A gênese do modelo escolar de alfabetização data aproximadamente um pouco mais de dois séculos de história. Surgiu na França após a Revolução Francesa. 

A alfabetização se tornou o fundamento da escola básica e a leitura – escrita sinônimos da aprendizagem escolar. Historicamente, podemos defini-lo em três períodos : 

- Primeiro Período: que corresponde, aproximadamente, a primeira metade do século, em que as discussões centravam-se basicamente no ensino. A busca se dava no sentido de encontrar o melhor método para ensinar a ler, embasado na concepção de que a ocorrência do fracasso escolar relacionava-se, diretamente, a adoção de métodos inadequados de ensino. 

- Segundo Período: o segundo período centralizava-se geograficamente nos Estados Unidos, referindo-se a ampliação da discussão das idéias sobre a alfabetização em torno da questão do fracasso escolar.

Inúmeras pesquisas foram realizadas com o intuito de se compreender o que havia de errado com as crianças que não conseguiam aprender. Procurava-se encontrar no aluno a razão de seu próprio fracasso. Foi justamente neste período que surgiram as teorias que na atualidade denominamos de “teorias do déficit”. 

- Terceiro Período: o terceiro período, por sua vez, trouxe consigo uma mudança de paradigma. Ao invés de ir em busca de explicações para o déficit dos que não conseguiam aprender , propunha-se a investigar o porque as crianças não conseguiam aprender a ler e escrever sem dificuldades, sobretudo, identificar a concepção daqueles que não se alfabetizaram com relação a escrita. 

No Brasil, o entendimento dos professores acerca da alfabetização passou por intensas modificações com a publicação dos trabalhos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky em 1985. A partir da investigação realizada por essas autoras, e demais pesquisadores, sentiu-se a necessidade de empreender a revisão das concepções norteadoras que permeavam o universo da didática da alfabetização. 

As transformações ocorridas, por sua vez, trouxeram à tona o fato de que a escrita não restringe-se, exclusivamente, a um código de transmissão gráfica de sons, sobretudo, a valorização de conhecimentos prévios anteriores a aprendizagem formal da leitura e da escrita. Mediante a isso, percebeu-se também as conseqüências ocasionadas pela diferenças de oportunidades entre as crianças de opostas classes sociais. 

Contudo, ao longo de sua história a escola brasileira fracassou e, ainda, tem fracassado em sua tarefa de garantir o direito de todos a alfabetização. 

Nem mesmo com a democratização do acesso escolar ela tem conseguido ensinar efetivamente todos a ler e a escrever, especialmente quando seus educandos provêm de grupos sociais desfavorecidos socialmente. 

A inexistência de concretas explicações para as causas do fracasso escolar, direta ou indiretamente, continua sendo atribuída às crianças a responsabilidade de uma suposta incapacidade de aprender e as suas perversas condições de sobrevivência. 

As teorias do déficit cognitivo ou “da carência cultural” contribuíram para a o fortalecimento da crença de que os fatores econômicos, sociais e culturais têm uma estreita relação com a possibilidade do indivíduo aprender.

Neste contexto, o surgimento de programas compensatórios, bem como, a configuração de uma escola transformadora e progressista conseguiram garantir aos alunos o direito de desenvolver diferentes capacidades e habilidades no ambiente escolar. 

Desta forma, foi consolidando-se progressivamente uma cultura escolar da repetência, da reprovação, entendida como um fenômeno natural. Essa cultura passou a exercer uma enorme influência no universo escolar das representações que os educadores foram construindo ao longo dos anos a respeito do fracasso escolar, dos alunos que fracassam e das relações travadas. 

A partir dos anos 80 mediante a uma maior conscientização sobre as questões inerentes a alfabetização e ao fato de que um maior número de oportunidades de participação em práticas sociais de leitura e escrita contribuem diretamente para a constituição do repertório de conhecimentos lingüísticos das crianças e que estes, por sua vez, determinam o tempo necessário a alfabetização, apresentando como sugestão uma diferenciada metodologia de ensino. Ou seja, a defesa de um tempo de aprendizagem adequado às reais condições das crianças: a organização da escola em ciclos. 

A flexibilização do tempo escolar proposta pelo ciclo visa garantir a escola um real ambiente alfabetizador, pautando-se na consideração de diferentes ritmo e tempo de aprendizagem, peculiar a cada educando. 

O desenvolvimento do ensino por ciclos reveste-se em uma possibilidade concreta de superação da concepção imposta pelo sistema seriado, através da mensuração de conhecimentos adquiridos apenas no interior do ambiente escolar, inerente a injustiça do “tudo ou nada” e a estigmatização da promoção versus retenção. E, por conseguinte, o arrefecimento da evasão escolar, que configura-se na grande vilã da retenção que reforça o esteriótipo da responsabilidade do aluno quanto ao seu próprio fracasso. 

No entanto, a organização da escolaridade em ciclos tem deparado-se com alguns obstáculos, os quais podem ser definidos como duas razões principais: 

- ao choque entre uma cultura escolar arraigada historicamente pela seriação versus a concepção de ciclos e da progressão continuada, o que dificulta a sua apropriação em todo o âmbito educacional; 

- noutros casos as condições básicas necessárias para a validação da escolaridade por ciclos nem sempre são asseguradas, conseqüentemente, gerando uma distorção de entendimentos, associando o ensino por ciclos a idéia de promoção automática e, simultaneamente, a apatia da opinião pública.

A proposta da organização escolar por ciclos se constitui na pretensão da superação ideológica de que a reprovação e qualidade trilham o mesmo caminho. 

Em linhas gerais, a organização do processo escolar em ciclos de aprendizagem pressupõem os seguintes objetivos: 

- manter a alfabetização como objetivo do primeiro ano do Ciclo Básico; 

- assegurar propostas eficazes de apoio pedagógico para os alunos com dificuldades de aprendizagem; 

- o favorecimento do trabalho coletivo na escola; 

- a oferta de formação adequada aos professores – formação contínua. 

O reconhecimento das diferenças de repertório sobre a escrita e a leitura pelo ciclo, implica em um efetivo comprometimento com a aprendizagem. Respeitar, considerar as diferenças e valorizar o conhecimento prévio que os alunos trazem consigo, procurando estabelecer um contexto favorável a aprendizagem, configuram-se na base de um trabalho pedagógico comprometido com o sucesso da aprendizagem de todos os educandos.

Contudo, para que se alcance este sucesso a organização escolar por ciclos busca garantir aos professores o direito de aprender a ensina-los, incentivando e propondo a formação continuada. 

Assim, podemos concluir que a organização da aprendizagem escolar por ciclos é um grande avanço para a história da alfabetização, sobretudo, se realmente for desenvolvida com plena responsabilidade e compromisso por parte de cada sistema escolar, professores, pais e educandos.

* Simone Andrade Ribeiro dos Santos Rodrigues é Docente da Rede Municipal de Educação de Rondonópolis, na Escola Municipal Bonifácio Sachetti e Docente de Gestão na CIEI Qualificação Profissional e Informática.