Estudar uma língua é reconhecer sua capacidade de evoluir e, portanto, de mudar. As línguas são como nós: nascem, relacionam-se e morrem, deixando ou não vestígios de sua existência. Por isso, podemos afirmar que os idiomas são sistemas abertos e flexíveis, que sempre se ajustam às suas condições de uso. Então, devemos pensar nossa língua sob a ótica do dinamismo, pois somos seres sociais em constante movimento e seres individuais complexos. A linguagem, portanto, não pode ser mais encarada como um conjunto de signos pelo qual o homem se comunica.

Mais do que comunicar o homem, ao utilizar a linguagem, passa a significar na sociedade em que vive. A lingüística tem um papel fundamental nos estudos sobre a língua. É através destes estudos que se descobriu que as línguas possuem história e é também através destes estudos que descobrimos que as línguas têm, por constituição, a mudança. Porém, a história dos estudos lingüísticos tem raízes antigas. A língua vem sendo alvo de discussões filosóficas desde Platão e Aristóteles.

Segundo Platão, tudo o que há neste mundo que se conhece e que se vê, existe no "mundo das idéias", onde as idéias são puras e únicas, ou seja, onde tudo é perfeito. Então, tudo o que está fora deste mundo idealizado, são cópias (reproduções) imperfeitas do que existe lá. A linguagem humana também teria uma linguagem perfeita no mundo das idéias e a que é falada pelos homens no mundo terreno seria uma cópia imperfeita e sujeita a falhas.

Já Aristóteles, revela que a lógica é o instrumento de todo o saber. Para ele, nada existe no intelecto que não tenha passado primeiramente pelos sentidos. Aristóteles fazia ciência indutiva, examinava muitos fenômenos e construía regras. Ele também cria o racionalismo empírico. Somente o que é lógico é correto, criando assim a idéia de que a lógica deve dar conta do mundo concreto. A linguagem, neste caso, é também vista sob a ótica da lógica, ou seja, somente a escrita dos escritores de prestígio da época foi eleita como lógica e, portanto, correta.

Estas idéias são reforçadas no século XVII quando os estudos da linguagem eram movidos pelo racionalismo. Os pensadores desta época se concentraram em estudos sobre a linguagem como representação do pensamento e procuravam mostrar que as línguas obedeciam a princípios racionais e lógicos. Assim também, criou-se a idéia, baseada em Aristóteles, de que todos os homens têm os mesmos princípios lingüísticos e que, portanto, a linguagem reflete os traços fundamentais do nosso pensamento e do mundo.Partindo, então, destas idéias sobre língua e linguagem, podemos entender o motivo de tantos preconceitos em torno dos fenômenos lingüísticos que acontecem em nosso século.

O preconceito atravessa a sociedade em todas as instâncias, passa pela escola, pelas famílias, pelo mercado de trabalho. Isto significa dizer que preconceito lingüístico faz parte da construção ideológica da nossa sociedade. O preconceito invade a gramática tradicional denominando como "vício de linguagem" as ocorrências lingüísticas que não obedecem ao padrão normativo. Este, na verdade, será nosso ponto de investigação: por que chamar de vício algo que é variação lingüística?

Sabemos que vício tem sua carga de significação centrada no âmbito do negativo, ou seja, vício, do latim vitiu, é desvio, hábito de proceder mal, costume censurável ou condenável, hábito prejudicial, defeito, erro, dolo, ação indecorosa, enfim, encontramos em qualquer dicionário da língua estas definições que mostram a idéia de vício num paradigma de escolhas negativas.

Tendo em vista a história dos estudos sobre a língua expostos anteriormente, e observando as definições de vício, passamos a compreender o motivo de se rotular vícios de linguagem como fenômenos da língua. Segundo Orlandi "há uma gramática que é tida como modelo por grande número de gramáticos do século XVII: é a gramática de Port Royal, também chamada Gramática Geral e Racional (ou Razoada)." O alvo destes estudos gramaticais é a língua ideal, sem equívocos, sem ambigüidades. Uma língua universal e lógica. Os vícios, portanto, seriam e são considerados usos sem lógica, corrompem a língua, "estragam" o consagrado.

