VERTENTE  LIBERALISTA  DA  CUEE

 

Estamos trilhando, com serenidade e júbilo, o sesquicentenário do Espiritismo no mundo. Abriram-se as portas da espiritualidade, e, como dito alhures, não se tem mais como fechá-las, e suas instruções, suas luzes altaneiras, doravante, vão brilhar para todo o sempre no continuum do tempo-evolução, ou seja: do tempo que não para, e da evolução que, de forma igual, também se faz na dinâmica cíclica de sua ampla acepção universal. Abarcando antípodas da matéria e do Espírito, e passando pelas mais diversas formas vegetais, animais, a evolução parece atingir-se o seu ápice no homo-sapiens que, inobstante, ainda não o é, pois que se demora no espaço demandado por ele até o arcanjo, o Espírito puro que um dia haveremos de construir em nós mesmos, albergando formas conscienciais crísticas, hoje ininteligíveis aos potenciais psíquicos auferidos por nossa intelectualidade.

 

Interessante, e curiosíssimo, é constatarmos que, em tal tempo decorrido, de cento e cinqüenta anos, e, apesar de tantos autores espiritistas clássicos, de outros tantos mais modernos, e, de variadíssima classe de médiuns colaboradores da novel Doutrina, muito pouco, ou, quase nada, se praticara do que Kardec instituíra como regra fundamental para admissão de novos princípios ao corpo filosófico da mesma, ou seja: da Concordância Universal no Ensino dos Espíritos, resumida como (CUEE). (1).

 

Obviamente que tal perspectiva abre ampla margem de discussão e reflexão da temática em foco; discussão e reflexão, às quais, os espiritistas mais diversos, do ortodoxo aos de mente mais aberta e universalista, poderiam e deveriam fazer, opinar, buscando-se, quem sabe, os motivos para a não-aplicabilidade da mesma que, em princípio, parece-me, não pegou, conquanto a ênfase dada a mesma pelo insigne codificador quando estava ele, na ocasião, alçado a um ponto de grande responsabilidade no tocante à inauguração espírita no mundo. Ponto este, como referido, de responsabilidade missionária, cargo oneroso e árduo, estando a receber, para a sua análise pessoal, as mais diversas instruções mediúnicas de todos os quadrantes do mundo, percebendo-lhes o alcance, e, mais ainda, detectando-lhes os valores, os pontos concordantes para isto ou para aquilo, peneirando-lhes o que fosse verdade por concordância universal e excluindo-se o que parecesse inverdade por discordância, utilizando-se, como primeiro controle, de sua especialíssima e avançada razão.

 

 

 

Razão esta, a que Piaget, mais modernamente chamaria de Formal, constituindo esta, a mais alta e mais desenvolvida delas, albergando lógica de operações intelectuais bem mais avançadas. Kardec, de mente esclarecida, lúcida e de Lógica Formal, pudera analisar e sistematizar um grande número de informações que lhe chegavam do mundo todo, dando corpo doutrinário a tais informações de forma didática e logicamente estruturada. (2). E, mais ainda: elaborando teorias racionais e sistemas instigantes e bem condizentes com tais informações. (3).

 

Todavia, referida situação de não-aplicabilidade do conceito que dimana da CUEE, induz-me a crer que dito modelo é algo um tanto relativo, ou seja, suscetível de vertentes e visões variadas, de adaptações e reinterpretações à luz dos novos tempos, dos novos quadros desenhados pelos grandes expositores clássicos do Espiritismo nas últimas décadas do século dezenove (19) e início do século vinte (20), bem como por demais expositores daí resultantes, incluindo-se aí, os grandes médiuns de efeitos físicos, escreventes e psicofônicos desta ampla perspectiva temporal. E digo, adaptações e reinterpretações estas, decorrentes e positivamente extraídas de um quadro sociológico e cultural que se evidenciara no decurso de um século e meio de experienciações científicas, mediúnicas, fundamentadas e permitidas, penso eu, pela Espiritualidade Maior, da qual Jesus, pós-Deus, é o seu comandante supremo, o diretor-mor de todas as coisas planetárias desde sua formação estelar ao âmbito das energias primárias, fonte e matriz das esferas estonteantes de formas, vida e inteligência, que gravitam pelo espaço universal.

