A tentativa de inserir os guaranis na sociedade colonial Luso-brasileira ocorreu um choque de culturas entre os guaranis e a sociedade Lusa ocasionou a descontrução da cultura guarani imposta pelos portugueses levando a sua marginalização social.

A Guerra Guaranítica foi uma luta armada para por em prática o Tratado de Madri, esse tratado de aliança entre Portugal e Espanha para definir e delimitar as fronteiras de suas colônias na América do sul, que estabelecia a troca da Colônia de Sacramento no Uruguai pelas sete reduções jesuíticas da província de São Pedro do Rio Grande do sul, essa luta que teve como grandes perdedores os índios guaranis que lutaram ao lado dos jesuítas para proteger as missões, já que elas eram o grande empecilho para a concretização do Tratado, porque em um dos artigos que compõem o Tratado, estava a clausula XVI, que nela estava imposta a entrega das missões jesuíticas ao governo Luso:

Das Povoações e aldeias que cede Sua Majestade Católica na margem Oriental do Uruguai sairá os missionários com todos os móveis, e efeitos, levando consigo os índios para aldear em outras terras de Espanha; e os referidos índios poderão levar também todos os seus móveis e semoventes, e as Armas, Pólvora, e Munições que tiverem; em cuja forma se entregarão as povoações à Coroa de Portugal, com todas as suas Casas, Igrejas e Edifícios, e a propriedade e posse do terreno. (GARCIA, Rodolfo, 1930, v. 52.).

Os guaranis que eram os moradores da região antes dos europeus conquistarem a América viram suas terras serem invadidas e suas vidas mudarem com a chegada destes europeus, foram colonizados e catequizados pelos espanhóis nas missões, eles lutaram para ao lado dos jesuítas para manter a posse de suas terras, mas sofreram novamente outra mudança em suas vidas já que com a derrota na guerra, agora eles teriam que seguir as ordens da coroa portuguesa, e que após o conflito,os guaranis missioneiros se dispersaram pelo estado, principalmente por mando do governo luso que via neles, apoiadores da coroa espanhola, conforme Teófilo Otoni Vasconselos Torronteguy diz:

Depois da Guerra Guaranítica as populações missioneiras ficaram na dependência de sua própria sorte. Soldados espanhóis, a mando de Buenos Aires, ocuparam o território do antigo complexo dos Setes Povos. Portugueses, em 1801, ocuparam definitivamente as Missões. Os Lusos entenderam que as populações guaranis eram aliadas dos espanhóis. Com medo de uma união dos guaranis contra a dominação portuguesa foi forçada uma migração.(TORRONGUETY,1997, p.311.).

Com a migração forçada dos guaranis, eles foram aldeados em diversas regiões do estado, nessas aldeias procurava-se reprimir e substituir à identidade étnica do guarani missioneiro, fazendo com que eles aprendencem a língua portuguesa e seguissem a cultura Lusa, para que assim conseguissem inserir-se na sociedade Lusa, porque para os Lusos a cultura guarani era bárbara e ainda pior porque eles eram guaranis missioneiros, como Protasio P. Langer se refere:

Por serem índios, conseqüentemente dotados de outra cultura eram tidos pela sociedade luso-brasileira como "bárbaros, indolente e infiéis".[...] O fato terem sido catequizados pelos jesuítas representava, para os que se julgavam "esclarecidos", um acréscimo de deméritos e atributos negativos. .(Langer,1997, p.490.).

Assim como Ana Lucia Herberts de que o objetivo do aldeamento dos indígenas, visava concentrar os índios em áreas específicas, com o objetivo de diminuir o movimento dos indígenas no território,
Libertar as terras ocupadas por eles destinando elas aos colonizadores europeus e civiliza-los e catequiza-los, tirando eles do estagio selvagem, para integra-los como mão-de-obra barata, para o possível uso de sua força de trabalho na substituição dos escravos negros(HERBERTS, 1997, p.452.).

Mas o aldeamento não foi efetivo em seu objetivo, pois a resistência dos guaranis foi muito forte, além disso, a incapacidade dos administradores portugueses de compreender a cultura dos guaranis foi determinante para seu fracasso, o pouco interesse dos jesuítas na catequização dos índios agravou a situação, "muitos desses missionários ignoravam a língua indígena, o que dificultou a comunicação com os índios"(HERBERTS,1997,p.454.), o que acabou por durar pouco tempo esse modelo de inserção dos guaranis na sociedade luso-brasileira.

