Unidades de Conservação e Comunidades populares: As consequências da relação entre a “Comunidade Quilombola Frechal” e a “Unidade de Conservação Extrativista do Quilombo Frechal" Bárbara Guerra Barbalho e Maiana Bastos* Sumário: Introdução; 1.Breve análise histórica da sociedade escravista maranhense; 2. Comunidade quilombola Frechal e reconhecimento jurídico; 3.A reserva extrativista do quilombo Frechal e desenvolvimento sustentável; Considerações Finais; Referências RESUMO O presente paper visa analisar a polêmica da relação entre a Comunidade Quilombola Frechal e a Reserva Extrativista do Quilombo Frechal, bem como a relação entre a comunidade e os fazendeiros locais, denotando as lutas e vitórias desta parcela da sociedade maranhense, desde suas raízes históricas até o quadro atual, o qual apesar dos avanços, continua sendo caracterizado pela discriminação tanto do Estado Paternalista, quanto da sociedade propriamente dita. Palavras-chave: Reserva Extrativista. Quilombo Frechal. Judicialização. Território INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo relatar a história e a luta das Comunidades Remanescentes de Quilombos, onde a maioria dos seus integrantes é descendente de escravos ou índios que resistiram a escravidão e se rebelaram de forma coletiva e/ou individual contra o regime escravocrata. Se refugiaram em quilombos na tentativa de obterem uma vida autônoma e mais digna. Para a realização do presente estudo, será feito inicialmente uma abordagem geral do processo histórico e sociológico pelo qual essas comunidades passaram desde a época da escravidão, até os dias atuais. Irá ser analisada também a interação entre a sociedade quilombola e meio ambiente, além de serem relatadas as mudanças na legislação brasileira que positivaram os direitos destas comunidades que historicamente já são reconhecidos como seus. A Constituição Federal de 1988 aderiu o assunto ‘’quilombola’’ as políticas públicas, tendo como principal ponto a titulação da terra habitas pelos quilombos e proteção das suas culturas. Será estudado então o processo de reconhecimento jurídico especificamente do Quilombo de Frechal, que é localizado no município de Mirinzal, relacionando-o com a Unidade de Conservação que pretende ser implantada na região onde o quilombo se encontra. 2. Breve análise histórica da sociedade escravista maranhense Os latinfundiários maranhenses, por volta do século XVI e XVII, investiam principalmente na agricultura com o plantiu de algodão , arroz e açucar, só que encontravam certa dificuldade em desenvolver essas plantações com a mão-de-obra nativa indígena, pois estes eram protegidos pelos religiosos, então resolveram optar por uma mão-de-obra mais propícia á realizão dessas atividades, a dos negros. O tráfico desses negros passou a ser organizado pela proria coroa portuguesa, onde eram capturados na Áfria e conduzidos de forma brutal, por meio dos ‘’navios negreiros’’, para o Brasil e lá eram comercializados. Foi por volta do final do séc. XVII e inícil do XVIII, que o trafico de negros teve seu apce com a instalação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, pois esta tinha o monopólio do comercio e o objetivava alargar a venda de escravos. Tempo despois, o Maranhão passou a ser a região brasileira que tinha a maior porcentagem de escravos em sua sociedade. Esses escravos viviam em péssimas condições e eram tratadosde forma desumana e cruel, o que levava muitos a fugirem dos seu senhores e adentrarem nas matas manhenses, se refugiando em locais proximos de rios e riachos, sendo lungares de dificil acesso e longe dos centros urbanos. Os escravos fugões foram se conglomerando e organizando-se. Foi dando então origem aos quilombos que era composto por uma pessoas que se recusavam a viver no regime escravocrata, onde podiam praticavam seus costumes, tradições e atividades religiosas sem serem reprimidos, paasando este local a servir de refúgio aos escrevos. É importante lembrar que nem sempre a fuga e/ou união desses escravos levavam a formação de um quilombo. Esses quilombos também podem ter sido ser provenientes de terras que foram doadas, herdadas ou terem sido entregues pelo Estado como forma de pagamento e la mesmo as pessoas permaneceram.( REIS; GOMES. p.9) Os fazendeiros, que tinham escravos fugitivos, oferecimam recompenssas para aqueles que os capturavam. Surgiu entao a figura do capitão-do-mato, que estava encarregado de reprimir e capturar os escrevos fugões e em troca recebia premiações dos senhores. As guardas nacionais e policia rural, também passaram a participar dessa caça, mas essas em sua maioria eram despreparadas para realização de tal atividade. Em alguns casos, quando se descobria o quilombo, este ja estava tão fortalecido que a sua dissolução era praticamente impossivel, então se fazia necessário a geração de balhatas na tentativa de destruir estes quilombos. Já os comerciantes se beneficiaram com o surgimento desses quilombos, pois eles faziam trocas de mercadorias com os quilombolas, estes utimos davam produtos agricolas por eles produzidos ou materias extraidos da mata e em troca recebiam dos comerciantes produtos que nao eram possiveis de serem produzidos no interior do quilombo. Surgiram os abolicionistas, que era formado pela sociedade menos favorecida economicamente, religiosos, intelectuais e outros, e começaram a se rebelar e se