UMA ANÁLISE SOBRE A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO n° 23.396/2013 DO TSE 

Agny Luisy Bezerra Rodrigues

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Resolução n° 23.396/2013 do TSE e sua afronta aos ditames constitucionais; 3. Conclusão; 4.Referências bibliográficas.

Resumo: Ante os fatos ocorridos nos últimos meses, o evento que mais ganhou notoriedade foi o surgimento da Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que tem por objetivo principal a retirada da atuação do Ministério Público para o poder de investigação criminal.  Contudo, pelas diversas manifestações contra esta impunidade, a PEC 37 foi rejeitada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Ocorre que o TSE trouxe à baila a referida discussão, através da Resolução n° 23.396/2013, visando à limitação da atuação do Ministério Público para a apuração de crimes eleitorais, não podendo atuar de oficio, necessitando de autorização judicial para abrir inquéritos policiais. Foi através desses temas polêmicos, que tem como conteúdo a restrição da atuação do Parquet nas investigações pré-processuais, que trouxe esta pesquisadora a se debruçar sobre o estudo da Resolução do TSE, que nos chama a atenção devido à gravidade e um retrocesso que pode causar num Estado Democrático de Direito, se, por meio de uma Resolução, pudesse ser alterada a competência do Ministério Público para a investigação criminal, contida na Constituição Federal. É notória, também, a inconstitucionalidade da referida Resolução, posto que invade a competência da União, que é privativa, para legislar sobre direito processual penal.  A temática não é tão simples assim, remete o atual sistema processual penal ao temido Sistema Inquisitivo, que possui como característica principal a concentração do poder nas mãos do julgador que, por sua vez, também exerce a função de acusador. É o que estatui a Resolução do TSE, para que o Ministério Público possa conduzir uma investigação criminal, esta deverá passar pelo crivo do juiz eleitoral. O que contribuirá para a impunidade e acrescente ineficiência desse sistema. Desse modo, este estudo apresenta fundamento por buscar demonstrar o retrocesso do atual sistema de garantias processuais penais, com a edição da Resolução do TSE n° 23.396/2013, e a sua referida incompatibilidade com a vigente Magna Carta.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade – Ministério Público – Crimes Eleitorais – Atuação limitada.

                       

INTRODUÇÃO

Ante todo o movimento realizado pela população e juristas contra a PEC 37, que retirava do Ministério Público o poder de investigação criminal e, sendo, rejeitado de forma unânime pela Câmara dos Deputados, o surgimento da Resolução n° 23.396/2013 do TSE mitigou ainda mais os poderes deste instituto na seara eleitoral, quando propõe a autorização do poder judiciário para a instauração de diligências pré-processuais e inquéritos policiais por parte do Ministério Público.

            A Constituição Federal é bastante clara quando afirma ser o Ministério Público uma instituição dotado de funções, elencadas de forma expressa no seu texto, que tem por escopo defender os interesses sociais, a ordem jurídica e o regime democrático. No âmbito eleitoral o Parquet constitui um papel importante para o regular andamento processual, posto que detém diversas competências, dentre elas a de requisitar diligências investigatórias e instaurar inquéritos policiais. Poderes estes que foram abrandados com o advento da Resolução.

            Como ficou evidenciado, a Resolução feriu diretamente a Constituição em vários aspectos. Dentre eles, a competência privativa da União para legislar sobre direito processual penal. E ainda, por ser norma infraconstitucional não poderia ter restringido a atuação do Parquet, que se encontra no texto constitucional, haja vista que essa limitação só poderia decorrer de uma emenda constitucional.

Na seara jurídica, esse assunto enfrenta divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da plausibilidade da norma frente à Constituição e ao nosso ordenamento infraconstitucional, tendo em vista a clara violação aos preceitos e garantias contidas na Carta Magna e no Código Eleitoral.

RESOLUÇÃO N° 23.396/2013 DO TSE E SUA AFRONTA AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS

O Ministério Público como instituição permanente tem por principal atribuição a de defender a ordem jurídica, os interesses sociais e o regime democrático. A Constituição Federal com o escopo de garantir o alargamento dessa democracia estabeleceu inúmeras funções institucionais ao Ministério Público, elencadas no art. 129.  E quando se fala em instituição, lhe é conferida uma verdadeira autoridade para os atos necessários ao exercício de suas atribuições.

            Na seara eleitoral não é diferente, o Parquet, além da condição de custus legis, ainda possui a competência para promover ações ou representações contra candidatos, impugnar registros de candidatura, oferecer denúncia em casos de crimes eleitorais, como também requisitar diligências investigatórias e instaurar inquéritos policiais, dentre outras atribuições.

            Entretanto, tendo em vista os últimos acontecimentos que ganharam notoriedade no mundo jurídico, como o surgimento da Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que teve por objetivo principal a retirada da atuação do Ministério Público para o poder de investigação criminal, sendo rejeitada por unanimidade pelo plenário da Câmara dos Deputados, ficou demonstrado a tentativa de mitigar as competências atribuídas constitucionalmente ao Parquet.

            Ocorre que o Superior Tribunal Eleitoral trouxe à baila a discussão contida na PEC 37, através da Resolução n° 23.396/2013, que em seu art. 8° estatui: ″o inquérito policial eleitoral somente poderá ser instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo hipótese de prisão em flagrante.″ Ou seja, a referida Resolução impede que o Ministério Público, de ofício, instaure inquéritos policiais com o propósito de apurar crimes eleitorais, devendo, para tanto, pedir autorização à autoridade judiciária.

