Luiza Idiane de Sousa Dias*?, Gislene Vieira Souza* e Helen Carvalho*
Maria Anália Macedo de Miranda



De acordo as leis vigentes que normatizam o funcionamento das instituições educacionais seja ela pública ou privada, necessita cumprir requisitos legais e documentais, muitos dos quais especificamente pedagógicos. Dentre estes está o Projeto Político-Pedagógico, que é segundo Viana (2004 p.233)
"...identificado como a explicitação dos fins e meios da ação educativa, é a formalização dos propósitos educativos que os sujeitos sociais se propõem atingir, é, como a palavra projeto indica, um lançar-se para frente "perspectivar" ações e objetivos para o futuro, a partir de uma rigorosa análise da realidade".

O Projeto Político Pedagógico ou PPP como é comumente chamado nas escolas, até antes da década de 80 era uma bandeira de reivindicação dos movimentos sociais. Hoje toda escola para funcionar e, portanto, para obter recursos precisa ter um PPP. Este projeto é político porque traça um compromisso com a sociedade e é pedagógico porque explicita uma intencionalidade específica de como realizar esse compromisso social.
Como estudantes de Licenciatura em Biologia e estudando Projetos Políticos Pedagógicos verificamos o maior peso do PPP na sua condição sê-lo sistematizador das concepções de sociedade, homem, educação e sujeito que se quer formar assumidas pela comunidade escolar. Por isso, é no PPP que deve ser feita a problematização da relação educação ? sociedade (que sociedade vivemos? Quais seus vínculos históricos? Qual a função social da escola?).
Durante esse estudo tivemos a oportunidade de adentrar nos espaços escolares de Barreiras e discutir o Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal. Mais de quarenta estudantes frequentaram cerca de dez escolas para conhecer esse importante documento, observar a organização do espaço escolar, sua estrutura material, e por último, mas não menos importante, as relações concretas de produção do Projeto Político Pedagógico.
De maneira geral verificamos que diretores, coordenadores pedagógicos e professores reconhecem a importância do PPP, confirmamos ainda que todas as escolas trabalhadas possuem esse documento. Mas numa verificação mais aproximada do conteúdo do PPP e confrontando este com a realidade vivenciada pela escola pública, situada no contexto de reformas do Estado mínimo, apanhamos muitas contradições que constituem a riqueza desse estudo. Seguem algumas considerações sobre alguns itens " metas, objetivos" e outros, que o PPP das escolas apresentam:
Antes de partirmos para a discussão dos itens é preciso pontuar, com a devida exclamação, que os PPPs encontrados nas escolas datam do ano de 2006, uma minoria tendo sido reformulados em 2007 ou 2008, mas nenhum de 2009. Certamente isso já fere o princípio da avaliação institucional que deverá ser feita a cada trimestre, o que é próprio da finalidade do PPP. Ao tempo que revela o caráter puramente ritualístico de um documento feito apenas para cumprir exigências de legalidade, sem validade na dinâmica da escola.

No que tange aos objetivos, a maioria deles apresenta um discurso que se intitula "construtivista", fazendo referência ao discurso (modista) das competências e habilidades, com vistas a formar um "sujeito autônomo, crítico e participativo na sociedade".
Embora as metodologias não consigam explicitar o caminho para construir essa "autonomia", nas visitas ocorridas e entrevistas a professores e coordenação notou-se um desejo muito grande de fazer valer esses objetivos... mas que cansam as esperanças dos atores da escola ante a corrida dos 200 dias letivos, com muitos sábados letivos dificultando as condições concretas de validação de objetivos como esse. Afinal, qual o tempo dedicado à reflexão coletiva que permita consolidar uma metodologia comum para professores de diferentes áreas, dentro de uma mesma escola ou ainda dentro de uma mesma rede de educação? Não trataremos aqui de caracterizar a competência ou não do sistema municipal escolar, mas de discutir aspectos gerais que dificultam a realização da função social da escola pública especialmente por se encontrar nela os filhos e as filhas da classe trabalhadora desta cidade. Inclusive porque essa discussão se dá a partir do PPP, que embora bem conceituado pelos profissionais da educação que foram entrevistados, estes não conseguem se apropriar do poder exercido por esse documento para fazer dele um instrumento de reivindicação e de construção qualificada das estratégias de educação para os nossos iguais (classe trabalhadora).

Do ponto de vista do item "estrutura administrativa" há um entendimento comum sobre a necessidade da gestão democrática, mas identificou-se uma postura de hierarquização explícita. Consta em um dos PPP?s

"... a equipe escolar competente age, politicamente e tecnicamente, como facilitadora de ações criativas e inovadoras... Um gestor qualificado dotado de conhecimentos é um colaborador da práxis docente. É importante esclarecer que, nesse trabalho de planejamento participativo, o diretor é presença essencial de toda a ação, pois seu incentivo e auxilio promovem um desempenho conjunto satisfatório..."

