Velhos propósitos no ano novo

Você já deve ter percebido que em cada ano novo, entre muita coisa nova nós e nossos propósitos continuamos os mesmos: velhos!

Bem isso vale para quem tem o hábito de fazer, cada novo ano, novos propósitos. Repetindo os do ano que se acaba, pois não foi capaz de realizá-los durante o ano que finda e, então se propõe, novamente, a realizar o que ainda não foi capaz. Isso faz o ano novo permanecer velho e os propósitos também. Assim é que, no ano novo, que permanece velho, reeditamos nossos velhos propósitos.

Por mais que digamos querer novidades nós, os seres humanos, somos tremendamente acomodados e preferimos que "tudo permaneça como está para ver como é que fica". Não queremos mudanças. As mudanças exigem que nós mudemos. Exigem que nós criemos sistemas de adaptação para acolher às novidades. Sendo assim, preferimos nos acomodar no cotidiano que é antigo, ultrapassado, mas cômodo, pois conhecido.

Por que mais tradicional que a surrada música repetida em todos os finais de ano:

"Adeus ano velho, feliz ano novo

Que tudo se realize, no ano que vai nascer

Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender

Para os solteiros, sorte no amor

Nenhuma esperança perdida

Para os casados nenhuma briga

Paz e sossego na vida"

O primeiro verso é o trivial: despedida do velho e saudação do novo. Mas e o que vem depois? Começa ai a contradição: "Que tudo se realize, no ano que vai nascer". Se tudo se realizar na vida de uma pessoa o que vai sobrar para que ela permaneça buscando e criando sentido para a vida? É justamente a falta ou a não realização que arremete o ser humano para a frente. Não tendo se realizado o ser humano se atira na busca da realização e, dessa forma, se mantém divo.

O verso seguinte é conseqüência do anterior: "muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender". Note que o sonho por "muito" dinheiro vem antes de muita saúde. Note, também, a linguagem comercial a saúde é "pra dar e vender". É como se quiséssemos dizer: queremos ter muito dinheiro para comprar tudo, inclusive saúde. Nem que tenhamos que enfrentar uma máfia na medicina, se tivermos dinheiro, poderemos comprar os préstimos do médico.

Depois da preocupação financeira vem a preocupação amorosa: "sorte no amor" e relacionamentos sem brigas, concluindo com a negação do dinamismo humano. "paz e sossego" como sonho de ano novo é o mesmo que dizer que se está negando o espírito que mais caracteriza o ser humano: a inquietação em busca da construção do diferente.

E assim vamos amontoando ano após ano, um emaranhado de propósitos que, sabemos, nunca realizaremos. E não realizaremos esses propósitos não porque eles sejam ruins, mas porque o ser humano é um ser inquieto e predisposto às reconstruções. E faz isso não por ser otimista e virtuoso, mas porque as novidades não nos são agradáveis. O que mais nos agrada é a comodidade, a acomodação.

E com isso, voltamos, novamente aos propósitos de fim de ano.

E não só os propósitos, como os símbolos.

Trocamos presentes, trocamos votos, trocamos cumprimentos... tudo isso com muita música. Tudo simbolizando alegria, paz e perspectivas de coisas boas. E os antigos e surrados propósitos de dias melhores, de grandes realizações...

Mas, se queremos dias melhores por que não nos esforçamos para edificá-los todos os dias do ano? Porque somente nas festas de final de ano reformulamos os propósitos? O fato é que nos debatemos, durante o ano inteiro com os antigos problemas buscando antigas soluções sem nos darmos conta de que no ano seguinte faremos tudo novamente da mesma forma que já havíamos feito antes. Isso, mais uma vez denota nossa indisposição para o novo e predisposição para a acomodação ao tradicional, rotineiro.

Mas e as novidades? O progresso?

Isso acontece porque, de vez em quando um maluco realiza algo diferente. Note que para cada maluco criativo tem sempre uma multidão de acomodados condenando-o. E isso se comprova ao longo dos milênios, com fogueiras e condenações.

Os malucos propõem, sempre, algo tão inusitado e fora do comum que sua proposta caba sendo atraente não pela novidade, mas pelo mistério que representa. E, então, tendemos a nos voltar para o inusitado misterioso. E assim se realizam e se concretizam as descobertas e invenções que, com o passar do tempo, acabam se popularizando ao ponto de nos apegarmos a elas.

E assim o progresso se faz. Não porque sonhamos com ele ou porque sejamos otimistas ou, ainda, porque desejamos construir coisas diferentes, mas porque alguns malucos quebram a rotina.

Agora, se depois de ter lido até aqui, você ainda mantiver o espírito otimista, sucesso, e que teu ano novo seja de grandes realizações.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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