Há mais de cem anos atrás, o grande jornalista Joseph Pulitzer defendeu apaixonadamente a ideia de que deveria existir uma escola de jornalismo para formar bons profissionais numa área que assume um papel muito importante para a sociedade: o de formador de opinião. Mas, tal qual atualmente, muitos não viam a necessidade de uma especialização em jornalismo. E foi assim que surgiu o livro "A Escola de Jornalismo: a opinião pública", como resposta às críticas e indagações à sua proposta de implantação de uma escola de jornalismo na Universidade de Columbia.
Era o ano de 1904, início do século XX. O socialismo surgia como uma tendência tímida na Europa; o capitalismo se firmava como grande força econômica e as pessoas se maravilhariam; poucos anos mais tarde, com experiências de radiotransmissão sonora. Os Eua, a cada ano, tinham uma invasão de imigrantes correspondente à população da Nova Zelândia da época. O mundo inteiro estava em pleno desenvolvimento, avançando, implantando, reformulando-se, progredindo.
Assistindo a essas grandes modificações na sociedade, Pulitzer percebeu que o jornalismo não poderia deixar de acompanhar essa tendência. Era necessário quebrar o paradigma de que os jornalistas "nascem feitos", sem necessidade de qualquer capacitação. Era preciso reformular-se, para fornecer novos profissionais capacitados para atuar profissionalmente; ao invés de largá-los numa redação para que aprendessem sozinhos, aos erros e acertos, à custa da qualidade das informações e da paciência dos editores dos jornais.
Embora grandes nomes possam ser citados como pessoas que não necessitaram de instrução, como John Stuart Mill, Herbert Spencer e o próprio Pulitzer, isso não significava, segundo ele, que fosse desnecessário uma escola que ensinasse aos novatos os subterfúgios, características, e conhecimentos indispensáveis à sua profissão. Esses "gênios", que se fizeram sozinhos, na verdade precisaram passar por um longo esforço para, como autodidatas, aprender tudo sozinhos. Esse conhecimento poderia, simplesmente, ser apreendido de maneira mais simples e sistemática em uma escola. Em vez de se ter um gênio, poder-se-ia ter quarenta.
A afirmação de que o jornalismo é aprendido na prática também é facilmente rebatida por Pulitzer: "Ninguém numa redação tem tempo ou vocação para ensinar a um repórter cru as coisas que deveria saber antes de realizar o mais simples trabalho jornalístico". É uma verdade inegável. Na sociedade atual, que luta contra o tempo e glorifica o imediatismo da publicação das notícias, mais inegável ainda.
Outra objeção apresentada pelos críticos à implantação da escola, é a de que o caráter, como o instinto profissional, não pode ser adquirido, pois é algo com o qual já se nasce. Pulitzer duvidava disso. Afinal, tudo o que somos é produto de um processo em etapas, resultado de uma educação aliada às experiências profissionais e ao contexto em que vivemos. A escola de jornalismo pode ajudar a fortalecer esse caráter, mostrando-lhe o que é certo, e o que não é.
Pulitzer defendia ainda que o ensino de matérias como história, literatura, ética, direito, línguas modernas, e rudimentos de sociologia, estatística, ciências físicas e economia; era essencial para que o jornalista tivesse uma boa base para poder escrever. Ao mesmo tempo, ele combatia ferozmente a introdução de uma disciplina de administração comercial de um jornal, razão pela qual discutiu com o reitor da Universidade de Harvard, desistindo de implantar a escola de jornalismo na referida instituição, optando por Columbia.
A razão dos protestos de Pulitzer a esse respeito são simples. Embora um jornal seja uma empresa, um negócio; o jornalista deve ser preocupar única e exclusivamente com a parte que lhe cabe, de diariamente, transmitir informações e agir em prol do interesse público. Um jornalista, segundo Pulitzer, não é "nenhum gestor de negócios, empreiteiro de publicações ou mesmo proprietário. Um jornalista é o vigia da ponte de comando do barco do Estado".
Pulitzer expõe, ao longo do livro, como acredita que deve ser o ensino do jornalismo. Editores cedendo seu tempo para transmitir um pouco de seu conhecimento aos alunos. Jovens aprendendo não só na teoria, mas também na prática. Profissionais, no futuro, unidos num vínculo de honestidade e honra, a ponto de não publicarem nada que vá contra suas convicções ou que denigra sua imagem perante os companheiros; vínculo este que é formado na escola de jornalismo. Pulitzer expõe idéias bastante idealistas, desenvolvidas em plena convicção e amor à profissão. Essas ideias, entretanto, não são impossíveis de ser realizar.
Esse amor, orgulho e convicção de Pulitzer são essenciais para a profissão; assim como o faro jornalístico e a vocação natas de seus profissionais. É necessário possuí-los, pois um diploma não atestará que uma pessoa é um bom profissional, a menos que tenha vocação, paixão, instinto e inclinação natural para tanto.
Pulitzer sabia disso. O que queria, ao financiar a escola de jornalismo na Universidade de Columbia, era reunir e qualificar os melhores profissionais, formando melhores jornalistas, que fariam melhores jornais, e melhor serviriam à população. Esses profissionais bem capacitados eram imprescindíveis, uma vez que trabalhariam numa área de influência enorme, em cuja um único erro poderia ter proporções catastróficas.
Se naquela época, mais de cem anos atrás, esse risco já ficava visível; hoje é ele absurdamente gritante. Não faltam exemplos de erros grotescos que destruíram reputações e vidas públicas. Embora não tão sem limites, como acreditavam os teóricos da teoria hipodérmica, o poder da mídia, auxiliado pelas novas tecnologias, ainda é imenso e alienante.
O avanço tecnológico trouxe grandes benefícios, mas os malefícios advêm em igual quantidade. A ética jornalística todo dia é desprezada e mutilada pela ânsia de divulgar notícias e conseguir audiência e exclusividade. Os limites entre público e privado são ultrapassados quase que diariamente, e não há um consenso quanto a estes. Câmeras e microfones ocultos são usados sem nenhum critério, ferindo a privacidade alheia em prol da "liberdade de expressão" e de transmitir o que é de interesse público.
O jornalismo, a cada dia mais, perde o respeito, o prestígio e o orgulho, tão valorizados por Pulitzer, vendendo-se em troca de lucro. É importante resgatar os ideais que Pulitzer defendia. É preciso que os novos profissionais tenham em mentes os valores da profissão, para que possam mudar esse cenário tão deprimente.
E, apesar dessa situação difícil para o jornalismo, degradado por seus próprios e especializados profissionais, o Supremo Tribunal Federal decidiu-se pela abolição do diploma para atuação na área.
Pulitzer, mais de um século atrás, já sabia o quão importante e impactante era sua profissão, e proclamava a necessidade de um mínimo de qualificação para os que nela fossem trabalhar. Pena que os juízes do Superior Tribunal federal não tenham lido este livro, antes de abolir a necessidade do diploma. Talvez assim eles não tomassem uma decisão que permite que pessoas sem conhecimentos na área jornalística, de ética profissional, possam atuar como jornalistas e contribuir para a degradação de uma profissão com propósitos tão nobres.