Entre os portugueses havia o estereótipo de que os índios eram preguiçosos, avesso ao trabalho regular e continuo, conforme Egon Schaden, que a não existência de estímulos econômicos, nas culturas nativas, no sentido de se adquirir prestígio e elevação de status social pela eficiência na produção de valores materiais de qualquer natureza, que representa "um empecilho para a aceitação de padrões de trabalho regular e contínuo"(SCHADEN,Egon, 1969, p.168.), além disso a relatos que os indígenas gastavam tudo que ganhavam em pouco tempo e viviam boa parte do tempo na indigência.

Conforme Egon Schaden:

Os índios, quer dispersos pela fragmentação da comunidade de origem, e por isso mais ou menos individualizados do ponto de vista social e econômico, quer mantendo ainda boa parte dos liames que os unem num grupo local distinto da população cabocla, não somente permanecem índios em sua própria conceituação, mas são também definidos como tais pelos seus vizinhos[...]O simples fato de se terem por índios e serem tidos por tais afigura-se como índice de sua resistência, voluntária ou involuntária, á assimilação, pouco importando a medida em que tenha avançado o processo aculturativo(SCHADEN,1969, p.166/167.).

No entanto complementa Ana Lucia Herberts:

A inexistência de um estudo das populações indígenas, que permitiria avaliar a melhor forma de proceder para "civilizá-los", foi responsável pela incompreensão do modo de vida nativa dos índios por parte do governo e da população branca da época. Os índios eram classificados como preguiçosos e indolentes, não dispostos ao trabalho. No entanto, sabe-se que entre os indígenas não havia necessidade de produzir mais do que necessário á sua sobrevivência e muito menos excedente para a comercialização. Eles estavam habituados a retirar de forma coletiva aquilo que precisavam da natureza. A concepção da vida indígena era muito diferente da sociedade moderna, o que acarretou o choque entre ambas as culturas(HERBERTS, 1997, p.456.).

Esse choque cultural de ambas as partes, e a resistência voluntária ou involuntária dos guaranis missioneiros, trouxe prejuízos para os dois lados, conforme Protasio P. Langer, o governo Luso investiu muito capital para manter os custos da aldeia além de construir uma infra-estrutura para a mesma, o que levou a não obtenção de uma mis-valia suficiente para cobrir os gastos efetivados, continua Langer, para o guarani missioneiro, a medida que ele foi forçado a abandonar sua vida de aldeado, buscou formas alternativas de sobreviver para não se submeter ao processo de repressão de sua identidade e a um trabalho que não permiti-se realizar sua vivência econômica, mas "as fugas e a dispersão, manifestassem a defesa de sua cultura, acabou descaracterizando o guarani missioneiro"(Langer, 1997, p.494.).

Desse modo, acarretou na descaracterização da cultura do guarani missioneiro, pois já não era missioneiro, porque não vivia na aldeia, nem tribal devido as marcas deixadas pela cultura européia, nas missões e não se incorporou a sociedade luso-brasileira, em oposição a esta. O que levou a sua marginalização social e a uma crise de identidade, segundo Langer :
Marginalizado, porque se viu obrigado a viver à margem da sociedade luso-brasileira, garantido sua subsistência com categorias econômicas até então desconhecidas por ele: trabalho assalariado, peão de estância, roubo de gado, por exemplo. Em crise de identidade, porque já não conseguia ser guarani nem missioneiro e contestava os padrões culturais luso-brasileiros.(LANGER, 1997, p.494.).

Com a derrota na guerra guaranítica, os índios guaranis se viram em uma nova situação, se antes eles obedeciam a coroa espanhola, agora eles deviam obediência aos governo Luso, essa mudança acarretou na descaracterização de sua cultura pois, os portugueses procuram substituir a cultura do guarani pela portuguesa, para inserir eles na sociedade luso-brasileiro como mão-de-obra barata, mas a resistência voluntária ou involuntária do guarani missioneiro levou a sua marginalização social e perca de sua identidade cultural, pois não é mais missioneiro, tão pouco tribal e em constante discórdia com a cultura luso-brasileira.
No entanto a questão dos guaranis missioneiros após guerra guaranítica, vai mostrar como eles sobreviveram na sociedade luso-brasileira, a sua integração social. Mas para compreendermos como isso ocorreu é preciso destacar e compreender três fenômenos para se entender como o guarani se integrou socialmente, são eles a aculturação, etnia e exclusão e marginalização social.

A questão sobre a aculturação que o processo no qual ocorre a transformação de uma cultura que substitui seus padrões culturais por outros de uma outra cultura que difunde seus aspectos culturais característicos no meio da mesma, havendo durante esse processo, as fases de perda cultural e de morte cultural ou processo através uma cultura é transformada devido a substituição de seus padrões culturais pelos de outra cultura que se difundi sobre ela, seus aspectos culturais característicos.