            Não restam dúvidas, que a Resolução do TSE viola diretamente a Constituição Federal, no seu aspecto material, quando impõe a prévia requisição da Justiça Eleitoral para fins de instauração de inquéritos policiais, no que tange a sua repartição de competências para legislar sobre direito processual penal, como também mitiga a própria competência do Ministério Público constitucionalmente assegurado no art. 129.  Essa Resolução torna claro o retrocesso ao Sistema Inquisitório das garantias processuais penais.

O sistema processual penal é dividido em inquisitivo e acusatório. O inquisitivo, nas lições de Guilherme de Souza Nucci (p. 121, NUCCI, Guilherme de Souza): ″é caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador. ″ Quanto ao sistema acusatório, aduz: ″possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão. ″ A atual Constituição Federal adota o sistema acusatório, quando encontramos no seu texto as garantias do devido processo legal, do contraditório, da separação entre o órgão acusador e julgador. É nítido a afronta às garantias supracitadas, quando da adoção do sistema inquisitório, posto que de acordo com esse sistema o juiz investiga, conduz a causa, acusa e depois julga. E é o que se pretende a Resolução n° 23.396/2013 do TSE, nos casos em que houver crimes eleitorais, deverá o Ministério Público ou a própria polícia pedir autorização à Justiça Eleitoral para instaurar inquéritos policiais, cabendo ao juiz a discricionariedade de entender ser cabível ou não a propositura das diligências, para posteriormente, julgar a mesma causa, uma verdadeira ofensa ao princípio da imparcialidade do julgador. Além do mais, os crimes eleitorais são de ação penal pública incondicionada, tendo como legitimado exclusivo para a propositura da ação o órgão do Ministério Público.  Então, quem pode o mais (ajuizar ação penal), pode o menos (requisitar diligências antes do processo).

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3999, entendeu que as resoluções do TSE também podem ser objeto das ações do controle concentrado de constitucionalidade, por retirarem seu fundamento jurídico diretamente da Constituição, tal qual            as normas primárias elencadas no art. 59 da CRFB/88. Desta feita, é perceptível a inconstitucionalidade da referida Resolução, posto que invade a competência privativa da União em legislar sobre direito processual penal, bem como restringe a atuação do Ministério Público nas funções elencadas no art. 129 da CRFB/88, restrição essa que só pode ser feita por meio de uma emenda constitucional que é o meio conveniente para alterar a Constituição.

Por fim, é importante esclarecer que sobre o tema ora trabalhado há diversos posicionamentos. O ministro Dias Toffoli, que foi o relator da Resolução, defendeu a tese de que o poder de polícia é inerente aos juízes eleitorais, cabendo, exclusivamente, a estes, o poder de conceder ou não a autorização para a instauração de inquéritos policiais. Aduziu, também, que esse entendimento já é pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal Eleitoral. No mesmo posicionamento se encontra o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Alberto Rollo, entendendo que, por ser o Ministério Público parte no processo, este não detém de autonomia para instaurar inquéritos de ofício, necessitando, assim, de autorização judicial.

Corrente contrária, como o ministro Marco Aurélio e os juristas Lênio Streck e José Jairo Gomes afirmam pela inconstitucionalidade da Resolução, haja vista a falta de competência do TSE em produzir leis que interfiram no poder investigatório do Parquet, como também criticam a distinção que é feita entre crimes eleitorais, que terão maiores privilégios, e crimes não eleitorais. Para esses autores, a Resolução é um verdadeiro retrocesso social, atingindo gravemente a democracia brasileira e a harmonia da separação dos poderes.

Assim, focamos esse trabalho na análise da inconstitucionalidade da Resolução n° 23.396/2013 do TSE, abordando os mais diversos aspectos sobre a sua conformidade ou não com a Constituição Federal, bem como as funções inerentes do instituto do Ministério Público e a sua importância para com o devido processo eleitoral.

CONCLUSÃO

           

               Ante todo o exposto e sabendo que o tema ora analisado está longe de se tornar um entendimento pacífico pela doutrina, chegamos a conclusão pela inconstitucionalidade da Resolução n° 23.396/2013 do TSE, tendo em vista que o que se estabelece no seu texto legal afronta diretamente e de forma solar os ditames constitucionais.

               É de salientar a relevância da atuação do Ministério Público que, de forma expressa, a Constituição Federal elencou diversas funções institucionais com o escopo de garantir e estender a democracia, como a de defender a ordem jurídica, os interesses sociais e o regime democrático. Como também, o Parquet possui papel fundamental para o regular andamento processual, haja vista que detém a competência de requisitar diligências investigatórias, instaurar inquéritos policiais, dentre outros poderes. Ocorre que, com o advento da Resolução tais competências foram abrandadas, quem sabe até mitigadas, quando  estatui a autorização do Judiciário para que tais condutas possam ser realizadas pelo Ministério Público.

               Desta feita, como o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3999, entendeu que as resoluções do TSE também podem ser objeto das ações do controle concentrado, é perfeitamente cabível a ação direta de inconstitucionalidade em face da Resolução, tendo em vista que o seu teor fere diretamente os preceitos constitucionais.

REFERÊNCIAS

 

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