 

Antes de tudo, entrementes, devo explicitar que tudo fica como está na Codificação mesma. Ela também é, para mim, uma obra inalterável em sua superior e tão belíssima concepção; e inclusive o conceito que dimana da CUEE. O que proponho e idealizo, repito, é apenas e tão somente um novo modo de se ver o referido conceito em face de um tempo que se maturou neste sesquicentenário do Espiritismo no mundo.

 

Um tempo, pois, que se vive ainda agora, que se reflete em nossas vidas, em nosso entendimento filosófico e doutrinário deste início do século vinte e um (21), e que ainda vai perdurar pelos tempos vindouros, pois que se trata de coisas duradouras e imperecíveis.

 

 

 

 

E, portanto, questiono: o esperado retorno de Kardec se dera, ou, não se dera? Os que aportaram por aqui, e foram muitos os que se auto proclamaram como tal, não pareceram estar à altura pedagógica, filosófica e científica do Codificador.

 

Por outro lado, não se descarta por completo a possibilidade de que Kardec tenha retornado, ou seja, reencarnado no século vinte que se findara; mas não há nada que indique tal reencarnação de modo indiscutível, e sim, e tão só, palavras e discussões estéreis que a nada levam, não se verificando, como seria de se exigir e de se mostrar, Consenso Universal, seja dos homens, seja dos Espíritos, mas tão-só verificou-se e verificam-se opiniões extremadas umas, fora de propósito outras, se evidenciando, mais ainda, ofensas descabidas e onde o bom senso, outra regra áurea de Kardec, não se aplica em tempo algum pelos mais diversos componentes de tal contenda.

 

Em suma, por tantas opiniões dos “doutores” em Espiritismo, este, por sua vez, só se salva por constituir Doutrina Consolidada pelos mais eminentes sábios do mundo, e não pelos opiniáticos do nosso tempo, que prescrevem e entendem ser suas opiniões mais importantes que os fatos, os documentos positivos e comprobatórios de suas palavras, autenticando o que tão fartamente verbalizam aos quatro ventos.

 

Assim, para tão magna questão, não se aplicara, em tempo algum, e, de fato não há: Documentação Comprobatória do Referido Consenso Universal; o que há, pois, são opiniões e opiniões desencontradas e desprovidas de positividade científica, tão importante em casos e situações como as que ora se levantam. O que me leva à óbvia constatação de que os espiritistas, intelectuais ou cientistas, sejam eles ortodoxos, universalistas ou de quaisquer outras denominações, não operaram positivamente, em tempo algum, e, portanto, de modo cientifico, com a Regra Consensual firmada por Kardec:

 

-Nem para balizar se as instruções mediúnicas dos mais diversos médiuns serviriam ou servem para fazer parte integrante da Doutrina Codificada; e

 

-Nem para confirmar-se o retorno dele mesmo, ou seja, do Codificador Allan Kardec, consoante informações do seu retorno para o desenvolvimento e continuação de sua obra.

 

 

 

 

Em face de tão incontestável verdade, concluo pelo caráter algo relativo da CUEE, onde tal medida fora de especial importância ao tempo de Kardec, e onde, como missionário de méritos incalculáveis, pudera, com o auxílio da Espiritualidade, tornar-se pólo centralizador e, portanto, capaz de receber instruções mediúnicas de cerca de mil centros espíritas sérios espalhados pelo mundo.

 

Hoje, só no território brasileiro, contamos com aproximadamente quinze mil centros espíritas registrados, ou não, tendo-se ampliado vastamente o grau de complexidade para a devida apuração dos dados da fenomenologia mediúnica e, a partir daí, fazer-se o que tem de ser feito.

