Uma releitura dialógica das línguas do Brasil e a universalização dos saberes

Sebastião Maciel Costa(*)

APRESENTAÇÃO

         Partindo de uma proposta de se realizar um levantamento sobre a história da Língua Portuguesa a partir de uma experiência local, uma pesquisa por indícios e amostragem, foram destacados os topônimos mais significativos da cidade de Ilhéus como forma de que fossem revistos e ressignificados para identificação de suas raízes, bem como a busca por uma cristalização de argumentos que tornaram tão forte a presença de termos linguísticos de origens variadas, destacando-se para efeito de estudos, as de origem tupi, recorte da proposta pedagógica em questão.

          Os instrumentos elaborados para a realização da pesquisa não foram muito além de entrevistas com professores e alunos das Redes Públicas de Ensino, notadamente aquelas envolvidas com a educação indígena, pela riqueza de elementos vivos de línguas como o Tupi guarani e seus dialetos, por assim dizer, povoam as conversas informais entre nativos e visitantes de uma terra culturalmente miscigenada.

         Mesmo conhecendo a realidade linguística do Município de Ilhéus, no sul da Bahia, atendendo à orientação de estudiosos da língua brasileira, foi feito um levantamento sobre os aspectos que poderiam nortear o presente trabalho, desencadeando-se na história da educação indígena do município e sua macro região, uma vez que acidade de Ilhéus foi aos poucos se desmembrando dos seus próprios povoados que se emanciparam formando a região cacaueira da Bahia.

        Foi neste cenário que o trabalho de perscrutar, pesquisar, identificar e catalogar, a partir dos topônimos regionais, os presentes resquícios da Língua Tupi e seus dialetos tomaram maior dimensão para o fortalecimentos de raízes que insistem em formar o maior arco-íris linguístico das terras grapiúnas.Na cidade de São Jorge dos Ilhéus, ao longo de sua história, são muito presentes as remanescências de hábitos e falares indígenas uma vez que existem na cidade, especificamente no bairro-distrito de Olivença, grandes reservas indígenas que disputam inclusive, nos mesmos parâmetros de igualdade para manter sua linguagem ativa através das várias escolas indígenas. “As escolas indígenas de Olivença respeitam os padrões das Redes Públicas, Municipal e Estadual no tocante às diretrizes curriculares, no entanto, é imposto e respeitado o direito de manter uma direção indígena, disciplinas indígenas, alimentação indígena, mobiliários e instalações que se identifiquem com as suas tradições culturais.” (Conselho Municipal de Educação de Ilhéus –  2009, 115.)

           Cururupe é uma região historicamente importante para Ilhéus pois foi onde ocorreu o 'massacre do cururupe' quando uma tribo tupinambá foi dizimada pelos portugueses. Apesar dessa carga negativa, hoje é uma das mais belas praias da região pois é bem na foz do rio Cururupe, ou seja, é possível tomar banho de mar ou rio. O rio Cururupe deixa as águas escuras...Além disso, o antigo aterro sanitário da cidade de Ilhéus e boa parte acabava embaixo d'água com a subida das marés. nome indígena, onde houve o confronto dos índios com os portugueses.

          Enquanto organismo vivo, a língua se modifica ao longo do tempo a fim de satisfazer aos interesses do falante. A história está repleta de termos que surgem repetidamente e que pelo dinamismo desse organismo, são tantos os neologismos que às vezes, as palavras surgem povoam os falares mas somem sem deixar vestígios ou registros em dicionários. Elas aparecem para expressar conceitos igualmente novos Na época das grandes navegações, Portugal conquistou inúmeras colônias e o idioma português foi influenciado pelas línguas faladas nesses lugares, incorporando termos diferentes como "jangada", de origem malaia, e "chá", de origem chinesa.Os colonizadores portugueses, principalmente os padres jesuítas, difundiram o idioma no Brasil. No entanto, diversas palavras indígenas foram incorporadas ao português e, posteriormente, expressões utilizadas pelos escravos africanos e imigrantes também foram adotadas. Foi assim que a Língua Portuguesa foi se infiltrando na já existente língua local o tupi-guarani, grande família linguística do seu tempo. O Tupinambá, um dos dialetos Tupi, em especial, resistiu através dos índios subjugados ou aculturados, ensinaram o dialeto aos europeus que, mais tarde, passaram a se comunicar nessa "língua geral", o Tupinambá, presente em Ilhéus até hoje perpetuado em nome de iguarias, adereços, fazendas, bairros, ruas, praças, bares, pontes, praias, enseadas e rios:Tabocas, Tapuia, Tabajara, Tapera, Cururupe, Tapioca, Balaio, Olivença, Itapé, Itapira, Almada, Comandatuba, Aritaguá dentre outros.

