Valorização das Diferenças, políticas de reparação para proporcionar uma igualdade mínima nas condições sociais.

Marcos Fogaça Vieira1

No presente ensaio iremos analisar como as questões étnico raciais que são posta a partir da obra de Gilberto Freyre “Casa Grande & Senzala” (1933), percebendo as continuidades e descontinuidades desde a obra freyriana em relação à contemporaneidade, debatendo à questão da miscigenação como algo que foi essencial para formação da identidade do povo brasileiro, e que em certo momento na sua obra é ambígua, ou seja, que essas relações que proporcionaram nossa miscigenação das três raças: brancos, índios e negros não foram tão harmoniosa assim como pretendia o autor. Então, como privilegiar uma raça em detrimento de outras já que somos um pais miscigenado? Portanto, a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),como essa dinâmica provoca exclusão, pois a autodeclararão não nos permite visualizar como e onde está este povo “misturado” , sendo assim, políticas públicas ainda são aplicadas a partir desses dados, favorecendo ainda predominante a raça branca, uma continuidade da ideia não tão diferente do que propunha Freyre - com suas especificidades - do domínio do branco em relação as outras raças.

Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde de negro - na composição. Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência de raça. Quase nenhuma no português cosmopolita e plástico, do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política. (FREYRE,2003, p.32)

Para Gilberto Freyre, a sociedade brasileira nasceu do encontro entre as raças brancas por meio do português, índio e negro, onde para ele o predomínio da raça branca ficou evidente, pois foi o mesmo quem colonizou os trópicos, tomou as índias e depois as negras para procriação, com o tempo a relação entre os três foi ocorrendo de forma continua que acabaria por miscigenar o Brasil como um todo. Segundo” Freyre, foi um encontro fraterno, solidário, generoso, democrático, viabilizado pela miscigenação.” (REIS,2006, p.66).

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1Graduando no Curso de Licenciatura em História pela Universidade Federal do Pará

Oitenta e três anos depois do livro de Gilberto Freyre ter sido escrito levando-se em conta dados que compõem a divisão étnica do Brasil, segundo o IBGE 2010 podemos afirmar que a população é composta por:

Pardos: 43,1%
Brancos: 47,7%
Negros: 7,6%
Indígenas: 0,4%
Amarelos: 1,1%

            Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são coletados com base na declaração de raça ou etnia de cada cidadão, no entanto, segundo os dados que o referido Instituto divulgou em 2010, o que verificamos é que entre essas etnias não existe uma relação, ou seja, se a miscigenação ainda ocorre entre essas etnias, não podemos afirmar de que forma se dão, pois estão em grupos diferentes. Mas, isso gera um questionamento, quando perguntado como é composta a nação brasileira a que etnia pertencemos? Diríamos que somos uma nação miscigenada.

 Mas, como nossa preocupação é demarcar essas desigualdades que são heranças de um passado que silenciou e exclui das políticas públicas uma minoria, que desconsiderou nosso passado miscigenado que sempre priorizou a cor branca.

Os grupos raciais diferem no que diz respeito às características epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas, acesso a serviços, dentre outros. Dados do Censo 2010 indicam que os pretos e pardos estão em maior proporção no grupo de pessoas abaixo de 40 anos; já os brancos têm maior proporção entre os idosos – maiores de 65 anos e, principalmente, maiores de 80 anos de idade – o que provavelmente está ligado às diferenças de condições de vida e acesso a cuidados de saúde, bem como à participação desigual na distribuição de renda. Os rendimentos médios mensais dos brancos (R$ 1.538) e amarelos (R$ 1.574) se aproximam do dobro do valor relativo aos grupos de pretos (R$ 834), pardos (R$ 845) ou indígenas (R$ 735) (IBGE, 2010).

