UMA BREVE TRAJETÓRIA DOS ESCRAVOS NA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO


Luciano Leon

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Resumo:
O presente Artigo trata de esboçar a trajetória histórica do negro escravo no Rio Grande do Sul, desde os primórdios de sua criação com a fundação da cidade do Rio Grande de São Pedro através de uma problematização historiográfica após a apresentação desta metodologia tentaremos mostrar uma maior proximidade do real cotidiano escravo no pampa gaúcho que por sua vez começaram a entrar os primeiros africanos trazidos ao estado vindos das províncias do Rio de Janeiro e da Província de São Paulo por via marítima e a seguir sua importância para o desenvolvimento econômico, social e cultural da região sulina. Além de apontar a incontestável participação dos negros nas específicas guerras da Cisplatina, Farroupilha e do Paraguai, terminando com um brevíssimo estudo sobre a formação de quilombos em solo Gaúcho.
No que se trata da História do Brasil, é incontestável a importância dos negros em sua formação social e cultural, mas é de fácil percepção a omissão de fatos importantes ou a indevida interpretação de aspectos históricos dada pelo processo de branqueamento abrangente até a contemporaneidade que reforçam as versões politicamente influenciadas desde o tempo em que o território brasileiro era colônia de Portugal, e sucessivamente na forma governamental monárquica pós processo de independência do Brasil em 07 de Setembro de 1822, que pela sua própria natureza obtinha o negro como ferramenta irracional, tratado de forma desumana, mas de extrema importância para a funcionalidade deste sistema.
No Rio Grande do Sul não era diferente embora se encontre na historiografia gaúcha a divulgação de obras que divulgam uma visão de pouca hostilidade no que se refere ao tratamento dos escravos no Rio Grande do Sul.
... o Trabalho das estâncias, por ser fácil e mesmo agradável, foi aceito pelos estancieiros que executavam com sua família e uns poucos auxiliares, geralmente escravos, além disso, nas fazendas, cabia ao negro todo o cuidado doméstico. Os escravos nas estâncias eram, em geral, tratados de modo igual ao dos peões livres partilhando da mesma sorte. É a respeito desses que Saint-Hilaire escreveu: Não há em todo Brasil lugar onde os negros sejam mais felizes.(LAZZAROTTO, 2001: 138,139).

A história dos primeiros três séculos do Brasil nos revela a importância da mão de obra escrava como regime de produção dominante, sendo que nos Rio Grande do Sul, as primeiras referências são dadas pelo fundador da cidade do Rio Grande de São Pedro em carta destinada a Gomes Freire de Andrade no dia 12 de Abril de 1737, que em seu conteúdo recomendava aos colonizadores de tal região trouxessem seus escravos e para isso não seriam cobrados os direitos, no entanto nas colônias de imigração não houve escravos, e o motivo deste acontecimento foi a lei nº 183 de Outubro de 1850, promulgada pelo presidente da província José Antônio Pimenta Bueno, e a mesma exigeria o cumprimento de que estava estritamente proibido a introdução de escravos nas colônias do estado, podendo somente acompanhar seus donos em viagens temporárias.
Em alguns casos é necessário fazer um contraponto às apresentações bibliográficas que nos remete ao erro ou interpretações errôneas, ou até mesmo a ocultação inconsciente de fatos importantes para a história da grande massa humana. A História e a Historiografia passaram, passam e passarão por questionamentos bem diferenciados ao longo da própria História. (TORRONTEGUY, 1994: prefácio)


O NEGRO E O PAMPA

A vida rural mesmo se tratando de grandes estancieiros, senhores de engenho e barões do café, sempre foi dotada de dificuldades pela própria realização e responsabilidade de seu trabalho e a relação de submissão que o mesmo tem com a natureza, é difícil comprovar de modo geral a existência de uma vida fácil e agradável para um peão livre, e esta dificuldade naturalmente se multiplica quando se trata de negros escravizados, trazidos para o sul do Brasil, onde o mais terrível e desumano local de trabalho era à base da economia da região pampiana onde sobrava trabalho nas charqueadas até mesmo para os urubus que eram conhecidos no pampa como cirurgiões ou faxineiro das coxilhas pela providência de limpar a enorme quantidade de carcaças e tripas bovinas deixadas ao campo para que a natureza se encarregasse de decompô-las.
