Jesus da Silva na Marinha, por ter sido expulso em decorrência de perseguição política.

RUY FRASÃO SOARES

Filiação: Alice Frasão Soares e Mário da Silva Soares

Data e local de nascimento: 4/10/1941, São Luís (MA)

Atuação profissional: funcionário público

Organização política: Partido Comunista do Brasil – PCdoB

Data e local de desaparecimento: 27/5/1974, Petrolina (PE)

Diante das investigações realizadas, conclui-se que Ruy Frasão Soares foi morto e desapareceu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar, implantada no país a partir de abril de 1964, sendo considerado desaparecido político, uma vez que seus restos mortais não foram plenamente localizados identificados até os dias de hoje. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização e identificação de seus restos mortais e identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.

 

Desde já, importa acentuar, como destacado, que a própria Comissão Nacional da Verdade reconhece a incompletude de seu relatório, e incentiva a criação de órgãos destinados à continuação de seu trabalho de investigação.

  1. 1.     REPRESSÃO CONTRA CAMPONESES

 

1.1.Perseguição Em Pindaré-Mirim

No início da década de 1960, em Pindaré-Mirim, interior do Estado do Maranhão, eclodiam diversos conflitos entre posseiros e fazendeiros, por motivos de determinadas práticas abusivas por parte destes últimos. Os fazendeiros, com amparo de forças policiais, mandavam que as cercas fossem cortadas e soltavam seus gados para que se alimentassem das roças dos posseiros, intentando obrigá-los a deixar suas terras.

Ao realizar denúncias em delegacias do município, os posseiros eram repreendidos por Agentes do Estado. Dentre os casos analisados, houve desaparecimentos e assassinatos, inclusive, de crianças.

O Movimento Sindical Rural de Pindaré-Mirim, fundado em 18 de agosto de 1963 liderado por Manoel da Conceição, teve grande destaque por chegar a envolver aproximadamente 50 mil posseiros, que se reuniam revoltosos com a violência e expulsões que sofriam a mando de fazendeiros e policiais.

Com o golpe civil-militar em 1964, a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim fora ocupada pelo Exército durante 60 dias. Mais de 200 lideranças foram presas e levadas à capital São Luis. O presidente do sindicato, Manoel da Conceição, chegou a ser preso cinco vezes na Cadeia de Pindaré-Mirim em Junho deste ano.

Os membros do Sindicato passaram então a se reunir às escondidas, na maioria das vezes no meio do mato. Mesmo tendo sido fechado pela ditadura e perseguido pelos latifundiários, o sindicato, em 1968, possuía 4 (quatro) mil filiados. No dia 13 de Julho de 1968, a subsede de Anajá, aonde o médico João Bosco tratava pacientes que contraíram malária, fora invadida pela polícia municipal, que alvejou e atirou nas pessoas que ali estavam presentes. O líder, Manoel da Conceição, fora atingido na perna e preso. Sem nenhum medicamento, após seis dias, sua perna teve de ser amputada na capital.

Com a publicação da Lei de Segurança Nacional em 1970, centenas de pessoas foram presas na região de Pindaré-Mirim, culminando, novamente, na prisão de Manoel da Conceição em 1972, em Trufilândia, sendo levado para o DEOPS de São Luis e, por fim, sendo exilado. Sua prisão resultou no fim do Sindicato.

No relatório final da Comissão da verdade pode-se encontrar detalhadamente a descrição de mortos e perseguidos na região de Pindaré-Mirim dentro do período de 1960 a 1970, que, inclusive, não se encontram no Volume 3 (Mortos e Desaparecidos):

Antônio Lisboa Brito. Foi membro da diretoria do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Pindaré- Mirim. Ajudou Manoel da Conceição a fundar escolas de alfabetização e o sindicato na cidade. Perseguido, teve que abandonar a família e os filhos pequenos e viver escondido até o fim do governo militar.

Jodinha, Lavrador e membro da diretoria sindical de Pindaré-Mirim. Foi muito perseguido e teve que viver na clandestinidade. Atualmente, vive no estado do Pará.

Joaquim Matias Neto (Joaquim Lavanca). Lavrador e líder camponês em Pindaré-Mirim, preso e torturado, vindo a morrer prematuramente em consequências das torturas sofridas.

José Lavanca, lavrador, também foi preso e torturado. Morreu fora da prisão, em consequência das torturas. Sua esposa, de nome Lurdes, ainda está viva e mora no município de Barra do Corda, no Maranhão.