As gramáticas normativas costumam classificar os vícios de linguagem como alterações defeituosas que sofre a língua em sua pronúncia ou escrita devido à ignorância do povo ou ao descaso de alguns escritores. São dados alguns tipos de "defeitos" que ocorrem, em seguida apresentam exemplos do "errado" e mostram o "correto", para que as pessoas não cometam o pecado. Neste trabalho serão analisados os seguintes vícios: barbarismo, cacófato, arcaísmo, neologismo e estrangeirismo. Porém, as gramáticas apresentam outros vícios como: ambigüidade, provincianismo, hiato, colisão, eco, obscuridade, pleonasmo, solecismo, preciosismo, entre outros.

Mauro Ferreira (1992) dedica um capítulo de seu livro "Aprender e praticar Gramática" para as "Noções de Variação Lingüística", onde mostra, sem criticar negativamente, os tipos de variação lingüística que encontramos (sócio-cultural, geográfica e histórica). Através disso, define o "certo" e o "errado" no uso da língua como sendo apenas uma questão de "diferenciação que se dá baseada em critérios sociais e também em situações de uso efetivo da língua."

Segundo Neves "Que gramática estudar na escola" a linguagem sofre pressões sociais que determinam o que é padrão e o que é norma. O padrão como determinação estética toma a noção de norma como o dizer belo, elegante, de bom gosto. Neste sentido, a gramática separa as "figuras de linguagem" dos "vícios de linguagem". Ou seja, certos torneios desviantes têm beleza e elegância na pena dos "bons escritores", mas na pena dos alunos, especialmente os de classes baixas, são vistos como "vícios".

Neves também explica sobre o surgimento da Gramática Normativa. A autora fala que, essa idéia de eleger uma norma a ser seguida, tem origem na tradição gramatical do Ocidente que, no período helenístico, promoveu um resgate da "boa linguagem" (a dos grandes escritores gregos, especialmente Homero) a fim de que se protegesse a língua da deturpação feita pela fala dos "bárbaros", ou seja, a fala dos não-gregos. Assim, surgiram manuais de gramática, não como ciência, mas como técnica e arte. Estes manuais, segundo a autora, "compunham-se, expunham-se e impunham-se paradigmas entendidos como os padrões que explicitavam em que consistia a pureza e a regularidade daquela língua."

É possível, então, entender o motivo de vir explicitado na gramática vícios de linguagem como deturpação da língua. Isso é uma espécie de proteção da língua para que não ocorram mudanças. Na verdade, mudança, neste caso, é encarada como desvio, porém sabemos que uma língua está em constante movimento, e isto acontece de forma lógica e não desordenadamente.

Segundo Orlandi em "O que é lingüística", as línguas se transformam com o tempo. Essa mudança acontece por uma necessidade da língua e tem uma regularidade, isto é, não acontece de qualquer jeito. Os vícios de linguagem, vistos sob está ótica, registram uma variação na língua que poderá, futuramente, ser de prestígio. Porém, a aceitação social das mudanças lingüísticas pode demorar muitas gerações.

Vale lembrar, ainda, as palavras de Irandé Antunes, que diz em seu livro "Muito Além da Gramática":

"É preciso reprogramar a mente de professores, pais e alunos em geral, para enxergarmos na língua muito mais elementos do que simplesmente erros e acertos de gramática e de sua terminologia. De fato, qualquer coisa que foge um pouco do uso mais ou menos estipulado é vista como erro. As mudanças não são percebidas como "mudanças", são percebidas como erros." (ANTUNES, 2007)

A partir daí, tomamos por base o livro de Monteiro Lobato "Emília no País da Gramática", onde ele faz uma releitura da Gramática Normativa, questionando-a e propondo uma nova visão teórica. Enfocamos, para efeito de pesquisa, o capítulo XXI , intitulado "Os Vícios de Linguagem".

Logo no primeiro capítulo, sua personagem, Dona Benta, insiste para que seu neto Pedrinho estude gramática para reforçar o aprendizado durante o período das férias. O menino resiste, mas após iniciar os estudos com a avó conclui que:

" — Ah, assim, sim! — dizia ele. — Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática até virava brincadeira. Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições que ninguém entende. Ditongos, fonemas, gerúndios. . ."

Monteiro Lobato nos mostra nesta história uma reflexão sobre o verdadeiro funcionamento da linguagem. Mostra também gramática como um mundo vivo separado do nosso, que tem suas ruas, bairros, lugares prestigiados, periferias. Nesse sentido, Lobato traz para o leitor a discussão de vários aspectos: língua, gramática e variação lingüística. Além disso, faz uma profunda avaliação sobre o ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa, colocando em discussão a tradição de ensino centrado em decorar nomenclaturas que não representam a realidade do aluno e, tampouco, o fazem melhorar sua escrita.