O Rio Grande do Sul que no início do século XIX tinha como principal fonte econômica o charque, e as charqueadas sul-rio-grandenses por sua vez dependiam da mão de obra escrava que pela natureza de seu trabalho era árdua e realizada em condições inadequadas de trabalho com uma carga grande de atribuições. O negro escravo no Rio Grande do Sul assim como no restante do território brasileiro não tinha especifica função, o escravo era submetido a todo e qualquer tipo de lavoro, o negro se tornou artífice de quase tudo, na agricultura, desde a abertura de estradas quanto às aberturas dos canais de irrigação e até a derrubada das matas além dos serviços mais pesados; nas charqueadas desde a construção dos estabelecimentos até o condicionamento do charque para exportação, o mesmo escravo que alimentava os animais era o que o sangrava, o que posteriormente o carneava e fazia a retirada do sebo e do couro destinado ao comércio cru ou curtido, e em seguida destrinchava a carne do osso e salgava as mantas e exposeria nas traves de secagem ao sol, e toda esta tarefa tinha que ser executada em um único dia, desde a tropeada do gado do campo ao processo de salgamento para evitar a putrefação da carne. Era o pedreiro, o carpinteiro, o matador de animais, o salgador, o curtidor, etc. Contou Saint-Hilaire: Cerca de 80 negros ocupam-se na construção do curtume e depois nele trabalharam (SANT-HILAIRE, 1924: 137).
As charqueadas começaram a se expandir e foi a partir da primeira charqueada da cidade de Pelotas que estrategicamente situada nas margens do Arroio Pelotas próximo ao canal São Gonçalo, e da vantagem de fazer o descarte dos resíduos orgânicos do gado abatido como os chifres, os cascos, ossos e toda a sangria do animal, além de acesso das embarcações que comerciavam o charque o arroio serveria também como depósito de dejetos orgânicos e os escravos das charqueadas logicamente pelo sistema de trabalho escravista da época é que eram responsáveis por este descarte, portanto isto nos da uma noção do quanto o negro sofria nas charqueadas, e que normalmente os arredores de todo este complexo, o cheiro era de certa forma muito forte, o odor a carniça era constante, a água era extremamente suja, a carga horária de trabalho excessiva, em contrapartida a alimentação era pouca, e os açoites eram muitos.
Nas Charqueadas, porém, onde os escravos eram muitos e visava-se o maior lucro possível, eles eram tratados com extrema dureza. (SAINT-HILAIRE, 1924: 153)
No auge da exploração escrava nas charqueadas gaúchas , tendo aí seu primeiro momento industrial dos Rio-Grandenses, portanto não é possível mais negar a importância do negro na formação econômica e social sulina, na região de Pelotas, as margens do Arroio Pelotas foram situadas 22 charqueadas tendo como a mais importante a Charqueada São João, que chegava ao número de quase cem escravos, apesar de admitida a importante influencia do escravo sulino na economia, a história do proletariado gaúcho ainda está por escrever, e isto nos leva a reflexão de que ao contrário do restante do país o negro escravo do sul não teria contribuído ou existido para a duradoura e temática luta entre senhores e escravos que ultrapassou dois períodos muito importante da História do Brasil, Colônia e Império.

