152 – VERDADE PESSOAL

 

 

Nos últimos tempos, vinha pensando se não seria bom deixar, ao morrer, algo que faça os outros lembrarem de mim.

Não do tipo de dar  o meu nome a uma ponte ou uma rua.

Ficaria horrorizado, se as pessoas vissem no jornal: ontem, na rua Romano Dazzi, um ladrão e assassino matou uma velhinha....

Imagine, minha reputação dependendo de uma vírgula, ou da entoação de quem lê a notícia. Esqueceu a vírgula, passo a ser um delinqüente.

Sim, reconheço, tem ladrões respeitáveis e  honestos desprezíveis.

 

Mas, dizia eu, queria ser capaz de deixar alguma informação que faça durar por mais um minuto, um efêmero instante, a noção de quem eu fui, de como era, de como pensava.

 

Meus dois  avós me transmitiram muita da matéria prima com a qual fui feito. Até mais do que me deram os meus Pais.

Do avô materno, ourives e joalheiro, recebi a paixão pelas coisas pequenas, pelas miniaturas, detalhes, pormenores.

Do avô paterno, sério funcionário de carreira, rigoroso cumpridor de obrigações, chegou-me o sentido do dever, de honrar os compromissos, de respeitosamente aceitar normas e imposições.

 Apesar desta carga genética, entretanto  nada  ou quase nada sei deles.

 

Se pelo menos tivessem deixado algo escrito, umas cartas, um diário, poderia reconstruir sua personalidade, entender o que pensavam, como justificavam o que faziam, que dúvidas carregavam.

Mas não é possível. Cada um conhece apenas a si próprio e nada pode entender dos outros, do que andava na alma deles. 

Conheço a minha mente, os sentidos, os  instintos, os sentimentos.

Conheço a raiva surda que me consome, a paixão que me devora, aquela estranha,  indefinível tristeza, vinda de inúmeras gerações ancestrais e que me  mata lenta e inexoravelmente.

Mas a ninguém é permitido expor sua alma completamente, sem retoques, como ela realmente é.

O que penso, o que escrevo, o que faço, passariam pelo crivo de mil olhares míopes, desinteressados, maldosos. A verdade estaria irremediavelmente perdida.

Ninguém saberá, nunca, como realmente fui.

Apenas, se ouvirão por alguns segundos depois que eu me for, umas palavras sussurradas de alguns poucos, movidos mais por compaixão, do que por amor à verdade.

“Era um bom homem” – dirão – “teimoso, invejoso, raivoso, mas um bom homem”.

 

Enfrentamos paixões, lutas, alegrias e sofrimentos demais, para ficarmos só com este epíteto bobo, com essa definição que nada define: “um bom homem!” 

Por favor, tentem não dizer isso de mim. 

Melhor será que digam: foi apenas um homem. Mas viveu!

 

 

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