Vandré não plantava em tempo de queimada

 

Edson Silva

 

 

Uma das coisas mais admiráveis na música revolucionária de Vandré é a sua coragem. Em pleno “Anos de Chumbo”, ele não usava meias palavras para dizer o que pensava. Suas músicas, de cunho político social, acabavam censuradas, mas o poeta não abria mão de dizer o que pretendia dizer, com coragem ímpar e toda lírica própria dos grandes gênios. “O Plantador’ também é de 1968 e a composição é assinada por Vandré e Hilton Accioly. A música conta a história de um caminhante, que se diz transformar-se em nada, caso pare a sua missão de caminhar. Sua única companhia é a poeira, que é feita de companheira e camarada.

 

Por ser uma atitude que vai contra a uniformidade de ação da multidão subserviente e no passo de boiada, a caminhada incomoda os poderosos, os donos da terra, que decretam a morte do caminhante, dizendo que não lhe ofereçam água ou comida, pois trata-se de um preguiçoso, que não planta nada. O caminhante que, embora poucos sabiam, muito tinha plantado na vida, mas mesmo assim não tinha nada. Ele não se importa com que o poder pensa dele, calado escuta as críticas, mas não abre mão de sua postura e responde que é inútil plantar em tempo que é para queimada.  

 

Impossível não se fazer algumas comparações com situações da atualidade, onde principalmente as elites tratam de maneira simplória os movimentos sociais, como é o caso dos trabalhadores sem terra. Tais elites preferem taxá-los indiscriminadamente de aproveitadores (o que pode até ter alguns infiltrados), mas não enxergam que ali está uma maioria de homens, mulheres, crianças, enfim famílias, em busca do direito sagrado de trabalhar para obter o próprio alimento, de arrumar um meio de sustento. Muitos foram até despojados de suas terras por aproveitadores, normalmente pessoas de posses ou poderosas, que os expulsaram por meio da violência. A música de Vandré, composta há mais de 40 anos denunciava e criticava a postura preconceituosa.   

 

”Quanto mais eu ando,/ Mais vejo estrada/ E se eu não caminho,/ Não sou é nada./ Se tenho a poeira/ Como companheira,/ Faço da poeira/ O meu camarada./ Se tenho a poeira/ Como companheira,/ Faço da poeira/O meu camarada./ O dono quer ver/ A terra plantada./ Diz de mim que vou/ Pela grande estrada:/ "Deixem-no morrer,/ Não lhe dêem água,/ Que ele é preguiçoso/ E não planta nada."/ Eu que plantei tudo/ E não tenho nada,/ Ouço tudo e calo,/ Na caminhada./ Deixem que ele diga,/ Que eu sou preguiçoso,/ Mas não planto em tempo/ Que é de queimada./ Deixem que ele diga,/Que eu sou preguiçoso,/ Mas não planto em tempo/ Que é de queimada.”

 

Edson Silva, 48 anos, é jornalista da assessoria de imprensa da Prefeitura de Sumaré.

 

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