O suposto vir a ser humano deseja em demasia a liberdade e os frutos oriundos de ser livre independente e apto a fazer o que quiser, porém almeja em demasia o convívio harmônico em grupo ou especificamente à dois, sentindo exacerbado pavor e “paura” perante a solidão ou exílio. A vida e a existência solitária na modernidade parecem suscitar aquilo que o ser humano tenta avidamente esconder.

A sociedade contemporânea erigiu-se sobre dois paradoxos e antagônicos pilares, porém relativamente complementares, ou seja, de um lado recebemos e internalizamos a exacerbada herança cultural cristã arraigada em princípios éticos e morais atrelados a religião, a qual profetiza que os indivíduos devem relegar o prazer ao limbo, casar cedo e constituir família para a perpetuação da espécie. Em outra dimensão, o vazio existencial e a lacuna cotidiana inerente e ontológica a condição humana, isto é, a falta e a angústia experenciadas pela humanidade desde os primórdios da existência humana e agravada na modernidade.

O anseio pelo prazer, a afirmação da vontade e as exigências do desejo abarcam uma existência humana fugaz e efêmera, fortemente coadunada ao anseio descomedido pela felicidade. Esse estilo ou forma de existência hedonista pautado na busca incessante pelo prazer e felicidade seriam as causas fundamentais do sofrimento e angústia.

A angústia, a falta, o vazio, continuariam existindo, sendo a tentativa de preenchimento da lacuna atribuído ao outro, ou seja, a solidão do outro aplacaria o vazio de uma existência solitária. Ignora-se a heterogeneidade, subjetividade e individualidade pela homogeneidade e completude no outro.

O casamento e o relacionamento afetivo seriam a junção de duas solidões, onde um vazio procuraria a sua idealizada completude no vazio outro. O outro ou a coisa externa investida de algum significado ou valor, possibilitaria o fim da solidão e do vazio, propiciando desta forma a satisfação do desejo ou a felicidade ansiada em demasia pela humanidade. Destarte, o fim do vazio, o preenchimento da lacuna, a satisfação ou a felicidade estarão sempre vinculados ao outro, externo e estranho ao indivíduo, quer seja no amor, dinheiro ou poder.

Conseguimos amar da mesma forma a família e a variedade de membros que compõem uma esfera familiar. Possuímos a habilidade e a capacidade de amarmos miríades de pessoas, animais, coisas e objetos. A tentativa de fragmentar e atribuir valor ao amor e aquilo que é amado, e, por consequência, àquilo que deve ser amado é oriundo do tecnicismo, inerente ao pragmatismo. A fidelidade no sentido de exclusividade remete a especificidade e a uma tendência individualista e egocêntrica, desta forma, nada tem em consonância ou similitude com a capacidade e habilidade de amar.

A satisfação ou realização de um desejo e a felicidade parecem estar sempre exógena ao ser humano – que viria de fora para dentro – nunca percebendo a possibilidade para a beatitude completa em si mesmo. Até a racionalização dos augúrios da existência humana cotidiana é atrelada ao outro, ou seja, o incômodo mal estar e o sofrimento são oriundos do mundo externo e extrínsecos ao ser humano. Uma tentativa desesperada de buscar explicação e sentido ou aplacar/amenizar o vazio e a falta na incompletude e solidão do outro.

O ser humano não deseja somente o prazer/satisfação no outro (amor, dinheiro, poder), mas a realização egocêntrica e completude, além do objeto físico, configurando ou (travestindo) seu objeto de desejo ou realização em um acessório, a coisa em si, explicitando as benesses e benfeitorias inerentes ao relacionamento com o objeto e coisa em questão.

Desta forma, o tempo cronológico (capital) nos remete a produção de bens materiais e de consumo, destarte a noção de tempo inconsciente (atemporal) subentende-se o desejo.

Entende-se que a felicidade, satisfação ou realização no amor não estaria endógena ao indivíduo na sua capacidade de amar e na habilidade de ser feliz, ou seja, no seu desejo, mas se encontraria extrínseca ao homem em sua relação com o outro, na produção de subterfúgios para galgar a felicidade. A completude suposta e idealizada do seu desejo estaria coadunada ao valor atribuído ao objeto ou coisa em si – tanto no deserto do sentimento, como na seara das relações com o dinheiro.

Através da infelicidade e insatisfação existencial oriunda da vida moderna, o discurso publicitário do consumo desmesurado se inscreve como placebo paliativo para a angústia e sofrimento, no intuito de domesticar os indivíduos, incitando a aquisição contínua e infindável de bens materiais supérfluos e desnecessários.

Assim como enaltece e insufla a obrigação pela assimilação de novas tecnologias, ou seja, o indivíduo é impelido, mediante ao apelo publicitário adquirir um produto de última geração quase diariamente.

Ao consumir um produto, tem-se a idéia de que seus atributos serão internalizados, ou seja, o indivíduo relaciona-se ou tende a consumir as qualidades supostamente advindas do produto.

O controle ideológico do consumismo, o qual gera uma falsa homogeneidade, onde aquele que consome específico produto será parte do todo, pois consome o que os outros consomem e uma característica ou tendência de heterogeneidade, porque a mercadoria lhe atribui uma individualidade especial.

Ao mesmo tempo, o indivíduo na ânsia de ser aceito e fazer parte do meio social, adquire a mercadoria e também deseja ser diferenciados pelos supostos atributos inseridos no produto do consumo, o qual poderia gerar o pertencimento social e a exclusividade singular.

 

Bibiografia

COMTE-SPONVILLE, André. A Felicidade, Desesperadamente. Ed. Matins Fontes: São Paulo, 2001.

FERRY, Luc. A Revolução do Amor. Ed. Temas e debates: São Paulo, 2011.

ONFRAY, Michel. A Potência de Existir. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2010.