Ao passear pelo País da Gramática, Emília e seus amigos têm a oportunidade de conversar com Dona Sintaxe. Esta dama, como é chamada, tem o dever de regular os usos inadequados nas frases. Geralmente, corrige erros de concordância, de regência, mas o que chama mais a atenção do leitor é sua reprovação contra os vícios de linguagem. Estes são representados por monstros que ficam enjaulados para que não saiam por aí a fazerem barbaridades com a língua. Além disso, são chamados de feras perigosas que representam uma ameaça contra a boa linguagem.

Como foi dito anteriormente, para melhor entendermos o funcionamento de cada vício selecionado, falaremos separadamente de cada um. Mas sabemos que nada na língua pode ser analisado isoladamente, pensando nisto, algumas vezes estabeleceremos relações com teorias já estudadas.

Barbarismo:

Cegalla (1985) define este vício como uso de palavra errada relativamente à pronúncia, forma ou significação. Em seguida, cita alguns exemplos de barbarismo como: pégada, em vez de pegada, ância, em vez de ânsia, entre outros.Porém, para estas ocorrências há explicações lógicas, pois sabemos que em determinadas regiões do Brasil se pronuncia [ pε'gada ] e em outras regiões se pronuncia, de fato, como se escreve: [ pe'gada ]. Então estamos tratando de uma variação regional da linguagem.

Já em ância e ânsia, há uma confusão no momento da escrita, isto é explicável: a letra "c" e a letra "s" têm o mesmo som, como também acontece com outras letras, por exemplo, "x" e "z", em determinadas palavras.

Na obra de Monteiro, barbarismo é caracterizado como um monstro cabeludo que estava na gaiola a roer as unhas. Dona Sintaxe o acusa de fazer com que as pessoas errem estupidamente na pronúncia e no modo de escrever as palavras. É interessante notar como é "desenhado" o vício barbarismo. Representado por um monstro que age sobre a linguagem das pessoas e estas o aceitam passivamente. Aliás, todos os vícios, na obra de Monteiro, são vistos desta maneira: eles fazem mal à língua e devem ser excluídos do convívio social. Dessa forma, o autor coloca em questão uma valiosa reflexão: até quando as gramáticas normativas vão mascarar ocorrências lingüísticas sob forma de alterações defeituosas? Até quando será ensinado para nossas crianças nas escolas que falar [pε'gada] é um desvio condenável?

Cacófato:

Cegalla (1985) define cacofonia ou cacófato como som desagradável ou palavra de sentido ridículo ou torpe, resultante da seqüência de certos vocábulos. O autor mostra alguns exemplos desse "defeito": a boca dela, por cada mil habitantes. Porém, uma piada, por exemplo, se servirá muito bem deste recurso lingüístico.

Emília quando vê o cacófaton (escrito desta maneira na obra de Monteiro) preso na jaula o define da seguinte maneira: sujeito sujo e de cara cínica. Um porcalhão que faz as pessoas ligarem palavras de modo a formar outras de sentido feio. Aqui é possível observar a questão cultural do que é belo e do que é feio. Também é possível constatar que ao colocar este tipo de questão em uma gramática da língua, como um vício, é não levar em consideração a intenção do falante ao pronunciar, por exemplo: Dou menos de um real por cada político do Brasil. O que está implícito neste cacófato? Na gramática normativa não há espaço para este tipo de observação.

Arcaísmo:

Cardoso e cunha (1978) o definem como sendo palavras, expressões, formas e tipos de construção sintática que não são mais correntes em determinada fase da língua. E o separam em diferentes definições: léxicos, semânticos, morfológicos e sintáticos. Introduzem dois autores, um do século XVII e outro do século XIX, que em suas obras se dedicam a relacionar termos tidos como "antiquados em seu tempo", onde listam tais palavras "inadequadas".

Já Bechara (2006) cita o arcaísmo para contrastar ao neologismo. O foco maior fica para este último.

No livro de Monteiro, Emília ironicamente se refere ao Arcaísmo perguntando "― E este Matusalém?" Ou seja, mostrando-o na própria narrativa como algo muito antigo e que é justo cair no esquecimento (grifo nosso).