Mas, sabendo que essa discussão é bem mais complexa do que parece a priori, a miscigenação que acima foi apontada, não se dá de forma tão assim harmoniosa como pretende Freyre, segundo a avalição de José Carlos Reis, é entendida de forma ambígua: quando Freyre escreve e louva a colonização feita pelo português, devido sua plasticidade mostra o outro lado da colonização como algo imposto pelo conquistador, não deixando escolha ao conquistado, e pode ser que tenha sido devido a este entendimento, que compreendermos que exista uma dinâmica conflitante no processo de miscigenação em que, no caso da conjuntura social atual, foram criados as cotas raciais tentando saldar uma dívida com o passado ou melhor tentando amenizar as consequências de uma colonização que favoreceu historicamente ao branco deixando como consequência as fortes desigualdades na composição da população brasileira.

Freyre oferece uma resposta ambígua a esta questão, “Como é ambígua ou “anfíbia” toda a sua reflexão sobre o Brasil. Por um lado a, mestiçagem se fez entre senhor e escravo. Se o brasileiro é mestiço, e Freyre não omite esse dado, essa mestiçagem não se realizou amorosamente. O brasileiro não é de uma relação humana entre etnias –culturais diferentes. Ele é filho de um estupro: o senhor conquistador, colonizador, armado de espada e terço, que invade e domina índios e negros, exterminando e escravizando os homens e violentando as mulheres”. (REIS,2006, p.75)

Longe de ser uma questão resolvida o que podemos fazer é tentar mostrar que para o contexto de quando Freyre escreve seu livro Casa Grande & Senzala nos anos de 1930, afirmar que nossa sociedade brasileira é composta por três raças e que o negro e o índio tiveram relevância nesse processo foi um avanço, visto que até então as elites tentavam esconder esse fato pelos discursos que haviam sobre o conceito de raça inferior e superior. Apesar de deixar evidente que o português era o mais apto, e que a partir dele ter acontecido esse encontro, Freyre inova quando leva em conta a importância da miscigenação para o Brasil.

Essa avaliação otimista que Freyre faz da miscigenação representou um alivio para as elites brasileiras. Ele lhes devolveu a auto confiança que as teorias do final do século lhes tinhas tirado essa nova representação do Brasil ao mundo exterior. Desde 1822, as elites esforçavam-se por esconder dos estrangeiros e de si mesmas a “impurezas” da história nacional (REIS,2006, p.69).

Como já se viu houve uma continuidade das condições de vida a serem melhores para o branco, do que para o negro (que com a miscigenação temos o parda) e o índio, quanto ao fato da população se declarar ser de cor branca, negra, pardo, indígena ou amarela, no que se refere ao processo da construção étnica da sociedade brasileira sobre nossa identidade, constatamos que nos dados do IBGE a familiarização com o grupo pela cor da pele - auto declarada -  é que predomina e não pela sua ancestralidade.  Dada a complexidade do assunto, entendermos que uma revisão nas coletas de abordagem poderiam demarcar melhor a presença dessa miscigenação.

Compreendemos que esse assunto já para o tempos de Freyre até os dias hoje demanda uma reflexão mais profunda, os estudos referentes a constituição étnica do Brasil retirado do IBGE não nos possibilitou entender onde esse processo ocorre, porém sabemos que está presente na dinâmica da formação da sociedade brasileira, Freyre nos coloca em uma análise bem contemporânea em que a miscigenação ainda é marca de nossa identidade, embora não seja um debate que tenha sido encerrado, visto que antes mesmo de Freyre escrever a questão identitária já havia sido abordada por  outros autores como Varnhagem, Von Martius por exemplo. A conclusão desse ensaio é tentar mostrar que ser brasileiro está acima de questões étnicas, somos uma nação; é buscar melhorias para o país como um todo, mas também levando em conta onde as populações estão em carência maior, e à necessidade de construir uma sociedade que respeite e valorize as diferenças e a emergências das cotas e outras políticas de reparação que vão no sentido de proporcionar uma igualdade mínima nas condições sociais dos diferentes grupos.

Referências Bibliográficas

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/.Dia 16/05/2016. Hora 10:25.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: Formação da Família Brasileira sob o Regime da Economia Patriarcal, São Paulo: Global, 2003.

REIS, José Carlos. Anos 1930: Gilberto Freyre – Reelogio da Colonização. In____.As identidades do Brasil: de Varnhagen à FHC. Rio de Janeiro: FGV, 2006.p.115-144