No caso da aculturação do guarani missioneiro ela ocorreu em duas fases: primeiro eles foram colonizados pelos espanhóis através da ação das Missões Jesuítas nos séculos XVI e XVII, na qual os jesuítas catequizavam e treinavam os índios para o trabalho, e introduziam os preceitos cristãos e europeus. Mas após o Tratado de Madri, em que foi troca das reduções jesuítas pela colônia de sacramento, os guaranis passaram a seguir as ordens da coroa portuguesa, assim vem a segunda fase de sua aculturação, o aldeamento promovido pelo governo luso-brasileiro, onde procurava substituir e reprimir identidade étnica guarani missioneiro, como Protasio P. Langer se refere:

Por serem índios, conseqüentemente dotados de outra cultura eram tidos pela sociedade luso-brasileira como "bárbaros, indolente e infiéis".[...] O fato terem sido catequizados pelos jesuítas representava, para os que se julgavam "esclarecidos", um acréscimo de deméritos e atributos negativos. .(Langer, 1997, p.490.).

Um tema que é importante se ressaltar é a quanto a etnia, que é um grupo social na qual a identidade se define pela comunidade de língua, cultura e território. Conforme Lucio Levi falar a mesma língua, estar radicado no mesmo ambiente humano e no mesmo território, possuir as mesmas tradições são fatores que constituem a base fundamental das relações da vida cotidiana, que marcam profundamente os indivíduos, que se transformam num dos elementos da sua personalidade e definem, a caráter especifico do modo como vivem de determinada população.

A etnia guarani sofreu diversas mudanças ao longo de sua história, antes da chegada dos europeus em suas terras eles viviam da forma primitiva, eles viviam em tribos eles tinham uma etnia tribal, com o contato com os europeus e na seqüência a sua catequização e aprendizagem dos preceitos cristãos, agora ele era guarani missioneiro, ou seja, um índio cristão que vivia nas reduções jesuítas, e seguia os preceitos cristãos, mas após a guerra guaranítica, sua etnia passou por outra transformação, agora seguindo as diretrizes do governo luso-brasileiro, eles foram aldeados onde se procurava reprimir e substituir a sua identidade étnica.

Com o aldeamento o governo luso-brasileiro procurou introduzir o guarani missioneiro na sociedade, nesse processo de inserção social acabou por não dar certo, o que aconteceu foi o contrario, com a resistência dos guaranis, eles acabaram excluídos da sociedade e conseqüentemente marginalizados que conforme Robert Castel:

As situações marginais aparecem ao fim de um duplo processo de desligamento: em relação ao trabalho e em relação à inserção relacional.Todo indivíduo pode ser situado com a ajuda deste duplo eixo, de uma integração pelo trabalho e de uma inserção relacional.

Esquematizando bastante, distinguimos três gradações em cada um desses eixos: trabalho estável, trabalho precário, não-trabalho; inserção relacional forte, fragilidade relacional, isolamento social. Acoplando estas gradações duas a duas obtemos três zonas, ou seja, a zona de integração (trabalho estável e forte inserção relacional, que sempre estão juntos), a zona de vulnerabilidade (trabalho precário e fragilidade dos apoios relacionais) e a zona de marginalidade, que prefiro chamar de zona de desfiliação para marcar nitidamente a amplitude do duplo processo de desligamento: ausência de trabalho e isolamento relacional.(CASTEL,1997,p.23)

Contudo como podemos ver o processo de aculturação, que é a assimilação ou substituição de uma cultura por outra, acaba por trazer mudanças também na sua cultura étnica, pois essa começa viver de outro modo, com outra cultura com uma nova identidade, mas o que acontece quando um grupo que deve ser aculturado resiste a isso ele acaba excluído e marginalizado socialmente, pois este vive a parte na sociedade.


Referências
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CASTEL, Robert. A dinâmica de processos de marginalização : da vulnerabilidade a desfiliação. Caderno CRH, Salvador, n. 26/27, p. 19-40, jan./dez. 1997 Disponovel em : http://www.scielo.br/scielo
GARCIA, Rodolfo. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicados sob a administração do diretor Rodolfo Garcia, v. 52, (1930). Documentos sobre o Tratado de 1750. Rio de Janeiro: M.E.S., 1938.
HERBERTS, Ana Lucia. Anais do XI Simpósio Nacional de Estudos Mssioneiros, Missões: A questão indígena. Ijuí: Editora Unijuí, 1997.
LANGER, Protasio P. Anais do XI Simpósio Nacional de Estudos Mssioneiros, Missões: A questão indígena. Ijuí: Editora Unijuí, 1997.
SCHADEN, Egon. Aculturação Indígena. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1969.
TORRONGUETY, Teófilo. Anais do XI Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros, Missões: A questão indígena. Ijuí: Editora Unijuí, 1997.