UMA DÁDIVA EM MINHA VIDA

Ela tem apenas 18 meses de idade e esbanja alegria, saúde, confiança; e provoca uma irresistível ternura em todas as pessoas que lhe contemplam as maneiras simples, o jeito gracioso de pronunciar as palavras que lentamente vai aprendendo; a firmeza e determinação dos passos já objetivos que, embora causadores de muitos tombos, nunca deixam de conduzi-la aonde ela desejar ir. E nesta idade ela sempre acha que pode ir a qualquer lugar. Caminhamos juntos, de mãos dadas, parando inúmeras vezes para observar e comentar sobre as maritacas que passam sobrevoando as casas, o cão que late no quintal mais próximo ou para falar daquele menino que vem vindo na direção contrária. Eu me esforço para entender o que ela pergunta e para responder com a plena convicção de quem sabe tudo, afinal, tenho a impressão de que é assim que ela vê este pobre vovô. Antes, porém, de responder a cada pergunta, preciso adequar minha linguagem ao seu ainda modesto vocabulário, compreender-lhe as idéias e respeitar sua linha de raciocínio ainda incipiente, que gradualmente vai se desenvolvendo. Suas atitudes fixam a clara impressão de que ela sempre sabe exatamente o que quer e nunca duvida da certeza de conseguir seus objetivos. Em cada passeio ela puxa a mão do vovô e entra no armazém para se abastecer de salgadinho, chocolate e refrigerante; depois sai levando tudo numa sacolinha pendurada no braço. (Dona Cida conhece bem os hábitos da sua freguesa). Ela já sabe cumprimentar e agradecer, embora precise sempre ser lembrada da obrigação de fazer uso dessas cortesias. Nunca está indisposta para uma voltinha na praça, para brincar na cama elástica do Zé (que os meninos chamam de pula-pula e ela identifica como pua-pua) ou para tomar um sorvete lá no Dinho. Conhece os locais e os respectivos serviços prestados; e quando entra na sorveteria já tem previamente definidos o tipo de sorvete e os sabores a serem colocados na embalagem pelo vovô. E a cobertura ela sempre varia, apontando várias e decidindo-se por todas. Sabe aonde o pai trabalha e quase sempre quer passar por lá para ver e cumprimentá-lo. Se lhe perguntam onde está indo, dá a resposta clara e precisa: "...sseá vovô". Nestas ocasiões ela não é de muita prosa: diz tchau a todos, puxa a mão do vovô e aponta o caminho a seguir, afinal, ela já o conhece muito bem. Nunca se preocupa com a canseira das pernas, pois sabe que basta parar na frente do vovô e levantar os bracinhos para ele entender a necessidade e assumir a obrigação. Sempre demonstra estar cansada na subida; mas desce do colo do vovô e sai correndo assim que chega à praça e avista o pua-pua do Zé. Às vezes volta para casa dormindo nos meus braços. Contemplo-a enquanto dorme placidamente: uma centelha de vida projetada do Cosmos através de luminescências pueris; suave fragrância da eternidade... Quanta beleza e simplicidade emanam daquele rostinho doce e meigo! E quanta confiança ela deposita neste vovô! Recordo-me do tempo em que era a sua mãe que eu carregava no colo, com o mesmo amor, o mesmo carinho. Via-me, naquela época, crescendo enquanto orientava e amparava o crescimento dela; e agradecendo aos Céus por tê-la enviado e a ela por ter vindo. Presentes assim, verdadeiras dádivas celestiais, são muito caros. São jóias de inestimável valor ofertadas à existência humana para nos mostrar que a beleza da concepção da vida poderá sempre ser perfeitamente admirada no semblante de uma criança que dorme. E facilmente compreendida ao longo de um passeio de mãos dadas na praça...


(Para Samantha, minha riqueza)

JOÃO CÂNDIDO DA SILVA NETO
(escrito em Bueno Brandão/MG)