Essa hierarquização também pode ser observada no cotidiano escolar, evidenciando que ainda não foi superado o caráter fragmentado das ações docentes e contrariando outra prerrogativa desse documento que exige e articula a participação de todos os envolvidos no processo educativo: professores, funcionários administrativos, pais, alunos para construir uma visão global da realidade e dos compromissos assumidos coletivamente. Essa construção coletiva prevê a não hierarquização entre: concepção e execução, pensar e fazer, teoria e prática,
Essa não hierarquização pressupõe ainda o controle do processo e do produto do trabalho pelos educadores.
Observou-se que o discurso da autonomia perpassa todos os PPP?s, ainda que às vezes implicitamente, seja para referir-se aos repasses de verbas realizados diretamente à escola, seja para transferir à unidade de ensino todo risco e responsabilidade do fazer escolar, agora dissociado, ou melhor, descentralizado da instância de governo da qual é subordinada. Só do ponto de vista da gestão porque os recursos do FUNDEB não foram descentralizados. Por isso as atribuições pedagógicas antes compartilhadas entre diretoras e coordenadoras são atualmente sufocadas pela instrumental autonomia que sobrecarrega as diretoras com a busca de parceiros e "amigos da escola" para resolver problemas simples de consertos hidráulicos e até para a doação de material pedagógico. Para Viana (2004 p.123) "a idéia de autonomia da escola nesse sentido perde em conteúdo... e esse conceito é redesenhado na lógica da descentralização neoliberal".


No item "currículo" escolar verificamos uma discurso avançado, pois afirma que o currículo não é neutro, mostrando assim que estão conscientes do interesse político oculto que serve à sociedade e à cultura "portanto, a educação existe dentro delas e funciona sob determinação de exigências, princípios e controles sociais", Brandão (1980). Afirma-se também que o processo de enduculturação é muito importante para formação do currículo e posteriormente o individuo, pois é um "processo de aquisição pessoal de saber-crença-e-hábito de uma cultura de um povo, que atua sobre educandos como uma situação pedagógica total... aventura humana do tornar-se pessoa." Brandão (1981 p.63). Afirmam assim, que é necessário uma explícita visão da concepção de educação e de autonomia escolar, pois um currículo e o projeto pedagógico não podem ser construídos sem uma direção política, um rumo, por isso todo projeto pedagógico também é político e não neutro.
Pode-se constatar ainda que os profissionais da educação continuam em permanente estudo. Só no ano de 2008 mais de 190 professores se inseriram em cursos de pós graduação, mas não foi identificado quantos dos mais de 500 professores da Rede estão inseridos em movimentos sociais, construindo a tão propalada transformação social argumentada pelos conceitos educação anunciados nos projetos pedagógicos.
Dito isto Brandão (1981 p. 110) afirma
"Esta é a esperança que se pode ter na educação. Despertar da ilusão de que todos os seus avanços e melhorias dependem apenas de seu desenvolvimento tecnológico. Acreditar que o ato humano de educar existe tanto no trabalho pedagógico que ensina na escola quanto no ato político que luta na rua por um outro tipo de escola, para um outro tipo de mundo."


Não podemos perder a esperança na educação e nem nas pessoas, pois são elas que transmitem e preservam a cultura e seus valores éticos e morais. Pois a educação capitalista não é maior que o homem, e o homem não é produto da educação apenas, mas sim a educação produto da sociedade e (de) formadora dessa mesma sociedade. Portanto, a educação como prática social, constituinte e constituída das relações sociais. Temos que mudar a visão estreita de que educação só é "escolarização" e só se encontra na escola de forma oficial; a educação é muito mais que isso, ela está em toda parte pelos movimentos sociais, nos encontros da igreja, na comunicação social... seja lá onde ela acontecer deverá desenvolver o sentimento de que ser cidadão é assumir nosso destino comum diante de uma sociedade que ainda não soube ou não desejou se fazer mais sã e desmanteladora de desigualdades e injustiças.

REFERÊNCIA

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
LUCKESI, Carlos Cipriano. Avaliação da aprendizagem na escola. 2ª Ed. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 2005.
VIANA, M. V. L. A autonomia da escola pública no contexto da reforma educacional: a instrumentalização de um conceito. In: EVANGELISTA, Ely G. S; E SILVA, A. H. (org). Caminhando e abrindo caminhos: trajetória de uma rede municipal de educação. Goiânia: Editora da UFG, 2004. p.219-331.