VERA LÚCIA - Uma história de vida
Jefferson Batista do Nascimento
ETEC de Ribeirão Pires ? Ribeirão Pires/SP
Sol e vento forte. Entre tantos carros e ônibus, estava ela na carroceria daquele caminhão, tentando encontrar um lugar confortável. Já era tarde da noite...
Não existia nenhum sentido em continuar naquele sertão nordestino, onde o pai morrera picado por uma cobra e a mãe morrera de câncer. Irmãos ela não tinha. Os parentes mais próximos nem sequer conhecia.
Enquanto dormia, tristeza e angústia habitavam no coração daquela mulher, mas uma esperança nascia diante da vida nova que esperava encontrar na Grande São Paulo.
Uma voz de homem se ouvia. Ela abria os olhos com sono, ainda era muito cedo. O homem disse que já estava na Marginal Tietê e era para ela descer, antes que um policial aparecesse. Pegou sua mochila e agradeceu pela carona àquele motorista de feição séria, que segurava um cigarro e não parava de olhá-la com malícia.
Vera Lúcia é o nome dessa mulher de 26 anos de idade, com olhos castanhos, cabelos escuros, pele queimada pelo sol e sotaque nordestino. Estava descabelada, sem saber para onde ir entre tantos veículos. Então viu uma placa apontando para o terminal rodoviário, se interessou e foi para lá. Estava apenas com trinta e cinco reais e algumas moedas, porém conseguiu comprar a passagem com destino à Mauá, uma cidade próxima.
Aquele ônibus não era dos melhores, mas dava de dez à zero na carroceria daquele caminhão em que estava. A televisão estava ligada em um jornal. Uma notícia ao vivo lhe chamou atenção. Era sobre um caminhão que estava com centenas de pacotes de maconha. Ao ver o caminhoneiro sendo algemado pelo policial, imediatamente o seu coração disparou, pois aquele era o homem que lhe tinha dado carona. Instintivamente, abriu a sua mochila, pegou a garrafinha para beber um pouco de água e ao colocar novamente a garrafinha dentro da mochila. Surpresa. Ela não acreditava. Suas mãos gelaram e começaram a tremer. Um pacote médio de maconha estava em sua mochila. Então, nervosa, pegou aquela droga e jogou fora pela janela do ônibus. Que alívio! Acabara de se livrar de um problema.
Ao chegar à cidade de Mauá, Vera Lúcia, faminta, foi em direção a um grande bar e com as moedinhas que tinha, comprou um lanche. O bar estava sem muito movimento. Apenas alguns homens jogando truco, bebiam cerveja e comiam empadinha.
A moça do balcão estava conversando com Vera sobre o bar que precisava de uma faxineira. Que sorte! - pensou Vera, que continuou a conversa e acabou recebendo o emprego. Agora ela teria uns trocadinhos para alugar um quarto em um hotel barato do centro de Mauá.
No mesmo dia, Vera foi para um hotel com o dinheiro do salário adiantado. Que hotel sujo! Não tinha espaço nem para se movimentar direito pelo quarto. Pelo menos tinha um chuveiro elétrico, o único problema era a janela transparente do banheiro.
Enquanto Vera tomava banho, Cassiano Del Castro, o segurança mais antigo do hotel, ficava olhando-a. Felipe o outro segurança, ficava na guarita. Lascivo e preconceituoso era Cassiano. Tinha tudo para ser próspero, porém diante de tantas coisas, teve que se conformar com o emprego de segurança.
Todas as manhãs, dois nordestinos saíam do hotel para trabalhar e Cassiano nem dava importância. Já quando era Vera que saía, ele ficava inquieto, falando para o seu amigo Felipe sobre as nordestinas que estavam em Mauá. Na concepção de Cassiano, as nordestinas só serviam para "agradar" o marido e cuidar dos filhos.
Enquanto Cassiano ficava pensando sobre aquela nova moradora, Vera estava trabalhando com muita dedicação, limpando as mesas do bar, quando o Carlos, um homem branco, alto e de feição alegre se aproximou de Vera lhe cumprimentado. Em seguida, ele sentou-se com alguns amigos para jogar truco, beber cerveja e comer empadinha, como era de costume.
Nesse mesmo dia, à noite, quando Vera retornava do serviço, Cassiano aproveitando a ausência do Felipe, ligou o computador, escreveu um aviso no Word e imprimiu-o. Já passava da meia-noite, a cidade estava silenciosa. Todos no hotel dormiam, quando Cassiano subiu as escadas até o último andar, que era o quinto e se agachou para colocar o aviso por debaixo da porta do quarto de Vera. Suspense. Cassiano estava preocupado. E se alguém aparecesse? Um barulho se ouviu e a porta se abriu sozinha. Estava aberta. Vera estava tão cansada, trabalhava de manhã à noite, que foi dormir sem fechar a porta. Cassiano entrou, colocou o aviso na mesa e saiu disfarçadamente.
De manhã, Vera já arrumada para trabalhar, sentou-se para beber um café e se assustou. Um aviso? Para mim? O aviso dizia:

"VERA LÚCIA. SUA PRESENÇA NÃO É BEM-VINDA. SAIA LOGO DESTE HOTEL, ANTES QUE EU ME IRRITE E TE PEGUE"

