UMA PERSPECTIVA DIFERENTE

 

Boa tarde, prezado leitor

 

Ontem, ao pegar no jornal, tive uma grande surpresa.

Percebi logo que era um jornal diferente; alguma coisa estava fora dos eixos.

 

Nem uma palavra sobre os políticos e a política; nem uma menção a respeito dos diversos acontecimentos sociais; nem uma linha sobre moda de vanguarda, desfiles, cocktails,  inaugurações, ou quanto ao já anunciado e tão aguardado jantar social,  em benefício dos filhotes de pincher abandonados. Estranho. E até um pouco assustador.

 

Na primeira página, normalmente, acompanho preocupado,  as terríveis lutas – de palavras cuidadosamente destiladas - entre grandes figuras, as bobagens, as traições, as malandragens do congresso. É tudo tão mesquinho que dá pena.

Alimentando-nos diariamente com essas besteirinhas, fazem-nos esquecer  que  da sua seriedade, de seu espírito público, de sua visão estratégica e  moral dependem o desenvolvimento e a sobrevivência da Pátria.

 

 Em lugar das patacoadas de sempre, li uma bela notícia, alvissareira, otimista:

- em uma difícil operação, que durou doze horas, uma menina de dez anos recebeu um coração novo. Condenada a morrer dentro de poucas semanas, se não recebesse o transplante, está agora descansando, sob rigorosos cuidados médicos e se tudo correr bem, poderá passar o Natal em casa, com os pais.

 

Esta, sim, que é uma notícia boa; boa para a menina, para a família,  para a equipe médica, que todos os dias se sacrifica, a troco de salários ridículos, para salvar vidas. Boa até para nós, que readquirimos a fé no próximo, em tantos próximos!

 É destas notícias que deveriam estar cheios os jornais. E com nome e sobrenome dos heróis do nosso cotidiano.

Mas ninguém quer saber disso: pra quê?; esse pessoal só faz a sua obrigação.

Não é notícia. Notícia de verdade é o desconhecido com quem está jantando a Maria das Quantas (e quantas Marias há); ou de que cor será a roupa de baixo da famosa Felipa dos Santos, no próximo Grande Prêmio, no Jóquei Clube. .  

 

Na segunda página, onde lúgubres corvos  rondam grasnando sobre o futuro do Mundo em geral e do Brasil em particular, uma informação dava conta de outro milagre:  no último sábado,  514 famílias puderam se instalar em casas próprias . Não são casas propriamente; são aqueles conjuntos  simplíssimos, mas honestos, que pejorativamente chamamos Singapura, mal lembrando que eles  restituem dignidade a quem a tinha perdido.  E assim permitem que esses seres, saindo da favela, voltem a ser pessoas.

Quem conseguiu receber o título,  prometeu solenemente que não vai revendê-lo e que vai cuidar bem das instalações, que são um patrimônio de todos e de cada um .

Nenhum político foi lá,  estragar a festa com discursos estúpidos.

Vale lembrar que o dinheiro empregado neste projeto não era do Governo, nem da Câmara, nem do Senado, nem de Ministério nenhum: era dos contribuintes, isto é, de todos nós; que ficamos muito felizes e orgulhosos,  vendo que o nosso sacrifício serviu para uma boa obra.

 

Estas notícias enaltecem a nossa Nação, e valem ; valem porque reavivam o nosso justo orgulho nacional. Mas vê-las assim, expostas no jornal, é no mínimo, estranho...

 

 

Na página três, nenhuma madame em ricas roupas de chiffon,  nenhum decote generoso, nenhum sorriso estereotipado; nenhum cronista social, com o flute de champagne eternamente renovado. Como bebem, não?

 

Horrível: a única notícia da página se referia à inauguração da escola pública do Jardim Califórnia, que foi totalmente reformada, com o trabalho voluntário, em regime de mutirão, dos pais dos alunos. Um churrasco de confraternização completou a festa.

Sem uísque,  mas com bastante cerveja - e guaraná para as crianças..

Aqui também, nem um político, nem um padre para benzer, nem um discurso bobo.

Só o abraço apertado, as fortes pancadas nas costas, com as mãos grossas e generosas de tanta gente simples, que se dispôs a trabalhar e conseguiu reerguer a escola.   Exemplo para os filhos, para os professores, para a sociedade.

 

Nesta altura, confesso que estava para cair da cadeira; e cai mesmo, quando abri a quarta página, cheia de anúncios os mais variados: pobres oferecendo coisas pobres a outros pobres. Pessoas de boa vontade oferecendo seu tempo, sua paciência, seu carinho, a quem, por acaso, precisasse deles.....

Cama de solteiro, em bom estado,   entrega se de graça, para abrir espaço....

Cuido de criança de mãe trabalhadora. Trato com carinho. Sem  remuneração...

Troco um vestido de noiva, pouco usado,  por uma caminha de bebê....

Fogão usado, em bom estado, é só retirar....Armário usado, lindo, para bebê.......

E outros:

A Creche Menino Jesus agradece a ajuda do povo, e as grandes doações recebidas...

O grupo de anciães  da Vila Guarajá convida para o baile especial da tarde, em homenagem à benemérita Maria das Dores, campeã anual de gingado....

 

Que mundo esquisito, seria este; que mundo estranho, no qual não caberia mais a  maldade, a inveja,  a miséria verdadeira, a miséria do coração.  

 

Só caberia aqui aquela pobreza altiva e nobre dos pobres de espírito, dos pequenos, dos humilhados, que além de herdarem o reino dos céus, com certeza, em um futuro, maravilhoso dia, herdarão a Terra.