João Palmeira Sobrinho e José Viana de Souza. Assassinados por capangas do proprietário da fazenda Pindaré. Santa Luzia (MA). Ano de 1975. Ex-presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais do município de Imperatriz. A falta de apuração do crime indica cumplicidade, por omissão, das autoridades locais. Providências jurídicas: integrantes da lista de camponeses mortos e desaparecidos durante o período de 1961-1988, mas excluídos dos direitos da Justiça de Transição.

Amadeu Manoel de Melo e sua mulher. Santa Luzia (MA). Ano de 1978. Posseiros em Sucuruizinho, município de Santa Luzia. Mortos em 30 de julho de 1978, devido a conflitos na região contra grileiros, desde 1974, no vale do rio Zutiua, onde mais de 600 famílias habitavam. Em 1975, a Comarco começou a retalhar a terra para grandes grupos. Grileiros espancaram e humilharam os posseiros, atearam fogo nas casas e os obrigaram a assinar recibos de venda das benfeitorias. Um dos grileiros armou um pequeno exército, que usava farda e armamentos da PM e do Exército. Providências jurídicas: integrante da lista de camponeses mortos e desaparecidos entre 1961- 1988, excluídos dos direitos da Justiça de Transição.

Elias Zi Costa Lima. Santa Luzia (MA), ano de 1982. Conhecido como “Zizi”, era casado, pai de nove filhos. Lavrador e presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Luzia. Apoiava a permanência de várias famílias em uma área considerada devoluta, visada pelos mandantes do crime. Condições da morte: assassinado a tiros, à queima-roupa, no Mercado Municipal de Santa Luiza, em 21 de novembro de 1982. O crime, assistido por dezenas de testemunhas, foi praticado pelos filhos do latifundiário José Gomes Novaes, Delmi, Delmar e Leônidas, que ficaram impunes. Elias foi baleado com dois tiros de revólver calibre 38 e, já no chão, ainda foi alvejado no pescoço por um tiro de espingarda. Mandantes: José Gomes Novaes, Delmi Novaes, Delmar Novaes e Leônidas Novaes. Autoria: agente privado. Providências jurídicas: integrante da lista de camponeses mortos e desaparecidos durante o período de 1961-1988, mas foi excluído dos direitos da Justiça de Transição.

Bebé (Apelido). Santa Luzia (MA). Líder camponês, morador no Brejo dos Ananais, município de Santa Luzia, em junho de 1982. Autoria: agente do Estado. Providências jurídicas: integrante da lista de camponeses mortos e desaparecidos durante o período de 1961-1988, mas foi excluído dos direitos da Justiça de Transição.

Raimundo Alves da Silva (“Nonatinho”). Santa Luzia (MA), ano de 1984. Era tesoureiro do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Luzia, e foi o primeiro presidente da entidade. O sindicalista de 50 anos, casado e pai de 12 filhos, havia sido um dos principais líderes na luta dos trabalhadores rurais na região de Pindaré. Condições da morte: assassinado a tiros em 17 de setembro de 1984, nas proximidades de sua casa, em Santa Luzia, com quatro tiros disparados por pistoleiros, que ficaram impunes. Providências 118 3 - violações de direitos humanos dos camponeses jurídicas: integrante da lista de camponeses mortos e desaparecidos durante o período de 1961-1988, mas foi excluído dos direitos da Justiça de Transição.

Antônio Batista da Silva, ou Antônio Ferreira da Silva, delegado sindical em Santa Luzia (MA). Condições da morte: assassinado em Arapari, Santa Luzia, dia 17 de setembro de 1985. Segundo informações obtidas, foi executado pelo pistoleiro João Targino de Souza a mando de um fazendeiro de Minas Gerais. O crime não foi isolado: no mesmo dia e local foram baleadas as lavradoras Maria Lima Silva, 28 anos, e Silvana da Silva, 52 anos, que foram hospitalizadas e salvas. Antes deste ocorrido, em 16 de julho de 1985, o marido de Maria Silva foi assassinado pelo pistoleiro Luiz Chaves, a mando de referido fazendeiro mineiro. Crimes não apurados, assassino impune. Providências jurídicas: sem dados.

Raimundo de Jesus Silva. Bom Jardim (MA). Ano de 1987. Dirigente do movimento sindical no município de Bom Jardim (MA). Condições da morte: assassinado no dia 12 de março de 1987, segundo informações, por pistoleiros contratados pelo doutor Clésio Fonseca, fazendeiro. Mandante: doutor Clésio Fonseca. Impune. Providências jurídicas: integrante da lista dos 602 casos selecionados de camponeses e apoiadores mortos e desaparecidos excluídos dos direitos da Justiça de Transição.