O NEGRO E O EXÉRCITO

O Rio Grande do Sul esteve constantemente envolvido em guerras, seu próprio território foi demarcado por discussões políticas e através do entrevero no campo de batalha delimitaram-se as fronteiras e o negro sulino assim como na formação econômica e social do estado teve muita importância nas atividades bélicas em que o Rio Grande do Sul esteve envolvido tanto ao lado dos gaúchos quanto ao lado dos castelhanos, mas todos servindo os seus senhores, em cada guerra em que os estancieiros lutavam levavam com sigo todos os seus escravos aptos a participar da guerra ao campo de batalha, e estes então por muitas vezes eram classificados de acordo com o local onde trabalhavam, geralmente os negros escravos de fazendas de criação eram incorporados à cavalaria destinavam-se as domas dos cavalos que serviriam tanto de transporte quanto de alimento em algumas extremas circunstancias, a cavalhada era indispensável e considerados indispensáveis aos exércitos , assim como o cuido dos mesmos em todo o percurso bélico, entre tanto o escravo que era empregado ao desenvolvimento das fazendas agrícolas pela sua vivência seria designado pelos oficiais brancos a infantaria de campanha, ou seja, a linha de frente dos exércitos e os negros guerreiros eram os primeiros a entrarem e os últimos a saírem das batalhas travadas por uma infinidade de motivos que dificilmente os contemplaria, isto quer dizer que após uma batalha os negros eram obrigados a tratarem dos animais utilizados no confronto além de carregarem aos acampamentos todos os feridos para que fossem tratados e transportar os mortos de alta patente para que sejam oferecidos sepultamentos cristãos aos oficiais mortos, só depois de todas estas realizações o escravo se alimentaria que por sua vez pudesse descansar.
Toda esta indevida exploração era dada para o negro mesmo contra a sua vontade a possibilidade do escravo melhor servir ao exército em que o mesmo estaria inserido, muitas das vezes sem saber o verdadeiro propósito da colisão humana, sem nenhum interesse pessoal, pelo fato de que as promessas de alforria nem sempre eram cumpridas alguns se alistariam aos exércitos pela esperança de ser liberto, e através dos estudos realizados uma pequena minoria de negros escravos já se incorporavam alforro ao corpo bélico, mas nos períodos pós guerras os escravos sobreviventes alguns teriam que voltar as atividades nas fazendas de seus ex-senhores, e acabavam sendo muito pouco diferenciados dos negros que ainda eram escravos, sujeitos a castigos penosos, mesmo por faltas leves, e todos estes movimentos belicosos toda sua contribuição e importante destreza testemunhada por seus companheiros de batalha não lhe ofertava um melhor tratamento, literalmente lutando a guerra dos outros.
A Revolução Artiguista (1811-1820) teve como princípio uma reforma agrária contra a toda e qualquer proposta imperial, por isso foi combatida com tanto empenho pelo exército imperial brasileiro, até então antes de 1811, Bento Gonçalves da Silva não era conhecido pela história, ainda no posto de cabo ele fez parte do exército luso-brasileiro que invadiu a Banda Oriental, hoje República do Uruguai sobre o comando do Capitão-General D. Diogo de Souza com o objetivo de combater as idéias de Jose Artigas que tinha uma política favorável ao negro e ao pobre, a intenção do caudilho uruguaio era de fazer uma devida distribuição de terras da então denominada Banda Oriental aos mais necessitados, teria o caudilho oferecido cidadania e lotes de terras para os crioulos pobres, para os negros libertos e fugidos e também para os gauchos que tiveram seu espaço natural invadido pelos aramados da propriedade privada que começaria então a préia do gado que subsistia o gaucho do Prata. Logicamente esta reforma iria de encontro aos princípios da coroa, esta intervenção tinha como principal objetivo defender os interesses de Dona Carlota Joaquina que diante da ocupação da Espanha por Napoleão Bonaparte, com tudo isso D. Carlota Joaquina, esposa de Dom João rei de Portugal, era a legítima sucessora de seu pai Carlos IV e de seu irmão Fernando ambos presos por Napoleão e pretendia estabelecer uma nova regência na América.