 

Ou seja:

 

-A formulação dos novos ensinos suscetíveis de constituir parte de tudo quanto já está doutrinariamente codificado; e

 

-A comprovação positiva, e, portanto, científica de que Kardec de fato reencarnara e prosseguira com sua honorável missão.

 

Para mim, não resta dúvida de que a Codificação Espírita decorrera de um momento muito especial, minuciosamente e trabalhosamente planejado pelas hostes maiores sob o comando de Jesus, momento especial este, tenho refletido: não ser repetível nos moldes do que ocorrera no passado, e, portanto: não se verificará novamente, seja em nosso tempo, seja noutros da futuridade terrena e estelar!

 

E, como conseqüência, penso seja preciso mudar nossas perspectivas em relação a CUEE e procedermos uma sua readaptação aos novos tempos se não quisermos ficar encarcerados ao restrito período de quinze anos que demandara a implantação do Espiritismo na face terrena. Implantação esta entendo, e ratifico, como o seu marco inicial, sujeito, pois, aos aprofundamentos e progressos decorrentes no tempo, que, incessantemente, nos mostra outras e muitas outras facetas da grande e infinita realidade universal.

 

Ora: já se passaram quase dois séculos de lá para cá.

 

 

 

 

 

 

E pensam, os mais arraigados à Codificação, que tudo quanto se fez em termos de Espiritismo no mundo, digo, obviamente, do seu desenvolvimento e de seus avanços, de tantos e tantos trabalhos notáveis e sérios, e pensam que tudo isto não esteve sob o comando e o amparo do Altíssimo, de Deus e de Jesus? Ou será que tudo quanto houve, nestes cento e cinqüenta anos de sua propagação e, creio, do seu desenvolvimento doutrinário, teria ou terá sido apenas e tão somente uma grande fraude, uma mistificação de amplitude global?

 

Não cogito que alguma mentalidade espiritista, em sã consciência, possa de tal forma pensar, e, por isto, repiso que: muitos outros missionários já vieram, já desenvolveram sobejamente o Espiritismo e creio que, fixar-se tão somente na Codificação é não compreender-lhe o sentido progressivo, de seus avanços inevitáveis, sua natural continuidade no tempo-evolução.

 

E, por isto, sem ofensas, tenho a conjectura de que os espíritas mais arraigados à Codificação tendem a reduzir-se drasticamente de nossas fileiras por dois motivos fundamentais:

 

-Primeiro: por sua teimosia irracional, e estagnação doutrinária tão-só em Kardec, e subseqüentes, brandura e evolução de seus pontos de vista adotando novas e menos radicalizantes posturas conceituais; e

 

-Segundo: pela incapacidade deles mesmos fazerem o que tem de ser feito, de arregaçarem as mangas e cumprirem suas obrigações de confirmarem-se os novos ensinos e princípios suscetíveis de serem incorporados à Doutrina; e outras coisas tão relevantes quanto, como já me fiz compreender.

 

Ora, se os mais ortodoxos são assim tão observadores das normas kardecistas, que as façam valer na prática ao invés de, em sua comodidade, ficar cobrando dos médiuns e divulgadores, o que eles mesmos deveriam e devem fazer a nível universal (mundial) para que a coisa não fique regionalizada e não venha a receber sérias acusações de fraude, de inverdades científicas, filosóficas e doutrinárias. Portanto, penso que tais espiritistas deveriam cumprir com seu relevante papel de seguidores das exigências kardequianas e deveriam, por isto mesmo, arregaçar as mangas e fazer o que tem de ser feito.

 

 

 

Conquanto eu, sinceramente, duvide de tal!