Ressalta-se, entretanto, que logo após a identificação e descrição de mortos e perseguidos, encontra-se no relatório um tópico titulado: “Mortos não identificados na Região de Pindaré-Mirim”, dentre eles, uma criança menor, sendo todas as mortes de autoria de agentes do Estado também não identificados.

Este fato acusa que, embora as pesquisas e estudos realizados pela Comissão da verdade tenham sido extensivos, não foram esgotadas as possibilidades de análises aprofundadas de casos de violação de direitos humanos fundamentais no Estado do Maranhão, enquanto nota-se que há, ainda, questões não esclarecidas.  

1.2.Operação Mesopotâmia

A Operação Mesopotâmia fora uma incursão militar que objetivava a obtenção de informações e a apreensão de militantes na divisa entre Pará, Maranhão e Goiás (região do Estado que hoje é de Tocantins). Foi realizada entre 2 e 12 de agosto de 1971, sob o comando do general de brigada Antônio Bandeira de Mello, e contou com o número aproximado de 40 (quarenta) agentes. Teve grande importância, pois serviu de parâmetro para operações futuras.

Foram percorridas pelos agentes as cidades de Imperatriz, Lagoa Verde, Porto Franco, Tocantinópolis, Araguatins, Trombas e Buritis. A operação acabou resultando na tortura e morte de Epaminondas Gomes de Oliveira, militante do PRT, e prisão de outras dezenas de militantes e simpatizantes. De acordo com o relatório da CNV, havia necessidade de se exaltar o apoio do Exército brasileiro nas operações, motivo pelo qual houve a exibição de presos em caminhões abertos, acorrentados de forma humilhante, tudo com a presença e tutela de oficiais da FAB.

Embasando-se em depoimentos e vítimas e familiares de vítimas da Operação Mesopotâmia, foi verificado pela CNV que ocorreram 32 prisões sem nenhuma observância a formalidades legais exigíveis. Os presos foram submetidos à triagem e transportados para Brasília. As prisões, ocorridas em território maranhense, que possuem documentação, foram de:

Eliezer Vas Coelho – “Geraldo” – VAR-PAL – Imperatriz;

Pedro Gomes dos Santos – “João Ferro” – VAR-PAL – Imperatriz;

Catarino Leal Juair da Silva – “Severino” – VAR-PAL – Imperatriz;

Bartolomeu Gomes – “Bartu” – PRT – Porto Franco e Buritis;

Pedro Americo de Salles Gomes – Imperatriz.

Percebe-se a dificuldade de apuração dos fatos referentes a uma operação militar de tamanha escala, que serviu de exemplo para outras operações, principalmente no que se refere à documentação de apreensões e mortes. A própria morte da liderança Epaminondas Gomes de Oliveira apenas fora confirmada recentemente, com exaustiva investigação da CNV, contando inclusive com exumação cadavérica em Brasília e exames de DNA.

Esta dificuldade demonstra a necessidade da atuação de um órgão específico que dê continuidade ao trabalho de investigações iniciadas, para se garantir que fatos sejam apurados, apreensões, torturas e mortes sejam confirmadas.

  1. 2.     REPRESSÃO CONTRA POVOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

No dia 05 de Novembro de 2012 foi publicada a resolução nº 5 (cinco), que institui grupo de trabalho para apurar violação de direitos humanos contra os povos indígenas.

Art. 1º Fica instituído Grupo de Trabalho no âmbito da Comissão Nacional da Verdade sobre violações de direitos humanos, praticadas por motivação política, relacionadas à luta pela terra ou contra os povos indígenas.

Parágrafo único. Compete ao Grupo de Trabalho:

[...]

II - identificar e tornar públicos estruturas, locais, instituições e circunstâncias de violações de direitos humanos cometidas contra os grupos de que trata o caput;

No relatório Final da Comissão Nacional da Verdade há estudos referentes à apreensão ilegal em postos indígenas, no período de 1942 a 1967, principalmente no posto de Icatu, em terras Kaingang, em São Paulo, que teve abrangência nacional. As prisões realizadas no posto indígena, de índios de outras regiões, ocorriam por decisões estatais que consideravam ser necessário o afastamento do indígena de sua região e sua tribo.

A abrangência nacional da prisão de Icatu, como local para detenção de indígenas de várias etnias e pertencentes tribos de todas as regiões brasileiras é comprovada com prova documental, obtida pela CNV, que trata da fuga de índios Guajajaras em 1950, cuja tribo se localizava em território maranhense.

