Quem não fugiu da escola, pelo menos quando ela realmente ensinava que ler é importante (e o jovem aceitava a idéia), já deve ter lido ou ouvido falar alguma coisa sobre Thomas Hobbes, filósofo empirista inglês do século XVI, autor de muitos livros dentre eles o clássico Leviatã. Materialismo e mecanicismo era o forte de Hobbes, segundo ele, a percepção é explicada mecanicamente a partir das excitações transmitidas pelo cérebro, assim a moral se reduz ao interesse e à paixão.

 

            Na fonte de todos os nossos valores, há o que Hobbes denomina endeavour, em inglês, e conatus, em latim, isto é, o instinto de conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de crescimento de si próprio; esforço individual de todos os seres para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes desagrada (esse tema do conatus será reencontrado no spinozismo, que teve como pai o filósofo holandês Baruch Spinoza - século XVII).

 

            Para o empirista inglês, o direito, em todos os casos, reduz-se à força; distinguindo-se em dois momentos na história da humanidade: o estado natural e o estado político. No estado natural, o poder de cada um é medido por seu poder real; cada  um tem exatamente tanto de direito quanto de força e todos só pensam na própria conservação e nos interesses pessoais. Na teoria hobbeana, o homem se distingue dos insetos sociais, como as abelhas e as formigas; por isso, não possui instinto social. Ele não é sociável por natureza e só o será por acidente.

 

            Estava cá outro dia, pensando com meus botões, que a sociedade em que vivemos não está muito longe da visão hobbeana. Vivemos atualmente em um festival de 'tombos'. Um dando 'rasteira' no outro.  Todo mundo passando a perna em todo mundo. Cada um pra si e D'us só para alguns – só para aqueles que aceitam seus dogmas e doutrinas. É o festival dos espertos. Nos dias de hoje ser esperto é ser sacana, ser criativo é ser malandro e ser inteligente é ser vagabundo e safado.

 

            Viraram os valores ao avesso e hoje, honestidade virou coisa do passado e quem é honesto é visto como bobo, conservador e pouco 'empreendedor'. A coisa está tão preta que o tráfico de informações virou negócio, vale dinheiro grosso; vadiagem virou coisa legal. Nas novelas, irmã trai a irmã, ninguém trabalha, vivem comendo do bom e do melhor. Traficante é capa de revista, 'ladrão' que anda de carro do ano é 'bacana', o judiciário, que deveria dar exemplo de legalidade é o primeiro a infligir  as  leis  ,  chegando  ao  cúmulo   de  vender liminares para poderosas quadrilhas cujos componentes usam 'colarinho branco', afinal de contas o que vale é o 'vil metal' no bolso...

   

            A coisa tá feia, tem até político com ficha de bandido que é chamado para trabalhar no governo e a maioria das pessoas desempregadas e com ficha mais que limpa - pelo menos a policial, e não consegue sequer um emprego subumano com carteira assinada!

 

            Quem ganha dinheiro no Brasil não é quem produz, mas sim o atravessador. Raramente vemos um professor, um pequeno agropecuarista, ou outro profissional que realmente trabalha de forma honesta numa situação financeira confortável ou pelo menos digna, o contrário do que acontece em países realmente sérios e com uma cultura mais desenvolvida.

 

            Aí o amigo leitor me pergunta: mas não tem gente honesta que se dá bem? E eu respondo: um pouquinho, mas tem, só que não aparecem. O honesto demora muitos anos para ser bem sucedido (afinal de contas ele não é um 'empreendedor') e quando chega lá não quer mais aparecer, fica com medo do espertalhão, do 'larápio', dos que adoram se encostar. Não tenho nenhum ressentimento daqueles que tiveram uma boa oportunidade honesta e foram bem sucedidos, mas as “oportunidades” vêm a cavalo e não são tão comuns assim, além do que, temos que prestar muita atenção nessas tais “oportunidades”.

 

            O sucesso envolve muito trabalho e muita dedicação, esforço suado e principalmente competência. O que mais me preocupa é como as crianças e os jovens, futuros de nosso país, registram o que vem sendo mostrado em revistas e principalmente na TV. Como será que essa bagunça toda ficará representada na cabeça da galera teem?

 

            Atualmente os pais trabalham dobrado para satisfazer um consumismo desacertado que impregnou as crianças e os jovens. Precisamos ficar o tempo todo traduzindo essa enxurrada de comportamentos inadequados, explicando que certas atitudes não dão certo de fato. Como explicar aos jovens que roubar, mentir, enganar, passar a perna no próximo, não é correto, se quem pratica esses atos andam na maioria das vezes de carro zero e celular de última geração, e o pior, livres pelas ruas da cidade sem qualquer punição?  

 

            A educação faz parte do processo de formação das crianças e dos jovens que é desenvolvido no dia-a-dia, mas educar não é somente orientar como os comportamentos devem  acontecer  e sim colaborar para a formação de conceitos, padrões e condutas.

 

            A sensação que tenho é que estou o tempo todo pregando conceitos antigos que quase não se usam mais, e ainda sou rotulado de 'pai careta'.

Será uma inversão de valores ou uma  exposição contínua de fatos constrangedores que faz com que o cidadão fique inerte, sem reação?

 

            A “cultura do esperto”, do malandro, da safadeza tem que acabar. Esperto é o indivíduo culto, inteligente, educado, que respeita as pessoas e, principalmente, se respeita, e ser esperto não quer dizer ser rico. A educação em casa e na escola deve priorizar estes conceitos para que essa cultura não seja extinta. Creio que o mundo conta com este tipo de desvio, e sempre na tentativa de desvalorizá-la.

 

            Os meios de comunicação têm muitos objetivos nobres, mas não podem esquecer da influência que exercem principalmente sobre as crianças e os adolescentes. Se queremos um futuro melhor para nossos filhos, precisamos formar cidadãos melhores e isso só é possível quando todos nós, adultos, pregamos em coro que bons valores fazem a diferença entre nações prosperas e medíocres.