Com todos estes acontecimentos e a divulgação das idéias e propósitos defendidos por Jose Artigas, o número de escravos fugidos no Rio Grande do Sul tinha aumentado consideravelmente, em contrapartida o engrossamento das tropas Artiguistas pelos negros que seriam denominados por Saint-Hilaire como: os mais valentes soldados de Artigas, e Nicolau Dreys que dizia: "o negro é bom soldado e talvez seja a única profissão para a qual ele é naturalmente próprio" e os denominavam "os suíços da América" (LAYTANO, 1937: 111).
Desde o princípio dos conflitos na Banda Oriental o Lorde Inglês Strangford, interfere porque sendo portugueses e espanhóis aliados à Inglaterra na guerra contra Napoleão não o parecia adequado que pelejassem entre si nos confins deste remoto rincão, e outro motivo para esta intervenção é que é inconveniente para a monarquia Inglesa que o governo do príncipe regente do Brasil adquirisse autonomia.
No início de 1815 Artigas invade a cidade de Montevidéu apoderando-se da mesma após a expulsão dos espanhóis, deixando-a sob o comando do Coronel Otorgués, instalando um governo revolucionário foi oficializado o Reglamento de Tierras, que tomaria as terras adquiridas por emigrados e se daria em distribuição entre os negros livres, índios e crioulos pobres, mas neste momento uma segunda incursão à Banda Oriental já estava sendo planejada pelo exército luso-brasileiro sob o comando do General Lecor, com um exército constituído de tropas regulares e milícias rio-grandenses, a partir deste entrave o General Lecor saiu-se vitorioso e conseguiu a tomada de Montevidéu no início de 1817.
Os partidários de Artigas se refugiaram na campanha oriental, e o exército luso-brasileiro começa a difundir entre os negros alistados nas tropas de Artigas que se colocassem como desertores em troca de sua alforria, mas com o condicionamento de alistamento e prestação de serviços ao exército luso-brasileiro, mas não se engane, esta tática foi usada antes por Artigas, e esta atitude de dar liberdade aos negros e de incorporá-los nas tropas luso-brasileiras é uma forma inteligente de suprir com as necessidades do conflito, ao mesmo tempo acolhe os desertores do exército artiguista, revigora o contingente de suas tropas e entre os anos de 1817 e 1821, 237 escravos desertores do exército artiguista foram incorporados as tropas luso?brasileiras, e isto nos mostra que as evasões militares ocorreram até o caudilho ser derrotado definitivamente em 1820, quando se exilou no Paraguai, e a região da Banda Oriental foi anexada ao território português tendo o General Lecor como governante desta Província agora portuguesa.
Já no contexto da Revolução Farroupilha (1835-1845) é de fundamental importância a contribuição do celebre corpo de Lanceiros Negros Liderados Pelo Major Joaquim Teixeira Nunes e toda a sua contribuição deste destacado grupo de guerreiros para com o exército republicano, mas também é necessário ressaltar a falta de estudos sobre a participação dos negros na Revolução Farroupilha tornando esta questão a menos esclarecida de tão importante episódio da nossa história.
É preciso dizer que desde o seu início, a luta dos farroupilhas contou com importante participação de negros e mulatos. Assim, são os próprios imperiais que informam ? poucos dias após a deflagração da rebelião ? que "A força dos revoltosos que se apresentaram próximo à Azenha e que depois entraram na Cidade de Porto Alegre, não excedia de 80 a 90 pessoas, índios, negros e mulatos, a maior parte armados de lanças." (AHRGS-3, 1985:131). E, no dia em que começa a revolta, o Dr. Hillebrand, líder dos colonos alemães de São Leopoldo informa: "passo a comunicar aos meus patrícios alemães que um partido, pela maior parte composto de negros e índios, está ameaçando as autoridades desta Província" (BENTO, 1976: 172).