movimentarem contra as arbitrariedades da elite . Uns desses principais movimentos fora a Balaiada, onde sua luta também era contra a escravidão, tendo assim apoio dos quilombos e dos negros escravos e alforriados. Nessa revolta, os rebeldes chegaram a conquistar Caxias, porém a desorganização desse grupo e a falta de união entre os líderes levaram a vitória as forças militares, que foram enviadas pelo governo para reprimir o movimento. O processo de abolição da escravatura no Brasil foi lento, começou com a proibição do trafico de negro, anos depois foi decretada a Lei do Ventre-Livre, Lei dos Sexagenários e finalmente a Lei Áurea que colocou a escravidão no Brasil. Porem mesmo estando livres, os negros ainda encontravam-se com bastante dificuldade devido a sociedade que os descriminavam e dificultavam as suas inserção no mercado de trabalho, levam muitos a se refugiarem em quilombos. Esses quilombos sofreram violentas agressões por malfeitores que tentaram retira-los do terreno em se encontravam, mas conseguiram desenvolver uma autonomia cultural e identidade social resistindo e permanecendo ate os dias atuais, exibindo assim um patrimônio cultural esplendido, porem banalizado por muitos. Eles se tornaram uma sociedade rural extrativista onde umas das suas principais atividades é a agricultura de subsistência ( produção para próprio consumo do grupo), estando assim suas vidas ligadas diretamente ao terreno no qual eles habitam e vivendo em perfeita interação com o meio ambiente. Essas comunidades rurais passaram a se organizar e reivindicar por seus direitos. No Ato das Disposições Constitucionais Provisórias no Art. 68 e na Constituição Federal de 1988 nos Art. 215 e 216 foi alegado que esses ‘’remanescentes de quilombos’’ passariam o ter reconhecimento os seus direitos territoriais sendo-lhes emitido titulação da terra que ocupavam (a terra era o principal meio de sobrevivência deles deste a época da sociedade escravista), também os foram garantido proteção da sua cultura e organização social. Esta foi uma forma que o Estado brasileiro encontrou para se redimir com esses descendentes de escravos, por todo processo que eles foram submetidos no passado. Atualmente são implantados, em algumas áreas de localização dos quilombos, Unidades de Conservação que visam a proteção meio ambiente, mas isso poderá dificultar obtenção dos títulos pelos quilombos e ainda restringir o modo como os quilombolas se relacionam com a natureza, estando assim o Estado intervindo nas atividades da comunidade e limitando-as, podendo ocasionar na alteração cultural da comunidade. Mas essas Unidades de Conservação também podem ajudar na luta dos quilombos, como nos casos em que sofrerem ameaças de fazendeiros, latifundiários, grileiros, dentre outros. 2. Comunidade Quilombola Frechal e reconhecimento jurídico O Maranhão é o estado brasileiro com maior número de comunidades quilombolas do país, e o segundo com maior número de Comunidades Quilombolas já intituladas, perdendo apenas para o estado do Pará. Contudo, apesar do avanço, foi longa e árdua a luta pelas conquistas das terras com títulos de propriedade, ainda que o art. 68 da Constituição de 1988 declare expressamente: “aos remanescentes das comunidades dos Quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva”, devendo o Estado emitir-lhes os títulos, uma vez que com a ausência destes os moradores do Quilombo podem ser desapropriados por mandados judiciais, fazendeiros que almejam a área, ou ainda grileiros que, tendo conhecimento que a terra pertence ao Estado, cria documentos e invade o território, prejudicando seus habitantes, que na maioria das vezes são remanejados do local, ainda que nele tenham vivido há anos. A Comunidade Quilombola Frechal, composta por 200 famílias e totalizando em média 800 habitantes, foi a primeira do país a ter reconhecido como legítimo o direito à terra remanescente dos quilombos. Porém, dentre estas comunidades que se manifestam em prol do reconhecimento das terras habitadas, se destaca, bem como as demais, por sua história de resistência, organização, liberdade, igualdade e, de modo geral, pela luta em defesa de direitos sagrados constitucionalmente garantidos. O Quilombo em tela localiza-se no município de Mirinzal, situado na microrregião da Baixada Ocidental Maranhense, sendo considerada uma das propriedades mais prósperas do Maranhão, haja vista o nome da comunidade é referente a um famoso engenho fundado pelo português Manuel Coelho de Souza, no final do sec. XVIII. Seus descendentes continuaram a produzir açúcar ao longo do sec. XIX. Porém, em 1925, o último herdeiro da família hipotecou a fazenda, em razão do acúmulo de dívidas contraídas, o que mobilizou os escravos a trabalharem arduamente para conseguirem saldar a dívida do proprietário. Ocorre que, com a morte do último herdeiro, a luta para um Maranhão mais justo só havia iniciado, pois por não possuírem a titularidade das terras, o território dos remanescentes ficou submetido à invasões de grileiros. Foi o que aconteceu quando Melo Cruz - empresário paulista que tomou posse do local mediante escritura pública de compra e venda – destruiu as cabeceiras dos cursos d’água e babaçuais, para efetivar suas plantações, bem como aniquilar os manguezais, visando a construção de uma pista de pouso na fazenda. A fauna e flora foram prejudicadas de maneira tão