Há comprovação, inclusive, de que o local não possuía estrutura para manter os detentos, por não suas instalações não serem adequadas. Entretanto, ainda assim, as prisões ocorriam, e os familiares dos presos também eram transferidos, sendo afastados de suas tribos. 

Práticas abusivas eram recorrentes. Há menção no relatório de fatos ocorridos em Barra do Corda (MA), no qual o chefe do posto indígenas, Manoel Rabelo, presenciou a prisão de um índio, na qual o Delegado de Polícia da época, Aurélio Nogueira, prendeu o índio Francisco Narú, da aldeia do Mundo Novo, humilhando-o no meio da cidade, espancando-o em plena rua, e recolhendo-o à prisão comum, por motivo do índio ter montado em seu cavalo.

Conforme o relatório, no título de violação dos direitos humanos de povos indígenas:

Apesar dos últimos registros de movimentação de presos transferidos para Icatu serem de agosto de 1967, no jornal Luta Indígena, no 6, de agosto de 1978, é registrada a presença de índios Kaingang, originários daquela terra, convivendo com indígenas Terena, Guarani, Krenak, Fulni-ô e Pankararu, que vieram “transferidos” na década anterior, quando a cadeia funcionava em Icatu, e permaneceram desterrados de suas raízes, no interior de São Paulo.

Durante o período do SPI estudado pela CNV, ou seja, de 1946 a 1967, o aprisionamento cumpriu o papel de amansar o índio rebelde e controlar a resistência de seu povo frente aos conflitos gerados pela política de desenvolvimento da sociedade aplicada pelos órgãos indigenistas criados pelo Estado, que se sustentou em um sistema ilegal de detenção que, ao longo de décadas, foi se estruturando e operou de forma coordenada, porém sem ser oficial, pela participação de inspetores de índio, chefes de posto, chefes de inspetoria, funcionários da direção do SPI, se relacionando às vezes com os delegados de polícia de municípios próximos às aldeias.

Quanto às violações sofridas por quilombolas, foi apurado no relatório da comissão da verdade, no título que expõe os autores responsáveis por ações que violaram os direitos humanos na época da ditadura, atentados contra comunidades quilombolas, como, por exemplo, o que se segue:

Ernani Ayrosa da Silva (1915-1987) General de divisão. Foi chefe do Estado-Maior do II Exército, em São Paulo, de abril de 1969 a janeiro de 1971; comandante militar da Amazônia e da 12a Região Militar, de abril de 1976 a dezembro de 1977; e chefe do Estado-Maior do Exército, de junho de 1979 a maio de 1981. Durante o tempo em que esteve à frente do Estado-Maior do II Exército, foi um dos principais responsáveis pelo combate integrado à “subversão” em São Paulo. Chefiou a Operação Registro, que reprimiu atividade guerrilheira no vale do Ribeira (sul de São Paulo e leste do estado do Paraná), na qual foram realizados bombardeios com napalm sobre a população quilombola e indígena da região.

Os dados presentes no relatório acerca da violação de direitos humanos em comunidades quilombolas são escassos, principalmente no que tange comunidades localizadas em território maranhense. Tendo em vista a importância destas comunidades em todos os âmbitos da sociedade maranhense, seja cultural ou social, e a quantidade de maranhenses quilombolas, verifica-se a imperatividade de estudos e investigações aprofundadas acerca das violações sofridas por estes grupos dentro do período de 1946 a 1988.

CONCLUSÃO:

De acordo com a Ilustríssima Professora Dra. Elizabeth Maria Bezerra Coelho, referência em antropologia indígena, e docente da Universidade Federal do Maranhão, existem 9 (nove) nações indígenas no Estado do Maranhão: Guajajara, Ka’apor, Guajá, Krikati, PukobiÊ, Ramkokamekra, Apaniekra, Krepunkatyê e os Krenjê, totalizando mais de 25 mil indígenas. 

Referenciando-se também, em análises realizadas pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão, existem no Estado, atualmente, 527 Comunidades quilombolas reconhecidas, possuindo o segundo maior número de terras em nome de comunidades no Brasil. A Constituição Estadual do Maranhão, em seu artigo 229 retrata a importância do reconhecimento dessas comunidades: “Art. 229. O Estado reconhecerá e legalizará, na forma da lei, as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos”.

Ao analisar os dados obtidos pela Comissão Nacional da Verdade e apresentados em seu relatório final, pode-se visualizar os avanços obtidos em termos de reconhecimento de violação de direitos humanos dentro do lapso temporal de 1946 a 1988 e sua reparação. Foram de fato realizados amplos estudos desde o ano de 2012, quando fora instaurada a CNV.

