Andréia Melquíades dos Santos

Manoel Nilson de Lima

Wanderleya Magna Alves

Paulo Muniz de Oliveira

RESUMO

Neste artigo discutiremos as práticas lingüísticas conhecidas como gírias, bem como suas variações nos campos sociais, geográficos e históricos. Mostrando que a essas práticas lingüísticas não estão fora da língua, mas faz parte de seu processo diacrônico. E nessa perspectiva discutiremos também o conceito ou preconceito da gíria enquanto discurso científico e discurso do senso comum.

PALAVRAS-CHAVES: gíria, variações lingüísticas, falante.

ABSTRACT


In this article we discuss the linguistic practice known as slang, as well as their changes in social fields, geographic and historical. Showing that these practices are outside of language, but part of their diachronic process. And that perspective, we also have the concept of bias or jargon as scientific discourse and discourse of common sense.

KEY WORDS: slang, language variations, speaker.

Para Calvet (2002) as práticas lingüísticas, enquanto variações lingüísticas são diastráticas, diatópicas e diacrônicas, ou seja, a primeira diz respeito às variações lingüísticas distribuída numa escala social; a segunda está ligada as variações lingüísticas geográficas e a ultima, está envolvida na evolução histórica dos fatos de uma língua.

Esses três parâmetros, social, geográfico e histórico configuram as práticas lingüísticas que são popularmente conhecidas como gírias. Bourdieu apud Calvet, nos mostra o potencial da gíria na seguinte afirmação: "a única afirmação de uma verdadeira contralegitimidade em matéria de língua é a gíria; mas se trata de uma língua de chefes". Apesar das criticas, que o condenam pelo fato de considerar a gíria como forma ou mesmo tempo separada e unificada da língua, podemos de fato encarar a gíria como uma língua de "chefes", pois são como se os usuários de determinadas gírias fossem donos do pedaço, pelo fato de se sentirem íntimos dessas práticas lingüísticas. Calvet 2002, p. 113) caracteriza as gírias por:

- alguns traços sintáticos, por exemplo a utilização intensiva de verbos normalmente transitivos. "sijou!" para se referir a um evento inesperado, portanto de eventual risco;

- alguns traços fonéticos, por exemplo pronúncia "veio" por "velho" e "sartar" por "Saltar";

- um conjunto lexical produzido seja pela aplicação de regras do tipo que acabamos de descrever, seja pela aplicação de regras de trasformação, como no verlan.[1]

Segundo Naro (2003) o processo de aquisição da linguagem se completa aproximadamente no início da puberdade, época em que o uso das gírias é característico das turminhas de jovens e, ao mesmo tempo, requisito para a aceitação de um adolescente nesse novo ambiente. A linguagem típica de uma geração estará presente em toda a vida do indivíduo, pois segundo Anthony Julius Naro, após a puberdade "a gramática do indivíduo não pode sofrer mudanças significativas porque o acesso aos dispositivos cognitivos que possibilitam a sua manipulação (a chamada faculdade da linguagem) fica bloqueado".

Ainda de acordo com esse autor, as pessoas que assimilaram determinadas gírias na adolescência as utilizarão desde a juventude até a velhice, podendo adquirir algumas novas gírias. Porém, o uso destas novas seria casual, uma vez que predominarão as que são marcas de sua juventude.

Comparando a atual juventude com a dos anos 70, percebe-se uma significativa diferença entre as gírias que as caracterizam. Elas refletem a ideologia e o comportamento das gerações, com seus ideais e preconceitos. E por falar em preconceitos, Marcos Bagno em um artigo publicado na revista Presença Pedagógica, (2006) discute duas ordens do discurso que se contrapõe, o discurso cientifico e o discurso do senso comum, em que o primeiro está carregado de teorias da lingüística moderna e considera as variações lingüísticas como um processo, enquanto que o segundo, está carregado de preconceitos sociais e operando com a noção de erro. Portanto, fica evidente que o senso comum predomina sobre as práticas lingüísticas, uma vez que o falante pode inconscientemente indicar sua origem, bem como o grupo social ao qual pertence ou participa (Calvet, 2003), o que de certa forma contribui para o (pré)conceito do falante.

Nas letras de músicas de Roberto Carlos (Papo firme, Namoradinha de um amigo meu, O calhambeque e Parei na contra-mão) se encontram gírias faladas pela geração que consagrou seu sucesso. Gírias como garota papo firme, lambreta, calhambeque, dentre outras se contrastam com o linguajar das atuais gerações de jovens, como aquelas comuns na juventude de todos os Estados brasileiros: tá ligado, fala sério, tipo assim, da hora, pode crer, mano, mina, filé, véio, é vero, brother,balada, rapá irado, demoro, galera, animal, algumas encontradas na revista ATREVIDA e outras em sites que discutem esse assunto.

De acordo com a história, as gerações dos anos 70 viveram numa época de censura, em que tiveram que lutar por liberdade de expressão, direito de votar, liberação sexual e autonomia sobre suas vidas, enquanto as atuais gerações usufruem dessas conquistas. Isso demonstra que grande parte dos jovens de hoje possui ideologias fúteis, já que não necessitam lutar tanto para conquistar alguns direitos quanto às juventudes passadas. Essa diversidade de ideologias está implícita nas gírias, uma vez que estas representam à ideologia de seu falante e de sua época.