Neologismo:

Cardoso e Cunha (1978) definem neologismo como uma "palavra ou expressão introduzida numa língua ou que nela tenta introduzir-se." e que é um "fenômeno que se restringe ao vocabulário de uma língua.". Entre outras definições, mostram a discordância que ocorre com o passar dos séculos em relação ao fenômeno lingüístico. Vale citar:

"Uma língua não se fixa nunca. O espírito humano está sempre em marcha, ou melhor, em movimento, e a língua com ele. As coisas são assim. Quando o corpo muda, porque não mudaria o traje?[....] Toda época tem suas idéias próprias, é preciso que ela tenha também palavras próprias para essas idéias. As línguas são como o mar, oscilam contìnuamente [....]" (Cardoso e Cunha, 1978)

Ao ver o décimo cubículo em que estava preso o Neologismo, a bonequinha de pano questiona: E este aqui, tão chic? O que lhe é contestado logo a seguir por dona Sintaxe, esclarecendo que "sua mania é fazer as pessoas usarem expressões novas demais, e que pouca gente entende." Emília o defende dizendo:

― Está aí uma coisa com a qual não concordo. Se numa língua não houver Neologismos, ela não aumenta. Assim como há sempre crianças novas no mundo, para que a humanidade não se acabe, também é preciso que haja na língua uma constante entrada de Neologismos.(MONTEIRO, 1934)

Estrangeirismo:

Bechara (2006) o declara como sendo o emprego de palavras, expressões e construções alheias ao idioma que a ele chegam por empréstimos tomados de outra língua. Mais do que isso, o estrangeirismo representa o contato entre os povos. E acrescenta que a introdução de uma palavra estrangeira para substituir uma vernácula em geral se explica pela debilidade funcional da palavra ameaçada de substituição. Ele ainda diz:

"Modernamente no mundo globalizado em que vivemos, onde os contatos de nações e de cultura são propiciados por mil modos, os estrangeirismos interpenetram-se com muita facilidade e rapidez. Para nós brasileiros os estrangeirismos de maior freqüência são os francesismos ou galicismos (de língua francesa), anglicismos (de língua inglesa), espanholismos ou castelhanismos (de língua espanhola), italianismos (de língua italiana)." (BECHARA, 2006)

Na obra de Monteiro não aparece o Estrangeirismo, mas, sim, o Provincianismo, retratado por "um homem da roça, a fumar o seu cigarrão de palha.". Como só encontramos definições de Provincianismo na internet, e não nas gramáticas consultadas, não quisemos expor algo que talvez estivesse apoiado em estudos não científicos. No entanto, vamos deixar registradas as palavras ditas em relação a esse vício na obra de Monteiro, que novamente se dá pela interpelação da famosa bonequinha, seguida da resposta de Dona Gramática:

"― E este pai da vida, que aqui está de cócoras? perguntou ela.

― Este é o Provincianismo, que faz muita gente usar termos só conhecidos em certas partes do país, ou falar como só se fala em certos lugares. Quem diz NAVIU, MÉNINO, MECÊ, NHÔ, etc., está cometendo Provincianismos." (MONTEIRO, 1934)

E Emília, ao libertá-lo, ainda acrescenta:

"― Vá passear, sêo Jéca. Muita coisa que hoje esta senhora condena vai ser lei um dia. Foi você quem inventou o VOCÊ em vez de TU e só isso quanto não vale? Estamos livres da complicação antiga do Tuturututu. Mas não se meta a exagerar, que volta para cá outra vez, está ouvindo?

O PROVINCIANISMO agarrou a trouxinha, o pito, o fumo e as palhas e, limando o nariz com as costas da mão, lá se foi, fungando. Tão bobo, o coitado, que nem teve a idéia de agradecer á sua libertadora." (MONTEIRO, 1934)

Segundo Marcos Bagno (1999), os vícios de linguagem, como por exemplo o provincianismo, é um preconceito contra a fala de classes sociais e também preconceito contra a fala de algumas regiões. Segundo o autor o fenômeno lingüístico "rotacismo" aconteceu na história do português- padrão transformando encontros consonantais com l para r. Então dizer Cráudia, praça e pranta é errado porque a questão não é lingüística, mas social.