Um dos atores importantes para o ingresso de uma grande massa de escravos nas tropas dos rebeldes republicanos foi o chefe farrapo João Manuel de Lima e Silva que logo após a invasão à cidade de pelotas em 07 de Abril de 1836, João Manuel armou cerca de 400 escravos que por conseqüência da batalha teriam ficado a sua disposição e pelo que se sabe João Manuel teria libertado todos os escravos se os charqueadores não tivessem fugido para Rio Grande com os negros que eles conseguiram salvar, e João Manuel de Lima e Silva foi o maior responsável pelo alistamento de libertos, escravos negros, mestiços errantes no exército Farroupilha, o próprio alguns meses antes a sua vitória em pelotas já havia incorporado alforriados numa unidade de infantaria.
Com estas ações, João Manuel foi criticado e contestou estas críticas por carta enviada a Domingos José de Almeida tesoureiro da República Rio-grandense e defendeu seus princípios destacando a bravura e a disciplina dos negros que combateram ao seu lado na Bahia e em Pernambuco durante a Guerra da Independência em 1824. Em 12 de Setembro de 1836 foi criado o primeiro Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negros, mais de 400 homens pouco tempo antes da importante batalha do Seival o qual os lanceiros negros tiveram grande responsabilidade referindo-se a vitória dos rebeldes sobre os imperiais.
[...] complementando, aliás, o que já havia sido planejado e realizado, em parte, desde Pelotas, quando, por exemplo, havia sido decretado para sempre a libertação dos escravos que assentassem praça, "dando serviços à Pátria". Com elementos pessoais dessa origem fora criado em 12 de setembro o 1º Corpo de Lanceiros da primeira Linha, classificado de "incomparável" por Garibaldi, em suas memórias, constituído de praças escolhidos entre os mais seletos domadores de cavalos da Província. Peritíssimos cavaleiros,[...] no dizer de "O Jornal de 9 de outubro de 1838" (FAGUNDES, 1989: 188).
Os Lanceiros Negros geralmente eram negros livres e ex-escravos imperiais que por acordo teriam se comprometido a lutarem como soldados pela causa republicana em sua grande maioria foram recrutados os negros escravos dos campeiros e domadores destinados a continuarem a atribuir os seus saberes das lides junto ao exército republicano e seus saberes a experiência com os animais e tanta qualidade bélica atribuída aos guerreiros negros que no dia 31 de Agosto de 1838 foi criado o segundo Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negros com 436 unidades de combatentes.
É valido lembrar nesta pesquisa que incorporados ao comando republicano havia dois mulatos, o mineiro Domingos José de Almeida e responsável pelo tesouro e finanças da república o carioca José Mariano de Mattos, por duas vezes ministro da guerra e da marinha e presidente da República Rio-Grandense de 13 de Novembro de 1838 a 14 de Março de 1841. José Mariano de Mattos era abolicionista convicto e apresentou à assembléia constituinte um projeto que abolia o cativeiro na república semelhante ao que tinha proposto o vizinho Uruguai, e a reação negatória liderada por Antônio Vicente da Fontoura e secundada por David Canabarro e Onofre Pires foi tão incisiva que houve uma irreparável divergência de idéias entre os Farrapos.
Este fato deixa clara a intenção de facilitar o ataque ocorrido no Cerro de Porongos, atual cidade de Pinheiro Machado, pelas tropas comandadas pelo Coronel Francisco Pedro de Abreu, vulgarmente conhecido pela alcunha republicana como Moringue, que na madrugada de 14 de Novembro de 1844, dilacerou quase que totalmente o grupo de aproximadamente 1.200 soldados farrapos, entre eles o corpo de lanceiros negros totalmente desprevenidos deixando pairante no ar somente dúvidas referentes à autenticidade das cartas de Caxias a Chico Pedro, mas não se tem indícios que Moringue abriria mão da idolatria de proporcionar um ataque surpresa com todos os seus méritos de experiente estrategista para colocar nas costas de Canabarro o rótulo de traidor, e também Caxias não teria a intenção de desmoralizar David Canabarro sendo conivente com uma simples intriga levantada por Chico Pedro, detalhe que nos faz acreditar na veracidade da traição, além de que mais tarde estariam lutando lado a lado na Guerra do Paraguai e este provável acordo feito entre David Canabarro e Duque de Caxias, e o que é questionável até hoje pela subjetiva forma de interpretação e por diversas visões e propósitos, dos historiadores dispostos a estudar a duvidosa conduta de David Canabarro ao desarmar o corpo de infantaria de Lanceiros Negros, o que indicia o propósito de eliminar o maior número de negros possíveis, pelo fato da abolição proposta pelo modelo político dos farrapos ser incompatíveis com a política imperial se tornando um imenso entrave nas negociações de paz que mais tarde se assinaria em 01 de Março de 1845 o tratado de paz em Ponche Verde.