devastadora que das conseqüências não restou um único exemplar de inhaúba, maçaranduba, atiriba, pau d’arco e sucupira, espécies ricas da região. Efeitos estes que ofenderam tanto o ecossistema, quanto os indivíduos que ali viviam, os quais necessitavam da exploração de certas riquezas naturais, como o coco babaçu, que foi praticamente extinguido em frente do vasto desmatamento das florestas nativas. É a partir deste quadro de violência e devastação que estes afro descendentes finalmente enxergam a segurança de chamarem de “sua” a terra habitada. Com o apóio do Centro de Cultura Negra do Maranhão e da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, foi formalizado o Decreto 536 pelo Governo Federal, visando a efetiva proteção dos moradores quilombolas, através da “Reserva Extrativista do Quilombo Frechal”, consistindo no fim de uma guerra não declarada e importante fato histórico, posto que Frechal foi a primeira comunidade a ser intitulada no país, sendo uma categoria de Unidade de Conservação, áreas protegidas pela legislação brasileira. 5. A Reserva Extrativista do Quilombo Frechal e o Desenvolvimento Sustentável A Reserva Extrativista do Quilombo Frechal se diferencia das demais Unidades de Conservação por tratar-se de área prioritária à população nela existente, que possui como meio de subsistência o extrativismo e a criação de animais de pequeno porte, com o intuito de proteger os aspectos culturais da comunidade local, bem como assegurar o uso sustentável desta unidade, conciliando o homem e a natureza diante de uma relação harmoniosa e saudável. Sendo válido ressaltar que tal situação não ocorre com freqüência, haja vista várias unidades consideram a exploração da agricultura uma ofensa ao meio ambiente, impossibilitando as populações tradicionais de continuarem vivendo na área a ser preservada. Postura esta que não condiz com a realidade, pois as populações rurais tradicionais, que são obrigadas a procurar forma diversa de sobrevivência e moradia, praticamente não agridem o meio ambiente se comparadas com a ação degradante do meio urbano. Rafael Rueda (UNESCO,1997) declara sobre as reservas extrativistas: São espaços territoriais destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista. Elas são criadas em espaços territoriais considerados de interesse ecológico e social, ou seja, em áreas que possuam características naturais ou exemplares da biota que possibilitem a sua exploração auto-sustentável, sem prejuízo da conservação ambiental Isto posto, a Reserva do Quilombo Frechal demonstra, através dos roteiros de ecoturismo, que é possível atender ao princípio do desenvolvimento sustentável, porque diferente das formas imprudentes de turismo conhecidas, o ecoturismo fornece vários benefícios tanto para o meio ambiente, quanto para a população que nele habita, tais como: geração de empregos e lazer, oportunidades comerciais para os produtos da reserva, endurecimento da identidade cultural da comunidade, preservação do seu patrimônio e uma maior consciência e proteção ambiental. O Art.27 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estimula as alternativas de desenvolvimento, contanto que sejam pautadas em um Plano de Manejo, afim de possibilitar a instalação de atividades econômicas adequadas a realidade ambiental do ecossistema específico e às características dos moradores da comunidade, o qual serão responsáveis pela gestão do plano. De acordo com o Art. 27, § 1 do SNUC: Art 27. As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo. § 1o O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, apesar da grande jornada pelas populações quilombolas maranhenses, que se auto-intitulam como Comunidades Negras Rurais, Terras de Preto, Quilombos, Mocambos e outras designações correlatas, diante de conflitos com fazendeiros e grileiros, e da discriminação, como se a escravatura não houvesse acabado, hoje estes indivíduos ocuparam seu lugar, não somente na Constituição, mas no espaço público, em seu cotidiano, aperfeiçoando a Dialética Social do Direito. A comunidade analisada, apesar dos obstáculos enfrentados e ultrapassados, foi prova clara de que as populações tradicionais que habitam áreas de preservação não atuam de forma a deteriorar o meio ambiente, mas a conviver com ele, usufruindo de suas riquezas no que for possível, sem prejudicá-lo. O ecoturismo foi o modelo de desenvolvimento sustentável adquirido pela comunidade analisada. Apesar da ênfase aos seus pontos positivos, ainda há aspectos que devem ser melhorados neste modelo, como o sistema de saneamento básico e meio de transporte, uma vez que a comunidade se localiza a distância de 300km de São Luís. Todavia, o importante é conter a necessária consciência ambiental de que o meio ambiente deve ser preservado por todos: quilombolas, cidadãos urbanos, autoridades estatais e todos aqueles que dele vivem e dependem. REFERÊNCIAS CHAGAS, Miriam de Fátima. A política do reconhecimento dos "remanescentes das comunidades dos quilombos". Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832001000100009&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 24 out.2011 EMBRATUR. Manual de Ecoturismo. 1994. Mimeo. GIACOMINI, Rose Leine Bertaco. A territorialidade das comunidades de quilombos no Vale do Ribeira: Do direito étnico a posse definitiva do território. 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