Confirmando o caráter diacrônico destas variações, que incluem as mudanças de época para época, pode-se comparar as gírias que predominaram nas décadas finais do século passado com as que predominam hoje. No ano de 1978, a gíria que predominou foi transa, pois a juventude começava a usufruir da liberdade sexual. Em 1990, época em que a juventude lutou contra a corrupção do governo Collor, a gíria predominante foi marajá. Em 2004, a gíria mais falada pelos jovens das classes altas é fashion (CONTIGO), e da juventude em geral é fala sério.

Essas expressões extraídas do periódico juvenil ATREVIDA, da revista CONTIGO e das letras de músicas de Roberto Carlos reforçam os caracteres diacrônico e diastrático da gíria, isto é, o contexto sociocultural de cada época. Mas essas variações linguísticas também possuem um caráter diatópico, variando de lugar para lugar. Por exemplo, o homossexual masculino é tratado como baitola na região Nordeste e por bicha no Sudeste, na Bahia, há uma expressão própria que é xibongo, nome de uma flor típica desse estado bem como várias outras variações como biba, bambi, frutinha, todas utilizadas para designar o homossexual masculino.

Outro exemplo são as expressões cafuçu, do Ceará, bacurau, do Espírito Santo e chupona, do Maranhão, todas com o valor semântico de menino/menina feios. As referidas gírias marcam a origem geográfica de seus falantes.

Os adolescentes priorizam o uso das gírias para se integrarem a grupos formados por jovens, como afirma Calvet (2002, p. 114) ao dizer que "a gíria dos adolescentes responde parcialmente a uma vontade de convivência no seio da faixa etária". Essa interação, além do modo de falar, é caracterizada também pela maneira de se vestir, pelas músicas e pelos símbolos registrados nas paredes e muros.

A Sociolingüística realiza um estudo da língua considerando suas variações sociais, inclusive as gírias. A gramática normativa desconsidera as causas sociais das variações, estigmatizando-as como formas "erradas". O surgimento da Sociolingüística completou a lacuna existente no estudo e no ensino de línguas, pois a descrição formalista de uma língua é insuficiente. Dessa forma, é necessário rever a gritante exclusão social feita pelo viés da norma culta, assim:

Uma descrição sociológica consiste precisamente em pesquisar esse tipo de correlações sociais efetuando sistematicamente triagens cruzadas e interpretando os cruzamentos significativos ... a utilização dessa ou daquela forma é insciente, involuntária, mas ela nos indica algo sobre a categoria social do falante, no outro ela é consciente, voluntária e nos diz algo sobre o comportamento do falante que utiliza a língua para agir. Calvet, 2003, p. 103/104).

As gírias não existem à toa. Elas representam mudanças sociais e ideológicas, que são refletidas na língua e nos signos lingüísticos responsáveis pela interação social. Segundo Souza (2003, p. 2) "ao enunciar, o falante reflete e refrata as suas condições histórico-sociais, a sua instância de enunciação, por isso todo signo é ideológico". As gírias são ideológicas e, como afirma Calvet (2002, p. 112), "não existe razão lingüística alguma para considerar a gíria como uma forma separada da língua". E para tanto, também não razão alguma para considerar as práticas lingüísticas (gírias) como algo errado ou fora da língua, pois, segundo o que afirma Bagno não existe erro na língua.

Para as ciências da linguagem, não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um sistema de sons e significados que se organizam sintaticamente para permitir a interação humana, toda e qualquer manifestação lingüística cumpre essa função plenamente. A noção de "erro" se prende a fenômenos sociais e culturais, que não estão incluídos no campo de interesse da Lingüística propriamente dita, isto é, da ciência que estuda a língua "em si mesma", em seus aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos. (Bagno (2006), revista Presença Pedagógica).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVET, Louis-Jean. Variações diastráticas, diatópicas e diacrônicas: o exemplo da gíria. In: Sociolingüística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 4ª ed., 2002;

NARO, A. J. O dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C. & BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à Sociolingüística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003;

SOUZA, G. S. de. Dialogismo, ideologia e gêneros do discurso: a contribuição de Bakhtin. In: O Nordeste na mídia: um (des) encontro de sentidos. Tese de Doutorado. Araraquara: UNESP, 2003;

ATREVIDA (nº 103, p. p. 52-56)

CONTIGO (nº 1500 – 17/06/2004)

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso:
ciência e senso comum na educação em língua materna. Artigo publicado na revista Presença Pedagógica em setembro de 2006. Disponível em <http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/textos.htm/>. Acesso em 02 de julho de 2009.

Adeus anos 90: deu a louca nas gírias. Disponível em <http://br.geocities.com/adeusanosnoventa/burrice_girias.htm/>. Acesso em 02 de julho de 2009.


[1] Verlan -> processo morfológico de inversão da ordem das sílabas da palavra para torná-la incompreensível. Ex: "chabi' por "bicha".