         Línguas Indígenas - Os índios do Brasil falam diversas línguas. Estas estão reunidas em troncos linguísticos.Os principais troncos das línguas indígenas são: 1) Tupi ou Macro-Tupi -Os principais povos indígenas que falam (ou falavam) línguas deste tronco são: caetés, tabajaras, tupinaés, potiguaras, tupinambas, tamoios e tupiniquins. 2) Macro-Jê - Os principais povos indígenas que falam (ou falavam) línguas deste tronco são: bororos, crenaques, carajás, xavantes, craós apinajés, e cricatis. 3) Aruak -Os principais povos indígenas que falam (ou falavam) línguas deste tronco são: barés, mandauacas, parecis e terenas.

        Apesar da forte presença dos idiomas em iorubá (Nigéria) e do quimbundo (Angola), por meio dos escravos trazidos da África, o povo de Ilhéus sabe reconhecer a força de todos os idiomas que aqui aportaram, ficaram e estarão presentes na história da língua portuguesa .Ainda hoje o português é constantemente influenciado por outras línguas. É comum surgirem novos termos para denominar as novas tecnologias do mundo moderno, além de palavras técnicas em inglês e em outros idiomas que se aplicam às descobertas da medicina e da ciência. Assim, o contato com línguas estrangeiras faz com que se incorporem ao idioma outros vocábulos, em sua forma original ou aportuguesados. O Tupi era a língua usada pelos jesuítas em suas catequeses desde o Maranhão até São Vicente, em São Paulo. Já o Guarani é um dialeto do Tupi e foi falado desde São Vicente até o Paraguai. Tupi-Guarani é uma família de línguas; por exemplo: eu posso falar Tupi porque é uma língua, eu posso falar Guarani porque também é uma língua, mas não posso falar Tupi-Guarani, pois essa palavra composta é na verdade uma generalização. Refere-se a uma família de línguas e não é uma língua falada. Para melhor compreensão: o português, por exemplo, é da família românica; eu posso falar português, mas não posso falar românico. O Tupi Guarani chega a ser uma família de mais de vinte línguas. Inclui o Tapirapé, o Wayampi, o Kamayurá, o Guarani (com seus dialetos), o Parintintin, o Xetá, o Tupi Antigo, etc. Existem línguas Tupi-Guarani, não o Tupi-Guarani. Dessas, o Tupi Antigo é a que foi estudada primeiro e a que mais influenciou a formação da cultura brasileira. A seguir uma seleção de palavras que usamos no dia-a-dia que têm origem indígena e nem nos damos conta:

        Abacaxi: Interessante que, embora o abacaxi e o ananás possam ser tipos diferentes de uma mesma fruta, prevaleceu (pelo menos no sul) o nome abacaxi, que não é comum na literatura do Brasil colonial. Comum é "ananá". Mesmo assim, foi traduzido como de origem tupi com o significado de "fruta recendente", ou que cheira. De yá, ou ywa (fruta), e katy (que recende, cheira), mas esse nome pode ter vindo da América Central, embora a fruta (ananá) fosse comum no Brasil.

         Açaí: Pequeno coco amarronzado. Significa fruta que chora, ou seja, de onde sai líquido Na Rodovia Jorge Amado (Ilhéus e tabuna) existe a fonte do Açaí na tigela, do Grupo Doce da Mata.