No inicio de 1845 120 soldados negros foram entregues aos imperiais, na corte, em 1848, eles trabalhavam como cativos no Arsenal e na fazenda de Santa Cruz. E as circunstancias do período pós-guerra obrigaram, sobretudo a vontade libertária dos milhares de cativos que aproveitaram as incompatibilidades e divergência de idéias entre os governantes para aquilombar-se e fugir, sobretudo para o Uruguai.
A contribuição bélica dos negros deu-se continuamente na cronológica trajetória do Rio Grande do Sul e pelos relatos feitos por cronistas e pelos jornais paraguaios de que o exército Brasileiro ao lutar na guerra do Paraguai (1864-1870) não deveria ser temido e classificado como inferior por ter um grande contingente de negros libertos e que serviam o exército regularmente. É fácil evidenciar a participação de ex-cativos em três dos quatro exércitos envolvidos na guerra da tríplice aliança, o governo paraguaio extremamente resistente a presença negra no seu exército recrutou os primeiros negros ao exército no ano de 1865, ou seja um ano após o início da guerra, com a finalidade de suprir a exuberante quantidade de baixas provocadas pela carnificina proposta pela violência de seus combates.
Em Setembro de 1866, outro grande grupo de escravos é incorporado ao exército paraguaio e com a mesma finalidade de suprir as baixas sofridas nesta vez pelas batalhas de Estero Bellaco e Tuyuti nos dias 02 e 24 de Maio de 1866. As autoridades paraguaias, que convocaram os proprietários de escravos para doações voluntárias, ofereciam uma indenização, mas ninguém se permitia reclamá-la (RIVAROLA, 1988: 133). E estes seriam os últimos negros do território paraguaio, podemos dizer então que a guerra de maneira trágica acabou por abolir a escravidão no Paraguai, sendo que do ponto legal a abolição da escravatura no Paraguai foi promulgada pelo Conde D?Eu, por sua própria autoridade.
Deve-se o esclarecimento em que o contexto da guerra se dava contra um país cuja população era de pouco mais de 400 mil habitantes, sendo que os países aliados eram bem mais populosos e a necessidade de aumento de contingente no que nos referimos ao exército paraguaio acabou o governo tendo que tomar medidas extremas no processo de aliciação de soldados, não só a população escrava já tinha sido recrutada em sua totalidade até Setembro de 1866, mas também toda a população masculina do país numa perspectiva geral da população masculina de dez a sessenta anos, crianças incapazes de conduzir armamento e também velhos inválidos foram recrutados e incorporados ao exército paraguaio, o estermínio da população masculina no país é meramente compreendida quando ressaltamos que as convocações só se extinguem três anos depois, ou seja, em 1870.
Já no lado brasileiro o contingente de soldados só poderia aumentar como se pode notar pelos estudos bibliográficos efetuados, apesar de toda resistência do povo que tentava de diversas formas ludibriar as convocações forçadas para a contingência do Corpo de Voluntários da Pátria, o que se tornou posteriormente motivo de piada e deboche por parte da população brasileira, mas as milícias e a criação da Guarda Nacional e apesar das medidas tomadas a evitar o recrutamento quem não tinha posses não tinha como fugir do respectivo alistamento, deixando o prospecto de que a imensa maioria pobre e escrava é quem compunha o exército nacional, e isto é explícito quando o império envia cartas de alistamento para as zonas rurais das províncias para que recrutassem os trabalhadores rurais e esta atitude fez com que desabrochasse muitos conflitos nas províncias.