Entretanto, como resta provado no corpo deste estudo, e reconhecido pela própria CNV em seu relatório final, no título de “Recomendações”, grande parte dos dados colhidos apresentam incompletude, e a publicação do relatório final em nada impede a continuidade das investigações, enquanto não foram exauridas as possibilidades de se descobrir novos fatos e documentos referentes aos casos já investigados, e de casos que ainda não o foram.

Inclusive, a própria CNV, em uma de suas recomendações, instiga a criação de órgão específico para dar continuidade às investigações:

C) Medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV

[26] Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV

45. A atividade da CNV gerou avanço significativo, mas não esgotou a possibilidade de obtenção de resultados na investigação das graves violações de direitos humanos ocorridas no período de 1946 a 1988. As perspectivas abertas com esse trabalho e o grande volume de informações colhidas indicam a conveniência de estabelecimento de um órgão de seguimento com funções administrativas, com membros nomeados pela Presidência da República, representativos da sociedade civil, que, em sintonia com órgãos congêneres já existentes, como o CNDH, a CEMDP e a Comissão de Anistia, deverá dar sequência à atividade desenvolvida pela CNV, especialmente para:

a) dar continuidade à apuração dos fatos e à busca da verdade sobre a prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres;

b) prosseguir na investigação de eventos e condutas cuja apuração não pode ser concluída pela CNV, como os casos de massacres de trabalhadores durante o regime militar e o apoio dispensado por empresas e empresários para a criação e o funcionamento de estruturas utilizadas na prática de graves violações de direitos humanos;

c) cooperar, complementar e coordenar atividades de investigação documental com pessoas, instituições e organismos, públicos e privados, com finalidades de assessoramento, intercâmbio e divulgação de informação;

d) organizar, coordenar e promover atividades de informação sobre as graves violações de direitos humanos no país e no exterior;

e) monitorar o cumprimento das recomendações da CNV, com acesso ilimitado e poderes para requisitar informações, dados e documentos de órgãos e entidades do poder público, ainda que classificados em qualquer grau de sigilo, constituindo grupos de trabalho e pesquisa e instalando escritórios nas unidades federadas onde forem necessários;

f) apoiar as medidas de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pela população camponesa no período investigado pela CNV, com ênfase na ampliação de políticas públicas para garantir o acesso à terra e a reforma agrária;

g) apoiar as medidas de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no período investigado pela CNV, com ênfase na regularização, desintrusão e recuperação ambiental de suas terras;

h) apoiar as medidas de políticas públicas destinadas a prevenir violação de direitos humanos e assegurar sua não repetição:

Considerando as atribuições da Defensoria Pública da União na promoção dos Direitos Humanos e na defesa dos direitos coletivos dos necessitados, nos termos do art. 1º da Lei Complementar nº 80/94;

Considerando as razões pelas quais foi instituído no âmbito da Unidade da Defensoria Pública da União no Maranhão, em 28 de fevereiro de 2011, Ofício especializado em Direitos Humanos e Tutela Coletiva;

Considerando o que dispõe o Regulamento do Sistema Informático de Assistência Jurídica (SIS-DPU), anexo ao Provimento CGDPU n. 01, de 23 de dezembro de 2014, o qual discrimina em seus itens “1.1.3” e “1.2.a” a possibilidade do defensor público federal instaurar, de ofício, Procedimento de Assistência Jurídica sem depender da manifestação dos beneficiários, notadamente quando se tratar de demanda coletiva;

Considerando a especial atenção dada pela CNV aos indícios de violação sistemática de direitos contra grupos indígenas, grupos quilombolas e trabalhadores rurais, o que potencializa a ocorrência dessa violação no Estado do Maranhão;

Considerando a quantidade de camponeses que tiveram seus direitos humanos violados no período analisado, e o grande número de indígenas e quilombolas residentes no Estado, que, como se encontra demonstrado, preenchem grande parte do percentual da população maranhense;

Considerando, por fim e pelas razões aqui apresentadas, a necessidade de se constituir, no Maranhão, preferencialmente por intermédio do Poder Legislativo, comissão de monitoramento do cumprimento das recomendações apresentadas no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, a envolver entes do Estado e da União, como forma de potencializar não apenas a coleta de informações, mas a responsabilização dos entes públicos mantenedores do regime militar;

            Pode-se concluir, então, em concordância com o despacho do DPF responsável, que há a necessidade de criação de órgão permanente e específico competente para continuar o trabalho de investigações iniciado pela CNV, assim como monitorar o cumprimento das recomendações por ela feitas, em conjunto com o Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva da Defensoria Pública da União no Maranhão.

São Luís, 29 de Janeiro de 2015.