          Biboca: Moradia humilde. Lugar ermo, um cantão no interior, afastado, de difícil acesso. O sujeito que mora numas bibocas. Na verdade nasceu dos significados "grota", "fenda", "buraco", que é o seu significado indígena, das palavras ibi terra) – oca (casa) Na zona comercial de Ilhéus é uma rede de restaurante popular, onde se saboreia diariamente, almoço, prato comercial, para aqueles que não podem voltar para sua casas na hora do almoço. Uma rede de salões de beleza também recebe este topônimo do Tupi em Ilhéus.

          Bauru: Município pertencente ao estado de São Paulo. Quer dizer ''cesto de frutas'' (‘ybá – fruta uru= vasilha onde em Ilhéus se colocam roupas sujas.

         Caju: O nome correto seria acajuá, com o significado de "fruta amarela com chifre", de aca (chifre), e juá (fruta amarela). Capenga: Pessoa coxa, manca ou que falta uma perna. Tida como decorrente do Tupi, de cang (osso), e peng (torto).

        Guanabara: Feira diária na parte histórica de Ilhéus (peixes, frutas sazonais, legumes verdes, verduras e tempeiros. A rua tem abertura para a grande baia do Pontal, porta de entrada dos gêneros que vêm da zona rural, pelo cais do Porto Antigo.

         Iguarapé – caminho das canoas – tradução mais rigorosa igara (canoa) e pé (caminho)

         Jururu: Usado na expressão "ele está jururu", triste, e é isso mesmo que quer dizer. É a repetição da palavra boca, juru, como quem está com os cantos da boca caídos, está com dupla boca e, portanto, está triste, acabrunhado.

         Em 1750, o aldeamento de Nossa Senhora da Escada passou a designar-se Vila Nova de Olivença, hoje, Olivença, nome de uma povoação que nessa altura pertencia a Portugal. Hoje, um grande balneário encravado no sopé da serra onde o turista além de banhar-se nas escuras águas termais\ferruginosas convive com a presença de indios que desempenham as mais variadas funções urbanas, trajando roupas da moda “dos brancos” mas com suas orelhas exagerdamente rasgadas, colares vistosos de pedras, madeiras, contas e conchas, cocás com belissísmas cores da Bahia, saias feitas de cordas de piaçava, tatuagens originais com tintas de madeira, cigarros de palha, vendendo artesanatos, dirigindo carros importados, indo à universidade,com celulares dos mais sofisticados, mas falando SUA LÍNGUA ORIGINAL sem deixar de respeitar a Língua Portuguesa corrida e reconhecida. Bonito de se vê e conviver.

PLANO DE TRABALHO

Introdução
          Espalhados por todo o planeta há falantes em Língua Portuguesa. No Brasil, país de dimensões continentais essa mesma língua passa naturalmente por profundas transformações decorrentes das migrações internas e da origem dos grupamentos humanos que se formaram em torno dos núcleos linguísticos desde os tempos da colonização. Seja no Brasil, em Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Goa, na Guiné e espalhadas por outros cantos do planeta, O Português, como qualquer outra língua apresenta as variações que lhes possibilitem permanecer viva através do tempo. Este trabalho foi motivado pela presença constante de elementos linguísticos de origem indígena, que permeiam o dia a dia no falar da língua Portuguesa. As escolas públicas de Ilhéus fazem um trabalho criterioso no que diz respeito ao uso adequado dos termos de origem primitiva. Este material norteará o presente trabalho.

Objetivos
       Compreender a importância da língua como identidade cultural e a preservação de sua raiz por meio da observação de outros povos, atualizando cada segmento cultural presente na nossa literatura.

Conteúdos
       Variantes linguísticas e culturais de diferentes origens: indígena, africanas e portuguesa, identificando, destacando e valorizando a história da nossa língua.

Aspectos relevantes

      A pesquisa nos concedeu excelentes informações a respeito do dia das comunidades de origem tupi guarani no trato com a Língua Portuguesa diante das diversas controvérsias curriculares apresentadas nas políticas da educação indígena são conduzidas pelas especificidades de responsabilidade de cada ente federado: Educação infantil indígena é de responsabilidade do Município, a partir do Ensino Fundamental passa para a esfera estadual. O currículo é do sistema, mas as disciplinas básicas, a gestão e acompanhamento é exclusivo de professores de origem e formação indígenas. Dessa discussão, nasce a importância de valorização dos termos linguísticos de suas origens. Na contra-partida de falares, brancos e índios dividem a beleza de trabalhar e compreender uma língua rica em elementos e encantadora pela multiplicidade de significantes.