A compra de substitutos era uma forma de fugir ao recrutamento e por mais este motivo mais escravos acabaram incorporados ao exército lutando em nome de seus proprietários, e esta prática se tornou freqüente na sociedade que acreditava que a guerra era apenas para os negros e pobres e não para o cidadão de posses. Além de convocados de forma compulsória, escravos ou seus descendentes libertos sofriam com a discriminação racial dentro do próprio exército. O contingente sulino do Rio Grande do Sul e o nordestino em especial da Bahia foram às províncias que mais contribuíram com homens para a guerra.

OS QUILOMBOS EM TERRAS GAÚCHAS

Em um rápido levantamento em fontes primárias podemos observar que o "Jornal Rio-Grandense" especialmente no ano de 1848, nos relata vários anúncios de escravos fugidos, a qual nos prenderemos neste trabalho a quantidade de detalhes específicos de alguns cativos fugidos, porém estas informações eram detalhadamente impressas dando características físicas desde a altura, tom de pele, cicatrizes e marcas de nascença, nome o qual atendia; e suas habilidades geralmente eram negadas quando se tratava de fugitivos, mas o mesmo negro quando se tratava de um anúncio de venda eram lhe atribuídas uma enorme lista de qualidades, mas entes negros fugidos para onde iriam?
Através da diversidade de origem dos africanos escravizados, referindo-nos a língua, cultura, civilização, não eram poucos os elementos que dificultasse a organização de grupos de escravos no Brasil, no entanto a grande dispersão geográfica do País e também do pampa gaúcho, o que caracterizava a relativa distancia entre os principais centros escravagistas e comerciais urbanos, dando ao escravo fugitivo uma vasta região onde poderia se estabelecer com sucesso, não sendo suficiente a vigilância do senhor de escravo, da polícia e do exército para que se evitassem as fugas. Mesmo perante tantos aspectos negativos e que dificultava a fuga dos cativos sulinos, não pode se deixar de enfatizar as tentativas como a de Pelotas em 1848 e da Bahia de 1807 e 1835, estas mais específicas forma de resistência ao trabalho escravo, deu se por resultado a constituição de "quilombos" ou "mocambos", são estes os dois nomes que designariam esta formação habitacional marginalizada pela sua própria natureza de criação e princípios lógicos estabelecidas paralelamente à sociedade "oficial" antes e também após o século XVII.
O Rio Grande do Sul oferecia condições de subsistência o que facilitaria por especificidades do nosso território geográfico especificamente bem dotado de recursos para a sobrevivência nos quilombos, mas afinal quantos foram eles? E onde se localizariam estes quilombos? Estas e outras perguntas que ainda não nos dá uma verdadeira idéia da realidade da contingência quilombola, e redundantemente neste trabalho vêm enfatizar a falta de estudos sobre o escravo sulino. O que se sabe e vale ressaltar, é a grande quantidade de cativos fugidos da Província do Rio Grande de São Pedro que atravessaram a fronteira rumo as Missões, Entre Rios e a Banda Oriental onde seriam acolhidos e receberiam cidadania através do plano de governo Artiguista.
De modo que avançamos pelas regiões noroeste da cidade de Pelotas, o calmo e virgem relevo do litoral gaúcho será aos poucos substituído pelo alto relevo das coxilhas nos serros, "O Dorçal do Canguçu", a Serra de Tapes, com sua rica vegetação proporcionando a diversa providencia alimentar para os fugitivos assim proporcionando um melhor lugar para a concentração de quilombolas em terras gaúchas, bem regado por arroios, com a abundante possibilidade de caça e pesca além de boas terras para o cultivo de alimentos que em muitas vezes entravam no fluxo comercial da cidade. Locais vagamente denominados pela nossa falha historiografia chamados de "Arroio dos Quilombos", "Ilha dos Quilombos" e assim eram nomeadas diversas regiões do país onde encontra-se a concentração de quilombolas.