Acrescentamos a esse trabalho mais um subtítulo que aparece na obra de Bechara (2006) denominado "Anomalias de Linguagem". Chamou-nos a atenção pela maneira preconceituosa de que trata dessa variação onde a nomeia como Idiotismo ou expressão idiomática, aceita no falar culto. Esclarece que são expressões como é que, o infinitivo flexionado, a preposição em o bom do pároco, etc. E confirma a sua posição através de uma citação de Said Ali que diz: "Não devemos definir o idiotismo, segundo alguns gramáticos, como construção particular de uma língua, estranha, portanto, às outras línguas, porque ninguém conhece todos os seus segredos e modos especiais de falar" [SA.2, 310 – in Bechara, 2006].

Considerações finais:

Depois de observarmos atentamente os aspectos teóricos que envolvem a variação lingüística, podemos constatar que é impossível não considerar que as ocorrências lingüísticas denominadas vícios de linguagem, são variações de uso da língua.

Podemos também concluir que o preconceito lingüístico governa a idéia de se estipular alguns usos e taxá-los de vícios, tendo em vista toda a carga negativa que esta denominação possui. Por isso, contrariando a posição tradicional, chamaremos com extrema convicção, os vícios de linguagem, de variações lingüísticas que englobam a fala e a escrita.

Fazemos esta afirmação baseando-nos nas palavras de Bagno (2007):

"Por isso não tem sentido falar da variação lingüística como um 'problema'. Vira e mexe recebo mensagens de pessoas que perguntam como tratar em sala de aula o problema da variação. Podemos começar respondendo que o problema está em achar que a variação lingüística é um problema que pode ser 'solucionado'. O verdadeiro problema é considerar que existe uma língua perfeita, correta, bem-acabada e fixada em bases sólidas, e que todas as inúmeras manifestações orais e escritas que se distanciem dessa língua ideal são como ervas daninhas que precisam ser arrancadas do jardim para que as flores continuem lindas e coloridas!" (pg 37)

Enfim, o problema é maior do que imaginamos. Ao denominar uma variedade de vício, estamos chamando os falantes nativos de uma língua estruturada, como é a nossa, de viciados e, portanto delinqüentes da língua. Não é assim que trabalharemos língua em sala de aula. Não é desprezando as ocorrências lingüísticas que chegaremos com o nosso aluno a uma escrita padrão tradicional, tendo em vista que esta é extremamente necessária para que o cidadão consiga avançar em escolaridade.

Sobre língua, ensino e gramática vale lembrar as reflexões feitas por Marina Célia Mendonça:

" A gramática normativa é a mais conhecida pelos leigos, porque é ela que adentra pela escola, veiculada por livros didáticos e pelas conhecidas 'gramáticas tradicionais', ensinar gramática costuma ser entendido como ensinar regras para usar bem a língua. (...) Ensinar gramática nessa concepção, é ensinar língua, que, por sinal, é ensinar norma culta, o que significa ensinar a desprezar outras variedades – não só por ignora-las, mas por considera-las inferiores." (pg.235)

É baseado nesta concepção que o ensino tem desprezado variedades. Com isso, os falantes ao desenvolverem consciência da mudança da língua, passam a entender esse fenômeno como aspecto negativo. Então, ocorre a necessidade de os livros didáticos, gramáticas tradicionais, escolas e a mídia enfatizarem que expressões não situadas na norma padrão são "erradas", "impróprias", "feias", "ridículas" e empobrecem a língua portuguesa.

No entanto, já ficou comprovado que as línguas não degeneram. Elas não sofrem, com a variação, um processo de degradação. Pelo contrário, a mudança lingüística só enriquece um idioma, pois a língua nunca perde seu caráter sistêmico. Na verdade o que realmente deve ser banido da mentalidade do falante nativo é o preconceito lingüístico que está ancorado e fixado em raízes de preconceito sócio econômico.

Referências:

ANTUNES, Irandé. Muito Além da Gramática, São Paulo: Parábola Editorial,2007

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso. São Paulo: Parábola, 2007.

_______ Preconceito lingüístico: o que é como se faz. São Paulo: Loyola 1999.

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2006

CARDOSO, Wilton; CUNHA, Celso. Estilística e Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Editora tempo brasileiro,1978.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1985.

FERREIRA, Mauro, 1955 - Aprender e Praticar Gramática, 2º Grau. São Paulo: Editora FTD S.A., 1992.

LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? São Paulo: Contexto, 2006.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é lingüística? São Paulo: parábola, 2007