Atividades
          O primeiro passo é conversar com os alunos a respeito do que eles conhecem sobre o português falado em diferentes países, considerando os vários níveis de variação como geográficos, sociais, culturais, econômicos, em diferentes regiões do Brasil, e, numa posição essencialmente privilegiada, a situação dos falares do povo ode Ilhéus resultante e índios, negros, italianos, franceses que compõem hoje um tecido chamado de caboclo: identificação do povo ligado às origens da terra (negros e índios) da região de Olivença. Com a 8ª série do Ensino fundamental serão levantadas todas as questões aqui apontadas, serão realizados dois dias de campo (01 com unidades escolares em reservas indígenas e 01 com unidades remanescentes de quilombolas. Com o resultado das visitas, serão trabalhadas todas as vertentes linguísticas envolvidas no estudo, respeitando-se as dificuldades e competências dos alunos. Serão criados textos literários e técnicos como resenha cultural, apresentação de documentários, contação de histórias que serão apresentados na escola inteira, e para fechamento da atividade haverá um retorno às unidades antes visitadas, para propor um intercâmbio entre as escolas trabalhadas e a realidade da escola eminentemente urbana da rede particular de ensino.

Avaliação
        Será observada a participação de cada estudante durante o trabalho em grupo, identificando se os conhecimentos que possuíam antes da implantação do trabalho em questão e o que foi possível apreender como forma de ampliar conhecimentos linguísticos, reconhecendo as variações positivas da língua e o mosaicos natural que as línguas formam para sua perpetuação.

CONSIDERAÇÕES

                  O presente trabalho se revestiu de grande importância para esta e as próximas abordagens sobre as variações linguísticas e o compromisso dos professores de Português, principalmente nas séries finais do Ensino Fundamental em manter viva e presente em todo o imaginário da comunidade infanto-juvenil, a importância de se preservar as origens linguísticas de um povo, como forma de manter viva a sua memória. Por outro lado, este trabalho nos aproximou de unidades escolares da Rede Pública, que estão localizadas em áreas de reservas culturais, indígena e africana o que possibilitou um estreitamento nas relações como forma de assegurar um avanço na valorização da nossa língua. Nos dias atuais, quando “se constroem cada vez mais muros do que pontes” no mundo da comunicação, um mergulho na história dos topônimos regionais, uma releitura das obras de historiadores contemporâneos e a retomada dos vínculos de convivência estudantil para dias de pesquisa no campo, fomentam a vontade de aprender, aprendendo, para ensinar sabendo.

              A produção textual calcada nos princípios das origens de nossa língua reveste-se de singular particularidade quando o enfoque é a capacidade de sincronia entre tantos usuários de uma mesma língua, com tantos matizes e recursos estruturais e históricos. Essa singularidade se pluraliza quando o que está em jogo é a intencionalidade. Assume formas gigantescas em multifaces quando tudo concorre para identificar a Língua Portuguesa como a mais fiel às suas raízes e a que mais se aproxima do ideal de fidelização de seguidores que ao longo de suas “histórias” têm a consciência de que nem sempre é preciso partir de um léxico formal e carrancudo, para cair nos braços da teoria moderna que propõem para letrados e iletrados: aprender para depois gramatizar as multifaces das línguas brasileiras.

Referências

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MARCIS, Terezinha -O engenho de santana: uma reconstrução Histórica

PÓVOAS, Ruy do Carmo -Mejigã: uma trajetória histórica

SILVEIRA, Marialda Jovita - Ritos da palavra, gestos da memória:

A tradição oral numa casa ijexá

PÓVOAS, Ruy do Carmo -Do engenho de santana ao ilê axé ijexá:

O final do contexto da escravidão

TOREZANI, Julianna Nascimento – Um olhar na cidade de Ilhéus:cultura e patromônio

(*) Curioso estudioso da história dos falares do povo brasileiro que compõe a Região Cacaueira do Sul da Bahia. Mestrando em Ciências da Educação