Meu Deus do céu, quem seria capaz de fazer uma coisa dessas comigo? ? dizia Vera com lágrimas nos olhos. Depois ela pegou os seus pertences, jogou o aviso no lixo, desceu as escadas correndo, passou pelo segurança Felipe e disse que nunca mais apareceria ali.
Vera foi correndo para o bar, talvez lá se acalmasse. Chegando ao bar, Carlos que era mulherengo, tenta acalmá-la, obtendo sucesso. Vera conta a sua história, o que comove Carlos, que oferecesse a ela um cômodo de sua casa.
Carlos era um ótimo homem. Sempre acompanhava Vera ao trabalho. Até que Vera se apaixonou por Carlos. Os dois dormiram juntos e passaram a viver como marido e mulher.
Com o tempo, Vera engravidou de um menino e depois de dois anos engravidou novamente, dessa vez de uma menina. A vida dessa mulher trabalhadora não era mais a mesma. Estava desempregada e dependia do marido que era siderúrgico. Todavia o marido Carlos começou a mudar repentinamente. Ele começou a jogar bingo e a perder muito dinheiro. Começou a beber muito e a sair com mulheres.
Certa vez, Vera ficou acordada até tarde esperando por seu marido que chegou agitado e nervoso. Tentou conversar com ele para saber o que estava acontecendo, porém Carlos agrediu-a com socos e pontapés. Não, não, ela não acreditava que aquilo estava acontecendo. E justo com ela que não era de briga. "Ai, ai, ai", Vera sentia dor e dizia: Não bate na minha cabeça... Lágrimas. O que fazer diante dessa situação? Vera foi para cama. Dormiu chorando.
Na manhã seguinte pensou em ligar para a polícia, mas e as crianças? Carlos era o único que trabalhava ali. Então Vera foi lavar roupa e pegou várias manchas de batom em uma camisa de seu marido. Naquele momento sentiu uma dor profunda no coração. Pegou as crianças e foi para a casa da vizinha Lurdes. A vizinha a recebeu com hospitalidade, ouvindo atentamente os problemas de Vera.
Depois de conversarem, Lurdes convidou Vera para ir à igreja no centro da cidade. Todavia Vera não aceitou o convite, pois sabia que o pastor de lá era negro e ainda por cima o considerava um charlatão.
Ao voltar para casa com as crianças, Vera teve outra surpresa. Encontrou o seu marido baleado na sala. Mas que horror! As crianças choravam e gritavam: Mamãe, mamãe, olha o papai. Nessa hora, a vizinha Lurdes apareceu, telefonou para a polícia, que veio junto com a ambulância. O velório aconteceu naquela noite. O enterro foi de manhã. Depois todos ficaram sabendo que o Carlos tinha morrido porque estava envolvido com drogas. E ele não era o único, o segurança Cassiano havia sido morto pelo mesmo motivo também: drogas.
A vizinha Lurdes vendo o sofrimento de Vera convidara-a novamente para a igreja. Desta vez Vera aceitou o convite, levando os seus dois filhos que ficaram em uma das salas da igreja com outras crianças.
Era Sexta-feira, aproximadamente três horas da tarde, quando Lurdes e Vera entraram na igreja. Sentaram-se ouvindo o tecladista tocar. Vera estava com as mãos um pouco fria, porque era a primeira vez que estava em uma igreja.
Vera ouviu um barulho. Um homem se dirigia a frente da igreja. Era o pastor negro. Vera ao vê-lo não sentiu mais aquele repulso que sentia. Todos se levantaram, o pastor disse que as pessoas que quisessem refazer as suas vidas que levantassem as mãos e todos cantaram inclusive Vera que estava com uma alegria brotando em seu coração:

"SEGURA NA MÃO DE DEUS..."

Ao término do louvor, todos bateram palmas e se sentaram. O pastor começou a falar sobre como alcançar uma vida de qualidade em um mundo preconceituoso e violento em que mulheres e homens têm tantos conflitos entre si. Após a pregação o pastor deu oportunidade para as pessoas falarem sobre a transformação que sentiram na hora da ministração da palavra. Ninguém se levantou. Então Vera tomou coragem, se levantou e disse:
- "Eu fui transformada pela palavra de Deus. Estou sentindo uma alegria imensa em meu ser. Eu já sofri muito nesta vida, mas agora com a fé que eu recebi nesta tarde, eu estou determinada a mudar de vida. Eu quero que vocês não se esqueçam que nós devemos dar às mãos uns aos outros, quebrando a corrente do preconceito e da desigualdade, continuando a caminhada com força e coragem, homens e mulheres juntos, um auxiliando o outro, abandonando o jugo desigual, prosseguindo à frente, colhendo os frutos de vitória.
Todos aplaudiram. Depois de mais alguns louvores, o culto acabou. Eu que sou o jornalista da igreja, fiquei conversando com a Vera sobre sua vida, pois eu iria publicá-la posteriormente no jornal da igreja.
Atualmente a Vera continua freqüentando a igreja e ela abriu a Associação Renovação, onde são executados trabalhos voluntários sobre o tema Igualdade de Gênero. Com esse trabalho, milhares de mulheres juntamente com suas famílias estão sendo beneficiadas.
Portanto leitor, essa é mais uma história de vitória publicada, que percorre o Brasil inteiro, servindo de exemplo à sociedade.