Viagens  3 - UM COPO DE AGUA GELADA

 

Ainda antes de chegarmos a Paris, no avião que nos trouxe do Brasil, eu tentava explicar  ao meu amigo o que é Paris.  Palavras não bastam, para descrevê-la.

Dois mil anos de história, a arte, o povo, as realizações arquitetônicas, os movimentos culturais, a vanguarda na qual sempre se encontra, esta grande nação que dita  moda  idéias, até o  comportamento.

Finalmente, lá em baixo, está Paris; veja, veja! L’Étoile, os Campos Elíseos, a Madeleine, o Sacré Coeur,  a Praça da Concórdia, o Sena, a Rive Gauche!..... Eu empolgado, animado, comovido, quase gritando de emoção – sempre me dava isso, ao chegar a Paris, babava ao reconhecer os lugares conhecidos..

E de repente, vem uma ducha fria: ele, o  meu amigo, vira de lado e quase pensando, pergunta baixinho: 

Paris..oh,  Paris!... e para a França, quando é que a gente vai?

 

Paris, agosto – um calor de rachar, o ar parado, abafado.

Chegamos eu e um meu amigo, ao hotelzinho no 16 arrondissement, algo longe das rotas dos turistas.

Estávamos afogueados, suados, loucos por uma ducha.

Eu fiquei preenchendo a papelada e dei a chave do quarto ao amigo.

- Peça ao ascensorista que o leve ao troisième étage.

Entendeu? Truasiem etag.   Repete: truasiem etag. Ok. Vai.

Cinco minutos depois, subo eu.

Chego lá e encontro o amigo refestelado na poltrona, com um ventilador emprestado, gentileza da casa, tomando uma água Perrier estupidamente gelada.

- Uai! Como você conseguiu estes milagres?

- Nada. Entrei no elevador, pedi o truasiem – nem lembrava a segunda palavra

E comentei, comigo mesmo:

- Agora precisaria uma bela água gelada!

O ascensorista vira para mim, com a cara espantada, assustada e diz:

- Como é que o sinhore percebeu que eu sou português?

   Está a se notar tão facilmente?

 

Não precisa dizer que tivemos, nos poucos dias que ficamos em Paris, um atendimento VIP, com benefícios raros e especiais: sucos, travesseiros extra, dois ventiladores, inestimáveis conselhos.

 

Retribuímos, é lógico, com uma boa gorjeta.

 

Mas principalmente com carinho; o mesmo carinho que ele nos deu; porque fazemos parte, todos, do grande império português que, se não existe mais no papel, ainda está na nossa língua, na gentileza do povo, na bondade inata dessa gente humilde, mas enormemente rica de coração.