Uma breve e insuficiente abordagem das teorias do conflito na moderna sociologia criminal.

O paradigma hegemônico do estrutural-funcionalismo de Parsons perdurou até os anos de 1960, através das teorias do delito e do desvio que se caracterizavam por uma visão consensual de sociedade. O paradigma oposto que privilegia a idéia de conflito, tinha, além de Simmel, cujas idéias se faziam presentes na Escola de Chicago, os antecedentes de Weber (conflito constante em torno da distribuição de recursos escassos) e de Marx (conflito central derivado da luta do homem para abolir as divisões impostas pelas relações de produção).

As teorias do conflito pressupõem que existem na sociedade diversos grupos e subgrupos que, casualmente, apresentam disparidades em suas pautas valorativas. É apartir dos anos 60 que os novos teóricos do conflito são atraídos por acontecimentos que lhes permitiam colocar à prova os pressupostos do estrutural-funcionalismo.

As teorias do conflito divergem das teorias do estrutural-funcionalismo, principalmente, porque enquanto essa parte do pressuposto lógico de que uma sociedade consistente em valores que são produtos de um amplo consenso, aquelas sustentam que o conflito, e não o consenso, é quem garante a manutenção do sistema e promove as mudanças necessárias para o desenvolvimento dinâmico e estável.

Leciona Azevedo, que são Dahrendorf e Coser que vão fixar as bases da teoria sociológica conflitual para o desenvolvimento dessa virada teórica:

Ralf Dahrendorf fundamenta sua teoria na idéia de que o conflito se produz em torno das relações de autoridade, o que coincidiria com os conflitos sociais europeus e americanos da década de 60, com a chamada "explosão de conflitualidade" nas modernas democracias ocidentais. Apoiando-se em Weber, sustenta que a unidade básica da organização social são as "associações imperativamente coordenadas", que estabelecem dois conjuntos de posições: a posição de dominação ou posse de autoridade, e a posição de submissão (Azevedo, 2000, p. 80).

Dahrendorf afirma que o sistema capitalista foi substituído por uma "sociedade pós-capitalista" que se caracteriza pela separação entre propriedade e controle social, o citado autor acredita na existência de um conflito permanente e em um protesto interminável e inevitável contra os sistemas de estratificação social (Taylor, Walton e Young, 1990, p 256/264).

A orientação da nova criminologia do conflito está fundamentada em quatro postulados, quais sejam: a ordem social da moderna sociedade industrializada não está baseada no paradigma do consenso, senão na idéia de dissenso; o conflito não expressa uma realidade patológica, senão a própria estrutura e dinâmica da mudança social, sendo funcional quando contribui para uma alteração social positiva; o direito representa os valores e interesses das classes ou setores sociais dominantes, não os gerais da sociedade, procedendo, assim, a justiça penal na aplicação das leis de acordo com referidos interesses; o comportamento delitivo é uma reação à desigual e injusta distribuição de poder e riqueza na sociedade.

García-Pablos leciona que através do "relançamento" pelo pensamento marxista e não-marxista da teoria do conflito (Dahrendorf, Simmel, Vold, Turk, R. Quinney, Clambliss, entre outros), observou-se que:

"O suposto monolitismo (unitariedade) da ordem social baseado em um hipotético consenso entrou em crise, diante da evidência de que a moderna sociedade democrática é uma sociedade pluralista, antagônica e estratificada, onde coexistem numerosos grupos e subgrupos, com seus respectivos códigos de valores, que tratam de conquistar um espaço social, e sendo possível, o próprio poder político que permitia definir, de acordo com seus interesses particulares, a hierarquia oficial dos valores."

Em síntese, os modelos de conflito propostos pelas teses marxistas e não-marxistas diferenciam-se da seguinte maneira: as teorias marxistas do conflito incumbem ao crime uma função nas relações de produção da sociedade capitalista, ou seja, as repartições da Justiça Penal estariam organizadas para recrutar a população desviada dentre indivíduos das classes trabalhadoras, que constituem a sua clientela natural. Ademais, "para a análise criminológica marxista o delito é sempre um produto histórico e contingente da sociedade capitalista, uma expressão de contradições sociais, e não de características do indivíduo."

Já para as teorias de base não-marxista o crime é produto normal de tensões sociais e carece de significado patológico. Para essas teorias, a ordem social é constituida de uma pluralidade de grupos, segmentos e estratos, que disputam o poder político sem chegar a monopolizá-lo por completo. As estruturas de dominação se articulam sobre a base de um poder diferenciado, não absoluto, sendo este só um dos fatores que inspiram a criação e o processo de aplicação das leis. Estas teorias, ademais, situam o conflito em um remoto e abstrato âmbito político, desconectado dos modos de produção e da infra-estrutura socioeconômica da sociedade capitalista.

Não obstante as importantes contribuições proporcionadas pelas teorias conflituais, não ficaram imunes de opiniões críticas, acerca disso, Azevedo dispõe:

As diversas criminologias do conflito cumpriram o importante papel de desmistificar o paradigma consensual da escola estrutural-funcionalista. Não escaparam, porém, de receber a crítica pelo déficit empírico que apresentam, já que se sustentam em uma excessiva carga especulativa e generalizante. Em termos político-criminais é que as suas deficiências se tornam mais evidentes, ao sustentarem o ideal utópico de solução do problema criminal pela substituição do sistema social (Azevedo, 2000, p. 88).

Referências:
Achutti, Daniel. Modelos Contemporâneos de Administração da Justiça Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e Controle Social. São Paulo: IBCCrim, 2000

_________. Seis Anos de Juizados Especiais Criminais ?Um Olhar Sócio-Jurídico. In: Boletim do IBCCIM n.º 107, Ano 9, Out./2001.

_________. Conciliar ou Punir? ? Dilemas do Controle Penal na Época Contemporânea. In: Wunderlich, Alexandre & Carvalho, Salo de. Diálogos Sobre a Justiça Dialogal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

Gauer, Ruth M. Chittó. Alguns Aspectos da Fenomenologia da Violência. In: A Fenomenologia da Violência. Gabriel J. Chittó Gauer e Ruth M. Chittó Gauer. Curitiba: Juruá, 1999.

Molina, A. G. P. e Gomes, L. F. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, 3.ª Ed.

Taylor, Ian, Walton, Paul e Young, Jock. La Nueva Criminologia- Contribuición A Una Teoria Social De La Conducta Desviada. Amarrortu Editores, Buenos Aires, 1990.