 

Assim, sendo infactível sua prática no cotidiano de nossas vidas, óbvio que tal inexequibilidade sugere o pensar e o repensar-se do conceito que dimana da CUEE, aplicável ao tempo de Kardec, e parecendo-me, presentemente, dotado de alguma elasticidade interpretativa de si mesmo, com novas formas de entendimento de sua aplicabilidade onde, no caso da monumental obra de Chico Xavier, por exemplo, entendo e sugiro haver:

 

Uma Concordância Geral dos homens que acataram ou acatam sua obra monumental e uma Concordância Geral dos Espíritos que a consolidaram no mundo, sendo que no tópico – homens – é feita a seguinte ressalva: são apenas alguns poucos que a desaprovaram ou que a desaprova em alguns poucos itens, sendo, pois, de uma condição e de um caráter irrelevante em face de sua ampla e total aprovação pela intelectualidade espiritista.

 

Mesmo um tanto diferente do preceituado na Codificação, vejo, indubitavelmente, indícios de Concordância Universal na obra de Xavier onde as divergências são mínimas e perdoáveis, sendo suscetíveis de se encontrar em toda grande obra. Por outro lado, estamos assistindo essa concordância de olhos escancarados, pois que os seus novos ensinos estão sendo confirmados, paulatinamente, por outros Espíritos e médiuns, confirmando-se assim sua validade doutrinária por seu consenso e universalidade que se amplia no tempo.

 

Estou aberto, pois, a perspectivas e visões outras distintas da que ora se esboça, pois que hipóteses, teorias e sistemas fazem parte do bojo mesmo do Espiritismo de Kardec onde, como livres pensadores, não só temos o direito como também a obrigação de participar ou, tão-só de opinar, favoravelmente ou não; no que haverei de expressar minha gratidão e o meu profundo respeito por todas as propostas e idéias levantadas.

 

Encerrando, creio que o fato mais relevante, e indiscutível, é, pois, que a CUEE, como instrumento de apuração de novos ensinos, não surtira os efeitos desejados, valendo-se, hodiernamente, menos como medida científica e muito mais como atitude filosófica tal como a que espelha a presente proposta, sendo, ainda assim, suscetível de novas visões e novas aplicações da mesma, é óbvio.

 

 

 

Assim, penso que a regra disposta pela CUEE, fora aplicável e validada para os tempos de Kardec; porém, de aplicação e validade relativa em nosso tempo, consoante o pensar e repensar-se de cada qual, se corajosos formos o suficiente para admitirmos tal elasticidade interpretativa.

 

E, portanto, sou tendente a cogitar que a CUEE não será adotada como regra científica dos pesquisadores espíritas do futuro, e, obviamente, da ciência dita oficial, que, em admitindo os fatos do Espírito, terá sua própria e específica metodologia aplicada às observações propiciadas pelo fenômeno espirítico, atinando-se que o mesmo, como se compreende, e se compreenderá, não depende da nossa livre e espontânea vontade, sendo assim, absolutamente necessário nosso harmonizar-se com a vontade extra-física, ou seja, com os ditames dos sábios comunicantes e promotores fenomênicos do além.

 

E, como haverei de ser severamente acusado, adianto que não sou um desconstrutor da CUEE, não destruo o que fora construído por Kardec como já me posicionara; apenas o vejo com a lente do nosso tempo, firmando-me nos fatos da presente realidade sociológica e cultural do meio espiritista, e, portanto, nos cento e cinqüenta anos de sua não-aplicabilidade, fato inédito para um critério que se pretende seja científico; mas de notória relatividade, indubitavelmente!

 

Tudo resumindo: a CUUE não pode mais ser vista como uma sentença de ordem científica e sim como uma versátil norma interpretativa dos fatos espiríticos e paranormais.

 

Obras Citadas:

 

(1)  – O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec;

(2)  – O Livro dos Espíritos – Allan Kardec; e

(3)  – A Gênese, os Milagres e as Predições – Allan Kardec.

 

Articulista: Fernando Rosemberg Patrocínio

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