Locais de uma maior concentração escravista sem dúvida foram relacionados aos locais de concentração de quilombos, tais como Pelotas, Candelária, Jaguarão, Osório, Viamão e Santa Maria no Centro do estado, entre eles também temos o "Arroio dos Quilombos, pequena concentração de quilombolas próximos às margens do arroio pelotas. No início do século XIX, antes da chegada dos primeiros colonos, os quilombolas que se estabeleceram por ali, tiveram que se acostumar com os combates de resistência contra as forças escravistas.
Outro quilombo reconhecido pela nossa história é o Quilombo do Negro Lucas, situado na Ilha dos Marinheiros em frente à cidade de Rio Grande o Jornal "Observador" de quarta-feira, 09 de Janeiro de 1833, diz em sua primeira página que se há mais de dez anos se acha fugido, e embrenhado no mato da Ilha dos Marinheiros um preto de nome Lucas junto com muitos outros escravos fugidos, e o mesmo andava sempre armado de espingarda, espada e faca, foi efetuada uma operação onde um delegado e quatro integrantes da Guarda Nacional passaram 12 dias atrás do Negro Lucas, com a ajuda de um pardo que ao dar informações a respeito de Lucas, proporcionou sucesso a esta operação, que também foi noticiada pelo jornal "Observador" na sua edição de número 72.
O último quilombo e ser mencionado, mas não menos importante é o quilombo de Manuel Pedreiro, relatado pelo jornal Pelotense "Princesa do Sul" de Outubro de 1952, e os indícios que nos leva a estudar este artigo é a provável escrita procedência seja através dos documentos da Câmara Municipal de Hodiernas, cidade de Pelotas, no jornal podemos apreciar os relatos que em 1831 e 1832, tratava-se de problemas colocados pela alta escravaria na região deste município, e exaltava a existência de 4.000 escravos espalhados pelas charqueadas existentes ao redor do Arroio Pelotas e os relatos existentes tanto nesta edição quanto nas posteriores é de que a Câmara solicitou ao presidente da Província verba para ser destinado ao combate aos quilombos que abrigavam perigosos fugitivos do sistema escravagista que marginalizados pela sociedade comum se voltassem à prática de crimes como o roubo, com o esconderijo na Serra de Tapes. A resposta da Província foi imediata e destinou 2.400$00 reis para a extinção dos núcleos quilombolas, o ofício enviado ao Senhor Presidente da Província nos dá, uma aproximada noção de que poderia ser o quilombo chefiado por Manuel Pedreiro, que pelo nome se sabe o seu ofício, seu núcleo de 09 escravos fugidos, mas tentava engrossar sua comunidade libertando africanos ou crioulos ainda cativos muitas vezes a força, e o rapto de mulheres também era uma prática constante do grupo liderado por Manuel Pedreiro, já que o número de mulheres trazidas pelos negreiros era de fato decrescente.
E a derradeira notícia relatada referência de pequenos artigos pelotenses seria que a Câmara percebendo o perigo da intromissão dos "Nucas Raspadas" pelas vilas da cidade de modo a valer o serviços prestados pelos colonos, operando a organização da polícia volante cujo o comandante seria atribuído de diárias de 1$270 reis e os camaradas de 640 reis, além de gratificações pela prisão ou extinção dos mal feitores que pela cabeça do chefe Manuel Pedreiro foi oferecido 400$000 mil reis e pelos companheiros criminosos 100$000 reis cada um.
A importância do negro na formação social é incontestável e tão importante quanto qualquer outra que se apresente no contexto da História do Brasil, cabe aos historiadores contemporâneos fazer a sua parte e salvar a história do negro brasileiro, que não é menos importante que a do homem branco.

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